Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 38) VERGONHA DE SER LIXEIRO OU ORGULHO DE SER AGENTE AMBIENTAL: PERCEPÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS DOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO COMUNITARIA RECICLANDO PARA A VIDA
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SEÇAO: TRABALHOS ENVIADOS

vergonha de ser lixeiro ou orgulho de ser agente ambiental: percepÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS DOS membros DA ASSOCIAÇÃO COMUNITARIA RECICLANDO PARA A VIDA.

Francisco Souto de Sousa Júnior¹*, Fabiana Roberta Gonçalves e Silva², Luiz Di Souza³, e Alzineide Maria Pereira de Lima3.

¹ Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Química, Av: Salgado Filho, Lagoa Nova, N° 3000, CEP: 59072-970, Natal, Rio Grande do Norte. e-mail: franciscosouto@ufersa.edu.br.

² Universidade Tecnológica Federal do Paraná,Departamento de Química e Biologia, rua Cristo Rei,Nº 19,CEP: 85902-490, Vila Becker, Toledo, Paraná.

³ Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, Departamento de Química, Av: Prof. Antonio Campos, BR 102, Km 42, CEP 59610-090, Mossoró, Rio Grande do Norte.

 

Resumo: Os membros da Associação Comunitária Reciclando para a Vida - ACREVI de Mossoró (RN) são exemplos de cidadão que buscam um mecanismo de inclusão social com a atividade de reciclagem de resíduos sólidos. Esta associação foi marcada por momentos de grandes incertezas, angústias e, principalmente, receio dos associados de estarem se inserindo na atividade de catadores/recicladores. No entanto, têm-se observado transformações na vida dos associados que estão conseguindo crescer no enfrentamento às adversidades a partir de um processo de organização social. Deste modo, neste trabalho, analisaram-se as transformações sócio-ambientais ocorridas na vida dos trabalhadores catadores/recicladores da ACREVI, na tentativa de que eles percebam essas melhorias e construam sua própria identidade ocupacional ou “profissional”, livres de preconceitos sociais.

 

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo o crescimento da quantidade de resíduos sólidos tem suscitado debates técnicos e políticos, com tentativas diversas de minimização do problema (MARTINS, 2005). Surgem mediante esta problemática e contexto social vigente em nosso país, iniciativas por parte de pessoas (catadores de lixo), grupos associados, cooperativas e também empresas que buscam enfocar suas ações trabalhistas no processo de coleta, separação, reutilização, reciclagem e comercialização de produtos capazes de gerar trabalho e renda (Magda & Wiebeck, 2004; Zanin & Donnini, 2004).

Assim, seja por razões sócio-ambientais, seja por razões econômicas ou políticas, a tendência histórica de descaso e negligência em relação aos resíduos industriais e domésticos tem dado lugar a um maior cuidado no tratamento desses resíduos, possibilitando a criação de nichos de trabalho e de geração de renda para pessoas dos setores mais pobres da população urbana (BROWN, 2002).

No Brasil, a intervenção do estado enquanto gestor ambiental tornou-se mais estruturada e enfática a partir da década de 80, quando novos instrumentos de monitoramento e controle ambiental começaram a ser implantados, em função do ativismo ecológico e da pressão de agências internacionais financiadoras de projetos no país (AVRITZER, 1999). Os municípios assumiram responsabilidade das tarefas de planejamento e gestão ambiental (BARBOSA, 1993), em atendimento a determinações contidas na constituição de 1988 e na lei Orgânica do Município, apesar de muitos municípios não disporem da estrutura adequada para o cumprimento dessas funções (ABREU, 2001).  Deste modo, a questão da destinação final do lixo é entendida como um dos grandes desafios para as gestões locais (MACHADO et al.; 2002). 

.             No município de Mossoró, RN, a Associação Comunitária Reciclando para a Vida – ACREVI, com o apoio da prefeitura municipal, tem assumido o papel social da coleta e reciclagem de resíduos sólidos produzido por grande parte da população local. Esta Associação tornou-se um exemplo de sucesso no gerenciamento dos resíduos sólidos com base em princípios de sustentabilidade e da economia solidária, ou seja, em relações igualitárias de gênero, a qual vem ganhando apoio e credibilidade junto à sociedade local (SOUTO et al; 2008).

