Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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31/05/2013 (Nº 44) AGROTÓXICOS: UMA PROPOSTA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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AGROTÓXICOS: UMA PROPOSTA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

 

 

Vinicius Câmara Costa; Antonio de Santana Santos; Emanuelle Avelar Gomes.

 

 

Vinicius Câmara Costa

Graduando em Licenciatura em Química

Universidade Estadual de Santa Cruz, Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Rodovia Ilhéus-Itabuna Km 16, 45662-000, Ilhéus - BA, Brasil.

+ 55 73 9987-1046 - camara.costa@hotmail.com

 

Antonio de Santana Santos

Graduando em Química – Unicamp

Mestre em Química Analítica – Unicamp

Doutor em Química Analítica - Unicamp

Prof. Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas.

Universidade Estadual de Santa Cruz, Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Rodovia Ilhéus-Itabuna Km 16, 45662-000, Ilhéus - BA, Brasil.

+ 55 73 3680-5082 – jequie2@yahoo.com

 

 

Emanuelle Avelar Gomes

Graduanda em Letras/Inglês

Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação- Campus X, Avenida Kaikan, s/n, 45995-000, Teixeira de Freitas – BA, Brasil.

manu_avelar@hotmail.com

 

Email para correspondência: camara.costa@hotmail.com

 

 

 

 

RESUMO

 

A educação ambiental vem ganhando importância nas últimas décadas como uma temática transversal fundamental a ser trabalhada nas escolas, objetivando um maior entendimento dos jovens e demais cidadãos quanto aos problemas socioambientais constituintes da complexa realidade política e social do nosso país. Nesse sentido, realizamos a presente pesquisa em uma escola rural com estudantes da 3ª série do Ensino Médio abordando a temática agrotóxicos, que é rica em conceitos, permitindo que se desenvolvam propostas ambientais. A metodologia que utilizamos foi a aplicação de questionários semiestruturados, filmagens e entrevistas. O presente trabalho permitiu a elaboração de um panorama do meio onde os estudantes vivem e a forma como eles interagem com o ambiente. Almejamos com esta pesquisa, contribuir para a construção de futuros projetos de educação ambiental para a escola e o município.

 

PALAVRAS CHAVES – Agrotóxicos, Educação Ambiental, Ensino.

 

 

 

1.0  INTRODUÇÃO

 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) foram elaborados para nortear as metodologias de aplicação dos conteúdos programáticos na educação básica. Uma oportunidade de colocar em prática tais conteúdos é trabalhar com diferentes estratégias de ensino, proporcionando situações problemáticas reais e que busquem o conhecimento necessário para entendê-las e procurar solucioná-las (BRASIL, 2002). Assim sendo, a educação contemporânea deve buscar uma ciência contextualizada capaz de contribuir para uma aprendizagem significativa (AUSUBEL, 1982), que garanta a formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a construção de uma sociedade sustentável.

Nesse contexto, a Educação Ambiental (EA) vem ganhando espaços cada vez maiores nos sistemas de ensino. Há que se destacar a publicação dos PCNEM em 1997, os quais trazem o meio ambiente como tema transversal (BRASIL, 1997), e também a promulgação da Lei 9.795/99, que estabelece a Política Nacional de Educação Ambiental, colocando-a como uma obrigação legal e de responsabilidade de todos os setores da sociedade, da educação formal e informal (BRASIL, 1999).

Assim, é de extrema importância o vínculo da EA com a realidade do sujeito, considerando então suas particularidades, a sazonalidade e o modo de vida. A partir deste ponto de vista, desenvolvemos esta pesquisa tendo como área para o nosso estudo o meio rural do município de Coaraci - BA.

