Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Trabalhos Enviados
04/09/2014 (Nº 49) RECINTOS E ANIMAIS EM VIDA LIVRE NOS ZOOLÓGICOS COMO ELEMENTOS EDUCADORES PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=1844 
  
RECINTOS E ANIMAIS EM VIDA LIVRE NOS ZOOLÓGICOS COMO ELEMENTOS EDUCADORES PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

 

 

RECINTOS E ANIMAIS EM VIDA LIVRE NOS ZOOLÓGICOS COMO ELEMENTOS EDUCADORES PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

 

 

 

Sara Monise de Oliveira1,2, Martha Marandino3, Haydée Torres de Oliveira1

 

1 - Universidade Federal de São Carlos

2 - saramonise@gmail.com

3 - Universidade de São Paulo

 

 

Resumo

            O objetivo desse trabalho foi analisar a área expositiva do Parque Ecológico Municipal de São Carlos, buscando compreender de que maneira recintos e animais em vida livre podem contribuir para o discurso expositivo sobre a conservação da biodiversidade nos zoológicos. Observamos que a intenção de abordar o tema da conservação da biodiversidade está presente no discurso expositivo da instituição, porém o tema está presente nos elementos expositivos em uma perspectiva de sensibilização, predominando as possibilidades de interação do tipo “hearts on”. É possível ampliar o aspecto educador dos elementos analisados, complementando-os com elementos que promovam interações do tipo “minds on”. Essas complementações, abordando a dimensão dos conhecimentos, valores e participação cidadã podem contribuir para o fortalecimento da perspectiva crítica na educação ambiental em zoológicos. 

 

Introdução

Um dos principais desafios das ações educativas para a conservação da biodiversidade é proporcionar às pessoas o contato com a fauna nativa e com ambientes naturais (NAVARRO-PEREZ; TIDBALL, 2012). O zoológico é uma instituição que pode contribuir nesse sentido. Há diferentes tipos de zoológico, mas em uma definição ampla, zoológico é qualquer instituição que mantenha animais silvestres vivos em cativeiro ou em semiliberdade, expostos a visitação pública, incluindo os aquários (BRASIL, 1983).

Desde a metade do século XX, zoológicos de todo o mundo vêm repensando seu papel na sociedade e atualmente espera-se que a pesquisa, a conservação e a educação façam parte de sua missão (CONWAY, 2003). A Estratégia Mundial de Zoológicos e Aquários para a Conservação da Biodiversidade orienta que sejam desenvolvidas ações de conservação “ex situ”, que sejam realizados projetos de conservação “in situ” e que a exposição dos animais vivos tenha função educativa (WAZA, 2005). Apesar da mudança nos princípios que norteiam as ações dos zoológicos, algumas dificuldades de inserção do tema da conservação da biodiversidade em suas práticas educativas, materiais ou estruturas educadoras vêm sendo observados (MARANDINO; MONACO, 2010; GARCIA, 2006, PIVELLI; KAWASAKI, 2005, MILLER et al. 2004, GUILHERME, 2000; ZOLCSAK; 1997).

Considerando que a área expositiva do zoológico é a unidade educativa central, mais antiga e mais acessível ao público visitante, é fundamental que ela aborde o tema da conservação, por meio dos elementos que a compõe. Dessa forma, o objetivo geral desse estudo foi compreender de que maneira alguns elementos presentes na área de exposição dos zoológicos podem contribuir para seu discurso expositivo sobre a conservação da biodiversidade. Buscou-se verificar se a conservação da biodiversidade e a educação ambiental fazem parte da missão do zoológico; se há intenção que a área expositiva aborde a conservação da biodiversidade de maneira educativa; e, por fim, as potencialidades dos elementos expositivos em abordar o tema da conservação da biodiversidade e os desafios existentes.