Segundo relato da presidenta da ACREVI, a criação desta associação foi marcada por momentos de grandes incertezas, angústias e, principalmente, receio por parte das mulheres de estar se inserindo na atividade de catadoras/recicladoras. No entanto, têm-se observado transformações sócio-ambientais na vida dos associados, que estão conseguindo autonomia financeira e aumento da autoestima a partir do enfrentamento às adversidades via organização em associação comunitária.

Assim, considerando os pontos supracitados, o objetivo do presente trabalho foi analisar e resgatar as transformações sócio-ambientais ocorridas na vida dos trabalhadores (as) da ACREVI, através dos métodos descritivos e quantitativos, na tentativa de que eles percebam essas mudanças e construam a sua própria identidade ocupacional ou “profissional”.

 

 

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado no período de fevereiro a outubro de 2010, na ACREVI, associação comunitária situada no bairro Nova Vida, Mossoró-RN. Para a elaboração do trabalho utilizou-se duas modalidades técnicas: o método descritivo e o método quantitativo (BOGDA; BIKLEN, 1994), na perspectiva de se abranger a generalização, através do quantitativo e a profundidade, através do qualitativo. O método descritivo não se limitou a uma mera coleta de dados, mas, sim apresentar precisamente as características de uma situação, um grupo ou um indivíduo específico, como recomenda Selltiz, 1974.

No trabalho de campo, o método descritivo foi aplicado no levantamento de dados sobre os catadores/recicladores da associação em estudo. Utilizou-se o método quantitativo, recorrendo-se às entrevistas dirigidas, com questões sobre perfil, características, origem e trajetória dos trabalhadores (as), como recomenda Martins, 2005.

As entrevistas dirigidas, apresentadas de maneira padronizada, foram feitas com 42 catadores/recicladores da associação. Nessas entrevistas padronizadas, além de dados gerais correspondendo à identificação pessoal, foram levantados dados relativos à situação anterior e posterior à atividade de cada trabalhador da associação. Foram obtidos, principalmente, informações sobre a antiguidade na atividade de reciclagem, ao tipo de atividade anterior, à renda média, à independência financeira, à satisfação com o trabalho, ao engajamento em outros trabalhos remunerados, sobre o serviço no galpão da associação, e à participação em capacitações relativos ao trabalho de reciclagem. Em outras perguntas, os trabalhadores foram questionados a respeito de questões sociais, culturais e políticas, como acesso a serviços de saúde e saneamento, condições de moradia e transporte, índice de alfabetização e escolaridade, participação política em instâncias externas ou internas, nas reuniões da associação, e em eventos culturais e meios de informações.

A questão da identificação pessoal com o trabalho de catador/reciclador foi um dos temas recorrentes que perpassaram vários itens da entrevista, desde aquelas relacionadas aos processos de trabalho e à distribuição dos ganhos no galpão da associação, até os itens concernentes à questão cultural e ao lazer. Ademais, tentou-se verificar as expectativas e os desejos que os trabalhadores projetam para o futuro, no sentido de desvelar o que os mantêm na atividade de reciclagem e se esta constitui para eles uma proposta continuada e concreta de vida e de trabalho, ou se é somente mais um ganha-pão precário que se estabelece em termos provisórios até que possam obter outra fonte de subsistência.

Nas entrevistas semi-estruturadas, parcialmente assistemáticas, focalizou-se a atenção em determinados tópicos ou aspectos de uma questão que desejávamos abranger e aprofundar. Partindo de algumas perguntas abertas, o entrevistador pode adicionar outras perguntas para clarificar questões ou reconstruir um determinado contexto. Assim, embora houvesse certa flexibilidade na condução da entrevista, limitou-se o entrevistado aos problemas e questões que estavam sendo investigados.

Esse instrumento foi aplicado também a dez informantes-chaves, com o objetivo de perceber as influências de diversas entidades governamentais e não-governamentais no que diz respeito o funcionamento da associação, os quais são definidos como pessoas detentoras de informações válidas, relevantes e utilizáveis acerca do objeto selecionado para a pesquisa, a saber: quatro funcionarias da Fundação Mulheres em Ação, três funcionários de uma Escola Estadual do bairro onde está a associação e três funcionários da Prefeitura Municipal de Mossoró, já que esta exerce grande influência sobre a organização dos catadores/recicladores da ACREVI, tendo vínculos indiretos com a mesma.

