Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/12/2013 (Nº 46) BIODIVERSIDADE E ECOLOGIA DE LAGARTOS DE RESTINGA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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BIODIVERSIDADE E ECOLOGIA DE LAGARTOS DE RESTINGA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

BIODIVERSIDADE E ECOLOGIA DE LAGARTOS DE RESTINGA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

GUEDES, C. A.1; SOUZA, D. R.1 & SOARES, M. A.1,2

1 - Centro de Pesquisa em Biologia, Escola de Saúde e de Meio Ambiente, Universidade Castelo Branco, Av. Santa Cruz, 1631, Realengo, Rio de Janeiro, RJ – CEP 21.710-250. E-mail: dalguedescamila@hotmail.com

2 - Universidade Federal do Rio de Janeiro – Museu Nacional, Depto. de Vertebrados, Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, RJ - CEP 20.940-040. E-mail: msoares@acd.ufrj.br 

RESUMO

 

Restingas é um conjunto de ecossistemas que mantém estreita relação com o oceano. Este conjunto de ecossistemas é um dos mais amplos do Brasil, ocorrendo desde o sul até o norte, apresentando várias áreas fragmentadas ao longo de seu percurso no litoral brasileiro. Por estar situado no litoral, este conjunto de ecossistemas está entre os ambientes mais ameaçados de destruição e que, consequentemente, poderá influenciar negativamente na biodiversidade. As comunidades de lagartos são amplamente estudadas em vários lugares do mundo, e a comparação dessas comunidades aumenta a capacidade de previsão de eventos de extinção, efeitos de fragmentação e destruição de habitats. O presente trabalho teve como objetivo contribuir com o conhecimento sobre a biodiversidade e ecologia dos lagartos encontrados em restingas do Rio de Janeiro. Treze espécies de lagartos ocorrem nas restingas do Estado do Rio de Janeiro, pertencentes a sete famílias. A família com maior diversidade de espécies é a família Teiidae com quatro espécies encontradas em restingas. A dieta dos lagartos é dominada por artrópodos, porém o consumo de cada tipo de presa varia entre as espécies. E o hábitat é predominantemente de áreas abertas e vegetação rasteira predominante em restingas. Este hábitat reúne uma fauna riquíssima que necessita urgentemente de nossas vistas à conservação. Estudos que visão conhecer melhor esses animais contribuem de maneira significativa para ajudar a prevenir o declínio do número de indivíduos nas populações desses lagartos.

 

 

Palavras chaves: Lagartos; Hábitat; Restingas; Ecologia.

 

 

1.    INTRODUÇÃO

Restingas é um conjunto de ecossistemas que mantém estreita relação com o oceano. Tanto na sua origem nos processos nele atuantes, possuindo características próprias relativas à composição florística, estrutura de vegetação, funcionamento e nas interações com o sistema solo-atmosfera (TEIXEIRA, 2001).

Este conjunto de ecossistemas é um dos mais amplos do Brasil, ocorrendo desde o sul até o norte, apresentando várias áreas fragmentadas ao longo de seu percurso no litoral brasileiro (Fig. 1). Por estar situado no litoral, este conjunto de ecossistemas está entre os ambientes mais ameaçados de destruição e que, consequentemente, poderá influenciar negativamente na biodiversidade. Os crescentes loteamentos com vistas ao desenvolvimento de balneários em toda a orla do Estado do Rio de Janeiro vêm causando extremos danos à vegetação nativa, fundamental para o refúgio da maioria das espécies de lagartos e outros organismos que compõem a fauna característica da restinga. A maioria dos estudos abordando vários aspectos da biologia e da composição das comunidades de lagartos foram desenvolvidos em restingas do Estado do Rio de Janeiro (TEIXEIRA, 2001).

