Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Projeto
ECO-RESERVATÓRIO – espaço para a construção da cidadania Atualmente
as cidades possuem um perfil industrial, que impulsionou o processo de urbanização,
em geral, ocorrido de forma desordenado. Isso vem contribuindo com a degradação
do meio ambiente, gerando reflexos de ordem sócio-ambiental, com destaque à
problemática da água, pautada na escassez, potabilidade e no uso racional. No
Brasil, tanto o Estatuto da Cidade quanto a Constituição, abordam a função
social e ambiental da cidade. O primeiro, a partir de diretrizes políticas para
garantir cidades sustentáveis com saneamento ambiental, infra-estrutura urbana
e lazer, entre outros. O segundo, ao dizer que todos têm direito a um meio
ambiente equilibrado, de uso comum e voltado à sadia qualidade de vida, em que
poder público e coletividade têm o dever de preservá-lo para as gerações
atuais e futuras. Para
a cidade cumprir sua função, deve contar com o poder público, o engajamento
da sociedade e com o setor empresarial, por meio da adoção de programas de
responsabilidade social que contemplem ações comprometidas com a ética e o
meio ambiente. A
população, em sua maioria, não se compromete com a gestão ambiental das
cidades, por ser carente de uma educação voltada para a cidadania. Essa
postura de dependência e falta de responsabilidade resultam da desinformação
e da ausência de consciência ambiental e práticas comunitárias com foco na
participação. A
participação ativa dos indivíduos na história da sociedade requer
entendimento da realidade para sua posterior transformação. É nesse sentido
que a Educação Ambiental colabora, por ser um processo de educação política
para a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes
voltadas para a cidadania, enfocando uma perspectiva local para resolução de
problemas concretos. Nesse
contexto de cidades que vivenciam graves problemas sócio-ambientais,
selecionou-se para estudo a interrupção do projeto Reservatório Cultural,
implantado em 1999 pela Sabesp em parceria com algumas secretarias de Estado,
cujo intuito era reforçar a diretriz governamental de oferta de espaços públicos
em benefício da população. Seriam
adaptados e usados para lazer e cultura, 44 reservatórios de água do município
de São Paulo, aproveitando suas áreas verdes e oferecendo equipamentos e
programações à população, buscando maior interação entre empresa e
comunidade. Os reservatórios do Araçá e da Vila Mariana foram os primeiros e,
no início de 2000, os da Vila Mascote e Freguesia do Ó foram incluídos. Porém,
as atividades das Secretarias de Cultura e de Esportes foram abandonadas após
pouco mais de um mês e somente os reservatórios do Araçá e da Vila Mariana
continuaram abertos à população. Utilizou-se,
para essa análise, a unidade do reservatório de água do Araçá, localizado
no bairro do Sumaré, na região oeste da capital paulistana, por se tratar de
uma área com tradição de uso pela comunidade, além de ser remanescente do
projeto original. Foi
decisivo para seleção do objeto de estudo o envolvimento dos três setores:
governo, meio empresarial e a sociedade civil - público usuário, que devem
atuar integrados na construção e fortalecimento da cidadania como instrumento
para se atingir uma boa qualidade de vida nas cidades e a problemática da água,
pauta de destaque na agenda ambiental da cidade de São Paulo. A
abordagem do cenário urbano, geralmente não reconhecido como meio ambiente por
ser tratado por grande parte como obra concebida artificialmente pelo Homem; as
inclusões do meio empresarial, setor ainda em reflexão quanto ao seu papel
social junto à sociedade e de uma comunidade como a do bairro do Sumaré, que
por gozarem de boas condições sócio-econômicas, na maioria das vezes são
percebidos como desinteressados no engajamento e na resolução dos problemas sócio-ambientais,
são atributos que conferem ao estudo em questão verdadeira quebra de paradigma
em projetos de educação ambiental. Objetivo Revitalizar
o Projeto Reservatório Cultural sob o enfoque da educação ambiental e com o
