Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 43) A PRODUÇÃO DE MAMONA NO SEMIÁRIDO CEARENSE: ENTRE OS SABERES TÉCNICOS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA.
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  A PRODUÇÃO DE MAMONA NO SEMIÁRIDO CEARENSE: ENTRE OS SABERES TÉCNICOS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA.

 

Alexandre Queiroz Pereira

Professor orientador da Petrobrás-PFRH-Nível Técnico - IFCE-Quixadá

Rua Frazão Cravo, n 900, CEP: 63900-000. Quixadá-CE

Telefone: (85) 99198878

aqp@ifce.edu.br

 

Bolsita Antônia Lúcia de Lima Paiva

Bolsita do Projeto da Petrobrás-PFRH-Nível Técnico, aluna do Curso Técnico em Controle Ambiental- IFCE

Estrada do Cedro, s/n, Bairro Cedro. CEP: 63900-000. Quixadá-CE

Telefone: (88) 34120111

antonialucialima@hotmail.com

 

 

Resumo:

Os biocombustíveis são apontados como ação inovadora para a preservação do meio ambiente, todavia é preciso discutir as condições de produção da biomassa, o que inclui as relações dos produtores com os recursos naturais. Assim, este trabalho analisa o desenvolvimento local do processo de cultivo e uso da mamona (Ricinus communis L) para a geração de biocombustível, preocupando-se em discutir os conhecimentos técnicos e os saberes tradicionais dos agricultores familiares na construção de uma proposta de educação ambiental critica voltada para as particularidades do semiárido do sertão central cearense, especificamente em Quixadá. Os argumentos apresentados são fruto de pesquisa realizada em periódicos, revistas e artigos que apontam os conceitos teóricos da Educação Ambiental Crítica – (EAC). Percebe-se inicialmente que os saberes tradicionais são deveras desconsiderados em detrimento de um pretenso saber técnico eficiente.

 

Palavras-chave: agricultura familiar, educação ambiental critica, sertão central- Quixadá

 

 

Introdução

À sociedade contemporânea é compelido o desafio de reelaborar a matriz energética, saindo de uma extrema dependência dos combustíveis fósseis em direção ao uso de fontes renováveis. Neste contexto, nos últimos anos o Brasil tem sido exemplo positivo, principalmente no incentivo e na elaboração tecnológica da produção de biocombustíveis a partir de diversas fontes vegetais oleaginosas. Tal projeto, no entanto, é recoberto de outros entraves. Dentre eles pode ser destacados: a melhoria da qualidade dos bicombustíveis; a viabilidade econômica da produção; a distribuição de renda através da inserção de pequenos e médios agricultores na cadeia produtiva; e o uso sustentável dos recursos naturais envolvidos na produção (água, solo, vegetação, dentes outros).

A grande parte da energia consumida no mundo provém do petróleo, do carvão e do gás natural, fontes de energia não renováveis, com previsão de esgotamento em um futuro próximo. 80% da energia utilizada no mundo é de origem não renovável e, portanto, corre o risco de exaustão. Além de serem esgotáveis, as fontes de energia mais utilizadas provocam emissões elevada de CO2, NO2, SO2, dentre outros gases, que agravam o efeito estufa. Em face disso, se faz necessário investir em combustíveis limpos e renováveis. Uma opção de fonte de energia renovável é o biodiesel, que é obtido a partir de plantas oleaginosas ou de derivados de origem animal.

Dentre as oleaginosas usadas como matéria-prima do biodiesel a mamona apresenta as maiores potencialidades para o Nordeste, pela relativa familiaridade do agricultor com a cultura, pela possibilidade do uso de tecnologias mais simples para a sua produção, pela maior resistência à seca, pelo elevado teor de óleo e por apresentar boa produtividade.

O cultivo da mamona é apontado pelo discurso político como fonte de insumo para a produção de biodiesel e uma possibilidade de resgate econômico e social das famílias rurais. Desta forma, as principais ações de incentivo a produção de mamona por agricultores familiares, dar-se através de subsídios como a distribuição de sementes selecionadas o pagamento por hectare plantado, garantia de preço mínimo de compra e a compra da produção. Com isso, pretende-se gerar emprego e renda no meio rural e a matéria prima para produção de biodiesel.