 

imagem restinga 2.gif

Fig. 1: Restingas do litoral brasileiro

 

ARAÚJO (1984 & 1991) estudou a comunidade de lagartos na restinga de Barra do Maricá, observando padrões de divisão de recursos e a coexistência de nove espécies, as quais foram divididas em duas associações: as espécies que vivem no solo e as espécies bromelícolas. ZALUAR (1993) avaliou a ecologia de Ameiva ameiva. TEIXEIRA-FILHO (1995) estudou a biologia termal, composição da dieta e a utilização do habitat por Cnemidophorus ocellifer. VRCIBRADIC & ROCHA (1995a, 1995b e 1996) e ROCHA & VRCIBRADIC (1996) descreveram as diferenças ecológicas e a ecologia termal de Mabuya macrorhyncha e M. agilis. As inter-relações entre predador e presa em um sentido mais amplo no contexto geral dos vertebrados de restinga da Barra de Maricá foram avaliados por ROCHA & VRCIBRADIC (1998).

Lagartos são animais terrestres modelos para estudos ecológico-evolutivos (VITT & PIANKA, 1994). As comunidades de lagartos são amplamente estudadas em vários lugares do mundo, e a comparação dessas comunidades aumenta a capacidade de previsão de eventos de extinção, efeitos de fragmentação e destruição de hábitats, entre outros (CARVALHO & ARAÚJO, 2004).

A distribuição heterogênea dos lagartos entre os hábitats reforça o papel de ambientes diferenciados e estruturalmente complexos para a manutenção de alta riqueza de espécies, como apontado em outros trabalhos envolvendo diferentes grupos de organismos (RAMBALDI & OLIVEIRA, 2003). Elevada riqueza de espécies também foi relacionada à heterogeneidade espacial em outros ecossistemas, como o Cerrado, por exemplo, onde se observa um complexo mosaico de ambientes abertos e florestais (COLLI et al., 2002; GAINSBURY & COLLI, 2003).

2.    OBJETIVO

O presente estudo teve como objetivo contribuir com o conhecimento sobre a biodiversidade e ecologia dos lagartos encontrados em restingas do Rio de Janeiro. Sendo esses animais de grande importância nos ambientes em que estão inseridos para a manutenção dos ecossistemas em geral, e contribuir com a preservação dos lagartos e dos ecossistemas de restingas do estado do Rio de Janeiro.

3.    RESULTADOS

Treze espécies de lagartos ocorrem nas restingas do Estado do Rio de Janeiro, pertencentes a sete famílias: Gekkonidae, Gymnophthalmidae, Leiosauridae, Polychrotidae, Scincidae, Teiidea, Tropiduridae (Fig. 2). Dessas, três espécies estão em categorias de ameaça, são elas: Cnemidophorus ocellifer, que é considerado ameaçado, Cnemidophorus littoralis, que está na categoria de vulnerável e Liolaemus lutzae que está na categoria de criticamente ameaça devido a ter hábitos muito especilaizados (Tab. 1). A família com maior diversidade de espécies é a família Teiidae com quatro espécies encontradas em restingas. Seguida pelas famílias Gekkonidae, Scincidae e Tropiduridae com duas espécies representante de cada família encontradas nesse ecossistema. Já as demais famílias: Gymnophthalmidae, Leiosauridae e Polychrotidae, possuem apenas uma espécies representante cada. O hábtat é predominantemente de áreas abertas e vegetação rasteira, tipo de hábitats predominante em restingas (Tab. 2). A dieta dos lagartos é dominada por artrópodos, porém o consumo de cada tipo de presa varia entre as espécies (Tab. 3).

FAMÍLIA

ESPÉCIE

STATUS DE AMEAÇA

Gekkonidae

Hemidactylus mabouia

Não ameaçado

Gymnodactylus darwinii

Não ameaçado

Gymnophthalmidae

Ecpleopus gaudichaudii

Não ameaçado

Leiosauridae

Enyalius brasiliensis

Não ameaçado

Polychrotidae

Anolis fuscoauratus

Não ameaçado

Scincidae

Mabuya agilis

Não ameaçado

Mabuya macrorhyncha

Não ameaçado

Teiidae

Ameiva ameiva

Não ameaçado

Cnemidophorus littoralis

Vulnerável

Cnemidophorus ocellifer

Ameaçado

Tupinambis meriana

Não ameaçado

Tropiduridae

Liolaemus lutzae

Criticamente em perigo

Tropidurus torquatus

Não ameaçado

 

Tab. 1: estatus de conservação de três espécies de lagartos encontrados em restingas do Rio de Janeiro.

