Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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O DISCURSO “SUSTENTÁVEL” NA EDUCAÇÃO:
UM RETORNO A CRÍTICA EM BUSCA DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E DE UMA VIA
ALTERNATIVA. Jean
da Silva Santos1 Áurea
Chateaubriand Andrade Campos2 Resumo Atualmente
é verificado como parte integrante dos discursos de certas parcelas sociais o
avanço da incorporação de algumas das dimensões da sustentabilidade, mais
precisamente no discurso do “Desenvolvimento Sustentável”. A educação se
mostra, ao mesmo tempo, como uma via de análise e um campo no qual este
discurso se insere, ela é capaz de trazer contribuições no que tange a
discussão de uma via alternativa de sustentabilidade, na qual deve ser muito próxima
das idéias de “sociedades sustentáveis”. A polissemia do termo
sustentabilidade é refletida na ambigüidade dos discursos que demonstram as
mais variadas intencionalidades. É por esse motivo que se faz necessário
entender e desmistificar o discurso sustentável na educação, pois estas são
uma das maneiras mais eficazes para iniciar a busca de alternativas viáveis
para as questões socioambientais. Desta maneira, este artigo visa numa
abordagem crítica, tecer leituras acerca de temas que são caras a fundamentação
teórica e a consolidação da Educação Ambiental, principalmente em espaços
formais de aprendizagem, dentre eles, a sociedade de consumo, a escassez,
preservação e conservação ambiental, e dentre outros, sobre os projetos de
intervenção escolar. Palavras-chave: ambiente -
sustentabilidade – discurso – educação - alternativa O
contexto pós-moderno é um convite a pensar na atuação humana frente ao “Possibilismo”
discutido por Henry L.Fébvre, no primeiro quartel de 1900. Parece um
contra-senso utilizar a palavra-chave de um outro contexto histórico, onde
houve uma transição paradigmática, a partir do Determinismo Geográfico3, porém o pensar nessas
possibilidades hoje é pensar na complexidade com que o mundo se apresenta aos
olhos de quem não foi formado sob o pensar na totalidade, nem nas interconexões
entre um determinado tema e outros, numa teia de relações complexas. As
novas demandas surgidas na pós-modernidade são muitas e podem se configurar
também por desafios nos seus mais variados campos. Nesse ínterim, elegeu-se a
questão ambiental e a questão educacional para dialogarem sobre temas, como:
Ecopedagogia/ Pedagogia da Terra e Sustentabilidade/ Sociedades Sustentáveis,
na busca por projetos alternativos, de uma outra proposta de educação. (...)
a ciência ocidental hoje vive uma crise paradigmática que tem levado
cientistas a produzir o conhecimento científico com preocupações maiores de
alcançar os resultados objetivos e apontam para as suas possibilidades de
aplicação, em vez de se preocupar em fazer suas leituras da realidade com o
rigor filosófico necessário para a compreensão da amplitude do poder que a ciência
passou a exercer na transformação da realidade. Dessa
forma, vivemos no século XX, muito mais na preocupação com o fazer, com o
alcançar os resultados práticos, do que com o refletir. ( SPOSITO, 2004 p.
121) Contudo,
não se deve confinar a declarada crise apenas ao ramo científico, mas citar as
várias crises da atualidade sejam elas no modelo econômico, institucional,
social, ético e ambiental, dentre outros, em contexto de globalização. É por
essas razões que se necessita de resultados aplicados, não só no campo
epistemológico, mas também na realidade concreta. Acredita-se que um dos
grandes desafios da ciência na atualidade é manter o rigor filosófico nestes
resultados aplicados, numa junção de teoria e prática, distanciando-se dos
riscos das teorias puras, assim como das práticas vazias. Em
relação às Instituições, uma importante dentre elas é a escola, que traz
na sua concepção um modelo de educação inserida numa conflitante situação
paradigmática. Além de ser um lugar eminentemente político, a escola deveria
constantemente travar exercícios da dialética como prática de formação dos
indivíduos que dela fazem parte. O
conflito mencionado está justamente nesta situação contraditória entre ser
um espaço político de posicionamento crítico diante da realidade em que está
inserida e sofrer os agravos cometidos pelas políticas públicas que lhes são
direcionadas, sem ao menos sair de uma apatia aparente frente às discussões e
ações mais politizadas. Por isso, enquanto espaço político, ela deve estar
atenta sobre o seu papel social e ideológico na formação de agentes sociais:
questionar se estes agentes terão a competência para uma leitura crítica do
que está posto ou se irão reproduzir essa realidade nos seus atos e discursos.