Apesar de perceptíveis transformações relacionadas à visão dos moradores do campo, o meio rural ainda é visto como uma região atrasada, pouco desenvolvida, o que resulta em recorrentes preconceitos. Por esse motivo, os estudantes de escolas rurais sentem-se frequentemente envergonhados por sua situação, almejando, muitas vezes, ir para as cidades em busca de mudança de vida. Nessa perspectiva, a EA se configura como uma prática essencial a ser trabalhada no âmbito do ensino rural. De acordo com Zakrzevski (2004), apesar do grande esforço em incorporar a EA nos currículos das escolas, hoje ainda são poucas as intervenções voltadas para a população do campo, sendo esta uma população esquecida, que vem sofrendo os impactos do modelo de desenvolvimento rural brasileiro, gerador de inúmeros problemas econômicos, sociais e ecológicos.

Tendo em vista os desafios da EA na zona rural, este estudo procurou construir, com a contribuição dos alunos, uma abordagem que permitisse a conscientização no que se refere às questões ambientais. Assim, como norte para nossa pesquisa, selecionamos o tema agrotóxicos, pois, faz parte da realidade local e  vida social dos alunos.

 

2.0 METODOLOGIA

 

A presente pesquisa foi desenvolvida em Coaraci, uma cidade da região sul do estado da Bahia. Este município possui uma população de aproximadamente 20.964 habitantes (IBGE/CENSO, 2010), sendo que cerca de 18% dessa população vive na zona rural. Suas principais atividades econômicas centram-se na agricultura e no comércio local.

A instituição analisada nesta pesquisa atende cerca de 150 alunos do Ensino Médio, dos quais aproximadamente 80% moram na zona rural do município de Coaraci - BA.  O que motivou este estudo foi o fato de que muitas iniciativas de cunho ambiental propostas pelos docentes da instituição não obtiveram êxito. Diante disto, pensamos ser relevante o desenvolvimento de uma atividade socioambiental com alunos desta escola, a fim de identificar os reais anseios e percepções desses jovens em relação ao meio em que vivem. Para desenvolvermos tal pesquisa, selecionamos os alunos da 3ª série do Ensino Médio.

Dessa forma, o estudo teve por objetivos identificar como os alunos percebem a realidade em que vivem nos assentamentos e sítios rurais e a maneira como lidam com questões referentes ao uso dos agrotóxicos, produto muito utilizado pelos seus familiares e, até mesmo, por eles próprios.

Nesta pesquisa os instrumentos adotados como coleta de dados foram questionários semiestruturados, filmagens e entrevista. A pesquisa proposta atende as características da pesquisa qualitativa, que de acordo com Lüdke e André (1986), tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é maior que com o produto e a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.

 

2.1 Etapas Desenvolvidas

 

2.1.1 Primeira Etapa – Levantamento socioeconômico

 

No primeiro encontro com os alunos, foram realizadas entrevistas a fim de conhecer um pouco sobre os aspectos socioeconômicos, tal como atividades desenvolvidas pelos familiares na sua propriedade rural, entre outras.

 

2.1.2 Segunda Etapa – Levantamento socioambiental

 

 No segundo encontro foi aplicado um questionário semiestruturado contendo três questões, a saber: 1) Em sua propriedade são utilizados agrotóxicos?; 2) O equipamento de proteção individual é utilizado em sua propriedade?; 3) Qual o destino das embalagens vazias de agrotóxicos em sua propriedade? Tais questões tiveram como objetivo conhecer as concepções dos alunos em relação aos aspectos socioambientais, principalmente no que diz respeito ao uso dos agrotóxicos nas comunidades rurais as quais eles pertencem. Dessa forma, objetivou-se caracterizar melhor o meio ambiente daqueles estudantes através de suas próprias respostas, o que permitiu identificar quais fatores em relação aos agrotóxicos os preocupavam.