Fig. 2: diversidade de espécies e famílias de lagartos das restingas do estado do Rio de Janeiro.

Espécie

Atividade

Hábitos

Habitat

Ameiva ameiva

Diurna

Terrícola

Clareiras – Capoeira

Anolis fuscoauratus

Diurna

Arborícula

Capoeira – Floresta

Cnemidophorus littoralis

Diurna

Terrícola

Moitas

Cnemidophorus ocellifer

Diurna

Terrícola

Capoeira - Moitas

Ecpleopus gaudichaudii

Hábitos reclusos

Semi-fossorial

Floresta

Enyalius brasiliensis

Diurna

Arborícola

Floresta

Gymnodactylus darwinii

Hábitos reclusos

Terrícola - Bromelícula

 Floresta – Praia

Hemidactylus mabouia

Diurna e noturna

Terrícola - Bromelícula

Capoeira - Moitas – Praia

Liolaemus lutzae

Diurna

Terrícola

Praia

Mabuya agilis

Diurna

Terrícola - Bromelícula

Floresta – Moitas

Mabuya macrorhyncha

Diurna

Terrícola – Bromelícula

Moitas

Tropidurus torquatus

Diurna

Terrícola

Capoeira - Clareira - Moitas -Florestas – Praia

Tupinambis merianae

Diurna

Terrícola

Capoeira - Clareira - Moitas -Florestas – Praia

Tab. 2: período de atividade, os hábitos e os hábitats das treze espécies de lagartos encontados em restingas do estado do Rio de Janeiro.

Espécie

Dieta

Ameiva ameiva

Insetos

Anolis fuscoauratus

Artropodes

Cnemidophorus littoralis

Cupins – Artropodes

Cnemidophorus ocellifer

Artropodes, principalmente insetos

Ecpleopus gaudichaudii

Insetos

Enyalius brasiliensis

Artropodes

Gymnodactylus darwinii

Insetos

Hemidactylus mabouia

Artropodes, outras lagartixas

Liolaemus lutzae

Onívoros

Mabuya agilis

Artropodes, principalmente aranhas

Mabuya macrorhyncha

Onivoros

Tropidurus torquatus

Onívoros

Tupinambis merianae

Onívoros

Tab. 3: hábitos alimentares dos lagartos derestingas do estado do Rio de Janeiro.

4.    DISCUSSÕES

5.1. HÁBITAT

As restingas de um modo geral apresentam uma grande variedade de microhabitats variando desde a região de plantas halófilas psamófilas reptantes da praia até a área de mata propriamente dita (ARAÚJO, 2000; ARAÚJO et al., 2004) e estes ambientes servem de abrigo para espécies de lagartos heliófilas como Tropidurus hygomi durante as horas mais quentes do dia (VARGENS et al., 2008) Esta estratégia no uso de recursos em Tropidurus hygomi ocorre também com as demais espécies do gênero, como o T. torquatus, em áreas abertas o que é considerado uma vantagem para o sucesso no que diz respeito à utilização dos recursos disponíveis dentro do espectro ambiental (RODRIGUES, 1987; VITT, 1993; VITT & ZANI, 1996; TEIXEIRA & GIOVANELLI, 1999; VAN SLUYS et al., 2004; VARGENS et al., 2008).

O uso de microhabitat é um dos aspectos ecológicos mais relevantes em lagartos heliófilos de áreas abertas, porque pode influenciar os comportamentos de termorregulação e, consequentemente, a performance de funções fisiológicas básicas (CLOUDSLEY-THOMPSON, 1965; HARWOOD, 1979; HUEY, 1982; WALDSCHMIDT & TRACY, 1983; HUEY & BENNETT, 1987). Animais de áreas abertas maximizam o uso do habitat durante o seu período de atividade e, para evitar uma temperatura letal, eles não se expõem às altas temperaturas que ocorrem fora das manchas de vegetação em determinadas horas do dia. Desta forma, a perda de habitat se torna um dos maiores elementos negativos para conservação destas espécies.