 

Metodologia

Contexto da pesquisa

Este estudo foi realizado junto ao Parque Ecológico “Dr. Antonio Teixeira Vianna”, localizado no município de São Carlos, São Paulo. A instituição foi criada em 1976 pela Universidade Federal de São Carlos e transferida para a administração do governo municipal em1980. Ela possui plano diretor e foi registrada junto ao IBAMA em 1991. Sua área é 67 hectares que incluem área de preservação ambiental de um córrego utilizado no abastecimento público; setor técnico de biologia e veterinária; e área destinada à visitação pública.


 

A entrada é gratuita e cerca de 120.000 pessoas visitam esse zoológico por ano. A área expositiva abriga 900 animais de diferentes espécies sul-americanas distribuídas em 85 recintos (figura 1). A equipe é composta por 15 pessoas, incluindo tratadores, um veterinário, uma bióloga e um educador.

 

Abordagem teórico-metodológica da pesquisa

Neste estudo foi utilizada uma abordagem qualitativa de pesquisa, que segundo Denzin e Lincoln (2006) pode ser definida como um conjunto de práticas materiais e interpretativas que buscam compreender os fenômenos por meio dos significados que as pessoas a eles conferem. Essa abordagem foi considerada apropriada, pois é coerente com o objetivo da pesquisa que tem como foco a compreensão do papel dos elementos no discurso expositivo sobre a conservação da biodiversidade nos zoológicos.

O discurso expositivo é a mensagem que a exposição busca comunicar. Ele assume características semelhantes ao discurso pedagógico, sendo resultado de um processo de recontextualização de outros discursos envolvidos no seu processo de produção (MARANDINO, 2004). Segundo Marandino (2012), durante a concepção e elaboração de uma exposição, objetos que antes possuíam uma dada função na pesquisa científica, passam a ter outra, relacionada à sua nova função de educar e comunicar conhecimentos ao público. Em museus de ciência, a autora observou, por exemplo, que objetos científicos/naturais, dependendo das finalidades do museu, poderiam sustentar um discurso científico em uma instituição e em outra serem utilizados para ilustrar ou exemplificar temas na exposição, sustentando, neste caso, um discurso de divulgação da ciência.

Para que a exposição de um zoológico tenha função educativa e de comunicação sobre a conservação ela deve sustentar discursos que possibilitem esses processos junto ao visitante. Isso pode contribuir para que suas estruturas se tornem educadoras. De acordo com Matarezzi (2005) as estruturas e espaços educadores são aqueles contém em si o poder de provocar descobertas e reflexões, possuindo intencionalidade educadora. O conceito de espaços educadores está fundamentado em uma perspectiva crítica de educação ambiental, que é comprometida com o estabelecimento de sociedades sustentáveis (KUNIEDA, 2010).  

Baseado no pressuposto de que a educação assume uma perspectiva crítica na relação entre teoria e prática, Carvalho (2006) sugere que os processos formativos em educação ambiental devem trabalhar com três dimensões, que se relacionam entre si: da natureza dos conhecimentos; dos valores éticos e estéticos; e da participação e cidadania. Deste modo, é importante que as exposições de animais nos zoológicos, perpassem por essas dimensões, provocando reflexões nesses três níveis. Assim, a área expositiva de um zoológico foi analisada utilizando-se aportes da análise de exposições e da educação ambiental crítica.

 

A estratégia metodológica

Para verificar se a conservação da biodiversidade e a educação ambiental fazem parte da missão do Parque Ecológico de São Carlos e se há intenção que a área expositiva aborde a conservação da biodiversidade de maneira educativa foram analisados dois materiais informativos entregues na entrada do Parque Ecológico de São Carlos: a cartilha “Guia para o professor” (CENTRO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 2005) e o panfleto “Parque Ecológico – 35 anos”. As etapas dessa análise estão representadas na figura 2.

 


 

A análise textual qualitativa foi escolhida para a análise de textos, pois, segundo Moraes (2007) ela é um processo de desconstrução do texto, seguida da reconstrução de um conjunto de materiais linguísticos e discursivos, produzindo-se a partir desse procedimento compreensões sobre os fenômenos e discursos investigados.

