Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 42) ÓLEO RESIDUAL DE FRITURAS: UMA ABORGADEM INTERDISCIPLINAR NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA
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ÓLEO RESIDUAL DE FRITURAS: UMA ABORGADEM INTERDISCIPLINAR NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA

José Antônio Bezerra de Oliveira1 Kátia Aparecida da Silva Aquino2, Barbara Kerolen Silva3, Weslen Costa Timóteo4, Juliana Cisneiros Lima5, Bruno Rafael Silva de Melo6

                                              

1. Graduando em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Professor de Educação Ambiental, Ciências Naturais e Biologia.

Rua Almanara, 57, Cruz de Rebouças, Igarassu – PE

Telefone: (81)3545-1801

(jose@biologo.bio.br)

 

2. Graduada em Licenciatura Plena em Química pela Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Doutorado em Tecnologias Energéticas Nucleares pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e Professora de Química do Colégio de Aplicação da UFPE.

(katia.aquino@pq.cnpq.br)

 

3. Graduanda em Engenharia Química pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

(b.kerolen@hotmail.com)

4. Graduanda em Engenharia Química pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

(weslenct@yahoo.com.br)

 

5. Graduanda em Engenharia Química pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

(juli.cisneiros@hotmail.com)

 

6. Graduando em Engenharia Química pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

(opequenojogador@hotmail.com)

 

Resumo

 

O estudo buscou a utilização da reciclagem de óleo residual de frituras como estratégia para aprendizagem de assuntos nas disciplinas de Ciências Naturais (Ensino Fundamental) e Química (Ensino Médio), com a contribuição da educação ambiental como eixo transversal, na perspectiva da interdisciplinaridade e  do desenvolvimento de indivíduos críticos e reflexivos na atualidade. Foram desenvolvidas atividades de coleta de óleo residual, produção de biodiesel com um maquinário alternativo que foi produzido pelos alunos do ensino médio e sabão para o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas relacionadas ao tema.  Como resultados observou-se que às práticas de educação ambiental como elemento transversal e promotor da interdisciplinaridade no tema óleo residual despertou nos alunos a curiosidade e busca por informações científicas. As ações desenvolvidas promoveram, de forma curiosa e divertida, a aproximação de estudantes ao ambiente científico, revelando sua importância na sociedade, utilizando a ciência e tecnologia e construindo o zelo pelo meio ambiente. Utilizar aspectos da Educação Ambiental e aliá-los aos moldes da Educação CTS numa perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar no dia-a-dia escolar é indispensável para a formação cidadã crítico-reflexiva do estudante, pois incentiva a preocupação com o ambiente dentro e fora da sala de aula. 

Palavras-chave:  Óleo residual de frituras; Reciclagem; Educação Ambiental; Ensino-aprendizagem.

 

1. Introdução

A energia, no panorama mundial atual, tornou-se peça essencial para o crescimento dos países. Grande parte da energia utilizada emana de fontes fósseis, principalmente do petróleo. Portanto, tornam-se cada vez mais significativas as pesquisas e o desenvolvimento de novas fontes alternativas de energia, realçando a preocupação com os parâmetros sustentáveis. Assim como há uma preocupação com a escassez do petróleo e com o desenvolvimento de alternativas sustentáveis para produção de energia, observa-se também outro problema que aflige a todos: o lixo.

            O descarte e/ou tratamento incorreto do lixo é um problema notável e entre os vilões ambientais está o óleo residual proveniente de frituras, o qual mais de duzentos milhões de litros vão, por mês, parar em rios e lagos, comprometendo o meio ambiente. Hoje o óleo de cozinha é um dos maiores poluidores de águas doces e salgadas das regiões mais adensadas do Brasil. Embora esse óleo represente uma porcentagem ínfima do lixo, o seu impacto ambiental é muito grande (ECÓLEO, 2011).

O óleo descartado no ralo da pia da cozinha, por exemplo, além de causar mau cheiro, aumenta consideravelmente às dificuldades referentes ao tratamento de esgoto. Este óleo acaba chegando aos rios e até mesmo ao oceano, através das tubulações. A presença deste na água é facilmente perceptível: por ser mais leve e menos denso que a água, ele não se mistura e flutua, permanecendo na superfície. Cria-se assim uma barreira que dificulta a entrada de luz e bloqueia a oxigenação da água. Esse fato pode comprometer a base da cadeia alimentar aquática (fitoplânctons, microalgas), causando um desequilíbrio ecológico, comprometendo ecossistemas e prejudicando a vida (PARAÍSO, 2008).