Com a instalação de uma base produtiva da Petrobras Biocombustíveis em seu território, os produtores do sertão central cearense, e em especial do município de Quixadá, são incentivados e inseridos nesta cadeia produtiva. Centenas de agricultores (aproximadamente, 1,4 mil famílias) passam a utilizar áreas de suas propriedades (2.700 hectares) para o plantio de mamona (Ricinus communis L.), com a expectativa de diversificar sua base econômica, ou seja, aumentando a estabilidade monetária familiar. Todavia, para avaliação da sustentabilidade desta cadeia, além da dimensão econômica, deve-se considerar a maneira pela qual os agricultores têm utilizado os recursos naturais. Antes mesmo de qualquer assistência técnica agrícola, sabe-se que estes proprietários rurais têm seu modo de vida articulado aos ensinamentos ancestrais e, assim sendo, detêm empiricamente de um conjunto de saberes tradicionais que conduzem suas práticas no processo de convivência com a natureza semiárida. É o conhecimento apreendido com os pais, é o denominado saber fazer.

Complementarmente, entende-se que a educação ambiental crítica (EAC) é uma mediadora importante na construção de padrões sustentáveis na produção agrícola analisada. A EAC parte do princípio que é indispensável o conhecimento do meio ambiente local e das condições sociais para o planejamento de metas de sustentabilidade a curto, médio e longo prazo. A problemática dessa cultura passa por muitas nuances que vão desde a simples aquisição de semente passando sobre a importância da preservação do local onde ocorre o plantio, sem falar que os agricultores em sua maioria são providos da agricultura familiar, que dependem dos fatores externos ao seu conhecimento para produzir de forma ao menos suficiente para sua subsistência e de sua família.

Desta maneira, este discute sumariamente o desenvolvimento local do processo de cultivo e uso da mamona (Ricinus communis L) para a geração de biocombustível, preocupando-se em discutir os conhecimentos técnicos e os saberes tradicionais dos agricultores familiares na construção de uma proposta de educação ambiental critica voltada para as particularidades do semiárido do sertão central cearense, especificamente em Quixadá.

 

Material e Métodos

A construção de um plano de Educação Ambiental (EAC) é necessária para que o desenvolvimento das culturas temporárias no semiárido nordestino seja de fato uma ação capaz de mudar a visão de mundo que cada um tem em relação com o meio ambiente.

A EAC procura expor uma dimensão distintiva, compreendendo-a como ato político onde os destinatários da educação são “os sujeitos constituídos em redes culturais, cuja ação sempre resulta de um universo de valores construído social e historicamente”. (CARVALHO, 2011, p. 148).

Educação Ambiental (EA) se baseia em uma interação extensa e complexa, formada a partir de interseções com uma ampla diversidade de saberes (técnico-científicos e tradicionais).

Contudo, é necessário um trabalho longo de pesquisa para entender as concepções e aceitações de como lidar elaborar práticas de EA associadas ao conhecimento tradicional de agricultores familiares. Torna-se urgente o reconhecimento dos processos que envolvem a produção da oleaginosa: degradação e/ou conservação ambiental.

A atual Política Nacional de Educação Ambiental (Lei Federal n° 9795/99) considera a educação ambiental como um conjunto de “processos educativos” por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

De fato, é assim que se dá a organização da Educação Ambiental formal e não formal? Ao contrário, sabe-se que é hegemonicamente comportamental, ou seja, acredita-se que cada um deve fazer a sua parte, o que resultaria na resolução dos problemas socioambientais. Esse modelo é preservacionista, no incentivo à preservação/conservação de áreas demarcadas; é bancária, na medida em que informa sobre as consequências da degradação ambiental; entretanto desconsidera a possibilidade de critica, própria ao educando/sujeitos sociais.