 

Para levantar as potencialidades dos elementos expositivos para abordar o tema da conservação da biodiversidade e os desafios existentes, selecionamos dois elementos diferentes: o recinto da anta (Tapirus terrestres) e do ananaí (Amazonetta brasiliensis) e o sagui (Calltithrix sp) em vida livre. Esse recinto foi escolhido, pois, o recinto é o elemento mais característico do zoológico e pela anta ser tema da campanha educativa “Minha amiga é uma anta”, realizada pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas e adotada pela Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil durante o ano de 2013. O sagui foi selecionado, pois, animais em liberdade representam um contraponto à situação de cativeiro, e dentre os diferentes animais em vida livre que existem no parque, observou-se que o sagui chama a atenção das pessoas que visitam o espaço. O desenho dessa etapa da pesquisa está representado na figura 3.

Para a identificação do tipo de interação que o elemento oferece observamos o tipo de contato estimulado – visual, auditivo, olfativo, tato, gustativo; a ação proposta – observação, leitura, reflexão, escuta, ou outra; e os conteúdos de conservação abordados. Na observação da interação do público com o elemento expositivo, registramos: as ações efetivadas; o tempo de interação; e o conteúdo dos comentários. Identificamos a possibilidade de interação analisando esses dados em conjunto, utilizando a classificação de Wagensberg (2000) para interações com objetos expositivos em: “Hands on”, quando as interações são manipulativas; “Minds on”, quando as interações promovem ações cognitivas; e “Hearts on”, quando as interações envolvem as emoções e a afetividade.

As potencialidades de educar para a conservação da biodiversidade e os desafios existentes foram analisados relacionando-se as possibilidades de interação com os conteúdos de conservação abordados nos textos, discutindo-se temas que contribuem para a perspectiva crítica da educação ambiental. O corpus de análise foi composto por oito observações, sendo quatro para cada um dos elementos selecionados. Foram observadas pessoas que estavam fazendo a visita individualmente ou em grupos (quadro 1). A observação iniciou com a chegada de uma pessoa ou um grupo de pessoas à frente do elemento e contemplou todo o período que estas ficaram interagindo com o elemento.

 


Resultados e discussão

A conservação da biodiversidade e a educação ambiental na missão do Parque Ecológico de São Carlos

A análise dos materiais informativos do Parque Ecológico de São Carlos indicou que a conservação da biodiversidade e a educação ambiental fazem parte da missão da instituição. Na cartilha, a conservação é mencionada como sendo uma das ações do parque (p.13) e como parte da filosofia da instituição, incluindo além dos animais em cativeiro na área de uso múltiplo, uma área de preservação permanente com cerrado e mata ciliar (p. 05 e 11). No item “Porque um centro de Educação Ambiental” desse material é explicado que “[...] um dos papéis mais importantes de um Parque Ecológico é o de sensibilizar seus visitantes quanto à necessidade de se preservar os animais e o meio ambiente” (p.10). Esse resultado sugere que a instituição compartilha de uma perspectiva contemporânea do papel do zoológico, buscando fortalecer, como sugerem Conway (2003) e WAZA (2005), as ações de conservação e educativas.

No panfleto é mencionado que o parque abriga espécies ameaçadas de extinção, que atua na preservação por meio da reprodução em cativeiro dessas espécies, que participa de projetos de conservação com outras instituições e que já disponibilizou animais nascidos no local para a reintrodução na natureza. Por meio desse material, a instituição busca comunicar seu papel na conservação e na pesquisa. Iniciativas nesse sentido são importantes, pois estudos como os de Aragão e Kazama (2013), Iared, Di Tullio e Oliveira (2012), Marandino et al. (2007) têm mostrado que o papel do zoológico na conservação da biodiversidade é pouco percebido pelo público visitante.