 

2.1.3 Terceira Etapa – Semana de conscientização ambiental

 

No terceiro encontro foi desenvolvida uma semana de conscientização ambiental, que movimentou toda a escola. Esta ocorreu por meio da realização de três palestras abertas ao público, sendo que as mesmas foram ministradas pelos próprios alunos, tendo como foco os seguintes temas: manipulação dos agrotóxicos, intoxicação por agrotóxicos e destinação final das embalagens vazias de agrotóxicos. Ao fim de cada palestra o professor lançou um questionamento referente ao tema abordado nas apresentações, a fim de estimular uma discussão temática entre os alunos e observar os novos conceitos que estavam sendo construídos ao longo das atividades. A coleta de dados extraída nessa atividade foi realizada através de filmagens.

 

2.1.4 Quarta Etapa – Entrevista com alunos

 

Esse encontro se deu 30 dias após o término das demais atividades. A justificativa para um período tão longo entre a penúltima e última atividade teve como objetivo observar se as mesmas contribuíram de alguma forma para a promoção de uma nova visão ambiental dos alunos. Desse modo essa etapa consistiu na realização de uma entrevista com alguns alunos que participaram de todas as etapas de conscientização.

 

 

 3.0 RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

Para melhor visualização, os dados serão apresentados conforme a ordem cronológica em que foram coletados.

 

3.1 Aspectos socioeconômicos

 

A maioria dos estudantes entrevistados nasceu no município de Coaraci, localizado no estado da Bahia, sendo os demais nascidos em outros municípios do mesmo estado. Cerca de 95% dos estudantes residem na zona rural. Desse total a maioria reside em sítios particulares, onde os pais são, em grande parte, assalariados e diaristas rurais, e outros residem em lotes de assentamentos da reforma agrária.

Verificamos que todas as famílias dos estudantes estão envolvidas em atividades agropecuárias. A agricultura praticada por essas famílias se caracteriza como sendo tipicamente familiar. Normalmente, as famílias trabalham em suas unidades produtivas e em outras propriedades ou empresas, pois nem sempre a renda oriunda somente da agricultura é suficiente para a sua manutenção financeira. Essa característica do trabalho externo para complemento da renda das famílias é denominada pluriatividade. As famílias pluriativas desses estudantes efetuam atividades diversas: domésticas, rurais, industriais etc.

De acordo com Nazzari et al, (2010) a agricultura familiar é tida como a principal atividade econômica de muitas regiões da nossa nação e precisa ser fortalecida, pois a gama de oportunidades para os produtores no que tange a empregabilidade e renda é muito importante. É preciso garantir-lhes acesso fácil ao crédito, condições e recursos tecnológicos para a produção e manejo sustentável de seus estabelecimentos, bem como garantias de comercialização da sua produção agrícola.

Constatou-se também que 55% dos estudantes trabalham para ajudar a família nas propriedades rurais. Desse percentual observou-se que um número considerável de alunos tem apresentado baixo rendimento escolar. De acordo com Antuniassi (1983) uma das dificuldades apresentadas para a resolução da problemática da educação rural é o fato de que a “mão de obra infanto-juvenil aparece como parte da unidade familiar de trabalho”, já que a criança desde cedo ingressa no trabalho, diminuindo a disponibilidade de tempo para dedicar-se ao estudo, mesmo considerando-o de grande importância.

 

 

3.2 Aspectos Socioambientais

 

O principal objetivo da aplicação do questionário foi conhecer o modo de trabalho dos familiares dos alunos no dia a dia. 

 

3.2.1- Questão 1 - Em sua propriedade são utilizados agrotóxicos?

 

