Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Trabalhos Enviados
04/06/2014 (Nº 48) UTILIZANDO A DINÂMICA DA PIRÂMIDE NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=1817 
  
Refletindo sobre a Crise Ambiental

UTILIZANDO A DINÂMICA DA PIRÂMIDE NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL*

 

 

Autores:

 

Flávio José Rocha da Silva/ Programa de Doutorado em Ciências Sociais na PUC-SP e bolsista CNPq      E-mail-  flaviojoserocha@gmail.com

 

 

Ronaldo Silva / História pela UFPB.

E-mail: sumissoleao@yahoo.com.br

 

 

Suely Porfírio /Jornalismo pela UFPB e possui Especialização em Política e Gestão Universitária.

E-mail: suelycomunica@gmail.com

 

 

 

*Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no I Colóquio de Educação Ambiental para o Semiárido Nordestino em 2011.

 

 

 

 

Resumo

 

A Dinâmica da Pirâmide foi criada para facilitar a reflexão com grupos que querem abordar o tema da relação entre a crise ambiental e o sistema capitalista. Ela busca oferecer uma formação integral sobre a questão ambiental de uma forma não superficial. Também estabelece um espaço de diálogo para que todos possam expressar suas experiências individuais com a natureza e educar-se para um consumo que respeite as potencialidades do planeta Terra.

 

Palavras-Chaves – Crise Ambiental Global, Dinâmica da Pirâmide, Sistema Capitalista

 

 

 

Introdução

 

        A crise ecológica que se estende por todos os cantos do planeta Terra deveria nos levar a refletir sobre o fato de que estamos todos interconectados e, portanto, somos interdependentes nesta aventura chamada vida. Urge, então, reeducarmo-nos com vista a um outro relacionamento com a Mãe Terra.

        Nas últimas décadas os pesquisadores de todos os campos das ciências tem constatado o grave descontrole no que tange ao uso de agrotóxicos nos alimentos, produção excessiva do lixo provocado pelo consumo exagerado, desmatamento, etc. e seus resultados como o desequilíbrio ecológico e suas consequências. Todos estes problemas são provocados pela ação humana e tem como principal motivo a obtenção de lucros através da exploração da natureza, vista como apenas mais um produto a ser comercializado.

        A crise ambiental atual demanda formas alternativas de exercitar a Educação Ambiental (EA) na busca por meios que equacionem as ações comportamentais degradadoras do meio ambiente. É cada vez mais necessário o exercício de uma EA que questione o modelo atual de desenvolvimento e sua dinâmica destruidora (SILVA; ABÍLIO, 2011).

        Grande parte da população vive atualmente no mundo urbano vítima dos mais diversos desajustes socioambientais. Este é o resultado de um modelo de desenvolvimento imposto a estas populações e que é gerador de desigualdades nos mais variados campos sociais e ambientais (PORTO-GONÇALVES, 2004). Se a EA não é crítica deste modelo, não educará no sentido pleno da palavra. Para Silva e Abílio (2011), “(...) a educação deve tomar partido no que se refere ao modelo de desenvolvimento que alimentamos, pois se não existe neutralidade em nenhum campo da atuação humana, tão pouco o há na educação.”

        É neste sentido que a atividade de EA baseada na Dinâmica da Pirâmide (DP) propõe uma integração entre as perspectivas experienciais de cada participante e as práticas de dinâmicas de grupo como base para uma reflexão sobre os problemas socioambientais que enfrentamos no sistema capitalista e como poderemos buscar suas soluções.

        A crise ambiental ainda não recebe a atenção que merece. Muitas vezes, as reflexões sobre este tópico são superficiais e não tocam no motor da crise: o sistema capitalista. Esta dinâmica foi criada para facilitar a reflexão com os grupos que querem abordar este tema. Em poucas horas é possível discutir vários tópicos de forma eficaz e direta esta temática. Acreditamos, assim como Leff (2007, p. 259) que,

 

O desafio que se coloca à pedagogia ambiental é o de formar o ser humano, desde a infância e juventude, com um espírito crítico e construtivo, estimulando antes sua criatividade do que o submetendo aos desígnios de um mundo automatizado, armado por pedaços (bits) de informação, concatenado e encadeado pela tecnologia de uma ordem econômica supra-humana.

 

        Pensar “um outro mundo possível” é uma necessidade imperativa nos dias atuais. Somente aprendendo a viver de forma sustentável, isto é, tirar da natureza apenas aquilo que é possível e não o que é desejável, é que atingiremos o verdadeiro equilíbrio socioeconômico em nossa sociedade. A mudança para este novo modelo de vida pode reverter o quadro de degradação que estamos assistindo.