 

A área expositiva como estratégia educativa para a conservação da biodiversidade

Nos materiais analisados observou-se que a instituição espera que as pessoas se sensibilizem para a conservação da biodiversidade ao visitar a área expositiva do parque. No item “História”, do panfleto, é mencionado que “o espaço verde do parque é um dos maiores atrativos turísticos do município e da região, aliando lazer saudável ao conhecimento sobre a natureza [...]”. No item “Bicho solto” da cartilha é informado que no parque há animais em liberdade, sugerindo que sejam utilizados para exemplificar que “[...] o melhor lugar de animal silvestre é solto na natureza!” (p.09). Esse resultado indica a intenção de que o parque seja um lugar em que as pessoas possam ter contato com a fauna nativa e com ambientes verdes, contribuindo para o enfrentamento do desafio apontado por Navarro-Perez e Tidball (2012), de proporcionar esse tipo de experiência atualmente à população.

Por outro lado, identificamos que os conteúdos de conservação são abordados apenas no item “Curiosidades” da cartilha, ao tratar do desmatamento e da perda de áreas naturais de cerrado. Inserir conteúdos sobre a conservação da biodiversidade nos materiais informativos é de suma importância para que eles complementem os elementos da área expositiva, auxiliando o visitante na reflexão sobre o tema. De acordo com Patrick et al. (2007) abordar questões atuais da conservação, como tamanho populacional e ameaças sofridas pela fauna, é fundamental para que a missão de conservação e de educação estejam integradas.

 

Potencialidades e limitações para abordar a conservação da biodiversidade do recinto da anta (Tapirus terrestris) e do ananaí (Amazonetta brasiliensis)

 


Consideramos que o recinto é um elemento expositivo composto, sendo constituído por uma estrutura física construída que delimita seu espaço e oferece condições de segurança e manejo dos animais; por elementos naturais inanimados; organismos vivos; e placas de identificação da espécie (figura 4). Há três indivíduos de anta em exposição: um macho adulto, uma fêmea adulta e um filhote (figura 5). Há cerca de sete indivíduos de ananaí no recinto (figura 6) e outras espécies de aves nativas, exóticas e migratórias.

De acordo com as características do recinto, consideramos que ele possui funcionalismo próximo ao que Andersen (1987) apud Zolcsak (1997) nomeia como naturalista tipo diorama. Esse tipo de recinto mostra o habitat natural do animal, com pedras, árvores, plantas artificiais ou reais e leva em conta os aspectos veterinários e rotineiros. Isso representa uma potencialidade para o aspecto educador, pois recintos que não apresentam o ambiente natural da espécie perdem seu potencial de comunicação da mensagem de conservação (ZOLCSAK, 1997).


 

           Ele busca assegurar o bem estar animal, pois há pontos de fuga (locais em que os animais podem permanecer sem que sejam visualizados pelo público) e está em acordo com os padrões estabelecidos pelo IBAMA para recintos de antas e de ananaís (BRASIL, 2002), possuindo uma represa, que é utilizada pelos animais para atividades físicas e sociais. Segundo Barreto, Guimarães e Oliveira (2009), quando o bem estar do animal não é assegurado, sua condição é um ponto de contradição nos programas educativos. Assim, destacamos que recintos desse tipo possuem maior potencialidade educadora.

As placas sobre as espécies seguem as orientações da instrução normativa que regulamenta os zoológicos (BRASIL, 2002). Indicam o nome comum e científico da espécie, sua distribuição geográfica e que a espécie está de extinção. Trazem uma foto da espécie e um mapa com sua área de ocorrência (figura 7). A foto auxilia na identificação do animal a que as informações se referem. Segundo Guilherme (2000), placas com propostas visuais interessantes fortalecem o aspecto educativo do recinto. 