O endemismo de répteis em restingas é baixo, devido à recente formação deste habitat (ESTEVES et al., 2000; ROCHA, 2000; ROCHA et al., 2005). Assim, as taxocenoses existentes neste ambiente tiveram pouco tempo para estruturação e diferenciação das espécies ao longo da história evolutiva (VANZOLINI, 1988; ROCHA, 2000). Entretanto, as espécies endêmicas das restingas são extremamente vulneráveis às ações humanas por estarem localizadas no litoral, cuja perda de habitat é muito elevada devido ao crescimento das cidades com uso do espaço para as mais diversas atividades humanas (DIAS & ROCHA, 2005; ROCHA et al., 2005; DIAS, 2006).

Diferenciação na utilização do nicho tempo por diferentes espécies de lagartos dentro de uma comunidade tem sido indicado como um importante fator de competição minimizando lagartos sympatric entre espécies (PIANKA, 1973). As temperaturas corporais de indivíduos ativos , muitas vezes refletem o tempo de atividade e a intensidade de forrageamento razoavelmente bem (PIANKA, 1973; BERGALLO & ROCHA , 1993). As espécies que inicia atividade no início do dia e permanece ativa durante longos períodos de tempo, muitas vezes têm temperaturas corporais mais baixas e mais variável do que as espécies com períodos de atividade mais estreitos (PIANKA, 1977; PIANKA et al., 1979). Comportamento da forragem também está correlacionada com a temperatura de atividade: forrageadoras ativas, em geral, tendem a ter temperaturas corporais médias mais elevadas do que os predadores sedentários (BOWKER , 1984; BOWKER et al., 1986; COLLI & PAIVA, 1997). Na restinga de Jurubatiba, no Rio de Janeiro, Brasil, pelo menos oito espécies de lagartos podem ser encontradas simpatricamente , quatro deles sendo relativamente comum (ou seja, o tropidurídeo Tropidurus torquatus, o teiídeo Cnemidophorus littoralis e os scincideos Mabuya agilis e M. macrorhyncha ) . Essas espécies têm sido mostrados para variar em intensidade de forrageamento em outras áreas onde foram estudadas ( BERGALLO & ROCHA, 1994; TEIXEIRA -FILHO et al., 1995; VRCIBRADIC & ROCHA, 1996) e espera-se que diferem de forma consistente nos padrões de atividade e temperatura corporal ativos na restinga de Jurubatiba .

            HATANO et al. (2001) encontraram seis espécies de lagartos na restinga de Jurubatiba: Cnemidophorus littoralis e Tupinambis merianae (Teiidae), Hemidactylus mabouia (Gekkonidae), Mabuya agilis e M. macrorhyncha (Scincidae) e Tropidurus torquatus (Tropiduridae). O geconídeo Gymnodactylus darwinii e o teiídeo Ameiva ameiva também ocorrem na área, mas não há dados de atividade poderiam ser tomadas para a ex-devido aos seus hábitos reclusos e para o último, devido à sua baixa abundância na área.

É marcante a semelhança na composição da comunidade de lagartos da restinga da Marambaia com a de outras restingas do sudeste brasileiro (COSTA et al., 1990; ARAÚJO, 1991; ROCHA, 2000; ROCHA et al., 2000 & 2004b; TEIXEIRA, 2001), não tendo sido registradas outras espécies além daquelas já conhecidas para o hábitat. Entretanto, a Marambaia comporta espécies de distribuição restrita e sob ameaça de extinção (ROCHA et al., 2005; RODRIGUES, 2005), como  Cnemidophorus littoralis, o lagarto da cauda azul, conhecido exclusivamente das moitas de algumas restingas fluminenses (ROCHA et al., 2003), e  Liolaemus lutzae, a lagartixa da praia, presente em poucas áreas ainda preservadas do Estado do Rio de Janeiro e introduzida em Praia das Neves, extremo sul do Espírito Santo (SOARES, 2003).

As espécies reconhecidas como hábitat-especialistas são Anolis fuscoauratus D’Orbigny, 1837, Enyalius brasiliensis e Ecpleopus gaudichaudii (Duméril & Bibron, 1839), exclusivamente encontradas em florestas ou capoeiras, além das duas espécies endêmicas das restingas do Estado do Rio de Janeiro, Cnemidophorus littoralis (Rocha, Araújo, Vrcibradic & Costa, 2000), (registros apenas nas moitas) e Liolaemus lutzae Mertens, 1938 (apenas nas praias voltadas para o oceano), (CARVALHO et al., 2007).