nome de Projeto Eco-Reservatório, atrelando à discussão de temas ligados ao
negócio da empresa e aos anseios da comunidade. Levantaram-se
hipóteses para entender a interrupção do projeto original, como falta de
estabelecimento de parcerias internas e externas à empresa para construir e
gerir o projeto; falha no processo de divulgação; ausência de participação
popular em sua elaboração; inexistência de diagnóstico para conhecer o público
potencial e usuário do espaço; não realização de benchmark; falta de
sustentabilidade de recursos materiais, financeiros e humanos para sua
continuidade. A
partir destas suposições, realizou-se um diagnóstico para compreensão dos
problemas que levaram à interrupção do projeto e para elaboração de
propostas de intervenção em um projeto piloto. Métodos Foram
levantadas informações sobre a Sabesp, Histórico do Projeto, do Reservatório
do Araçá e usuários, características do bairro do Sumaré e do respectivo
distrito – Perdizes e benchmark junto ao setor de saneamento brasileiro,
usando métodos de pesquisa exploratória para se familiarizar com o objeto de
estudo e descritiva para caracterizar os públicos e/ou fenômenos envolvidos. A
pesquisa exploratória utilizou diversos materiais da Sabesp: relatórios de
gestão, site e jornal interno e da Associação de Bairro do Sumaré - Somasu:
monografia sobre o bairro, relatórios de diagnóstico sócio-ambiental,
documentos do regimento interno, fotos e mapas. Foram realizadas entrevistas
junto à direção da Somasu e com as áreas da Sabesp envolvidas no projeto, além
de fontes externas: Mapa da Exclusão e Inclusão Social no município de SP,
Censo 2000 do IBGE e algumas empresas de saneamento básico. Foi
realizada visita ao reservatório do Araçá para observação do local e
levantamento de informações, com 228 freqüentadores, por meio de formulário
de coleta de dados como parte da pesquisa descritiva. Resultados
e discussão Principais
resultados do diagnóstico: Sabesp:
possue várias
ações com foco ambiental, comunitário e educacional descentralizadas por
toda a empresa. A responsabilidade social encontra-se em implantação. Projeto
Reservatório Cultural: limitação
de parcerias dificultou sua construção e gestão. Inexistência de análise
quanto ao público usuário, bairro, distrito e prática em outras empresas. Área
oferecida ao público com garantia da segurança do local. Biblioteca
disponibilizada foi brevemente fechada. Ausência de outras propostas. Reservatório
do Araçá: aberto à população
desde 1970 por meio de outros projetos da Sabesp. Área verde valorizada pela
comunidade, devido à falta de segurança nas ruas e precariedade das calçadas.
Não está propiciando socialização, já que é utilizado pela maioria para
atividades individuais. Público
usuário: perfil homogêneo quanto
às expectativas e uso do local, confirmado com % de uso para caminhadas (84%);
freqüência de duas ou mais vezes por semana (73%); índice de usuários
insatisfeitos com a manutenção das instalações igual aos que acham que nada
precisa ser melhorado (25%). Homogeneidade de características: 54% têm curso
superior, 45% residem no bairro e faixa etária predominante de 40 e 59 anos. Bairro
do Sumaré e Distrito de Perdizes: 50%
indicaram necessidade de mais áreas verdes no bairro. Muitos freqüentadores de
outros bairros do distrito, entre 11 e 39 anos, vêm ao reservatório,
constituindo um público potencial. Benchmark:
das 10 empresas de saneamento
pesquisadas (CE, DF, SC, RJ, PE, MG, RS, BA, GO e PR) só 3 disponibilizam as áreas
dos reservatórios à população, para divulgação do processo de tratamento
da água. Constatou-se
então que, o reservatório do Araçá vem sendo subutilizado ou utilizado de
forma ineficiente, pois não gera atração e conseqüente integração entre a
empresa e a comunidade e nem desta entre seus segmentos: jovens, crianças,
estudantes, entre outros. Esse
espaço traria benefícios a todos se abarcasse práticas que conduzissem às
questões sócio-ambientais locais, mas é restritivo e inibidor, pois não
integra diferentes atores sociais, nem na utilização do espaço, nem na formação
de parcerias. A
apropriação do local é desigual, com os usuários utilizando-o de forma mais