Vive-se nos dias atuais uma época de acontecimentos inesperados e fatos inusitados que se manifestam em relação ao clima e ao aparecimento de grandes problemas nas áreas produtivas do planeta. Tais problemas se devem a maléfica influência do modo de vida que a humanidade escolheu para seguir. Ou muda-se a forma de exploração dos recursos naturais, e passa-se a viver a sustentabilidade ou se perece de forma brutal e emersa nos próprios resíduos (ABREU, 2008).

Segundo Rabelo e Ferreira (2008), a educação ambiental é uma ferramenta de grande importância para o resgate da população ao estímulo da conscientização ecológica e à melhoria da qualidade de vida, exercitando para atitudes que visam o desenvolvimento sustentável. Existem alguns conceitos de educação ambiental; Na Agenda 21 brasileira (BRASIL, 1994), Capítulo 36, é definida como um processo que busca desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas que lhes são associados. Uma população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de soluções para os problemas existentes e para a prevenção dos novos (BRASIL, 2002). A Resolução nº 275 de 25 de abril de 2001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, descreve que a reciclagem de resíduos deve ser incentivada, facilitada e expandida no país, para reduzir o consumo de matérias-primas, recursos naturais não-renováveis, energia e água, considerando que as campanhas de educação ambiental são peças chaves para essa prática. O óleo de fritura usado pode ser empregado como matéria-prima na fabricação de resina para tintas, detergentes e amaciantes, sabonetes e sabões, ração para animais, biodiesel, lubrificantes e outros.

Estas características relativas à consciência ambiental precisarão ser delineadas através da prática de programas capazes de promover a educação ambiental e importância da adoção de práticas que visem a sustentabilidade e a diminuição de qualquer impacto que as atividades humanas venham a ter nos ecossistemas os que circundam e mantém (ABREU, 2008).

Deve-se compreender que, aplicando uma política que promova a importância da educação ambiental voltada principalmente para a sustentabilidade já na educação básica, criar-se-á nas novas gerações a devida mentalidade conservacionista e será muito mais fácil programar políticas que visem à utilização sustentável dos recursos planetários no futuro. Nesta direção, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) definem um conjunto de temas, denominados transversais, a serem abordados na interação entre disciplinas (BRASIL, 1997). São eles: ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde, trabalho e consumo e orientação sexual. A educação ambiental tem um grandioso papel, uma vez que deve e é revelada a um público mais jovem, que constituirá os futuros cidadãos que atuarão no planeta e produzirão transformações no meio ambiente. Pretende-se, nesse contexto, refletir sobre os avanços tecnológicos e sobre a industrialização e seus benefícios e malefícios para o meio ambiente. (ALMEIDA, 2006)

Objetiva-se assim com este trabalho, utilizar a reciclagem de óleo residual de frituras como estratégia de aprendizagem nas disciplinas de Ciências Naturais (Ensino Fundamental) e Química (Ensino Médio), em que aspectos de educação ambiental sejam discutidos na perspectiva do desenvolvimento de indivíduos críticos e reflexivos da realidade.

 

2. Abordagem metodológica

 

Este trabalho foi desenvolvido em duas etapas: 1) pesquisa e confecção de  maquinário alternativo para a produção de biodiesel a partir de óleo de fritura residual e 2) utilização da dinâmica da reciclagem e posterior produção de biodiesel e sabão como ferramentas didáticas nos ensinos de Química e Ciências Naturais, numa perspectiva interdisciplinar na incorporação de fundamentos de Educação Ambiental. O trabalho foi realizado em duas instituições de ensino básico: Colégio Mickey (CM), localizado em Abreu e Lima – PE e o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAp-UFPE), localizado em Recife – PE.