Após a coleta de dados através das técnicas utilizadas, foi realizada a análise das informações recolhidas, articulando-as com os referenciais teóricos pretendidos no trabalho e com outros elementos teóricos selecionados a partir de leituras de textos específicos. Alguns dados quantitativos foram tabulados e classificados de acordo com as técnicas estatísticas de análise, enquanto os dados qualitativos foram analisados após as transcrições das fitas relativas às entrevistas dirigidas.

E para construir a própria identidade ocupacional ou “profissional” dos catadores/recicladores, iniciou varias oficinas que foi realizada no Centro Social do Conjunto Nova Vida, bairro onde a ACREVI está instalada. Para elaborar as oficinas foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre Educação Ambiental e a problemática do lixo. As oficinas contemplaram os associados da ACREVI e interessados que residem no bairro. Foi trabalhado com eles a problemática do lixo da atualidade e como a Educação Ambiental pode ser usada como ferramenta educativa para minimizar tais problemas. Nesta mesma oportunidade repassamos para os mesmos, o que cada um pode fazer para melhorar esta situação, enfocando principalmente o trabalho que já é realizado pela ACREVI, e como esse tem sido usado como modelo alternativo para o gerenciamento adequado dos resíduos sólidos da cidade de Mossoró. As oficinas realizadas posteriormente tinham como objetivo, um aprofundamento teórico sobre a Educação Ambiental, assim como sistematizar os conhecimentos que eles já tinham e como usar estes no contexto onde a Associação está inserida, principalmente no âmbito escolar, já que a mesma é muito visitada pelas inúmeras escolas da cidade.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na declaração de Josefa, fundadora da associação: a ACREVI surgiu por uma necessidade de geração de emprego e renda e educação ambiental na comunidade Nova Vida.

(...)Sempre eu gostei de desenvolver atividades devido à comunidade ser carente; eu e Maldemir - conhecido como Cristo. Cristo disse: Zefa, vamos trabalhar com lixo, material reciclável e educativo. Vamos envolver os vizinho! Primeiro a gente chegar nas casas deles e diz a eles: se é de jogar o lixo pro carro pegar e ir pro lixão, é melhor juntar e a gente vai pegar. Hoje a associação tem nove anos de lutas que a gente tá vendo alguns resultados já, né?”(trecho transcrito na íntegra da entrevista com Josefa presidenta da ACREVI).

No início, a associação não tinha local adequado para armazenar o lixo coletado e o mesmo era levado para a casa de Josefa, depois a Prefeitura Municipal de Mossoró alugou um pequeno galpão e disponibilizou alguns equipamentos para o serviço. Depois, firmou-se parcerias com organizações sociais como a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, o Programa de Desenvolvimento de Área (PDA), chamado Margarida Alves, e o Centro Feminista 8 de Março, que foram significativas para a consolidação da associação e a ampliação de sua base de sustentação política e social.

O trabalho no galpão é organizado de maneira simples, tendo-se a recepção do material coletado como a primeira etapa da rotina. O lixo trazido pelos caminhões da prefeitura Municipal de Mossoró é descarregado por associados e colocado em grandes sesto-depósitos, posicionado em uma das laterais internas do galpão, o que dá início ao processo de triagem: os sacos são, então, abertos, e o lixo passa a ser separado em esteiras (Figura 1). Ao lado dos trabalhadores que separa os materiais, estão dispostas grandes “bombonas” (tonéis), em que os materiais são colocados de acordo com uma classificação usual – garrafas plásticas do tipo PET, polipropilenos ou outros, vidros, etc. Na etapa seguinte, os materiais são segregados e colocados em “grandes sacolas”, onde é armazenado para posterior pesagem, procedimento que já os deixam pronto para a comercialização. Outras tarefas usuais são aquelas de limpeza e varrição dos espaços internos e externos do galpão, pequenas compras e reparos e atividades concernentes à supervisão, à administração e à contabilidade, além de contatos com os compradores e empresas parceiras da associação.

 

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Figura 1. Material sendo separado em esteiras no galpão da associação ACREVI.

 

Na porta central do galpão, normalmente, posiciona um contêiner, onde é colocado o rejeito – o material que não é aproveitado para a reciclagem é posteriormente levado pelo serviço de limpeza urbana da Prefeitura Municipal de Mossoró para o aterro Sanitário da Cidade, localizado a margem direita da BR – 110, Km – 49, no sentido Mossoró – Areia Branca. O rejeito, em geral, consiste em materiais muito misturados e sujos por resíduos orgânicos ou em alguns itens de material seco que ainda não apresentam viabilidade econômica para a reciclagem.