        A DP enfoca a descoberta do ambiente que nos cerca e que muitas vezes passa despercebido. Como lidamos com este ecossistema? Que relação temos com o que nos cerca?  Como encontraremos a convivência equilibrada e o respeito às potencialidades daquilo que a natureza pode nos oferecer e não o que dela queremos tirar? Esses são alguns dos questionamentos que serão suscitados durante a atividade proposta. Não é a busca por resposta uníssonas, mas o encontro da pluralidades das respostas baseadas nas experiências dos participantes que alimentará o caldo das possíveis soluções

 A DP foi desenvolvida para que os grupos abordem este tema em poucas horas, sendo possível discutir vários tópicos de forma eficaz, com uma linguagem inerente aos participantes. O ideal é que o grupo de reflexão tenha pelo menos dez pessoas e uma abertura ao diálogo para perceber a conexão entre o sistema capitalista, o modo de vida por ele imposto e a tão debatida crise ambiental global. É uma forma de fazer EA crítica e informal, com grupos de diferentes níveis educacionais e sociais na busca por um debate aberto sobre as veias que alimentam e degradam o nosso planeta. Refletir com o grupo, por exemplo, que é preciso não apenas plantar árvores, mas perceber porque elas são cortadas e a exploração a que é submetida o trabalhador que participa do processo de desmatamento. Enfim, refletir sobre todas as conecções do sistema que está assassinando a Terra.

 

 

Material e método

 

 

        O material necessário é de fácil acesso. A escolha dos materiais, que descreveremos abaixo, deu-se em virtude da necessidade de materializar os conceitos de uma maneira que se aproximasse ao máximo das mais diversas realidades encontradas nos grupos populares. É preciso afirmar que os conteúdos pedagógicos e a aplicação dos instrumentos de formação utilizados no processo educativo para a reflexão, com o foco na realidade do participante de atividade formadora, devem estar em sintonia (FREIRE, 1996). 

        O grupo precisará de uma cartolina com o desenho abaixo e outras cartolinas que serão utilizadas pelos pequenos grupos de três pessoas (o número de cartolinas deve ser baseado no número de participantes). Cada um dos seis itens (modelo de extração, modelo de produção, consumismo, rejeitos, relações de poder e multinacionais) pode ser representado por um símbolo como uma lata de refrigerante para as multinacionais ou a carteira de trabalho para o modelo de produção. Papel, caneta e lápis de cor para o uso dos pequenos grupos também serão necessários. Veja os passos seguintes:

 

 

  1. Inicia-se com a pergunta feita pelo facilitador: Qual a nossa relação com o meio Ambiente? Os participantes são convidados a refletir e responder para o grupo sobre a relação que cada um tem com o meio ambiente.
  2. Baseados no desenho do triângulo, o grupo é convidado pelo facilitador a refletir como a sociedade capitalista interage com o meio ambiente. Cada tópico deve ser discutido e o facilitador deve abrir o espaço para possibilitar que cada participante expresse a sua opinião.
  3. MODELO DE EXTRAÇÃO – O facilitador comenta: A base da crise ambiental (do triângulo) está no relacionamento antropocêntrico e na maneira como vemos a natureza apenas como um recurso ao nosso dispor. É assim que a sociedade capitalista lida com tudo ao seu redor. Tudo é mercadoria: terra, água e até poluição. O facilitador convida o grupo a refletir como lidamos com a natureza no nosso cotidiano.
  4. MODELO DE PRODUÇÃO – Comentário do facilitador: É a partir da extração nós produzimos os nossos bens de consumo. Isso acontece, no capitalismo, pela posse dos meios de produção. Esta produção é feita em larga escala e de forma despersonalizada, gerando um não pertencimento de quem produz e de quem consome o produto. O grupo é convidado a refletir sobre esta afirmação.
  5. CONSUMISMO – O facilitador comenta: Toda a produção precisa ser consumida. A mídia entra neste estágio para gerar, psicologicamente, as necessidades de consumo da população. Muitas pessoas nunca estão satisfeitas e precisam sempre consumir mais. O facilitador pergunta: Como nós lidamos com o consumismo em nossas vidas?
  6. REJEITOS – O facilitador comenta: Um pouco acima, nós teremos os rejeitos (ou lixo), afinal a escala de produção e de consumo gera muitos resíduos que precisam ir para algum lugar como os rios e os oceanos. Como estão os rios da nossa comunidade? Percebemos a quantidade de lixo ao nosso redor?
  7. RELAÇÕES DE PODER – O facilitador comenta com o grupo: Tudo isso somente é possível pelas relações de poder criadas no capitalismo. Começa com a idéia de dominar a natureza na extração, depois dominar outras pessoas na produção, passando pela dominação mental no consumismo, seguindo pela dominação das águas e da terra, quando lá jogamos os nossos rejeitos, e encerra-se com a dominação das multinacionais em todas as esferas da nossa sociedade. O facilitador convida o grupo a refletir: Como nós dialogamos com a relações de poder no nosso cotidiano?