 

2.1. Descrição das turmas

 

            No CM, a abordagem foi desenvolvida com a turma do 7º ano do Ensino Fundamental, composta de quarenta alunos. O trabalho foi desenvolvido durante cinco aulas de Ciências Naturais e foi abordado dentro do tema “Alternativas para manutenção da vida no Planeta”. No CAp-UFPE o trabalho foi desenvolvido em uma turma do 3° ano do Ensino Médio, composta por trinta alunos. A intervenção foi realizada durante três aulas de Química, onde se trabalhou concomitantemente ao tema relacionado: “Reações Orgânicas”.

 

2.2. Etapa 1: Reação para obtenção do biodiesel e sabão

 

Na fase 1 foi construído, por três estudantes do CAp-UFPE, um maquinário com adaptação de objetos encontrados no lixo: pedaço de cadeira de ferro, puxador de armário, tampa de lata de leite e um motor de para-brisas. Utilizou-se como fonte de eletricidade uma bateria de automóvel e como fonte de calor um botijão de gás de 3 kg.

O óleo residual de frituras foi recolhido por todos os estudantes dos dois colégios em pastelarias, bares e restaurantes, cozinhas industriais, no domicílio dos indivíduos das referidas instituições e nas lanchonetes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). A coleta foi realizada em um período de dois meses. Os vários óleos residuais coletados foram classificados conforme origem e grau de deterioração. Esses foram submetidos a um repouso de duas semanas, para decantar os resíduos provenientes da fritura. Após esse repouso passaram por uma filtração em funil simples com algodão.

O maquinário foi desenvolvido para a produção do biodiesel e foram utilizados os seguintes reagentes: 1L de óleo residual = 800 g (1 mol), 240mL de álcool metílico (6 mols) e 8 g de hidróxido de sódio (1% do litro de óleo). No campo procedimental, o hidróxido de sódio foi misturado junto ao álcool metílico até haver a dissolução completa. Em seguida, o óleo residual já filtrado foi aquecido e mantido na temperatura variante entre 55º C e 65º C (o acompanhamento aconteceu com um termômetro), onde recebeu à solução do hidróxido de sódio com álcool metílico e a mistura foi submetida a 320 rotações por minuto, por um período de sessenta minutos, em banho-maria.

Por outro lado, os estudantes do CM, junto ao professor de Ciências, desenvolveram o experimento para obtenção de sabões. Foi utilizado para produção de sabão: 4L de óleo residual filtrado, 500g de hidróxido de sódio e 1L de água potável. Dissolveu-se o hidróxido de sódio na água com bastante cuidado; em seguida adicionou-se a solução básica ao óleo  residual e processou-se a  mistura por cerca de vinte minutos. O produto obtido foi colocado em potes de vidro que ficaram em repouso por 48 horas.

 

2.3. Etapa 2: Utilização da dinâmica da reciclagem de óleo residual de frituras como ferramenta didática nos ensinos de Química e Ciências Naturais

 

Inicialmente foi apresentada a problemática do descarte incorreto do óleo residual de frituras aos alunos do CM a partir da pergunta geradora: “Qual alternativa para diminuir o descarte incorreto de posterior impacto ambiental nas comunidades vivas?”. Foi então mostrado aos estudantes o maquinário a base de material reciclado produzido pelos alunos do CAp-UFPE para a reciclagem de óleo residual em biodiesel. A partir daí, os alunos do CM foram instigados a coletar o óleo residual nos familiares, vizinhos e lanchonetes próximas, para produzirem outro produto da reciclagem de óleo residual: o óleo de produzirem o sabão artesanalmente. No CAp-UFPE, os estudantes foram abordados com a mesma problemática e realizaram a produção de biodiesel e debate. O debate ocorreu na aula de Química sobre reação de transesterificação.

 

3. Resultados e discussão

 

3.1.  Classificação do óleo residual de frituras e obtenção de biodiesel/sabão

O óleo residual, após ter sido coletado, foi submetido à classificação pelos alunos do CAp/UFPE, de acordo com o grau de deterioração, por análise visual, conforme ilustra a Tabela 1.

 

Tabela 1: Classificação do óleo residual de frituras coletado.

Classe 1

Óleo vegetal virgem

Classe 2

Óleo vegetal residual pouco usado, de origem residencial com consumo consciente. Coloração alaranjada.

Classe 3

Óleo vegetal residual muito usado, de origem residencial com consumo exagerado ou de origem comercial. Coloração variando de laranja a marrom-alaranjada.

