Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Trabalhos Enviados
04/09/2014 (Nº 49) CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO SANITÁRIO PARA SUSTENTABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=1833 
  
SUMÁRIO

CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO SANITÁRIO PARA SUSTENTABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO

 

Saulo Xavier de Brito Amorim 1

Reis Friede 2

Carlos Alexandre Bastos de Vasconcellos 3

Eliane Rodrigues 4

Maria Geralda de Miranda 5

 

1. Mestre em Desenvolvimento Local / UNISUAM.

2. Reis Friede é Desembargador Federal e ex-Membro do Ministério Público. Ex-Professor Adjunto da Faculdade Nacional de Direito - UFRJ. Professor Titular e Pesquisador do Programa de Mestrado (MDL) da UNISUAM e da UVA. Mestre e Doutor em Direito, é autor de várias obras jurídicas, dentre as quais destacam-se “Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica”, Ed. Forense Universitária, 8ª edição, 2011 e "Lições Esquematizadas de Introdução ao Estudo do Direito", Ed. Freitas Bastos, 2ª edição, 2013.

3. Professor do Mestrado em Desenvolvimento Local /UNISUAM.

4. Pesquisador PESAGRO-RIO.

5. Coordenadora do PPG Mestrado em Desenvolvimento Local (UNISUAM).

 

RESUMO

O presente trabalho investiga as possíveis contribuições do Direito Sanitário para a sustentabilidade e a qualidade de vida no trabalho (QVT). Neste trabalho são apresentados os fundamentos teóricos gerais do direito sanitário, caracterizado como um novo ramo jurídico, repleto de especificidades e peculiaridades. A revisão bibliográfica é a metodologia eleita para trilhar o percurso que objetiva analisar no arcabouço teórico que fundamenta o Direito Sanitário, quais os potenciais institutos que subsidiam o desenvolvimento sustentável e a QVT. Os resultados demonstram que a efetiva proteção da saúde em toda amplitude conceitual é imperiosa ao estado, mas também compromete e responsabiliza a toda a sociedade. Do Direito Sanitário, concebido como um ramo jurídico independente, decorrem os princípios da responsabilidade e da precaução sanitária. Estes princípios fundamentam o conceito de desenvolvimento ambiental sustentável. O elo com a qualidade de vida no trabalho repousa justamente nesta perspectiva ambiental. O bem-estar no ambiente de trabalho seja pela ótica da sustentabilidade social ou da organizacional, está intimamente relacionado à efetividade do direito à saúde.

 

Palavras-chave: Direito Sanitário. Desenvolvimento sustentável. Qualidade de vida no trabalho.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O entendimento de que o direito à Saúde não se efetiva somente pela produção legislativa ou pela implementação de políticas públicas, aponta para necessidade de uma maior e melhor inflexão da sociedade e da academia na busca da compreensão de suas características e especificidades.

Neste sentido, diversos autores e doutrinadores do Direito apontam para a emergência de um novo ramo jurídico denominado Direito Sanitário. Ramo jurídico aqui compreendido como fracionamento fictício para fins de estudo e análise científica. Fala-se de um ramo do Direito de caráter multissetorial ou multidisciplinar, que exige uma especial atenção das “ciências jurídicas”, visto que inevitável será o risco à incompleta compreensão do significado e da importância do direito à saúde.

A melhor compreensão deste direito requer um estudo conexo e consolidado do tema e, neste aspecto, a formação de um novo ramo jurídico justifica-se. Saúde, sem dúvida alguma, é uma necessidade humana primordial e fundamental que merece todo o cuidado e amparo do Estado. Saúde é conceito que estabelece diálogo entre suas ciências próprias e as humanas, sociais e tantas outras. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde supõe “completo estado de bem estar” e, completude não se faz somente com regramento, mas com práticas.

Um dos aspectos de realização desta completude está na busca da qualidade de vida do trabalhador em seu ambiente de trabalho. Saúde e trabalho são interfaces indissociáveis do 'ser' humano e, porquanto, aponta-se para o entendimento de que a qualidade do trabalho depende intrinsecamente da qualidade de vida do trabalhador.