É
urgente a busca pela clareza do projeto de intervenção social da escola, do
modelo de sociedade que ela deseja manutenir, construir ou desconstruir e
assumir o seu posicionamento político-ideológico frente às novas demandas
sociais, haja vista não haver a possibilidade da imparcialidade dentro de um
projeto social como a escola. E mais, a escola deve ser vista como um espaço
privilegiado de intervenção localizada. Dentre
as demandas sociais a serem discutidas e questionadas, incluem-se como maiores e
mais urgentes: o modelo de “sociedade de
consumo” (BAUDRILLARD, 2001; BARBOSA, 2004), a Educação (de qualidade) e
a Natureza. Estes passam a ser vistos como “bens“
que não estão disponíveis em suas integralidades a todos, mas sim para uma
parcela privilegiada socialmente falando, fruto da concepção capitalista, que
deve ser criticada nas suas variadas instâncias de poder e ação. Tal
modelo de sociedade torna-se cada vez mais dissociado das reais questões
ambientais, enquanto a ecologia se insere nas agendas dos organismos
internacionais. O ambiente, aos olhos do capital, é considerado como um passivo
a ser consumido pelas suas necessidades constantemente criadas e recriadas - eis
outra “contradição” capitalista, que exprime no discurso da Preservação
o seu interesse maior. A
visão mecanicista, funcionalista, expressa pelo paradigma cartesiano dissocia
cada vez mais o homem dos processos naturais, e ele passa a não mais
enxergar-se como parte integrante da natureza, mas sim como dominador das várias
possibilidades que ela oferece. Com a implementação do atual modelo, o homem
almeja continuamente assumir o controle diante dos recursos naturais e os
dominar. O
avanço das técnicas, reflexo da hegemonia deste modelo de sociedade e do
capital, intensificou-se. Os agravos cometidos à natureza - inclusive à
natureza humana - em prol de um desenvolvimento “desigual
e combinado” (SMITH, 1998) numa
escala mundial, e as políticas públicas gestadas no plano nacional
(pressionadas pelo plano global), que priorizam aspectos econômicos em
detrimento dos aspectos sociais vêm, de alguma maneira ter relação, na teia
da complexidade, com as lágrimas na face de uma criança faminta e subnutrida
moradora do Novo Horizonte. Este, um bairro periférico de uma cidade periférica,
Feira de Santana, de um Estado periférico, a Bahia, localizado num país periférico,
o Brasil, constituinte de uma América Latina perifericizada e, como afirma
Edgard Morin (2005), constituinte, também de um Planeta periférico, a Terra,
que faz parte de um Sistema Solar marcante da periferia do Universo. Pelos
fatos explicitados acima, não se justificam discriminações de etnias ou
nacionalidades, tampouco possíveis determinismos geográficos que venham tentar
legitimar “discursos”
ideologicamente construídos sobre a “escassez”
(HARVEY, 2005) de riqueza, pobreza e, consequentemente, desenvolvimento. Desta
forma, não se pode fechar os olhos numa política de laissez faire, laissez aller, laissez passer4.