Com as parcerias, observaram-se mudanças econômicas e socioambientais da coleta de resíduos sólidos e seu reaproveitamento, tanto para os associados, quanto para a comunidade que foi sensibilizada sobre a questão dos problemas ambientais causados pelo destino inadequado do lixo.

Nos relatos sobre as trajetórias de formação e de organização da ACREVI, percebe-se, efetivamente, que a consciência de pertencer a um grupo, isto é, a determinação de sua identidade como uma nova categoria ocupacional ou “profissional” leva em consideração não apenas os ganhos materiais relativos às atividades de reciclagem, mas também os aspectos de “resgate” social dos trabalhadores e/ou de vínculo com o tipo de trabalho que estão executando, pela importância que representa como um serviço de cuidado com o meio ambiente. Nesse sentido, questionados sobre sua principal motivação para o trabalho na reciclagem, os recicladores deram respostas variadas, ligadas a fatores de renda e à necessidade de se ter um trabalho; respostas que mencionam o orgulho ou a importância de se trabalhar com o meio ambiente; e respostas neutras, que não especificam identidade com o trabalho ou razões econômicas para o engajamento na ocupação de reciclador.

 

“Eu já trabalhei nas casas dos outros [em casa de família], trabalhei em duas fábricas de castanha, mas eu acredito no trabalho em que todo mundo seja patrão. Não sei por que as pessoas não pensam nessa metodologia que é muito importante, onde você não vai ter patrão e sim cumprir regras dentro da associação. Tenho muito orgulho de trabalhar para o meio ambiente e o que ganho dar para fazer a feira” (trecho transcrito na íntegra da entrevista com Maria José, secretária da ACREVI)

Observou-se que 21% das respostas englobam expressões simples do tipo é por necessidade, pelo sustento, pela oportunidade de trabalho, é lucrativo, até outras mais elaboradas que remetem ao acesso a cursos e palestra na associação. 60% das respostas reuni afirmações breves, relativas à “proteção ambiental” e à reciclagem, havendo alguns catadores que indicam motivo de orgulho, outros, cuja percepção sobre o trabalho é de que reciclando limpa a cidade. Respostas indiferenciadas quanto à identidade e a consciência ambiental contabilizam 19%.

Uma pergunta, colocada aos catadores/recicladores da ACREVI, refere-se sobre a identidade no trabalho, solicitados a assinalar a ordem de prioridade de quatro itens: segurança, respeito, renda e cuidado com o meio ambiente – em relação às atividades desenvolvidas no galpão da associação, 60% dos trabalhadores da associação priorizaram o cuidado com o meio ambiente; 27%, o respeito no trabalho; em quanto segurança e renda ficaram com 6,5% das respostas para cada um desses itens.

Sobre as expectativas concernentes à trajetória no trabalho “profissional”, os recicladores forneceram respostas relativas a perspectivas de “investimento” e de continuidade no trabalho de reciclagem, inclusive com metas a serem atingidas pelo grupo como um todo. Observa-se também descontentamento e de provisoriedade nesse tipo de trabalho, havendo alguns casos de pessoas que estão prestes a sair para buscar outras atividades. Algumas pessoas  não souberam responder (Quadro 1).

 

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Quadro 1: Distribuição dos entrevistados, segundo tipos de expectativa “profissional”, 2009.

 

Para verificar a relação dos recicladores com a atividade de triagem de resíduos e a consciência do que isso representa para o meio ambiente, foi-lhes questionado se procediam à separação do seu próprio lixo doméstico e o que faziam com o lixo orgânico. Todos os associados responderam que separa seu lixo doméstico, sendo que 3% deles utilizam o resíduo orgânico como alimento para os animais domésticos e os demais coloca na coleta regular de lixo (97%).

Além da questão de como os recicladores vêem seu próprio trabalho, é de igual interesse observar suas percepções sobre como são vistos pelos “outros”, ou seja, como crêem que seu trabalho é contemplado na sociedade em geral e, especialmente, na comunidade em que vivem. Para tanto, suas respostas foram classificadas desde as percepções mais favoráveis, de que seu trabalho é visto como uma atividade relevante, interessante, sendo amplamente reconhecida na comunidade, até as que apontam a predominância, entre as pessoas de fora do galpão, de visões preconceituosas em relação ao trabalho na reciclagem do lixo.