Por isso cada vez mais se torna perceptível a tendência de adequar-se o ambiente de trabalho às necessidades sanitárias do trabalhador. Trata-se de medidas que se enquadram aos conceitos de sustentabilidade econômica da atividade laboral e sustentabilidade social no ambiente de trabalho.

Manter ou promover a qualidade de vida no trabalho é tarefa constante que se orienta pelo desejo do equilíbrio entre os interesses dos que concedem a atividade laboral e as necessidades dos que a ela recorrem.

Através de revisão bibliográfica, investigou-se no arcabouço conceitual do Direito Sanitário quais as possíveis contribuições à concepção de que a manutenção ou a promoção da qualidade de vida do trabalhador podem ser encaradas práticas sustentáveis.

Procurou-se ao longo deste estudo investigar nas peculiaridades do Direito Sanitário quais as possíveis contribuições à concepção de que a manutenção ou a promoção da qualidade de vida do trabalhador podem ser encaradas práticas sustentáveis.

Partindo do conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde o estudo discutiu críticas e ponderações que fundamentaram a Saúde como conceito multissetorial e multidisciplinar.

 

 

I. SUSTENTABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO

 

Trabalho e Saúde são realidades indissociáveis. Fácil é a compreensão de como se relacionam e interferem, uma vez que refletem aspectos essenciais do ser humano. A categoria trabalho é vista como primeiro passo para um princípio educativo e construtivo do ser humano, pois o trabalho é a ação do homem para a transformação do mundo, sendo esta obra uma necessidade básica de todo ser humano. De acordo com Nosella o trabalho é apontado em vista às esperanças como transformação: das ciências e das tecnologias, das músicas, onde o homem seria libertado do tripalium, instrumento de tortura que origina o termo trabalho, para ir ao encontro do que o autor chama de poesis, ou seja, das artes, da política, da educação, enfim do mundo.

A adoção do conceito de saúde preconizado pela OMS, “o completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”, no preâmbulo de sua Constituição em 07 de abril de 1948 supõe necessariamente a compreensão de que não há como se garantir saúde no trabalho sem uma devota preocupação com a efetividade do prescrito bem estar completo, contemporaneamente discutido e pesquisado através da denominada qualidade de vida do trabalhador ou qualidade de vida no trabalho (QVT).

Segundo Ferreira, os movimentos que deram origem ao conceito nos anos 1970 apontaram nestes primeiros anos para uma prevalência da evolução humanista do enfoque gerencial, que buscava aliar produtividade aos programas de qualidade de vida como experiência de destaque do papel social das organizações. Para o autor, o conceito de QVT:

Engloba duas perspectivas interdependentes. Sob a ótica das organizações, a QVT é um preceito de gestão organizacional que se expressa por um conjunto de normas, diretrizes e práticas no âmbito das condições, da organização e das relações sócio-profissionais de trabalho que visa à promoção do bem-estar individual e coletivo, ao desenvolvimento pessoal dos trabalhadores e ao exercício da cidadania organizacional nos ambientes de trabalho. Sob a ótica dos sujeitos, ela se expressa por meio das representações globais que estes constroem sobre o contexto de produção no qual estejam inseridos, indicando o predomínio de vivências de bem estar no trabalho, de reconhecimentos institucional e coletivo, de possibilidade de crescimento profissional e de respeito às características individuais.

 

A evolução temporal das pesquisas sobre qualidade de vida no Brasil originam uma produção científica crescente com destaque para as áreas de administração e psicologia. David e Faria, a seu tempo, descrevem o percurso histórico das pesquisas sobre QVT no Brasil e afirmam que o interesse pelo tema ainda é muito recente e merece aprofundamento.

Talvez por isso, muito do que venha sendo escrito e pesquisado, mesmo que sob o amparo da ciência, ainda não tenha alcançado conclusões significativas e impactantes sobre a melhoria efetiva da qualidade de vida do trabalhador. Ferreira denuncia manifesto caráter ideológico das ações propostas hodiernamente implementadas. O autor as define como “cardápio de atividades do tipo anti-estresse” que demonstram uma concepção dominante de qualidade de vida alicerçada sobre três perspectivas: foco no indivíduo como responsável por sua QVT; caráter assistencial de natureza compensatória do degaste vivenciado; e ênfase na produtividade que visa assegurar índices e metas a serem atingidos a qualquer custo.