 

  1. MULTINACIONAIS – O facilitador explica o que são as multinacionais. Sugerimos a seguinte citação: Multinacionais são os grandes conglomerados empresariais internacionais, com muitos poderes econômicos e políticos, que dominam alguns governos e exercem muita influência na mídia, na academia, etc. Nós alimentamos as multinacionais diariamente com o nosso consumo, mesmo sem perceber. Você concorda com esta afirmação?
  2. O facilitador pergunta: A partir desta reflexão, como podemos transformar a nossa sociedade? Como podemos partir da forma triangular da sociedade capitalista onde o topo oprime a base para a forma circular, onde todos tem o mesmo poder?
  3. Os participantes são divididos em pequenos grupos para refletir sobre outro modelo de sociedade onde possamos conviver de uma forma onde a natureza seja respeitada. Cada grupo deve desenhar um círculo em uma cartolina e escrever, de forma criativa, as sugestões para a sociedade proposta. Sugerimos grupos de três pessoas para os pequenos grupos.
  4. Os pequenos grupos devem juntar-se novamente em um só grupo e apresentar as reflexões.
  5.  A reflexão pode ser encerrada com um círculo e o convite para que cada pessoa presente expresse o que sentiu depois da reflexão.

 

 

Figura 1: O triângulo e a sua representação para a sociedade capitalista industrial

 

Conclusão

        A DP foi criada para facilitar a reflexão com grupos que querem abordar o tema da relação entre a crise ambiental e o sistema capitalista. Ela busca oferecer uma formação integral sobre a questão ambiental, com uma perspectiva crítica que possibilite o entendimento do problema da crise ambiental de uma forma não superficial. Também estabelece um espaço de diálogo para que todos possam expressar suas experiências individuais com a natureza e educar-se para um consumo que respeite as potencialidades do planeta Terra.

        Somente através de uma educação integral é possível reverter o quadro de degradação ambiental que estamos assistindo. É preciso ver a natureza como algo além de um recurso a ser utilizado pelos humanos. A ideia que nos foi repassada de domínio sobre os recursos naturais precisa ser urgentemente reposta por um conceito de convivência sustentável com todos os seres vivos no meio ambiente circundante. Concordamos com Silva (2012) quando ele afirma,

 

A Educação ambiental deve buscar todos os caminhos possíveis para conseguir atingir o seu alvo, isto é, a sensibilização de todos, principalmente dos jovens que buscam um novo sentido para a vida em um mundo que se apresenta em crise de valores. Ademais, somente de forma criativa é possível mostrar alternativas ao modelo capitalista de sociedade que causou a degradação a que assistimos atualmente.

 

         A dinâmica de grupo aqui proposta lida diretamente com o aspecto lúdico inerente a cada ser humano. Tal dinâmica busca demonstrar as potencialidades daquilo que a natureza pode nos oferecer e não aquilo que dela queremos tirar, na busca por um mundo onde o social e o ambiental se complementam.

        A crise ambiental global é uma realidade. O sistema capitalista em que vivemos, e de certa forma alimentamos, é causador da crise. Os meios de comunicação de massa não trazem à tona o papel do sistema capitalista de produção como causador desta crise. Assim, é dever dos grupos que trabalham com uma EA crítica facilitar a discussão acerca do que é veiculado sobre o meio ambiente, levando em consideração a formação de uma opinião própria, comprometida e embasada na observação da realidade em que vivemos com todos os afetados por essa crise ambiental global.

        A DP ajudará na formação de pessoas críticas ao modelo capitalista de sociedade, guiando-lhes para uma nova perspectiva com o meio ambiente onde vivem, pois está essencialmente focada na experiência pessoal e em uma prática pedagógica onde o participante encontra as respostas para os problemas ambientais através da mudança das suas práticas cotidianas, em diálogo com outros participantes e revertendo o conceito de que “cada um faz a sua parte,resultando daí em uma ação prática e comprometida por um outro mundo possível.”

 

 

Referências Bibliográficas

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1996.

 

LEFF, Enrique. Saber Ambiental. Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes. 1998.

 

LEONARD, Annie. A história das Coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar. 2011.

 

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. O Desafio Ambiental. Rio de Janeiro: Record. 2004.

 

SILVA, Flávio José Rocha da. Juventude, Arte e Educação Ambiental. In Revista Educação Ambiental em Ação. N. 41.  Setembro de 2012.

 

­­________; ABÍLIO, Francisco José Pegado. Por uma Educação Ambiental crítica ao atual modelo de desenvolvimento. Revista Eletrônica do Prodema. V. 6 N. 1 p. 45-52, março 2011.

 

Ilustrações: Silvana Santos