Classe 4

Óleo vegetal residual extremamente deteriorado, de origem comercial. Coloração variando de marrom-escura a preta.

 

Buscou-se com esta prática de classificação iniciar os alunos na metodologia científica e, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN-EM), a investigação foi a competência mais trabalhada nesta ação. Assim os alunos usaram de habilidades como: compreender e utilizar conceitos químicos dentro de uma visão macroscópica (lógico-empírica); compreender os fatos químicos dentro de uma visão macroscópica (lógico-formal) e compreender dados quantitativos, estimativa e medidas e relações proporcionais presentes na Química (raciocínio proporcional) (BRASIL, 2000).

Após a coleta e a classificação dos óleos, uma alíquota de cada tipo foi submetida a uma reação de transesterificação via rota metílica no maquinário alternativo, que é mostrado na Figura 1. Cabe salientar que a construção do maquinário alternativo pelos estudantes do CAp-UFPE foi em ação extra classe que antecedeu a intervenção em sala de aula. Buscou-se com esta ação o desenvolvimento de alunos disseminadores e que pudessem falar das suas experiências com o grupo classe em um momento posterior. A pesquisa desenvolvida por estes estudantes subsidiou o debate que aconteceu na Etapa 2 deste estudo. O maquinário comprova que materiais que vão para o lixo, considerados inúteis, podem ser utilizados para o desenvolvimento de produtos importantes para a sociedade, tendo enorme caráter sustentável. O destaque é que, no maquinário, a energia elétrica utilizada é proveniente de uma bateria de automóvel. Para fonte de calor utilizou-se um botijão de gás de 3 kg convencional. Contudo o mais importante é oportunizar aos estudantes da educação básica a busca de alternativas sustentáveis o que os leva de um papel de receptor de informações para um papel de protagonista na transformação da sociedade com ações concretas na resolução de problemas.

            Por outro lado, o maquinário foi capaz de desenvolver outras ideias como, por exemplo, a substituição gás comercial do botijão por gás metano proveniente da fermentação anaeróbica de resíduos orgânicos, como fezes de animais, cascas e restos de frutas e legumes, folhas secas entre outras coisas em um biodigestor doméstico. Tal ideia foi desenvolvida coletivamente pelos estudantes do CM como resultado do incentivo a reciclagem de resíduos orgânicos. Outra ideia foi a de produzir um maquinário semelhante ao utilizado para a produção de biodiesel aqui descrita, mas em proporções maiores: em um caminhão baú, utilizando a bateria do próprio caminhão como fonte de energia e o mesmo se apresentando como ponto de coleta móvel para o óleo residual. O óleo coletado poderia ser utilizado para fazer o biodiesel no próprio ponto, podendo servir como combustível para o caminhão e também para geradores de eletricidade e lamparinas, em lugares onde não haja eletricidade.   Essas ideias que brotaram da comunidade estudantil dos colégios envolvidos vem dar consistência a Tristão (2005), que afirma que a Educação Ambiental inspira-se na utopia de um mundo solidário. Claro que se deve sonhar com a força dos desejos, pois, como educadores e educadoras, tem-se o ofício de criadores de mundos possíveis, de ideias por realizar. Como uma dinâmica processual da vida e de processos vivos, essa reflexão apoia-se na concepção de um mundo elástico, em constante movimento de expansão e retração, e a utopia inscreve-se na exploração de novas possibilidades e vontades humanas, chamando a atenção para o que não existe em contraposição integrante ao que existe.

 

 


Figura 1: Maquinário construído por alunos do CAp-UFPE junto aos técnicos da Área de Engenharia Mecânica da UFPE para realizar a reação de transesterificação do biodiesel. [A] Boca encaixável; [B] botijão de gás de 3Kg, [C e F] panelas, [D] termômetro, [E] tampa, [G] maquinário propriamente dito (composto por motor de para-brisas, puxador de armário, cabo metálico de guarda-chuva, peças de madeira e tampa metálica de lata de leite) e [H] bateria de automóvel.