Ao descrever os fatores que contribuem para a qualidade de vida de um indivíduo, David e Faria afirmam que “o trabalho talvez seja um dos mais marcantes por dois motivos: é por meio dele que as pessoas conseguem impulsionar outros fatores como a educação, a cultura e o lazer”. Já que “de um modo geral, o indivíduo passa a maior parte ativa de seu tempo trabalhando”. Para os autores “o ambiente organizacional revela-se como um aspecto importante na qualidade de vida dos trabalhadores”. Reforçando essas perspectivas, os estudos de Nahas et al. apontam para a identificação de que cada vez mais “expressões como satisfação no trabalho, salário adequado, sucesso na carreira, bens adquiridos, relações sociais, disposição, entre outras, têm sido associadas ao conceito de QVT.

David e Faria afirmam que a QVT é “um construto multifatorial” que relaciona fatores favoráveis e desfavoráveis nos seguintes definições constitutivas: ambiente físico, ambiente social, possibilidade de crescimento, relacionamento interpessoal, salários e benefícios, saúde física, segurança física e segurança no trabalho. Todavia, para Nahas et al. os indicadores socioambientais mais adequados à QVT seriam “ambiente físico, ambiente social, desenvolvimento e realização profissional, remuneração e benefícios e relevância social do trabalho”.

Segundo Delai e Takahashi, “o ambiente de trabalho tem um impacto direto na motivação, na produtividade e no desempenho dos funcionários”. Para Nahas et al. “há uma tendência de se buscar a adequação dos ambientes e das condições de trabalho ao ser humano de forma a garantir tanto a sustentabilidade econômica quanto o bem-estar e a qualidade de vida”. E prosseguem afirmando que existem “muitas evidências de que o ambiente e as condições de trabalho (além dos estilos de vida) têm grande influência na saúde e na qualidade de vida de todos os indivíduos”.

Em perspectiva diversa, Claro et al  não tratam da sustentabilidade somente no viés econômico, mas no social e manifestam que “está baseada num processo de melhoria na qualidade de vida da sociedade, pela redução das discrepâncias entre a opulência e a miséria, por meio de diversos mecanismos.” Em seguida, esclarecem que “esses mecanismos podem ser: nivelamento do padrão de renda; acesso a educação, moradia e alimentação, entre outros (necessidades biofisiológicas e de formação intelectual)”.

Os estudos de Delai e Takahashi apontam para o entendimento de que a sustentabilidade, considerada como o “balanço entre o bem-estar humano e do ecossistema, respectivamente”, pode ser analisada sob três dimensões: social, ambiental, econômica. Por sua vez, Nahas et al. reforçam esta análise dimensional, por afirmarem que “no contexto de vida atual, fatores socioambientais, o ambiente e as condições de trabalho, somados a fatores individuais, estilo de vida, resultam na percepção do bem-estar geral do indivíduo, o que reflete a sua qualidade de vida.”

A dimensão econômica para Delai e Takahashi “avalia a geração de valor de curto e longo prazo da organização e do relacionamento que esta mantém com seus acionistas e investidores. Sua importância está relacionada com a saúde financeira da organização”.

Ao abordar a dimensão ambiental da sustentabilidade, Prescott-Allen revela que sustentabilidade pode ser considerada “o balanço entre o bem-estar humano e o do ecossistema”. Porquanto, a sustentabilidade se relaciona com o bem-estar do ecossistema, entendido como “condição na qual se mantém sua diversidade e qualidade, sua capacidade de suportar a vida e seu potencial de adaptar às mudanças provendo futuras opções”.

Segundo Delai e Takahashi a dimensão social da sustentabilidade está relacionada com equidade e qualidade de vida. Esta “trata do bem-estar humano, do como atender às necessidades humanas e aumentar as oportunidades de desenvolvimento igualmente para todos”. Na perspectiva organizacional, para os autores a dimensão social “preocupa-se com os impactos da organização nas sociedades onde opera e em todas as outras partes interessadas – funcionários, fornecedores, parceiros, consumidores, organizações da sociedade civil e setor público”.