 

 

 


 

 

O texto traz informações sobre alimentação, hábitat e curiosidades. As informações do hábitat ressaltam a importância do componente hídrico no ambiente em que eles vivem, indicando os ecossistemas em que são encontrados. Essas informações auxiliam as pessoas a compreenderem como é o habitat natural da espécie. Isso é importante porque a conservação da espécie está associada à conservação do seu hábitat, sendo esse tema recomendado pelas perspectivas mais atuais de educação em zoológicos (PATRICK et al. 2007)

No item “Curiosidades”, a pressão de caça sobre esses animais é mencionada, porém a informação é apresentada de maneira generalizada. Dados do contexto local poderiam dar concretude a essa informação, como sugerido por Patrick et al. (2007). Nesse sentido, um elemento complementar poderia trazer informações sobre a existência ou não das antas e ananaís na região de São Carlos e as condições das populações dessas espécies no estado. A cartilha produzida por John e Medici (2013) para a campanha também reúne informações que podem auxiliar na elaboração de elementos complementares.

 

 


 

No mural de avisos, localizado na entrada do Parque, havia um cartaz da campanha “Minha amiga é uma Anta” (Figura 8). Seu texto trazia informações sobre a campanha e incentivava as pessoas participarem da conservação da espécie. Esse é outro aspecto interessante e que deve ser aprofundado nos elementos expositivos, pois segundo Carvalho (2006), a dimensão da participação é essencial para uma abordagem crítica de educação ambiental.

Com relação às possibilidades de interação que esse elemento expositivo oferece, observamos que é possível ouvir o som das aves e o olfato é estimulado quando as antas se aproximam do público, mas que o contato visual é o aspecto mais marcante desse recinto. Consideramos que ele pode promover principalmente interações do tipo “hearts on” e “minds on”, em função do potencial sensibilizador da visualização dos animais em um ambiente semelhante ao natural e das informações trazidas nas placas informativas.

As observações de público indicaram que quando as antas estavam próximas às pessoas, estas ficavam mais tempo interagindo com o recinto. A placa foi lida apenas nos grupos em que as antas não estavam próximas ao público e após sua leitura foi comentado somente sobre a anta, sugerindo que ela é mais atrativa que o ananaí neste recinto. As pessoas se mostraram curiosas com relação à anta e entusiasmadas com seu comportamento. Nos dois grupos em que as antas estavam visíveis, fizeram comentários sobre os indivíduos tentando interpretar o que elas estavam fazendo e expressaram sentimentos de admiração.

Foi registrada uma fala pejorativa sobre a anta. No grupo 4, uma das pessoas espantou o animal sem querer e um dos familiares comentou: “você espantou a anta. Mas é uma anta mesmo!” Isso reforça a necessidade de elementos complementares no recinto que promovam a reflexão sobre nossas atitudes, trabalhando com a dimensão dos valores, um dos princípios da perspectiva crítica de educação ambiental que adotamos (OLIVEIRA et al., 2009).

 

Sagui em liberdade (Callithrixsp.)

O sagui em vida livre foi observado próximo a recintos de outros saguis e de micos (figura 09). Durante as observações havia apenas um sagui na área expositiva. Mas de acordo com informações de um técnico do parque há mais indivíduos. Segundo esse funcionário, esses animais podem ser híbridos de duas espécies: o sagui de tufo preto (Callithrix penicillata), que ocorre no norte do Estado de São Paulo e o sagui de tufo branco (C. jachhus), que é originário do nordeste do país.

 


Esses animais estão presentes na área expositiva do parque, em função dos recursos que ela possui que são atrativos para a espécie, tais como a vegetação para se deslocar e alimentos. Portanto, diferente dos animais em cativeiro eles não foram colocados em exposição. Contudo, eles podem assumir um aspecto educador na área expositiva do zoológico à medida que as pessoas interagem com eles. Observou-se que esse elemento natural estimula o contato visual e auditivo, permitindo principalmente interações do tipo “hearts on”.