 

Do ponto de vista prático da utilização do maquinário, observou-se com clareza o sucesso da reação e a obtenção do biodiesel e da glicerina (álcool glicerol na parte inferior) como mostra a Figura 2. Christoff (2006) e Oliveira e Brito (2007) também realizaram a produção de biodiesel a partir de óleo residual de frituras e obtiveram produtos semelhantes, contudo utilizaram o etanol no lugar do metanol. Segundo Rifkin (2003), o modelo energético da atualidade baseado no petróleo está dando sinais de esgotamento, o que é grave, pois além de fonte de energia o petróleo é utilizado em larga escala para a produção de plásticos, roupas, fertilizantes e medicamentos, por exemplo, movimentando uma verdadeira “civilização do petróleo”.  Daí a importância do biodiesel como alternativa à mitigação de impactos relacionados ao petróleo.

 

 


Figura 2: Biodiesel (Fase menos densa e mais clara) e glicerina (fase mais densa e escura), produtos da reação de obtenção de biodiesel a partir do óleo residual de frituras.

 

No CM, os estudantes em grupo produziram, com auxílio do professor, o sabão com o óleo residual coletado. A própria sala de aula foi utilizada para este fim. O sabão característico da reação de saponificação, não apresentou textura “gordurosa” e fez pouca espuma, que se torna algo atrativo para seu uso. O sabão de óleo reciclado produz menos espuma, com isso o gasto de água é menor. Assim, o grande benefício da sua utilização é na limpeza de grandes áreas, como terraços e varandas, pois a baixa produção de espuma exige menor desperdício de água para enxaguar o local (DIÁRIO DE NATAL, 2007).

O método para obtenção de sabão poderia ser utilizado como forma de geração de renda em comunidades carentes, além de reduzir a poluição ambiental causado pelo descarte no esgoto doméstico. Esta seria uma forma de disseminar aspectos de Educação Ambiental em comunidades com menor poder aquisitivo, além de promover possível renda extra e incentivar os cidadãos a reciclarem outros materiais. Para os alunos envolvidos na intervenção, procurou-se o desenvolvimento de indivíduos crítico reflexivos.

 

3.1. Intervenção e comprovação de aspectos de Educação Ambiental como eixo transversal.

 

Incentivados pelas questões ambientais propostas em sala, os alunos mobilizaram  suas famílias, amigos e donos de estabelecimentos de frituras. A psicologia sócio-histórica, que tem como base a teoria de Vygotsky, em que se observa o desenvolvimento humano a partir das relações sociais que os indivíduos estabelecem no decorrer da vida (LUCCI, 2006), pode ser detectada nesta ação. Neste referencial, o processo de ensino-aprendizagem também se constitui dentro de interações que acontecem nos diversos campos sociais, sejam eles: casa, praça, alimentação, religião entre outros.

O conhecimento de Biologia deve subsidiar o julgamento de questões polêmicas, que dizem respeito ao desenvolvimento, ao aproveitamento de recursos naturais e à utilização de tecnologias que implicam intensa intervenção humana no ambiente, cuja avaliação deve levar em conta a dinâmica dos ecossistemas, dos organismos, enfim, o modo como à natureza se comporta e a vida se processa (BRASIL, 2000).  O professor de Biologia e Ciências do CM, em sua abordagem no 7º ano do Ensino Fundamental, destacou a importância de reciclar o óleo residual de frituras, enfatizando o grande impacto ambiental que o descarte incorreto pode vir a ocasionar, dependendo do ecossistema. Foi trabalhado com os alunos a questão do desequilíbrio ecológico e as relações entre os componentes vivos e não vivos no ambiente. Segundo os PCNs:

 

 O conhecimento e a importância da biodiversidade para a vida no planeta são alguns dos elementos essenciais para um posicionamento criterioso relativo ao conjunto das construções e intervenções humanas no mundo contemporâneo (BRASIL, 2000).

 

Como a maioria dos estudantes do CM é oriunda dos Municípios Pernambucanos de Igarassu, Itapissuma e Itamaracá, onde a pesca e aquicultura são bastante difundidas e os próprios pais negociam no setor, também houve a explanação sobre a questão da poluição fluvial e do mar pelo óleo residual e o impacto que este pode trazer para os moluscos (bivalves, polvos), crustáceos (siris, caranguejos e camarões) e peixes utilizados para alimentação e comercialização. O sabão produzido foi utilizado nas aulas de Ciências Naturais do 9º ano para ilustrar alguns assuntos da ementa de Química, além de cumprir com o objetivo da turma do 7º ano de desenvolver um meio de reciclar o óleo residual e, com isso, diminuir o impacto ambiental local.