Opta-se, aqui, por seguir a visão de alguns teóricos sociais, tais como Milton
Santos, Edgar Morin, Paulo Freire,
Josué de Castro, Anísio Teixeira, dentre outros, segundo os quais as ações
devam ser gestadas no diálogo constante entre os diversos agentes territoriais
através de ações politizadas. Trabalhos contra-hegemônicos devem surgir e o
atual movimento de desideologisação hegemônica iniciado por tais teóricos
deve prosseguir seu curso, haja vista que o processo de mudança social
significativa, poderá surgir na base de uma sociedade
hierarquizada (SANTOS, 2004). A
escola, incorporando os preceitos da Educação Ambiental Crítica, tem papel
fundamental nesse processo, porque “aponta para as transformações da
sociedade em direção a novos paradigmas de justiça social e qualidade
ambiental.” (GUIMARÃES, 2000 p.11). A
Educação Ambiental é contribuinte para potencializar a capacidade que o
agente social tem de criar bases políticas, pedagógicas e perceptivas para um
novo entendimento nas relações com a natureza. É entender-se como parte
integrante dos processos endógenos da dinâmica do planeta bem como ter na visão
crítica e reflexiva o entendimento de que é um agente ao mesmo tempo social e
ambiental, pois tem, na capacidade de produção e reprodução do espaço geográfico,
a possibilidade de modificar as porções visíveis e invisíveis da paisagem. Inserida
nessa dimensão ambiental emancipadora, a educação não pode mais coadunar em
seu exercício operacional com práticas tradicionais. Evita-se falar em
Pedagogia Tradicional, pois esta é fundamentada nos princípios que são contrários
à perspectiva proposta nestas reflexões e que são configurados pela
competitividade, seleção e classificação dos sujeitos sociais, refletindo a
sociedade capitalista, desigual, excludente e individualista. O
ranqueamento visto, percebido e vivido em todas as esferas sociais, no atual
modelo de sociedade dominante é, em menor escala, reproduzido no ambiente
escolar. Para que isto seja comprovado basta apontar, dentre vários, apenas
dois elementos: o método avaliativo acaba por condicionar o indivíduo à nota
pela nota e não à aprendizagem pelo “saber”, deixando de haver
uma construção significativa do conhecimento; e o próprio
ranqueamento, que levanta aspectos como a melhor turma, os melhores alunos, os
melhores professores, enfim, alimenta-se uma relação competitiva instaurada no
âmbito escolar. Buscam-se
novos olhares para o viés intervencionista, centrado na solidariedade,
participação, na ética e na “comunhão”, como preconizou Paulo Freire.
Acredita-se que o caminho para esta busca está implícito na
Ecopedagogia/Pedagogia da Terra que: (...)
pretende desenvolver um novo olhar sobre a educação, um olhar global, uma nova
maneira de ser e de estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida
cotidiana, que busca sentido a cada momento, em cada ato, que ‘pensa a prática’
(Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas, evitando a burocratização do
olhar e do comportamento. (...) a ecopedagogia não
é uma pedagogia a mais, ao lado de outras pedagogias. Ela só tem sentido como
projeto alternativo global, em que a preocupação não está apenas na preservação
da natureza (ecologia natural) ou no impacto das sociedades humanas sobre os
ambientes naturais (ecologia social), mas vem num novo modelo de civilização
sustentável do ponto de vista ecológico (ecologia integral) que implica uma
mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais (...) Ela está ligada,
portanto, a um projeto utópico: mudar as relações humanas, sociais e
ambientais que temos hoje. Aqui está o sentido profundo da ecopedagogia, ou de
uma pedagogia da Terra(...) (GADOTTI, 2003 p.82 e 94). Acredita-se
que a Educação Ambiental Crítica deva ser elevada ao status
de conceito e a Ecopedagogia/Pedagogia da Terra, juntamente com a
Sustentabilidade, ao ser requalificada sob os preceitos das Sociedades Sustentáveis,
ao patamar de categorias analíticas com o objetivo de uma análise mais
direcionada da realidade escolar. Nesse sentido, a Educação Ambiental vem num
aporte gerido pelas discussões da sustentabilidade que devem questionar sobre a
real possibilidade de uma educação sustentável, haja vista ser este um termo
polêmico e polissêmico, que vem de fora da academia. Portanto, não é um
conceito científico e vem sendo ressemantizado ao longo do tempo. Segundo
Gadotti (2003), a Sustentabilidade vista como um termo de caráter normativo,
oriundo do campo diplomático-normativo, permite entender que ela não é uma
ferramenta capaz de fazer compreender cientificamente a realidade para melhor
transformá-la. Como se traduz na
educação o princípio de sustentabilidade? Ela se traduz por perguntas como:
até que ponto há sentido no que fazemos? Até que ponto nossas ações
contribuem para a qualidade de vida dos povos e para a sua felicidade? A
sustentabilidade é um princípio reorientador da educação e principalmente
dos currículos, objetivos e métodos. (GADOTTI, 2003 p. 90). Para
efeito de entendimento deste artigo, procura-se evitar a utilização do termo
sustentabilidade devido ao seu caráter polissêmico, e ao seu desgaste pelo uso
excessivo a partir das mais variadas intencionalidades, bem como pela
possibilidade de variadas interpretações com o objetivo de legitimar as condições
de reprodução do sistema capitalista. De
antemão, desacredita-se na sustentabilidade à luz das relações do modelo de
sociedade de consumo vigente, ao passo que se acredita numa requalificação do
termo numa profundidade capaz de resgatar princípios perdidos durante a sua
ressemantização ao longo do tempo, tais como: solidariedade, equidade,
respeito aos direitos humanos e suas culturas, democracia e autonomia nos
processos decisórios. Tal resgate é percebido no Tratado
de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
implementado durante a RIO/92. Hoje
é verificado nos discursos das mais variadas repartições da sociedade o avanço
da incorporação das várias dimensões da sustentabilidade, mais precisamente
no discurso do “Desenvolvimento Sustentável”
(GONÇALVES, 2001). Elege-se o campo educacional para que se possa
analisar o meio no qual este discurso está inserido e propor uma alternativa de
sustentabilidade que deve ser muito próxima das idéias de “sociedades
sustentáveis”, principalmente no que se refere aos “princípios de
autonomia, legitimidade de representação e de planejamento participativo e ação”
(FERRARO JÚNIOR, 2002 p.287). Quando
se coloca a palavra sustentabilidade na arena de análise, o que se evidencia é
justamente, como afirma Leff (2000), a “polissemia” do termo, a sua
capacidade ambígua de se adequar à pauta das empresas, aos discursos e aos
projetos de planejamento estatal. A pauta dos últimos tempos foi e é adequar
as necessidades atuais e futuras da sociedade de consumo na plataforma ambiental
como uma pseudo-preocupação. A citada “polissemia” pode, em parte,
consistir na insistência em querer defini-la como conceito científico, e como
tal ter a força e a capacidade de explicar algumas das várias facetas da
realidade com clareza, coisa que não é verdade. Tornar o termo
sustentabilidade operacional pelo viés científico pode ser uma das formas de
contribuição para a reprodução dos vários discursos “ecologicamente
corretos” encontrados nas agendas das Instituições, sejam elas financeiras,
empresariais ou políticas. Antes
de avançar a discussão, é flagrante demonstrar como e em qual campo e
contexto a sustentabilidade surge, até
se entender o sucesso pelo qual assistem-se os empreendimentos “verdes” que
vêm tomando corpo pelo mundo, pelo Brasil e mais precisamente pela Bahia. Ser
ecologicamente correto hoje, aos olhos da mídia e do mercado, é estar inserido
num discurso sem profundidade e altamente fragilizado do ponto de vista
argumentativo, é não se mostrar capaz de esconder as contradições criadas
pelo próprio sistema capitalista que serve de base para a própria
insustentabilidade teórica. O
discurso do desenvolvimento sustentável surge do campo diplomático, mais
precisamente através da Assembléia Geral das Nações Unidas em 1983, que
criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e tinha como
coordenadora Gro Harlem Brundtland que
desenvolveu o relatório intitulado “Nosso Futuro Comum” que, segundo
Layrargues (1997), tinha como objetivo: propor estratégias
ambientais de longo prazo para se obter um desenvolvimento sustentável por
volta do ano 2000 e daí em diante, recomendar maneiras para que a preocupação
com o meio ambiente se traduza em maior cooperação entre países em
desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico
e social e leve à consecução de objetivos comuns e interligados que
considerem as inter-relações de pessoas,
recursos, meio ambiente e desenvolvimento (...). (LAYRARGUES, 1997p.8). A
crítica, segundo este mesmo autor reside no fato de que: (...) independente da
existência de atores sociais implicados na responsabilidade da degradação
ambiental, a busca de soluções seria tarefa comum a toda humanidade (...). Na
tentativa de generalizar os fatos, omite um contexto histórico e cria o
‘homem abstrato’. Em conseqüência retira o componente ideológico da questão
ambiental e cria uma opacidade
impossibilitando a visibilidade do procedimento histórico que gerou a crise
ambiental (...) (LAYRARGUES, 1997p.9), (grifo nosso). Este
mesmo relatório vê na pobreza, “(...) uma das principais causas e um dos
principais efeitos dos problemas ambientais no mundo (...).”