expressiva que a Sabesp, que poderia se valer para agregar valor ao seu negócio. Para
reverter esse quadro, propõe-se dar ao espaço novo formato e novos conteúdos,
provocando mudança de aparência e, sobretudo, de essência, alterando a forma
de divisão do espaço com um reposicionamento da empresa no projeto e
democratizando seu uso, com a inclusão e integração de novos atores sociais. Essas
propostas têm argumentação fundamentada nos seguintes aspectos: Escola:
reflexões de autores
sobre educação ao longo da história reforçam da importância da escola usar
o ambiente externo à sala de aula para ampliar o conhecimento dos alunos e
exercitar a cidadania, ajudando-os a entender o local onde vivem e atuar sobre
ele. A
exploração do entorno abre diálogo entre escola e mundo, ampliando a visão
das crianças que são multiplicadoras por natureza, pois levam para casa
conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidas na escola. Sabesp:
cabe perguntar
se ao abrir o reservatório à população, a empresa já não estaria cumprindo
um papel social? Ela tem a responsabilidade de suprir o poder público e
disponibilizar uma área de lazer, garantindo sua limpeza e segurança? Deve
fazer ainda mais do que isso? Por quê? Uma
organização bem sucedida deve saber despertar o empenho e a capacidade de
aprender de toda sua cadeia de relacionamento. Para isso, precisa desenvolver
uma visão sistêmica, para compreender o mundo e suas inter-relações,
repensar idéias arraigadas e rever atitudes. Projetos
concebidos de forma participativa obtêm o comprometimento das partes
envolvidas, desde que o objetivo comum seja claro a todos. Oferecem
possibilidade de construção coletiva do conhecimento, democratizando a
aprendizagem organizacional. Todo e qualquer esforço que eleve o potencial
humano de uma empresa é um diferencial competitivo no atual cenário
corporativo globalizado. Pensar
o mundo sob uma perspectiva mais ampla é próprio da visão sistêmica e vai ao
encontro do modelo contemporâneo da responsabilidade social, que se atenta às
ações integradas. Incorporá-la
é uma forma de desenvolver e aprimorar o capital humano, pois faz emergir
estratégias empresariais aderentes aos interesses dos diversos atores sociais
que se relacionam com a empresa. Público
usuário: na
sociedade, há várias modalidades de educação: a formal que ocorre em escolas
e universidades, e na família; informal que se dá a partir de informações
disponíveis nos meios de comunicação, culturais e em outras formas de
entretenimento, e pelo convívio entre indivíduos e a não-formal que ocorre na
participação social aberta e planejada em atividades lúdicas e prazerosas. Equipamentos
destinados às atividades socioculturais, incluindo lazer, também podem ser
utilizados como recursos para desenvolver a educação não-formal. Mesmo não
sendo necessário que toda atividade corresponda diretamente ao desejo da
comunidade, as propostas devem trazer conteúdo que seja novo e interessante,
acrescentando novas idéias e experiências aos usuários. A
cidade pressupõe a necessidade de gestão coletiva e havendo a inserção de
novos atores no reservatório, esse equipamento poderá servir de palco para
discussões e uma aprendizagem que vise à mudança de atitudes. Propostas
de intervenção Compostas
de ações com justificativas para reativação e reestruturação do projeto: Etapa
1- a) reabrir
a biblioteca com acervo relacionado ao tema água divulgando as escolas do
entorno e do distrito. Justificativa: promove
a inserção de atores com potencial de multiplicação - escolas, viabilizando
informações sobre água; fortalecer o projeto; fácil implantação e baixo
custo; complementação do acervo das bibliotecas das escolas com ênfase nos
negócios da Sabesp. b)
incluir o reservatório do Araçá no programa de
visitação monitorada às estações de tratamento de água. Justificativa:
o público escolar e outros interessados terão oportunidade de conhecer mais um
componente do aparato operacional da empresa, além de espaço disponível para
discussão de temas ambientais. c)
criar recursos informativos para diferentes atores discutirem sobre problemas do
