Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2012 (Nº 41) Por uma educação ambiental de (mais) qualidade
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Educação ambiental em Ação 41

Por uma educação ambiental de (mais) qualidade

 

 

 

Edson Grandisoli (edson@escoladaamazonia.org)

e Silvio Marchini (silvio@escoladaamazonia.org),

coordenadores da Escola da Amazônia.

 

Resumo

 

A educação ambiental é uma das áreas mais ricas em abordagens, filosofias e olhares que buscam melhorar a relação do ser humano com a natureza. Apesar de sua inegável importância frente à crise ambiental que vivemos, a educação ambiental tem raramente demonstrado sua eficiência e impacto no tocante à construção de novos valores, mudanças de atitudes e comportamentos. Em parte, isso se deve ao fato de que muitos projetos de educação ambiental não possuem um diagnóstico do problema a ser enfrentado, bem como um planejamento estratégico e avaliação de resultados. O presente artigo tem como objetivo discutir a importância dessas três etapas em ações em educação ambiental, bem como propor um modelo simples de trabalho, porém efetivo na busca por melhores resultados.

 

 

Introdução

 

“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.

Estes que-fazeres se encontram um no corpo do outro”.

Paulo Freire (1996)

 

A Lei 9.795 de 27 de abril de 1999 instituiu um novo momento para a educação ambiental no Brasil, tornando-a parte indissociável do processo educativo, do currículo e da formação dos profissionais da área de educação. Como consequência e com o passar dos anos uma quase infinidade de abordagens, olhares, procedimentos e filosofias foram criados, cada qual com sua especificidade, mas sempre procurando respeitar a premissa de que o ser humano deve reaprender seu lugar no mundo natural e melhorar sua relação com ele.

Essa tarefa ainda hoje é grandiosa e urgente, o que reforça a importância da educação ambiental nos mais diferentes níveis.

Apesar de sua evidente importância, a educação ambiental - seja formal, não-formal ou informal – não tem muitas vezes conseguido aplicar com sucesso metodologias e avaliações consistentes e compatíveis aos seus objetivos. Como conseqüência desse processo ainda desarticulado, diferentes linhas de trabalho dentro da educação ambiental parecem ter a mesma relevância e parecem cumprir (ou não) seus objetivos com a mesma eficiência, o que está longe de ser um panorama real.

De modo mais pragmático, as práticas educativas de maneira geral devem apontar para propostas pedagógicas centradas na conscientização, mudança de comportamento e atitudes, capacidade de avaliação e participação democrática dos educandos (Jacobi, 2010).

 

Educação ambiental e método

 

A educação ambiental, grosso modo, tem a função de melhorar a relação do ser humano com a natureza nos mais diferentes níveis e escalas. Isso pode ser conseguido por meio do trabalho integrado de três planos distintos porém complementares: o cognitivo, o afetivo e o motivacional, que juntos e bem trabalhados podem gerar mudanças reais de valores, atitudes e comportamentos. Apesar dessa base comum, são inúmeras as causas, os efeitos e os desdobramentos da crise ambiental de origem antrópica, bem como as formas de enfrentá-lo via educação.

Em um primeiro momento, o planejamento estratégico de ações em educação ambiental é tão fundamental quanto em qualquer outra frente.

De acordo com as diretrizes traçadas pelo Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade global, o planejamento de projetos em educação ambiental deve apresentar as seguintes características (Malzyner, C. et allli, 2005):

 

  1. Ter enforque interdisciplinar e holístico;
  2. ser um ato político;
  3. facilitar a cooperação mútua e equitativa nos processos de decisão;
  4. potencializar o poder de diversas populações na condução de seus próprios destinos e
  5. auxiliar na resolução de conflitos de maneira justa e humana.

 

Anterior ao planejamento, entretanto, é fundamental que exista uma etapa investigativa, na qual o contato direto com cada ator permitirá conhecer melhor suas percepções e opiniões sobre a realidade, auxiliando na identificação dos reais problemas que afetam uma região ou uma comunidade e abrindo possibilidades para a criação de intervenções mais efetivas e dirigidas, sejam educativas e/ou de comunicação.

São muitas as formas de diagnosticar e identificar uma questão a ser trabalhada.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico deveria ser, portanto, a primeira etapa na identificação de questões a serem trabalhadas por meio de ações em educação ambiental. Apesar de sua importância, o diagnóstico não é habitualmente realizado graças às suas dificuldades intrínsecas, sejam técnicas, humanas ou financeiras.

Entre as diferentes técnicas de diagnóstico, os questionários e as entrevistas semi-estruturadas (individuais ou em grupo) estão entre as mais utilizadas, cada qual com suas vantagens e desvantagens características.

A elaboração de um questionário ou roteiro de entrevista é uma tarefa complexa que envolve diversas etapas e que idealmente deveria ser construído de forma inter e multidisciplinar, uma vez que os problemas a serem trabalhados em educação ambiental necessitam dessa abordagem.

Um bom questionário - ou seja, com boas questões – deve ser claro, abordando de forma bastante objetiva o tópico de interesse, a fim de se extrair do público-alvo o máximo de informação da forma mais confiável e aprofundada possível. Para se atingir isso, a combinação de questões abertas e fechadas permite, ao mesmo tempo, quantificar e qualificar as respostas, permitindo maior aprofundamento e compreensão dos padrões presentes na população analisada.