Ainda na esteira da perspectiva organizacional, é destacável nos estudos de Ferreira, o relato de que muitas das queixas dos gestores comprometidos com o desenvolvimento da qualidade de vida dos trabalhadores repousam no fato de que seus programas, em geral, encontram grande adesão inicial e decréscimo significativo ao ponto de, em melhores hipóteses, atingir somente 20% do público-alvo. O autor atribui este resultado à prevalente, ou também denominada hegemônica, metodologia assistencialista dos programas de promoção da QVT e propõe como solução uma abordagem de natureza preventiva.

Para Ferreira, haveria sucesso na composição de programas de qualidade de vida que fossem baseados em práticas que adotassem: a mudança de mentalidade, com novas práticas em QVT; a indissociabilidade entre produtividade e bem-estar, concebendo produtividade em acepção positiva; um modelo antropocêntrico de gestão do trabalho, que valorize, promova, estimule e possibilite o desenvolvimento de pessoas através da efetiva participação nas decisões, uma cultura organizacional de bem-estar, promovendo-se reflexão coletiva e comunicação; e a sinergia organizacional, pela implementação de programas transversais e interdisciplinares a envolver também, os especialistas, os dirigentes e os gestores.

O sucesso da operacionalização do desenvolvimento de pessoas atento ao bem-estar no ambiente de trabalho parece, portanto, estar na perspectiva contra hegemônica. Acredita Ferreira que o segredo estaria na condução de uma política de QVT cuja atuação estivesse voltada ao caráter preventivo sobre a origem dos “indicadores organizacionais críticos”.

 

 

II. CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO SANITÁRIO

 

Preconiza o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Buscando estabelecer uma diferenciação conceitual sobre as diferentes terminologias, Bartolomei et al. explicam que direito à saúde “pode ser conceituado como o valor ideal da experiência humana, tanto na dimensão individual como na coletiva, erigido a preceito constitucional.” Nas palavras de Sposati e Lobo, o “direito à saúde é mais do que direito ao consumo de saúde. [...] Saúde é mais do que 'a cesta de serviços', mesmo que públicos, ainda que estes sejam básicos à vida da população”.

Já o direito da saúde, segundo Bartolomei et al., "é conceituado como o conjunto de normas jurídicas que regulam as atividades sanitárias estatais e definem os meios de que o Estado dispõe para concretizar esse direito", percorrendo-se "desde a definição dos aspectos organizacionais e operacionais do sistema de saúde, o estabelecimento da forma e dos critérios a serem observados na formulação e implementação das políticas até as normas aplicáveis a bens e serviços de interesse à saúde". Concluem, portanto, como um "sistema de normas jurídicas que disciplinam as situações que têm a saúde por objeto e regulam a organização e o funcionamento das instituições destinadas à promoção e defesa da saúde".

Por fim, Bartolomei et al. definem Direito Sanitário como “o estudo interdisciplinar que permite aproximar conhecimentos jurídicos e sanitários. É a disciplina que estuda o conjunto de normas jurídicas que estabelecem direitos e obrigações em matéria de saúde”.

Na visão de Carvalho et al., “o direito sanitário é um ramo didaticamente autônomo do direito positivo, integrado pelas normas que versam, direta ou indiretamente, sobre a relação triádica entre Estado, Sociedade e Saúde Pública”.

De forma mais assertiva e pontual, Aith assegura que o Direito Sanitário deve ser compreendido como o ramo do Direito “que disciplina as ações e serviços públicos e privados de interesse à saúde. Formado pelo conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) que visa à efetivação do Direito à Saúde e possui um regime jurídico específico”.