 Dentre os alunos entrevistados 90% afirmaram que os agrotóxicos são utilizados em suas propriedades, apenas 10% disseram que não utilizam agrotóxicos. Deste pequeno percentual que não usa agrotóxico, 2 alunos disseram que não é necessário o uso deste, porque a única atividade de sua propriedade é a pecuária. Geralmente em atividades pecuárias o uso de inseticidas contra os ectoparasitas são muito utilizados. Diante disso percebemos que na visão desses alunos os agrotóxicos são apenas os produtos utilizados no controle de pragas e doenças de plantas. Outro aluno disse que não utiliza agrotóxico na sua propriedade porque a atividade desenvolvida é o cultivo da mandioca, que é um tipo de cultura resistente a pragas e doenças. Os demais alunos que relataram o uso dos agrotóxicos em suas propriedades, disseram que a utilização desse produto é indispensável na cultura do cacau, que é predominante na região, devido ao grande número de pragas e doenças que podem afetar o cultivo do fruto. Diante disto é de grande importância conhecer a percepção e os conceitos dos indivíduos que estão em contato direto com o agrotóxico, bem como daqueles que apesar de não utilizarem o produto encontram-se na região em que este é vastamente utilizado, pois, com isso, pode-se criar estratégias de EA voltada às necessidades desta população e a partir disto tentar minimizar os impactos gerados pelo uso de agrotóxicos.

 

3.2.2 - Questão 2 - O equipamento de proteção individual é utilizado em sua propriedade?

 

Em relação ao uso do equipamento de proteção individual (EPI), 65% dos alunos disseram que eles não são utilizados em suas propriedades, e apenas 35% afirmaram que os utilizam. Quanto ao uso do EPI percebemos um sério problema, no que diz respeito à falta de conscientização ambiental dos pais desses alunos que normalmente são os que aplicam os agrotóxicos. É provável que essa postura possa influenciar diretamente na vida desses alunos, fazendo com que os mesmos possam ter essa mesma prática inadequada.

De acordo com Bedor (2001), a constante manipulação de agrotóxicos sem a proteção adequada pode causar três tipos de intoxicação: aguda, subaguda e crônica. A intoxicação aguda é aquela que os sintomas surgem rapidamente, algumas horas após a exposição excessiva, por curto período, a produtos extremamente tóxicos. Esta intoxicação pode ocorrer de forma leve, moderada ou grave, a depender da quantidade de veneno absorvido. Os sinais e sintomas são nítidos e objetivos. A intoxicação subaguda ocorre por exposição moderada ou pequena a produtos altamente tóxicos ou medianamente tóxicos,ela tem aparecimento mais lento. Os sintomas são subjetivos e vagos, tais como dor de cabeça, fraqueza, mal-estar, dor de estômago e sonolência, entre outros. A intoxicação crônica caracteriza-se por surgimento tardio, em meses ou anos, por exposição pequena ou moderada a produtos tóxicos ou a múltiplos produtos, acarretando danos irreversíveis, do tipo paralisias e neoplasias. Essas intoxicações não são reflexos de uma relação simples entre o produto e a pessoa exposta. Vários fatores participam da determinação delas. Dentre eles estão os fatores relativos às características químicas e toxicológicas do produto, os fatores relativos ao indivíduo exposto às condições de exposição ou condições gerais do trabalho.

 

 

3.2.3     - Questão 3 - Qual o destino das embalagens vazias de agrotóxicos em sua propriedade?

 

 Em relação ao destino das embalagens 25% dos entrevistados relataram que queimam as embalagens, 30% descartam no meio ambiente, 27% reutilizam as embalagens vazias para armazenar algum tipo de material, inclusive no transporte de água para os animais e 18 % disseram que enterram as embalagens.

A destinação das embalagens dos agrotóxicos pode tornar-se um grande problema na região onde esses alunos residem, pois, percebemos que nenhuma das atitudes descritas pelos alunos é correta. Com isso o risco de contaminação do ambiente, seja pelo descarte inadequado com enterramento, descarte em rios, riachos e lagos, pela sua queima nos terrenos, ou pelo seu uso no acondicionamento de água ou alimento para as pessoas, é bem maior. Este último, mesmo não sendo citado pelos entrevistados, ou seja, identificado pelos alunos, geralmente é prática comum no meio rural.