Uma boa forma de se obter pistas para a elaboração de questões mais objetivas e focadas é a realização de um grupo focal com parte o público-alvo. Além disso, em uma etapa posterior, a realização de um ou mais pilotos também constitui etapa vital para o refinamento do instrumento.

Um questionário ou uma entrevista bem construídos e dirigidos são instrumentos valiosos, pois permitem a criação de atividades e intervenções bastante dirigidas, aumentando sensivelmente as chances de se obter bons resultados. Para explorar mais esse tema, sugiro o livro Métodos e Técnicas de Pesquisa Social, de Antonio Carlos Gil.

 

Intervenção

 

Existe disponível para consulta uma enorme variedade de livros e sítios na rede mundial de computadores com propostas de atividades em educação ambiental dirigidos para os mais diferentes públicos e objetivos.

Em geral, as atividades que mais agradam educadores e educandos são em geral as lúdicas, que permitem uma participação democrática, e quando bem estruturadas são capazes de trabalhar com o lado cognitivo e afetivo, levando a uma real mudança sobre como vemos o mundo, sobre a importância de procurar estabelecer um melhor relacionamento com o meio natural próximo ou distante e, finalmente, sobre como devemos agir para que isso aconteça.

 

De maneira muito simplificada, a criação de um plano de ação deve contar com pelo menos três etapas:

 

  1. Definição dos objetivos;
  2. elaboração das atividades e
  3. avaliação dos resultados.

 

Cada uma dessas três etapas devem ser constantemente revistas, repensadas e reestruturadas à luz dos resultados obtidos.

 

Avaliação

 

Talvez o grande ponto fraco dos processos da educação ambiental seja a avaliação. Apesar de sua inegável importância, a avaliação tem sido negligenciada, e muitas vezes os resultados se resumem ao número de oficinas desenvolvidas, à quantidade de participantes ou simplesmente se os envolvidos no projeto gostaram ou não de participar das atividades proposta. Essa falta de cultura de avaliação tem fragilizado a educação ambiental, que deixa de demonstrar seus resultados e impacto de forma consistente.

Existem inúmeras maneiras de se avaliar intervenções em educação ambiental e que podem ser aplicadas em diferentes momentos ao longo do processo.

As avaliações formativas, por exemplo, são realizadas ao longo do processo de intervenção, e tem como uma de suas finalidades avaliar cada etapa o processo, a fim de adaptá-la e melhorá-la com o tempo.

As avaliações somativas acontecem ao final do processo, e tem como objetivo avaliar como as atividades ou intervenções afetaram seus participantes (impacto), e se o efeito desejado foi alcançado de forma competente.

Os métodos utilizados na avaliação também podem variar de intervenção para intervenção e de etapa para etapa.

As avaliações qualitativas (na forma de observações estruturadas ou não-estruturadas e entrevistas estruturadas, semi ou abertas, por exemplo) funcionam bem na maioria os casos, mas trazem consigo o olhar e a interpretação da realidade por parte do avaliador. As avaliações quantitativas (como questionários pré, pós e de retenção), permitem a quantificação dos resultados, uso da estatística na comparação de diferentes intervenções e possíveis generalizações.  Um dos pontos negativos das avaliações quantitativas é o reduzido número de opções de resposta normalmente oferecido nos questionários, o que limita o aprofundamento da análise.

Vale ressaltar que o ideal é que haja uma combinação entre técnicas qualitativas e quantitativas de avaliação.

Qualquer que seja a forma de avaliação, ela deve fazer parte do planejamento das intervenções desde seu início, a fim de demonstrar resultados e permitir ajustes e redirecionamentos nas atividades, numa busca contínua por melhores resultados.

 

A prática além do discurso.

 

O presente texto não tem a intenção de criticar e limitar as diversas filosofias e formas de atuação da educação ambiental. Apesar disso, é clara a necessidade da criação de um método mais pragmático que permita a avaliação mais precisa dos reais impactos de diferentes intervenções em educação ambiental.

As etapas descritas nesse texto podem servir como um breve roteiro na criação de atividades e intervenções em educação ambiental que realmente sejam efetivas nas mudanças preteridas de comportamento e, além disso, garantir uma produção contínua de ideias e conhecimento, fundamentais para a evolução de uma educação ambiental mais crítica, mais pragmática e de mais resultado.

 

 

Referências.

 

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. (Coleção Leitura). São Paulo, SP: Paz e Terra, 1996.

 

GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª edição. São Paulo, SP: Editora Atlas, 2009.

 

JACOBI. P. R. A educação ambiental e o seu papel nas transformações das práticas de consumo. In: TRISTÃO, M. & JACOBI, P. R. (organizadores) Educação ambiental e os movimentos de um campo de pesquisa. São Paulo, SP: Annablume Editora, 2010.

 

MALZYNER, C.; SILVEIRA, C. & ARAI, V. J. Planejamento e avaliação de projetos em Educação Ambiental. In: PHILIPPI JR, A. & PELICIONI, M. C. F. (editores) Educação ambiental e Sustentabilidade. Barueri, SP: Editora Manole, 2005.

 

Ilustrações: Silvana Santos