As observações de público indicaram que o animal desperta o interesse dos visitantes, pois as pessoas pararam para observar, se aproximaram, comentaram sobre o animal e fizeram fotografias, demonstrando entusiasmo pelo fato de animal estar solto (figura 10). Em dois grupos, o sentimento de medo ou receio também foi registrado. No grupo 4 a criança pequena foi para o chão e foi se aproximando do mico. A criança estava entusiasmada e querendo interagir com o animal, mas a mulher chamou atenção: “Cuidado!”. A proximidade com espécies nativas em vida livre é interessante para a educação ambiental, pois permite que as pessoas criem vínculos com as espécies de sua região (FAWCETT, 2002). Contudo, não aconselhamos interações do tipo “hands on”, pois o contato físico pode causar estresse nos animais e segundo Traad et al. (2012) trazer riscos à saúde das pessoas. Nos materiais da instituição, a manipulação dos animais em vida livre não é estimulada, apenas a sua observação.

 


Como mencionado anteriormente, a instituição tem intenção de que a observação desses animais ajude na reflexão sobre a importância da vida em liberdade. Myers; Saunders e Garrett (2004) argumentam que esse tema auxilia na compreensão das necessidades ecológicas das espécies pelos visitantes, fundamentais para o entendimento sobre a conservação dos habitats naturais. Contudo, não há um elemento expositivo que traga informações sobre essa espécie e dê suporte para a reflexão pretendida. Isso prejudica as possibilidades de interações do tipo “minds on” em visitas não monitoradas.

Uma exposição que se pretende educativa deve orientar, por meio de estratégias expositivas, os processos de interpretação dos conteúdos pelos visitantes (MARANDINO, 2012). Dessa forma, uma sugestão seria a elaboração de uma placa sobre a espécie, semelhante à que observamos no recinto da anta e do ananaí, fixada em um local que é comum avistá-la. Somando-se a ela, seria interessante a presença de elementos complementares que abordassem conteúdos de conservação relacionados a essa espécie.

 O sagui de tufo branco é comercializado ilegalmente como animal de estimação. Ele foi introduzido no sul e sudeste do Brasil e hoje há populações na natureza que tem causado prejuízos à biodiversidade dessas regiões (TRAAD et al., 2012; MITTERMEIER, 1982). Isso indica que os temas espécies exóticas invasoras e animais silvestres como animais de estimação poderiam ser abordados em elementos complementares, contextualizando a espécie encontrada no parque. De acordo Pivelli e Kawasaki (2005) é importante que a exposição dos animais dê oportunidade aos visitantes de conhecerem o seu lugar no ecossistema, buscando maneiras de reduzir o seu impacto sobre o ambiente.

Apresentar a natureza apenas como “boa e bela” gera aspectos contraditórios e descontextualizados (MARTINS, 2012). Assim, saber que, apesar de ser um animal muito interessante e bonito, ele pode trazer prejuízos à biodiversidade local, contribui para uma perspectiva crítica da educação ambiental. Deve-se apenas tomar o cuidado para não criar uma imagem negativa sobre a espécie em si, e para isso, é fundamental que o elemento expositivo traga também informações sobre a importância dela em seu ambiente de origem. Esse elemento complementar contribuiria para o estabelecimento de interações do tipo “minds on”, auxiliando na compreensão sobre essa espécie e sobre o papel do ser humano no equilíbrio ambiental.

 

Considerações finais

Com este estudo foi possível observar que tanto o recinto da anta e do ananaí, como o sagui em vida livre tem potencialidades em educar para a conservação da biodiversidade, contribuindo para o discurso expositivo sobre conservação da instituição. A presença dos elementos expositivos naturais (animais e representações de seus hábitats) permite que os visitantes tenham uma experiência próxima à natureza, atendendo a uma das demandas da educação para a biodiversidade. No caso do recinto, destacamos que aqueles que possuem cuidado com o bem estar animal contribuem com perspectivas críticas de educação ambiental nos zoológicos. Em relação aos animais em liberdade, destacamos que a intencionalidade de observá-los amplia as possibilidades de experiências sobre a biodiversidade nos zoológicos, chamando atenção para as noções de respeito com a fauna.