Provavelmente um dos fatores que contribuem para essa falta de conscientização quanto à destinação das embalagens de agrotóxicos, se dá pela ausência de postos de recebimento de embalagens vazias no município. De acordo com Santos (2007), em 2000, foi aprovada a lei que determina a devolução pelos consumidores das embalagens vazias aos estabelecimentos onde foram comprados os produtos. O tipo de embalagem indica o procedimento que deve ser feito antes da devolução nas unidades de recebimento. As laváveis, embalagens rígidas (de plástico, metal ou vidro) que acondicionam formulações líquidas de agrotóxicos para serem diluídas em água, devem ser lavadas, utilizando-se a tríplice lavagem ou a lavagem sob pressão antes da devolução e destinação final.

 

 

 

3.3 - Semana de conscientização ambiental proposta aos alunos

 

Considerando que a formação do estudante como cidadão implica no desenvolvimento de habilidades como a capacidade de participação e de tomada de decisão (SANTOS; SCHNETZLER, 2003), o aluno precisa ser instigado a adquirir tais habilidades. O professor, a fim de desenvolvê-las, pode utilizar estratégias de ensino como a discussão estruturada, apresentação de seminário, fóruns e debates, estudos de caso, análises de dados, leituras de textos, pesquisas de campo e ações comunitárias.

Nesse sentido, foi proposto aos alunos a apresentação de seminários relacionados aos agrotóxicos. Durante a apresentação dos seminários os alunos mostraram postura e domínio do conteúdo, todos fizeram uso do projetor multimídia e conseguiu explanar de forma clara o conteúdo. Todas as informações apresentadas nas palestras foram fruto de pesquisas realizadas pelos alunos, através de livros, artigos e internet. A apresentação dos seminários teve como objetivos estimular a pesquisa, desenvolver habilidades nos alunos ao falar em público, promover a conscientização quanto ao uso sustentável dos agrotóxicos e colocar os alunos diante de situações problematizadoras criadas pelo professor ao fim de cada apresentação. Essa proposta vai de acordo as ideias contidas nos PCNEM que estimula a pesquisa e afirma que as situações problematizadoras estimulam o exercício da cidadania e envolve a capacidade de tomada de decisões responsáveis diante de situações reais.

 

 

3.3.1     Primeira palestra – Manipulação dos agrotóxicos

 

 

Ao fim da primeira palestra o professor mostrou aos alunos uma imagem de dois agricultores realizando pulverização, como descrito na Figura 1.

 

 

Figura 1. Fotos de dois agricultores realizando pulverização.

 

A partir da imagem o professor perguntou aos alunos qual é a diferença entre os dois agricultores? Vejamos algumas falas dos alunos.

 

“Um agricultor está utilizando o equipamento correto enquanto o outro não está, e está atitude pode lhe trazer problemas de saúde.” Aluno E

 

“Um está com o equipamento adequado para a aplicação do agrotóxico e o outro não utiliza nenhuma proteção. O que está usando o equipamento não sofrerá muitos danos com a aplicação enquanto o outro acaba inalando o produto que pode provocar alguns efeitos rápidos como vômitos, e outros efeitos a longo prazo como algum câncer.” Aluno D

 

“Um agricultor está utilizando o EPI, para se proteger das contaminações que o uso do agrotóxico pode trazer. Já o outro agricultor parece até meu pai que aplica agrotóxicos sem nenhuma proteção, muitas vezes nem a calça ele veste, aplica apenas de camiseta, bermuda e chinelo” Aluno B

 

 

As respostas dos alunos enfatizaram a utilização do EPI, feita pelo agricultor da primeira imagem, argumentando sobre a importância da utilização destes equipamentos para a saúde de quem está aplicando o agrotóxico como é abordado na resposta dos alunos E e D. É importante destacar a sugestão feita pelos  alunos quanto à necessidade de aquisição do EPI tendo em vista que o uso deste diminui a exposição aos agrotóxicos minimizando, assim, a probabilidade do produtor intoxicar-se. Acreditamos que a utilização do EPI possibilite a internalização de uma prática mais consciente no manejo com esses produtos. Já o aluno B consegue enxergar através da imagem a realidade vivida pelo seu pai, que manuseia o agrotóxico no campo sem nenhuma proteção. Essa prática tem se tornado comum nos municípios brasileiros, muitos trabalhadores rurais não percebem o risco a saúde que o manuseio do agrotóxico sem o EPI pode trazer.