O percentual de percepções favoráveis é de 70% dos entrevistados. Alguns apontam a importância da mídia local na divulgação e no reconhecimento social do seu trabalho:

 

“(...) saímos bastante nos jornal”; “(...) as pessoas respeitam, colaboram, elogiam” (trecho transcrito na íntegra da entrevista com dona Ozelita da ACREVI).

Existem também percepções de como o processo evoluiu de visões bem menos apreciáveis até a situação atual, que consideram de reconhecimento e valorização, correspondendo a 10% do total:

“(...) já houve polêmica e falta de reconhecimento, mas hoje somos vistos com bons olhos” (trecho transcrito na íntegra da entrevista com Samuel da ACREVI).

Subsistem, contudo, as percepções de que são encarados com preconceito, representando 20% dos recicladores.

As respostas dos catadores/recicladores mostram que o reconhecimento de seu papel sócio-ambiental de “agentes ecológicos” é ainda ambíguo. O cuidado com o meio ambiente e a relevância da atividade de reciclagem são ressaltados por vários trabalhadores da associação, porém, a postura é clara no sentido de que estão desempenhando essas funções, por que foi o que restou para eles. Na associação, os catadores em sua maioria não escolheram sua ocupação, apesar da importância social e ambiental que dão a essa atividade. Ambiguamente, vivem do lixo, acham importante e necessário o que fazem; se sentem importantes e reconhecidos por isto, mas sonham em realizar outros trabalhos. Isto se deve, provavelmente, ao pouco retorno econômico que a atividade proporciona.

Uma questão relevante concerne aos desafios enfrentados pelos recicladores, em especial no que diz respeito aos tipos de situações conflitantes que si colocam no cotidiano de suas atividades e na sua organização em quanto uma nova categoria, em torno dos temas relativos ao processo de trabalho na reciclagem e aos procedimentos decisórios. De maneira freqüente e espontânea, surgem nas falas dos trabalhadores, referindo-se a questões internas da associação; Um tipo de conflito interno freqüente é o que diz respeito a problemas individuais de relacionamento de pessoas que não se acostumam ao trabalho em grupo. Na ACREVI, a participação constante dos associados em reuniões e as decisões por consenso, às vezes morosas e árduas, provocam algumas manifestações do tipo:

“(…) reunião é perda de tempo” (trecho transcrito da entrevista com Lucia Aparecida da ACREVI).

 

Alguns dos conflitos internos derivam de questões referentes aos valores monetários partilhados mensalmente. Como esses valores dependem do faturamento mensal da associação a partir do processamento e da venda dos materiais, a ausência prolongada dos que faltam ao trabalho, por motivos de doenças ou por questões pessoais, gera insatisfação e desconfiança por causa da conseqüente redução do montante a ser dividido para todos.

 

CONCLUSÕES

 

- Revelou-se desafiante a tentativa de entender a organização dos catadores/recicladores na atividade de reciclagem dentro do galpão da associação, conforme princípios associativos ou cooperativos no âmbito do que se define como Economia Solidária;  

- No aspecto de identidade profissional, reconheceu-se a centralidade do trabalho na constituição das identidades individuais e grupais dos associados, em que o papel social de trabalhador configura um dos aspectos de maior importância para o desenvolvimento da personalidade humana;

- Suas relações com diferentes entidades externas levam a configuração e a processos específicos, tanto na dinâmica do trabalho cotidiano, quanto nos resultados obtidos em termos de rendimentos e de outros ganhos não materiais, como a construção da identidade profissional e o empoderamento dos trabalhadores envolvidos;

- Nos aspectos de organização do trabalho, notou-se que os catadores/recicladores apresentam uma relação capital/trabalho bastante relevante, sendo a inovação tecnológica um motivo de constante busca dos trabalhadores da ACREVI, em que a qualificação está em uma instância relevante que contribui para a construção da identidade pessoal ou grupal;

- Um dos elementos fundamentais para a construção da identidade desses trabalhadores, enquanto grupo, se vincula à sua capacidade de lidar com os conflitos internos e de avançar em processos coletivos de qualificação e de conscientização.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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ZANIN, M.; DONNINI, S.M. Resíduos Sólidos e reciclagem: aspectos gerais e tecnologia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos, 2004. 148 p.

 

 

Ilustrações: Silvana Santos