Desta maneira, o discurso do desenvolvimento é balizado em torno do “círculo
vicioso da pobreza, com o propósito de justificar a necessidade da continuidade
do crescimento econômico (...)” (LAYRARGUES,
1997 p.9). Sendo assim, a legitimação
do discurso se faz premente a partir da necessidade de mediação nas tensões
relacionadas ao “desenvolvimento”, à luz do economicismo financeiro que
abarcou e continua a fazê-lo sob os auspícios do capital e da técnica.
Contudo, a humanidade, na sua quase totalidade, não conseguiu acompanhar este
desenvolvimento sob tais aspectos, visto que este termo também suscita
dubiedade sobre seu significado. Desenvolvimento visto como progresso, à luz do
pensamento neoliberal, que sempre questiona sobre o que resta para apropriação
e em conseqüência, expropriação. Segundo Arendt (1994): (...) o progresso
confere uma resposta à perturbadora questão: e o que faremos agora? A
resposta, em seu grau mais primário, é a seguinte: desenvolvamos o que já
temos em algo de melhor, maior etc. (A fé dos liberais no crescimento, à
primeira vista irracional é tão característica a todas as nossas teorias políticas
e econômicas atuais, depende desta noção) (...) a resposta nos diz para
desenvolver as contradições presentes até a sua síntese inerente. Em cada um
dos casos, estamos seguros de que nada absolutamente novo e totalmente
inesperado pode acontecer, nada senão os resultados ‘necessários’ daquilo
que já sabíamos. (ARENDT 1994 p.28). Portanto,
o progresso contido na idéia de desenvolvimento não serve como padrão
avaliativo para os processos estritamente relacionados às necessidades da
humanidade. E esta é uma das críticas sobre os índices selecionados para
mensurar o nível de desenvolvimento humano que são utilizados na atualidade,
sobretudo para mensurar a qualidade de vida. É importante refletir sobre o
atual contexto sócio-espacial e constatar que as desigualdades são muitas e
acentuadas, sobretudo nos grupos sociais que não têm acesso às tecnologias,
aos altos padrões de consumo e à informação. No
curso desta discussão sobre a essência polissêmica do desenvolvimento sustentável,
abre-se um parêntese para se questionar sobre o papel da Educação nesse
contexto, sobre como se dá a sua inserção, seja na legitimação dos
discursos, seja nas práticas legitimadoras exercidas nas Instituições. Ao
pensar em educação e em sustentabilidade, num primeiro momento, surge a dúvida
se elas realmente se casam e se materializam nas práticas pedagógicas e,
consequentemente, no contexto diário da sala-de-aula. E como isso acontece? Muitos
educadores, envolvidos pela “opacidade” dos discursos dissonantes acerca da
sustentabilidade que impossibilita a visibilidade histórica da atual crise
gerada pelas contradições capitalistas, e que acaba por ser entendida como uma
“crise ambiental”, reproduzem, talvez pela fragilidade dos conceitos, toda
uma retórica que não questiona os pilares de sustentação da atual sociedade
industrial de consumo, mantendo, portanto, o modelo vigente. Desta
maneira, vislumbra-se nas análises do discurso tal reprodução impregnada de
conceitos contraditórios, arraigados no senso comum. A exemplo, cita-se a questão
preservacionista e conservacionista. Ferraro Júnior (2002), sobre estes dois
aspectos, discerne-os afirmando que o preservacionismo teve origem a partir da
“degradação ambiental” dos espaços urbano-industriais ingleses e dos
aspectos rurais americanos, respectivamente, da industrialização e da corrida
para o Oeste “Homestead Act” (Ibidem. p.287). Estes fatores, percebidos por
alguns intelectuais, romperam com a sistematização das idéias que concorreram
para o romantismo, arcadismo e preservacionismo. Em continuidade às observações
do citado autor, vemos que o discurso parte da seguinte percepção: (...) o humano tem em
si o ‘mal’, o pecado que destrói o paraíso feito por Deus. (...) Cabe
registrar que sua proposta básica [do
preservacionismo é] a criação de espaços naturais (ilhas) protegidas das