Em uma pesquisa realizada por Moro (2008) com agricultores de Criciúma- SC, uma das principais justificativas para a falta de uso do EPI justifica-se pelo  fato do equipamento incomodar muito provocando certo desconforto devido ao material que ele é feito. Ocasionando transpiração excessiva e abafamento do corpo de quem esta fazendo uso.

Como pode ser observado através das respostas dos alunos, percebemos que foram desenvolvidos valores ambientais, a fim de conscientizá-los quanto ao uso dos agrotóxicos, de modo que eles possam transmitir essas novas informações àqueles que manuseiam esses produtos na comunidade. Santos e Schnetzler (2003) afirmam que precisamos ensinar os alunos a usarem correta e adequadamente os produtos químicos.

 

 

3.3.2-   Segunda Palestra – Intoxicação por agrotóxicos

 

Na segunda intervenção o professor perguntou aos alunos quais os procedimentos que devem ser tomados em casos de intoxicação por agrotóxicos. E o que poderia ser feito para evitar tal intoxicação? Vejamos a fala de alguns alunos.

 

“Ele deveria ter usado o equipamento adequado na aplicação do agrotóxico” Aluno A

“O aconselhável é levar a pessoa intoxicada a um hospital informando ao médico qual agrotóxico ele utilizou e ser acompanhado durante um processo de desintoxicação, ele pode evitar o processo de intoxicação usando o EPI, e aplicar de forma que o vento não traga o produto a seu favor”. Aluno B

Como observamos na fala dos alunos percebemos que o aluno A, apenas enfatiza o uso do EPI, como um acessório que pode evitar alguma intoxicação decorrente do uso do agrotóxico. Já o Aluno B, sugere que a pessoa intoxicada deve procurar um hospital e ainda informar o agrotóxico que estava utilizando, e como forma de se prevenir desses incidentes deve estar utilizando o EPI, além de procurar aplicar o produto sempre a favor do vento, para evitar inalação do mesmo.

 

 

3.3.3     - Terceira Palestra Destinação final das embalagens vazias de agrotóxicos.

 

No decorrer da atividade a primeira intervenção feita pelo professor, foi questionar os alunos sobre qual deveria ser a destinação final das embalagens vazias de agrotóxicos. Vejamos algumas respostas dos alunos extraídas das filmagens.

 

“Elas devem ser recicladas”. Aluno G

 

“Deve entregar ao fabricante, depois de ter passado pela tríplice lavagem, fazer os furos no fundo para evitar reutilização e correto armazenamento”. Aluno L

 

Ao ser utilizado o agrotóxico, as embalagens devem ser lavadas, pelo menos três vezes (ou seja, a tríplice lavagem) fazendo assim a eliminação dos resíduos do agrotóxico, depois fazer alguns furos, para que as embalagens não sejam reutilizadas. E quando tiver uma quantidade suficiente de embalagens, fazer a entrega ao fabricante de forma correta com todos os cuidados”. Aluno I

 

Analisando as falas dos alunos, temos como exemplo o aluno G sugerindo que as embalagens devam ser recicladas. É importante ressaltar que a reciclagem de embalagens vazias de agrotóxicos é proibida e sua reutilização pode trazer danos tanto ao homem como ao meio ambiente. Em trabalho reportado por Castro (1999), ele investigou que na cidade de São José da Boa Morte, uma criança ficou intoxicada após utilizar uma embalagem de agrotóxico que estava no campo para armazenar água de consumo.