bairro e da água. Justificativa: estimula a comunidade a participar da
escolha e discussão de problemas locais e globais que a afetam, por meio de: folheto
ou informativo - com informações sobre a água, empresa e reservatório,
buscando uma conexão com os interesses do bairro e do distrito; exposição
de maquetes: mostra a necessidade de fazer uso racional da água e a
complexidade de seu processo de tratamento; trilha auto-informativa:
sensibiliza as pessoas sobre a importância da responsabilidade com o meio
ambiente, disponibilizando, pela trilha, informações sobre água, meio
ambiente e outros temas de interesse do bairro ou distrito. Etapa
2 - a) atribuir a gestão e operacionalização do projeto a um Comitê
composto por representantes de diversas unidades da empresa - equipe
multidisciplinar. Justificativa: integra diferentes visões e múltiplos
saberes, fortalecendo alianças internas e externas, o processo de aprendizagem
e de trabalho em equipe, a construção, execução e acompanhamento de
propostas e ações. b)
utilizar o reservatório do Araçá como área-piloto. Justificativa: o
histórico revela forte vínculo do público usuário com o local, além do
mesmo ser remanescente do projeto original. A implantação em escopo piloto
possibilitará adotar melhorias para disseminação do projeto a outras
localidades. c)
alterar o nome do projeto para Eco-Reservatório. Justificativa: demarca
a implantação de uma proposta de maior amplitude, a sócio-ambiental, que
engloba as dimensões cultural, esportiva e recreacional previstas na versão
anterior. Considerações
finais O
projeto Eco-Reservatório foi desenvolvido em 2003, no curso de especialização
em Educação Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP e apresentado
para a Somasu e áreas da Sabesp, sem efetivação de sua implantação. Suas
propostas ainda são válidas quando analisadas sob a ótica das demandas sócio-ambientais
do município de São Paulo, em especial a questão da água e da carência de
áreas verdes. Em
relação à água, nota-se seu alinhamento com o atual planejamento estratégico
da Sabesp, que prevê sua transição de prestadora de serviços de saneamento
para uma organização de soluções ambientais. O meio ambiente passa a ser um
objetivo estratégico, destacando-se a nova proposta de política ambiental a
ser implantada pela recém-criada Superintendência de Gestão Ambiental,
incumbida também de dar impulso à Educação Ambiental. Em
sintonia com a necessidade de desenvolver ações integradas, a Educação
Ambiental na empresa deverá prever parcerias com outras esferas governamentais
e comunidades locais. Quanto
à carência de áreas verdes no município, planeja-se a ampliação do nº de
parques na capital de 33 para 72, até o fim de 2008, o que reforça a consonância
do projeto Eco-Reservatório com políticas públicas, eliminando qualquer dúvida
em relação à relevância de seu conteúdo no atual contexto de busca
permanente pela melhoria da qualidade de vida em nossa cidade. Para
as escolas e a comunidade, o projeto se reafirma ao prever a mobilização de
professores, alunos, funcionários, pais e população em geral, na intervenção
da realidade local, permitindo que percebam a interferência do homem no
ambiente, compreendendo a relação existente entre os contextos sociais e
ambientais. A
humanidade está despertando para a necessidade de preservar o meio ambiente
como forma de salvar sua própria espécie, por isso, precisa firmar um pacto em
prol da construção da cidadania, onde a soma de esforços e diferentes saberes
são indispensáveis para a reversão do quadro de desordem e degradação da
qualidade de vida em boa parte do planeta. Elisa
Yara Adda Coordenadora
de projetos de pesquisas socioeconômicas da Fundação SEADE. Cientista Social,
Pós-Graduada em Recursos Humanos e em Psicologia Social das Organizações,
Educadora Ambiental e graduanda em Geografia. eadda1@uol.com.br Ernani
Roic
Analista
de Recursos Humanos da Superintendência de Planejamento e Desenvolvimento da
Diretoria Metropolitana da Sabesp. Administrador de Empresas, Pós-Graduado em
Recursos Humanos e Educador
Ambiental eroic@sabesp.com.br |