Em termos técnico-operacionais, a metodologia dá relevo ao estudo de caso (PEDRINI, 2007). Nestes termos, lança-se mão tanto de uma base de pesquisa qualitativa como quantitativa. O elo capaz de agregar estas múltiplas dimensões é estudo do meio. Essa metodologia tem como objetivo reconhecer as características do espaço socioambiental, possibilitando ao pesquisador relacionar os diversos componentes da realidade dos produtores de mamona no Sertão Central. Estabelecida uma amostragem, parte-se de um diagnóstico das condições ambientais e socioeconômicas, com verificação de hipóteses, e reúne-se material empírico suficiente para um estudo qualitativo com a produção de dados diretos (neste caso, faz-se uso de questionários e entrevistas estruturadas).  

 

Resultados e Discussão: a realidade da produção de mamona na visão dos agricultores

Em relação ao plantio de mamona, a mídia expõe casos que põe em discussão os efeitos positivos anunciados pelas políticas públicas. De acordo com informações divulgadas no sitio eletrônico Folha do Meio, interesses econômicos privados sobrepõem os princípios socioambientais da proposta.

A vida não está fácil para as 630 famílias que foram abandonadas pela Brasil Ecodiesel, na Fazenda Santa Clara, em Canto do Buriti, a 400Km de Teresina, depois que o projeto de plantio de mamona para a produção de biocombustível fracassou. Sem trabalho, as famílias permanecem na área porque temem perder a posse da terra que, conforme contrato de comodato entre Brasil Ecodiesel e Governo do Estado, será delas somente em 2014. Ao todo são 40 mil hectares. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canto do Buriti, José Francisco Pinheiro, a empresa vai repassar a área para os trabalhadores rurais. (BRASIL, 2012)

 

Para o lado do município de Quixadá, essa situação não é totalmente diferente. Segundo entrevistas concedidas por agricultores que plantam a mamona, no inicio do projeto, a Petrobrás, empresa responsável pela aquisição da produção, prometeu que eles teriam assistência técnica, incentivos financeiros para o desenvolvimento da cultura e que pagariam nos anos seguintes um valor melhor pela produção. O que os agricultores relatam é que os incentivos prometidos chegam tarde, comprometendo a preparação da terra.

Tabela 1 – Plantação de mamona no município de Quixadá, 2004 a 2010.

Ano

Quantidade produzida (ton)

Valor da produção (mil R$)

Área plantada(ha)

Área colhida((ha)

Rendimento médio (kg/ha)

2004

14

8

10

10

1.400

2005

180

99

200

200

900

2006

79

43

132

132

598

2007

06

4

68

68

88

2008

371

375

785

785

472

2009

205

224

650

650

315

2010

55

62

320

320

171

FONTE: IBGE, 2012. Disponível em  http://www.ibge.gov.br/cidadesat

 De acordo com os dados demonstrados na Tabela 1, o crescimento da área destinada a produção de mamona cresce a partir de 2008, ano no qual é inaugurada a Usina de Biocombustíveis em Quixadá. Este ano marca os maiores quantitativos em relação a todas as variáveis indicadas, o que demonstra um forte otimismo inicial. Todavia, os dados dos anos de 2009 e 2010 evidenciam diminuição na quantidade produzida, na área plantada e principalmente no rendimento médio por hectare. 

A relacionar os itens fundamentais entre produção e a percepção das famílias produtoras, há uma avaliação positiva do cultivo, principalmente porque diante das críticas condições da agricultura no sertão central, a mamona pode ser cultivada em conjunto com outras culturas, não dependendo de muito manejo. Porém, a escassez de recursos hídricos continua como um dos maiores entraves. Durante as pesquisas podemos observar que a questão da produção de biocombustíveis através de biomassas passa por uma série de questões, que vão desde a escolha da biomassa até onde e como realizar essa produção. Diante destas constatações, é possível afirmar que a variável ambiental é posta em segundo plano, sendo a dimensão econômica a principal preocupação na avaliação do cultivo de mamona.

Essa constatação prévia, antes de negar a importância dos processos que envolvem a EAC, destaca a urgência em pensar a temática, não a partir de um modelo convencional/comportamental, mas por estratégias que vinculem às necessidades locais, suas habilidades e seus conhecimentos tradicionais. O estudo do meio e das relações marcantes na sobrevivência destes agricultores é a “matéria-prima” para incluir a discussão ambiental de forma crítica, ativa e participativa. 