Observamos que há uma predominância de possibilidades de interações do tipo “hearts on”, sendo que tanto o recinto quanto o animal em vida livre proporcionam principalmente o contato visual. Consideramos que as informações trazidas nas placas sobre a espécie contribuem para a abordagem da conservação e são importantes para interações do tipo “minds on”. No caso do animal em vida livre, interações do tipo “minds on” podem ocorrer se os visitantes assumirem uma atitude investigativa e se questionarem sobre a presença desses animais fora de recintos em um zoológico, contudo ela fica prejudicada devido à ausência de informações sobre os mesmos. Desaconselhamos interações do tipo “hands on” com animais em liberdade nos zoológicos.

Sugerimos que sejam criados elementos complementares, tais como placas maiores, que contextualizem as espécies na região, focando as ameaças à conservação, com a finalidade de informar e promover reflexões, ampliando a função educadora dos elementos analisados. É importante que esses elementos abordem as três dimensões da educação ambiental crítica: dos conhecimentos, valores e da participação. Essa complementação pode proporcionar a inserção da conservação da biodiversidade no discurso expositivo da instituição de maneira explícita e contextualizada, fortalecendo o papel educador da área expositiva nos zoológicos.

 

Referências

ANDERSEN, L.L. Right enclosure design. In: Zoo Education/Interpretation. Trends for the Future. Copenhagen, 1987. p.26-52.

ARAGÃO, G. M. O.; KAZAMA, R. A função dos zoológicos nos dias atuais condiz com a percepção dos visitantes? Educação Ambiental em Ação, n. 43, março, 2013.

BARRETO, K. F. B.; GUIMARÃES, C. R. P.; OLIVEIRA, I. S. S. O zoológico como recurso didático para a prática de Educação Ambiental. Revista FACED, n.15, p.79-91. 2009.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Instrução normativa nº 04, de 04 de março de 2002, que regulamenta a obtenção de registro de Jardins zoológicos públicos e privados junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

BRASIL. Lei nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983. Dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos e dá outras providencias.

CARVALHO, L. M. A temática ambiental e o processo educativo: dimensões e abordagens. In CINQUETTI, H. S.; LOGAREZZI, A. Consumo e resíduos: fundamentos para o trabalho educativo. São Carlos, Edufscar, 2006. p. 19-41.

CENTRO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Guia do Professor. São Carlos: Parque Ecológico de São Carlos/ Prefeitura Municipal de São Carlos, 16 p., 2005.

CONWAY, W. The role of zoos in thetwenty-first century. International Zoo Yearbook, v. 38, p. 7–13, 2003.

DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: _____.O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, p.1-41, 2006.

FAWCETT, L. Children’s Wild Animal Stories: Questioning Inter-Species Bonds. Canadian Journal of Environmental Education, v. 7, n. 2, p. 125-139, 2002.

GARCIA, V. A. R. O processo de aprendizagem no zoológico de Sorocaba: análise da atividade educativa visita orientada a partir dos objetos biológicos. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006.

GUILHERME, A. Comunicação visual um novo aliado para a educação ambiental em zoológicos. Ciências Biológicas e do Ambiente, São Paulo, v.2, n.1, p. 51-62, 2000.

IARED, V. G.; DI TULLIO, A.; OLIVEIRA, H. T. Impressões de educadoras/es ambientais em relação à visitas guiadas em um zoológico. Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient., v. 28, p. 258 – 273, 2012.

JOHN, L.; MEDICE, P. Minha amiga é uma anta. Instituto de Pesquisas Ecológicas/Camirim editorial, 2013.

KUNIEDA, E. Espaços educadores no contexto do CESCAR (Coletivo Educador de São Carlos, Araraquara, Jaboticabal e Região/SP): do conceito à formação em educação ambiental. Tese (Doutorado em Ciências) Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.

MARANDINO, M. Les objets biologiques dans les musées de sciences: une étude dans le contexte brésilien. In: Le musée: entre La recherche et l’ensignement. 1 ed. Multimondes, Montreal, p. 99-120, 2012.