Assim, nas palavras do autor o Direito Sanitário se destinaria a “compreender como é que se opera a tradução jurídica feita pelo Direito no que se refere às preocupações da sociedade com a saúde”. Seus objetivos seriam “a redução de riscos de doenças e de outros agravos e o estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde”. E conclui, afirmando que “faz parte do Direito Sanitário, portanto, compreender as diversas acepções que o conceito de saúde pode ter”. Aith defende que:

Seja o Direito concebido como um sistema social orientado por um código que lhe é próprio seja ele concebido como um campo do conhecimento humano ou como uma realidade social, o que resta inegável é que o Direito possui um papel de instrumento transformador da realidade social

 

Para Aith essa percepção do Direito, que lhe atribui uma função social de extrema relevância para o desenvolvimento da qualidade de vida dos cidadãos e para a implementação dos direitos humanos, repercute, de um lado, na natureza das próprias fontes do Direito, em especial nas constituições e nas leis, que passam a orientar a ação dos Poderes Públicos em sentido propositivo; de outro lado, repercute na ação dos atores sociais responsáveis pela implementação do Direito, notadamente os órgãos dos poderes da República com poder de decisão normativa de decisão judicial.

Neste sentido, encontramos nas inflexões de Dallari uma análise do preâmbulo da Constituição da OMS da qual se extrai o entendimento de que saúde é “um bem jurídico de desenvolvimento”. Aith destaca que “no Brasil, o artigo 200, VII, da C.F., dispõe ser competência do SUS colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o ambiente do trabalho”. O texto constitucional garante, de fato, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o descreve como um bem de uso comum do povo considerado essencial à qualidade de vida. O dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras é impositivo tanto ao Poder Público, quanto à coletividade, estabelece a carta maior.

Ao afirmar que “não se pode pensar em proteção à saúde sem proteção ao trabalho”, Dallari busca estabelecer as necessárias interfaces entre o Direito Sanitário com outros ramos do Direito. Para a autora, esta interface se torna ainda mais evidente em relação, dentro outros, ao Direito Ambiental “que tem por objeto um bem jurídico de natureza material, de uso comum do povo, e que permite a manutenção de uma vida com qualidade”.

Ao descrever os princípios decorrentes do Direito Sanitário, Atih descreve o princípio da segurança sanitária que “aplica-se a todas as atividades humanas de interesse à saúde”. O autor afirma que “a proteção da saúde exige uma atuação permanente e vigilante dos indivíduos, das famílias, das coletividades e, principalmente, do Estado”. Para Aith, “o Direito Sanitário responde a uma demanda da sociedade, na medida em que, através de seu conjunto normativo, condiciona certas atividades humanas e organiza a atuação estatal para a redução dos riscos à saúde”. De forma mais clara, Aith explica que:

Embora o comportamento individual e coletivo seja importante para a proteção da saúde e a redução dos riscos a que todo estão submetidos, é o Estado quem efetivamente assume o papel fundamental na adoção de todas as medidas possíveis e necessárias para evitar a existência, no meio ambiente social, de riscos de doenças e de outros agravos à saúde da população. Quando isso não for possível, compete ao estado adotar as medidas cabíveis para reduzir os efeitos causados. O princípio da segurança permeia, por essa razão, todo o Direito Sanitário Brasileiro e constitui um dos principais alicerces.

 

Em decorrência do princípio da segurança sanitária, afirma Aith, surgem os princípios subsidiários da responsabilidade e da precaução. O autor descreve que “o primeiro obriga todas as pessoas a responderem pelos seus próprios atos ou ainda pelos do outros”, já o segundo “estende a noção de prudência até o limite do risco incerto ou desconhecido, sendo este diferencial entre os dois termos”. E continua, dizendo que “enquanto a prudência exige uma atenção especial para evitar ou reduzir ao máximo os riscos conhecidos”, o princípio da precaução “exige que se tomem medidas concretas e efetivas no sentido de tentar prever e evitar os possíveis riscos inerentes a algumas atividades”.

Para Aith (2007, p.243) os fundamentos jurídicos do princípio da precaução se originam no Direito Internacional, em especial na Agenda 21, um acordo internacional formatado como Declaração que foi produzido pelas Nações Unidade durante a ECO92, na cidade do Rio de Janeiro. E conclui, em análise, que o conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado nesta ocasião, tem como fundamento justamente o princípio da precaução.

Da análise dos princípios do Direito Sanitário foi possível encontrar na segurança sanitária subsídios teóricos importantes a fundamentar a garantia da proteção à saúde em todas as atividades humanas, dentre elas o trabalho.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A constitucionalização do direito à saúde e a consolidação de um Sistema Único de Saúde (SUS) foram pontos determinantes na conquista da Saúde como um direito de todos. Estes são os primeiros esboços do um novo ramo jurídico, denominado Direito Sanitário. Um ramo jurídico tido como 'multi' ou interdisciplinar, interdependente e relacionado aos demais ramos.