Em relação ao cultivo de mamona na região de Quixadá, acredita-se ter muito potencial por se tratar de uma área pouco explorada para o desenvolvimento desse tipo de cultura, principalmente por poder aproveitar o espaço já utilizado pelo cultivo de feijão e milho, no entanto o que se constatou foi à falta de um órgão capaz de fazer a intermediação entre agricultor - empresa eliminando o atravessador e fazendo desenvolver a localidade economicamente dentro dos padrões de sustentabilidade. Já a questão relacionada com a família, passa pela aceitação do conhecimento empírico adquirido de geração em geração, o qual não pode ser descartado pela introdução de conceitos filosóficos e acadêmicos, sem ao menos o consentimento da comunidade envolvida, deve ser uma ação em conjunto para que todos possam colaborar com uma parcela para o desenvolvimento de um conceito capaz de ser entendido e repassado para as gerações futuras que certamente terão de se preocuparem com a manutenção e sobrevivência da espécie humana.  

 

Considerações finais

A grande questão fica em se planejar um futuro onde quem produz tem que receber qualificação e incentivos capazes de minimizar os efeitos negativos de projetos fracassados e desacreditados pela falta de planejamento onde todos envolvidos saem prejudicados.

Se por um lado os combustíveis de origem vegetal podem ser uma ameaça aos alimentos devido à competição por terras e água, elevando preços de alimentos e causando instabilidade, eles também podem gerar emprego e renda no campo, propiciando o desenvolvimento rural. Cria-se, então, um dilema global entre a necessidade humana de se alimentar versus o maior retorno financeiro dos agricultores na incorporação de suas terras para produção de agroenergia.

O plantio realizado de forma inadequada muitas vezes traz prejuízos para a lavoura que ao invés de aumentar a produção, o reduz. Devido, sobretudo, ao uso de solos despreparados e a falta do conhecimento técnico onde o maior prejudicado é o meio ambiente, apesar de se saber que a mamona é muito resistente à seca, ela precisa ter o mínimo de nutrientes para seu desenvolvimento. É exatamente nessa hora que o agricultor necessita de orientação adequada para que use o solo com responsabilidade e que se tenha produção, mesmo sabendo que existe uma área para ser plantada não é o bastante para garantir que haverá uma boa colheita. Precisamos compreender os limites intrínsecos da natureza semiárida fará um enorme diferencial entre plantar, ter uma boa produção, repensar o envolvimento dos produtores, seus saberes tradicionais em relação as conexões com o meio ambiente.

 Levando-se em conta toda a problemática do desenvolvimento econômico sem prejudicar o meio ambiente, nos deparamos com um quadro de educação ambiental conservadora, incapaz de levar o homem a refletir seus atos diante da natureza e seu proposito para com o Planeta de forma geral.

Vemos na agricultura familiar o pilar capaz de sustentar o desenvolvimento ecologicamente sustentável, pois nela (família) está o conhecimento, a força de trabalho a fonte produtora da maior riqueza que é o aprendizado pratico que leva a mudança de atitude e de perspectiva de um futuro melhor.  Uma educação ambiental crítica se faz através destes pilares.

 

Agradecimentos

Agrademos ao IFCE – Campus de Quixadá - e ao Programa Petrobras de Desenvolvimento de Recursos Humanos – PFRH. Nível Técnico - pelas condições infraestruturais e os recursos disponibilizados.

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Referência Bibliográfica citada

BIOCOMBUSTÍVEIS Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012.

BRASIL Ecodiesel abandona projeto no Piauí Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012.

CARVALHO, I. C. de M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 5ª São Paulo: Cortez, 2011. 257 p.

GUIMARÃES, M. Caminhos da educação ambiental: da forma à ação. 4ª Ed. Campinas, SP: Papirus, 2006.

LEFF, E. Epistemologia ambiental. 4ª ed. Tradução de Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2007.

PEDRINI, A. G. (org.). Metodologia em educação ambiental. Petrópoles, RJ: Vozes, 2007.

SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.

VEIGA, J. E. Meio ambiente e desenvolvimento. 3ª Ed. São Paulo: EdSENAC, 2006.

Ilustrações: Silvana Santos