ações do homem (...). (FERRARO JÚNIOR 2002
p.287). Grifo nosso. A
vertente que caracteriza as questões da natureza sob este ponto de vista pode
ser definida segundo Leite & Minini (2001) apud
Ferraro Júnior (2002)5 como Ecológico-Preservacionista, pois
relaciona o ensino de ecologia à afetividade e tem na abordagem tradicional
behaviorista ou na Escola Nova o seu pilar de sustentação. Sob
o aspecto conservacionista, Ferraro Júnior (2002), também afirma que tal
proposta surge ao mesmo tempo e espaço, na América do Norte, através do serviço
florestal. Este, num cunho utilitarista e antropocêntrico, pode ser considerado
como base para as atuais propostas da sustentabilidade. Enquanto no
preservacionismo o componente humano é considerado exterior aos processos da
natureza, excluindo o próprio homem da natureza, o conservacionismo avança
neste sentido, quando inclui o homem como parte integrante do processo. Conforme
os avanços ou desdobramentos deste discurso foi possível, aqui no Brasil, a
criação de reservas extrativistas ou unidades de conservação de uso sustentável,
por considerar as sociedades que vivem no lugar, não ignorando o fato de que os
povos tradicionais possuem íntima ligação com a natureza e que já
desenvolveram técnicas, na endogenia que os capacitaram a conviver em
consonância com os bens naturais. Em
síntese, corrobora-se com a idéia defendida por Banerjee (2003) quando afirma
que: As preocupações
ambientais articuladas no discurso de Desenvolvimento Sustentável são preocupações
na medida em que ameacem a sustentabilidade do sistema econômico. Esse discurso
afirma que a única maneira de contemplar essas preocupações é colocando preço
nos recursos ambientais. (BANERJEE 2003 p.91). É
por isso que se defende que a Educação Ambiental deve assumir um papel
fundamental na crítica desse processo, visto que ela tem a função de permitir
o alargamento da visão social pautada na criticidade e na emancipação humana
diante das mazelas e contradições sociais originadas no seio das estruturas de
classe, propiciando a percepção de suas causas, de sua origem e das conseqüências
produzidas pelo fenômeno. É
necessário questionar se a Educação no Brasil, mais precisamente na Bahia,
está cumprindo a sua função social. Um dos objetivos da Educação consiste
na criação das bases de uma sociedade mais justa e humanizada, tendo como
ponto de partida a produção do conhecimento. Vê-se que são várias as
realidades localizadas da Educação na Bahia e, ainda assim, várias são as
possibilidades de assumir “esta” ou “aquela” postura frente às temáticas
apresentadas até aqui. Contudo, as questões são: como o tema da
sustentabilidade está incorporado na proposta educacional? E como este projeto
atua, principalmente na escola pública? É difícil obter tais respostas, visto
que os vários significados do termo sustentabilidade não permitem a clareza
necessária, o que culmina numa generalização pseudo-benéfica dos seus
efeitos. Acredita-se
que o processo educativo seja capaz de contribuir para a formação do sujeito
ecológico, Capra (2006), consciente de sua função socioambiental. Um dos
indicativos para isso, com certeza não reside no discurso da sustentabilidade e
toda sua perniciosa conseqüência social, mas sim na construção da autonomia
dos processos educacionais em comunidade, na busca de consciências e
solidariedades, “(...) para que cada comunidade perceba o desenvolvimento
diferentemente do progresso material e, por conseguinte, a si mesma e a sua história
como parte integrante do ambiente e da história deste (...).”
(FERRARO JÚNIOR, 2002 p.292). A
idéia da participação coletiva em todas as fases do processo de produção
das propostas e projetos demonstra a importância da democracia como princípio,
meio e fim nas relações sociais, mas não a democracia discursiva,
“engessada” apenas nos direitos e deveres, mas naquela da participação e
exercício pleno que se constrói na práxis cotidiana.
Sawaia (2001)6 apud
Ferraro Júnior (2002), sugere que: (...)