 

5.2. DIETA

A dieta dos lagartos é dominada por artrópodos, porém o consumo de cada tipo de presa varia entre as espécies. Valendo destacar um alto consumo de cupins, formigas, larvas e coleopteros; além de material vegetal consumido por Tropidurus torquatus (flores e frutos), Liolaemus lutzae (folhas e flores) e Tupinambis merianae (frutos de cactos e outros). Vale ressaltar a presença de Tupinambis merianae como predador de pequenos vertebrados, destacando-se dentro da comunidade, cujas demais espécies alimentam-se fundamentalmente de pequenos artrópodos. A dieta de Tropidurus torquatus não difere do proposto para o gênero, sendo dominada por formigas. No entanto, há forte diferença entre a dieta de duas populações (areal e heliporto). O maior consumo de material vegetal, principalmente frutos, é realizado pelos animais do areal. Um alto consumo de material vegetal, especialmente frutos de Erithroxylum ovalifolium, também foi observado por FIALHO et al., (2000) na Restinga da Barra de Maricá, durante os verões de 1986 e 1987. O consumo de material vegetal nesta época do ano não condiz com o resultado teórico esperado, uma vez que haveria maior tendência ao consumo de material vegetal no inverno, ou seja, período de menor produtividade e disponibilidade de água. O alto consumo de frutos registrado por FIALHO et al., (2000) pode estar ligado ao pico de frutificação de E. ovalifolium, que concentra-se, na Barra de Maricá, durante os meses de verão. Deste modo, é possível que o alto consumo de frutos pelos Tropidurus de Maricá possa estar ligado a sua alta disponibilidade na restinga, em certos períodos, e não a uma preferência de T. torquatus por este item alimentar por todo o ano (CARVALHO & ARAÚJO, 2004). Os itens alimentares frequentemente encontrados na dieta de Ameiva ameiva são baratas, cupins e larvas de coleópteros (BETHANIA et al., 2003).

Vários estudos sobre a ecologia trófica dos lagartos, dependendo do comprimento das espécies, tem evidenciado que estes predam sobre uma variedade de presas de pequeno à grande porte, sendo geralmente oportunistas. Óbviamente existem os limites condicionados à amplitude bucal. Ficou evidenciado que as espécies de lagartos analisadas aqui, apresentam preferências alimentares diferentes. É provável que os tipos de presas disponíveis para as espécies que co-existem no solo, não sejam as mesmas para aquelas que vivem principalmente em bromélias. As táticas de forrageamento das espécies deve influenciar relevantemente para a obtenção de uma diversidade maior ou menor de presas, assim como a área de vida explorada por cada indivíduo particular, como já foi evidenciado para Liolaemus lutzae na restinga de Barra de Maricá (ROCHA, 1999), mas aspecto ainda pouco abordado para outras espécies de lagartos.

Observou-se a predação de algumas espécies de lagartos sobre juvenis de outras. Tropidurus torquatus predou sobre juvenis de M. agilis, G. darwinii e H. mabouia, enquanto que M. macrorhyncha predou jovens de H. mabouia. No caso de Tropidurus torquatus, pode ter ocorrido uma invasão de outros lagartos em sua área de vida. Já com relação à M. macrorhyncha, o relacionamento com geconídeos é facilitado pois ambos podem co-existir em bromélias. O grau de relacionamento entre predador e presa nas espécies de lagartos é mais complexo do que o observado, estando mais caracterizado no estudo de ROCHA & VRCIBRADIC (1998).

5.    CONCLUSÃO

Conclui-se que os lagartos de restinga fazem parte do grupo de animais que vem sofrendo com a fragmentação desses ecossistemas. Este hábitat reúne uma fauna riquíssima que necessita urgentemente de nossas vistas à conservação. Estudos que visão conhecer melhor esses animais contribuem de maneira significativa para ajudar a prevenir o declínio do número de indivíduos nas populações desses lagartos.

6.    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ilustrações: Silvana Santos