MARANDINO, M. Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. Rev. Bras. Educ.,n. 26, p. 95-183, 2004.

MARANDINO, M.; MONACO, L. M. Biodiversidade nos museus: discussões sobre a (in)existência de um discurso relativo à conservação em ações educativas dos museus de ciências. In: MARANDINO, M.; MONACO, L. M.; OLIVEIRA, A. D. Olhares sobre os diferentes contextos da biodiversidade. São Paulo: GEENF/FEUSP/INCTTOX, p. 13-29, 2010.

MARANDINO, M.; et al. O potencial educativo dos zoológicos para além dos conteúdos biológicos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA, n. 2., Uberlândia, agosto, 2007. Anais... Associação Brasileira de Ensino de Biologia -Regional 4 (MG/TO/GO/DF), Uberlândia, agosto, 2007.

MARTINS, M. C. Educação e ambiente: a relação entre humanos e não humanos em zoológicos urbanos. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. 89 f.

MATAREZZI, J. Estruturas e espaços educadores. In: FERRARO JUNIOR, L. A. (org.) Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, v.1, 2005, p. 159-173.

MILLER, B. et al. Evaluating the Conservation Mission of Zoos, Aquariums, Botanical Gardens, and Natural History Museums. Conservation Biology, v, 18, n. 1, p.1-8, 2004.

MITTERMEIER, R. A. et al. Conservation of primates in the Atlantic forest region of eastern Brazil. International Zoo Yearbook, Malden, v. 22, n. 1, p. 2–17, 1982.

MYERS-JR, O.; SAUNDERS, C.; GARRETT, E. What Do Children Think Animals Need? Developmental Trends. Environmental Education Research, v. 10,n. 4, p. 545-562, 2004.

MORAES, R. Mergulhos discursivos: análise textual qualitativa entendida como processo integrado de aprender, comunicar e interferir em discursos. In: Metodologias emergentes de pesquisa em educação ambiental. GALIAZZI, M. C.; FREITAS, J. V. (org.), 2 ed., Ijuí: Ed. Unijuí, 2007, p. 85 -114.

NAVARRO-PEREZ, M.; TIDBALL, K.G. Challenges of Biodiversity Education: a review of Education Strategies for Biodiversity Education. Int. Electr. J. of Environ. Edu., v. 2, 2012. p.13-30.

OLIVEIRA, H. T. et al. Trajetória de constituição e ação do grupo de estudos e pesquisa em educação ambiental (GEPEA/Ufscar): construindo pesquisas não alienadas para uma educação não alienante. Ambiente & Educação, v. 14, n. 2, 2009.

PATRICK, P. G.; et al. Conservation and education: prominent themes in zoo mission statements. The Journal of Environmental Education, v.38, n.3, p. 53-59. 2007.

PIVELLI, S. R. P.; KAWASAKI, C. S. Análise do potencial pedagógico de espaços não-formais de ensino para o desenvolvimento da temática da biodiversidade e sua conservação. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, n. 5, 2005, Bauru. Atas... Bauru: ABRAPEC, 2005.

TRAAD, R. M. et al. Introdução das espécies exóticas Callithrix penicillata (geoffroy, 1812) e Callithrixjacchus (linnaeus, 1758) em ambientes urbanos (primates: callithrichidae). Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v.2, n.1, p. 9-23, 2012.

WAGENSBERG, J. Princípios fundamentales de la Museologia Científica Moderna. Alambique – Didactica de Las Ciencias Experimentales, n. 26, p. 15-19, 2000.

WAZA. Construindo um Futuro para a Vida Selvagem: Estratégia Mundial dos Zoos e Aquários para a Conservação. Peter J. S. Olney (Ed.). Tradução: Jardim Zoológico e de Aclimação em Portugal S.A, Lisboa, Portugal, 2005. 104 p.

ZOLCSAK, E. Estudo da capacidade de comunicação ambiental de exposição de animais vivos. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997. 80p.

 

Ilustrações: Silvana Santos