Como um ramo jurídico, o Direito Sanitário seria composto de todo o arcabouço legal, conceitual e científico que, direta ou indiretamente, influenciam e interferem na aplicação e efetivação do direito à Saúde e, por conseguinte, da qualidade de vida do indivíduo.

Esta proteção é imperativa ao estado, mas também compromete e responsabiliza a todos, em aspecto individual e coletivo. Surgem, neste ponto, os princípios decorrentes da segurança sanitária, ora denominados responsabilidade e precaução. Neste último encontramos o elo jurídico com o conceito da sustentabilidade

O segredo de desenvolver sem adoecer está em alinhar o bem-estar ao trabalho, está no desafio de articular a qualidade de vida no ambiente de trabalho. Seja pela ótica da sustentabilidade social ou da organizacional, percebe-se que existiriam subsídios teórico-conceituais no Direito Sanitário a garantir a manutenção ou promoção da qualidade de vida no ambiente de trabalho, posto que claros estão a responsabilidade coletiva e individual de toda a sociedade, compreendidos aqui os que ofertam trabalho e os que exercem seus ofícios, bem como o imperativo dever do Estado de promover as políticas públicas específicas.

 

 

REFERÊNCIAS

 

AITH, Fernando Mussa Abujanra. Curso de Direito Sanitário: A proteção do Direito à Saúde no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2007. 406 p.

 

BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de; DELDUQUE, Maria Célia. A saúde é um direito! Revista Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003.

 

CARVALHO, Cristiano; MACHADO, Rafael Bicca; TIMM, Luciano Benetti. Direito Sanitário Brasileiro. São Paulo: Quartier latin, 2004. 350 p.

 

CLARO, Priscila Borin de Oliveira; CLARO, Danny Pimentel; AMÂNCIO, Robson. Entendendo o conceito de sustentabilidade nas organizações. Revista de Administração, São Paulo, v.43, n.4, p.289-300, out./nov./dez, 2008.

 

DAVID, Lamartine Moreira Lima; FARIA, Mara de Fátima Bruno. Qualidade de vida no trabalho: construção e validação de uma escala em organizações militares do exército. Revista de Administração, São Paulo, v. 42, n.4, p.431-442, out./nov./dez, 2007.

 

DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JR, Vidal Serrano. Direito Sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010. 256 p.

 

DELAI, Ivete. TAKAHASHI, Sérgio. Uma proposta de modelo de referência para mensuração da sustentabilidade corporativa. Revista de Gestão Social e Ambiental, São Paulo, v.2, n°.1, p.19-10, jan.-abr, 2008.

 

FERREIRA, Mário César. Qualidade de vida no trabalho. In: CATTANI, Antonio David; HOLZMANN, Lorena. Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre: Editora UFRGS, p. 219-222, 2006. 496 p.

 

NAHAS, Markus; RABACOW, Fabiana Maluf; PEREIRA, Silvia do Valle; BORGATTO, Adriano Ferreti. Reprodutibilidade de uma escala para avaliar a percepção dos trabalhadores quanto ao ambiente e às condições de trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 34 (120), p. 179-183, 2009. 185 p.

 

NOSELLA, Paolo. O Trabalho como princípio educativo em Gramsci. Porto Alegre: Educação e Realidade, v. 14, n. 02, p. 3-19, 1989.

 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Constituição, 1948. Disponível em: . Acesso em: 24  nov. 2012.

 

PRESCOTT-ALLEN, R. Barometer of sustainability. In: MOLDAN, B.; BILHARRZ, S.; Billharz MATRAVERS, R. Sustainability indicators: A report on the project on indicators of sustainable development (SCOPE 58).Chichester and New York: John Wiley, pp. 28-32, 1997.

 

SPOSATI, Aldaíza; LOBO, Elza. Controle Social e Políticas Públicas. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.8, n.4, p. 366-378, out/dez., 1992.

Ilustrações: Silvana Santos