 Já o aluno L sugere uma tomada de decisão mais coerente, enfatizando que as embalagens devam ser devolvidas ao fabricante e ainda deve ser feito a tríplice lavagem e armazenamento correto. O aluno I tem uma postura ainda mais coerente frente ao problema demonstrando tomada de decisão e principalmente uma postura consciente em relação ao meio ambiente. Tais afirmações podem ser observadas quando o aluno afirma a importância da tríplice lavagem e seu objetivo que é eliminar os resíduos existentes, e complementa dizendo que as embalagens devem ser devolvidas ao fabricante quando houver um número suficiente que compense seu transporte, e, enquanto essas embalagens não são devolvidas, elas devem ser armazenadas em um local adequado.

Essa visão dos alunos quanto à destinação das embalagens é muito importante, e vai ao encontro das ideias propostas pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (1996) que trata da destinação final dessas embalagens. A partir dessa nova postura os alunos podem conscientizar seus familiares quanto à destinação correta dessas embalagens e com isso diminuir o risco para a saúde das pessoas e de contaminação do meio ambiente, como podemos observar na fala do aluno F.

 

“Agora sei a forma correta de armazenar as embalagens vazias de agrotóxicos, no nosso sítio as embalagens geralmente ficam com os outros materiais, que são utilizados na alimentação dos animais”. Aluno F

 

 

 

3.4 - Entrevista com alunos

 

A abordagem dessa atividade tem como objetivo desenvolver a capacidade de tomada de decisão, uma das características do cidadão, através de situações em que os alunos são estimulados a emitir opinião, propor soluções, avaliar custos e benefícios e tomar decisões, conforme referenciado por Santos e Schnetzler (2003).

            A abordagem dos temas sociais, entretanto, não pode ser vista apenas como curiosidade, informação jornalística, discussão ideológica, citação descontextualizada da aplicação tecnológica ou simples compreensão de conceitos químicos relacionados ao tema. É necessária uma discussão crítica das implicações sociais destes temas como visto nas respostas dos alunos frente ao questionário, e quando isto ocorre, os alunos são capazes de refletir sobre as escolhas que fazem diariamente, como podemos perceber no depoimento do aluno F.

Professor: Qual foi a informação mais importante que você obteve sobre os agrotóxicos?

Aluno F: Acho que saber os benefícios e os malefícios que os agrotóxicos trazem.

Professor: Por que você acha que isto é importante?

Aluno F: Porque meu tio planta roça e a gente nem sabia que o agrotóxico pode causar tantos problemas e ainda ele nem usa EPI.

Professor: Você acha que vai mudar a postura do seu tio, por exemplo, você acha que ele pode começar a usar EPI e se proteger mais se você conscientiza - ló?

Aluno F: Olha, dele eu acho que não porque já faz tempo e nunca ocorre nenhuma mudança, mas pra mim sim, se um dia eu tiver que usar agrotóxico vou saber qual cuidado tomar (EPI) porque agora eu sei.

 

Outra vez se percebe como o aprendizado é significativo, quando a realidade dos alunos é estudada a partir dos temas escolhidos, sendo que estes devem reconhecer a importância da temática para si e para o grupo social a que pertencem (MARCONDES, 2008). Atitudes como comentar com os familiares e refletir sobre as implicações da utilização dos agrotóxicos sem os cuidados necessários são evidências da importância da temática para a formação do cidadão, como podemos perceber na entrevista do aluno H.

 

Professor: Quais os problemas que o descarte inadequado das embalagens vazias de agrotóxicos pode trazer ao ser humano e ao meio ambiente?

Aluno H: Ao meio ambiente essas embalagens podem contaminar os rios, os lagos e o solo. Como o ser humano se alimenta de peixes que ficam nesses rios, se essa água estiver contaminada esse peixe também pode estar contaminado.

Professor: Hoje você sabe diferenciar quando um agrotóxico é extremamente tóxico, medianamente tóxico e pouco tóxico.