Já os estudantes do CAp-UFPE tiveram uma aula sobre reações de transesterificação e uma estratégia expositiva dialogada foi desenvolvida pela professora de Química. Para exemplificar a referida reação, o biodiesel obtido no maquinário foi utilizado. Os alunos fizeram a apresentação do maquinário e suas ideias foram socializadas com o restante da turma. Um debate então foi estabelecido na turma e a temática foi a utilização sustentável de óleo pela sociedade. O principal ponto foi a questão ambiental, os alunos que trabalharam na produção do biodiesel nortearam a discussão a partir das suas experiências junto às pesquisas realizadas. O debate foi muito rico abriu uma oportunidade única de reflexão e criticidade. A última fase do debate foi composta da realização de uma produção textual individual. Verificou-se nas produções de texto, cujos trechos são descritos abaixo, uma boa compreensão e sensibilização por parte dos estudantes. Os PCNs descrevem que a extrema complexidade do mundo atual não mais permite que o Ensino Médio seja apenas preparatório para um exame de seleção, em que o estudante é perito, treinado para resolver questões que exigem sempre a mesma resposta padrão. O mundo atual exige que o estudante se posicione, julgue e tome decisões, e seja responsabilizado por isso. Essas são capacidades mentais construídas nas interações sociais vivenciadas na escola, em situações complexas que exigem novas formas de participação (BRASIL, 2000). Nesta direção, apresentamos os trecho abaixo, retirados da produção textual de alunos do CAp-UFPE:

Há como ter lucro e preservar o meio ambiente, falta apenas que mais organizações apareçam e que mais pessoas tomem conhecimento dessa nova fonte de riqueza ecologicamente correta (Estudante 1).

A expressão acima demonstra certa animação quanto à viabilidade do biodiesel obtido do óleo residual de frituras, além do aspecto ambiental que muitas pessoas ainda não conhecem.

Torna-se necessária uma conscientização e divulgação da reciclagem desse óleo. Acredito que boa parte da população sabe do mal que há no descarte incorreto, mas será que essas pessoas sabem como fazer o descarte correto? Acredito que muitas pessoas pensam que o descarte deve ser feito em lixo comum, pois seria a rota alternativa do descarte nas pias (Estudante 2).

Percebe-se uma análise crítica por parte do estudante acerca da problemática do descarte incorreto do óleo residual de frituras. As Ciências da Natureza  no cotidiano do aluno poderão permitir a construção de um cidadão mais apto às descobertas e ao convívio com as coisas do seu dia a dia, propiciando uma força transformadora que é capaz de despertar espanto, admiração e provocar o questionamento mantendo a educação formadora apontada sempre para um horizonte mais amplo e mais rico (OLIVEIRA, 2009).

A sustentabilidade é uma pauta cada vez mais recorrente na área científica [...] Muitas pesquisas estão sendo feitas a respeito do biodiesel (Estudante 3).

É por isso que é imprescindível o incentivo às pesquisas na área e a implantação do biodiesel como combustível economicamente viável (Estudante 4).

         Nos trechos descritos acima se vê claramente que a introdução criativa e curiosa de conceitos de educação ambiental no ambiente escolar promove aos estudantes relações cognitivas dentro e fora da instituição de ensino.  O crescimento destes tipos de intervenção no consciente acadêmico pode resultar na formação de profissionais que desenvolvem metodologias científicas e tecnologias com aspectos positivos para o planeta.

 

“Várias pessoas o jogam (o óleo residual de frituras) fora sem ter noção do mal que causam e até do dinheiro que estão perdendo” (Estudante 5)

Esta frase do estudante 5 vem corroborar com as palavras de Fourez et al. (1997): conceber o desenvolvimento da Ciência num contexto social, admitindo as incertezas, a não linearidade, os conflitos, os fracassos e os interesses, é um ponto importante na formação do cidadão, pois faz com que ele compreenda os limites dos saberes científicos frente a outras formas de se conhecer.

Cabe salientar que outro estilo de educação, sinérgico à Educação Ambiental, vem em favor do desenvolvimento de uma mente crítico-reflexiva aos problemas ambientais: a Educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS. O objetivo central da educação de CTSA no ensino é desenvolver a alfabetização científica dos cidadãos, auxiliando o educando a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de Ciência e Tecnologia na sociedade e Ambiente e atuar na solução de tais questões (RICARDO, 2007). Na educação escolar, falar de abordagens no âmbito da Educação Ambiental e das interações CTS pressupõe sempre pautar-se numa perspectiva crítica e emancipatória do sujeito, da sociedade e do ambiente. (FARIAS; FREITAS, 2007).

            Por outro lado, nas intervenções aqui descritas se estruturaram interdisciplinarmente, com aporte de conceitos das áreas de química e de biologia trabalhados numa perspectiva de Educação Ambiental. Esta proposta contribuiu para uma formação mais integrada do aluno, oportunizando uma reflexão a respeito das contribuições indiretas da reutilização do óleo de fritura para a preservação ambiental, produção de energia e renda. Segundo Jacob (2005), o desafio da interdisciplinaridade é enfrentado como um processo de conhecimento que busca estabelecer cortes transversais na compreensão e explicação do contexto de ensino e pesquisa, buscando a interação entre as disciplinas e superando a compartimentalização científica provocada pela excessiva especialização. Como combinação de várias áreas de conhecimento, a interdisciplinaridade pressupõe o desenvolvimento de metodologias interativas, configurando a abrangência de enfoques e contemplando uma nova articulação das conexões entre as ciências naturais (especificamente), sociais e exatas. Cabe ressaltar que o contexto epistemológico da educação ambiental permite um conhecimento aberto, processual e reflexivo, a partir de uma articulação complexa e multirreferencial. Nesse sentido, o conhecimento transdisciplinar se configura como um horizonte mais ousado de conhecimento.

 

Considerações finais

 

O trabalho descrito teve um caráter impactante na vida dos estudantes da educação básica envolvidos no processo. Às práticas de Educação Ambiental como elemento transversal e promotor da interdisciplinaridade no tema óleo residual despertou nos alunos a curiosidade e busca por informações científicas. A partir da experiência vivenciada neste trabalho, observa-se que intervenções educativas sobre o meio ambiente são muito importantes para ajudar a mitigar os impactos do descarte incorreto de dejetos. Aqui descrevemos ações que promoveram, de forma curiosa e divertida, a aproximação de estudantes ao ambiente científico, relevando sua importância na sociedade, utilizando a ciência sob a forma de tecnologia e construindo zelo pelo meio ambiente. A sensibilização dos estudantes foi realizada e a conscientização evidenciada, pois os mesmos, após a intervenção, além de demonstrar a compreensão e dimensão do assunto por meio das produções textuais, continuaram a recolher os óleos residuais e recorrer aos professores para ensinar o processo de obtenção do sabão.

Utilizar aspectos da Educação Ambiental e aliá-los aos moldes da Educação CTS numa perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar no dia-a-dia escolar é indispensável para a formação cidadã e crítico-reflexiva do estudante, pois incentiva a preocupação com o ambiente dentro e fora da sala de aula. 

 

 

5. Referências

 

ABREU, Carlos. A importância da Educação Ambiental: sustentabilidade. Disponível em < http://www.atitudessustentaveis.com.br/conscientizacao/a-importancia-da-educacao-ambiental-sustentabilidade/> Acesso em: junho de 2010

 

ALMEIDA, Tereza Joelma Barbosa. Abordagem dos temas transversais nas aulas de Ciências do Ensino Fundamental, no Sistrito de Arembepe, Município de Camaçari-BA. Candombá, Salvador, v. 2, n. 1, p.1-13, 2006.

 

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ECÓLEO - Associação Brasileira para sensibilização, coleta e reciclagem de resíduos de óleo comestível. Reciclagem. Disponível em: . Acesso em: 08 set. 2011.

 

FARIAS, Carmen Roselaine de Oliveira; FREITAS, Denise de. Educação Ambiental e relações CTS: uma perspectiva integradora. Ciência & Ensino, Campinas, v. 1, 2007.

 

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Ilustrações: Silvana Santos