Aluno H: Acho que sim, agora já sei dá importância de saber essas coisas, porque já tive familiares que foram intoxicados. Eu sei que devo identificá-los pela cor da etiqueta na embalagem. Se ele é extremamente tóxico, pois tem a cor vermelho vivo; altamente tóxico tem cor amarelo intenso, medianamente tóxico tem cor azul intenso e, pouco tóxico coloração verde.

 

A informação sobre agrotóxicos, que no caso implica considerar os riscos ambientais e de saúde decorrentes do uso destes insumos na agricultura, pode ser considerada, portanto, como um dos fatores determinantes para a construção de uma realidade menos prejudicial à saúde e ao meio ambiente (AYRES et al., 2003).

Portanto, através do conhecimento de problemas sociais, o cidadão é instigado a participar ativamente da sociedade, tomando decisões que influenciam na melhoria de sua qualidade de vida, quer selecionando o que e como consumir, quer reivindicando medidas que melhorem as condições ambientais.

 

           

4.0 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente trabalho permitiu o desenho de um panorama do meio onde os estudantes de uma escola rural de Coaraci vivem e a sua percepção sobre os malefícios e benefícios acerca do uso de agrotóxicos nas propriedades onde vivem.  Após a análise dos dados, acredita-se que a temática abordada contribuiu para a promoção da EA, haja vista que, a percepção ambiental dos estudantes foi melhorando durante as atividades, ganhando um vocabulário mais elaborado e uma maior articulação de ideias.  Espera-se que os dados levantados possam contribuir para a construção de um projeto pedagógico que inclua a educação ambiental nas escolas rurais.

 

Vale ressaltar, que é de suma importância que as instituições de ensino abordem assuntos relacionados aos problemas ambientais, já que são nesses espaços que os estudantes adquirem uma base sólida de conhecimento, para que no futuro, possam ter atitudes que não prejudiquem o meio ambiente e, sobretudo, disseminem conhecimento nos espaços sociais em que transitam.

 

 

 

 

5.0 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTUNIASSI, M. H. R. Trabalhador infantil e escolarização no meio rural. Rio de

Janeiro, Editora Zahar, 1983.

 

ANVISA. Resíduos de agrotóxicos em alimentos. Revista de Saúde Pública, v. 40, nº. 2, p. 361-369, 2006.

 

AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Ed.Moraes, 1982. 112 p.

 

AYRES, J. R. C. M.; JÚNIOR, I. F.; CALAZANS, G. J.; FILHO, H. C. S. O conceito

de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In:

CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Org). Promoção da saúde: conceitos, reflexões,

tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p.117 - 139.

 

BEDOR, C. N. G. Estudo do potencial carcinogênico dos agrotóxicos empregados na fruticultura e sua implicação para a vigilância da saúde. 2001. 110 f. Tese (Doutorado em Saúde Publica) - Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2001.

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:

Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 1999.

 

BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Ministério da Educação e Cultura. PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação e Cultura/ Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2002, 144 p.

 

CASTRO, J.S.M; Práticas de uso de agrotóxicos no município de Cachoeira de Macacu. RJ: Um estudo de Saúde Ambiental. 1999. 159 f. Dissertação (Mestrado de Ciência Ambiental) – Universidade Federal Fluminense – Rio de Janeiro, 1999.

 

IBGE. Censo 2010. Disponível em: . Acesso em: 26 mar. 2013.

 

LUDKE, M.; ANDRE, M. E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Ed. E.P.U., 1986. 99p.

 

MARCONDES, M. E. R. Proposições metodológicas para o ensino de Química: oficinas temáticas para a aprendizagem da Ciência e o desenvolvimento da cidadania. Em extensão, Uberlândia, v. 7, p. 67-77, 2008.

 

MORO, B.P; Um Estudo Sobre a Utilização de Agrotóxicos e Seus Riscos na Produção do Fumo no Município de Jacinto Machado/SC. 2008. 44 f. Monografia (Especialização em Gestão de Recursos) - Universidade do Extremo Sul Catarinense – Santa Catarina, 2008.

 

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Ilustrações: Silvana Santos