a práxis participativa seja artífice da potência de ação cotidiana e pública;
para tanto há que se assumir a luta contra a potência de padecer, contra a
postura vitimizada, contra a contemplação da afetividade e da subjetividade no
planejamento da participação, evitar o empobrecimento do campo perceptivo e
das necessidades; evitar o planejamento de ações de diferentes temporalidades
e a diversificação de estratégias de ação (...). (SAWAIA 2001 p.292). Desta
maneira, o processo ensejado pela sustentabilidade à luz dos princípios
defendidos nas Comunidades Sustentáveis pauta-se na detecção de fatores endógenos
e exógenos que definem o polígono dos seus problemas e oportunidades. Na
endogenia definem-se os motivos das debilidades,
porque só conhecendo e entendendo bem as fraquezas7,
poder-se-á vislumbrar a possibilidade de superação, assim como diagnosticar
as suas fortalezas, aquilo que tornam
os pares fortes e coesos, o que lhes move a seguirem no caminho da transformação
e, conseqüentemente, vislumbrarem as oportunidades
internas, dentre as quais os condicionantes exógenos à comunidade que,
atrelados aos primeiros, poderão gerar resultados exitosos. Os
indicativos mencionados acima, permitem a busca por justiça sócio-ambiental em
escala reduzida. Utiliza-se o termo “comunidade” por ela estar mais
relacionada ao local, à escala reduzida, à realidade cotidiana em referência
às relações homem-mulher; idoso-criança e todas as interações possíveis
entre os elementos desta combinação enfim, de indivíduos e grupos numa base
orgânica (pela proximidade) com o ambiente, mesmo sendo ele construído. Desta
maneira, concorda-se com Ferraro Júnior (2002) quando este define que o recorte
de uma comunidade pode ser geográfico (urbano, local, regional, global) ou
institucional (hospital, escola, universidade), desde que as relações travadas
entre os agentes sociais façam sentido amplo e humanitário para a realização
de suas vidas. Diante
das discussões travadas nos parágrafos anteriores, acredita-se ter construído
um arcabouço teórico capaz de subsidiar o inicio da busca epistemológica
sobre a sustentabilidade na educação. Têm-se conceitos e categorias com
objetivos direcionados a revelar conflitos nas duas áreas, tanto educacional
quanto ambiental. Contudo, tais conceitos e categorias necessitam de uma outra
dimensão de abordagem, a intervencional, posto que é na prática que as
teorias encontram sua real validade. Os
conceitos puros não garantem o desvelar da realidade; por isso, segue a indicação
de que é necessário um projeto de intervenção, o trabalho efetivo junto à
comunidade escolar (corpo docente, discente e funcionários), como o caminho
para se obterem resultados satisfatórios com relação às propostas de quem se
dispõem a pensar na transformação educacional do país e das relações do
ser humano com o ambiente em que vivência. Referências Bibliográficas ARENDT,
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J. Geraldo W. Dinâmica Cultural e Planejamento Ambiental: Sustentar não é
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Antonio Carlos Robert. Meio Ambiente e Ciências
Humanas. São Paulo: Ed. Hucitec, 2002. MORIN,
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educação do futuro. 10ª ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO,
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Espaço e método. São Paulo: Nobel,
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Jean S. Núcleo de Discussão em Educação
Ambiental na Escola Pública: uma via de ação reflexiva cidadã na Escola
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- (Especialização em Educação Ambiental para a Sustentabilidade) – Equipe
de Estudo e Educação Ambiental para a Sustentabilidade, Universidade Estadual
de Feira de Santana. SAWAIA,
Baden Burihan. Participação e
Subjetividade In: SORRENTINO,
Marcos (org.). Ambientalismo e participação na contemporaneidade.
São Paulo: EDUC: FAPESP, 2001. SMITH,
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natureza, capital e a produção do espaço. São Paulo. Bertrand Brasil. 1998. SPOSITO,
Eliseu Savério. Geografia e filosofia: Contribuição
para o ensino do pensamento geográfico – São Paulo: Editora UNESP, 2004. Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global,
edição especial para países de língua portuguesa, preparada pelo Programa de
Educação Ambiental do Conselho Internacional de Educação de Adultos: RIO/92. Notas finais 1. Especialista em Educação Ambiental pela
Universidade Estadual de Feira de Santana - BA, Mestrando em Geografia pela
Universidade Federal da Bahia. Telefone: (75) 9134.6641, e-mail:
jeanssantos26@yahoo.com.br 2.
Professora Mestre do curso de Educação Ambiental para a Sustentabilidade -
Universidade Estadual de Feira de Santana -BA 3.
Sobre Determinismo e Possibilismo Geográfico ver: CASTRO, I E. de; GOMES, P.C.
da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato: Geografia
Conceitos e Temas – 7ª Edição
– RJ, Bertrand Brasil, 2005. E, o livro: Meio
Ambiente e Ciências Humanas de Antonio Carlos Robert Moraes, editado em
2002 pela Hucitec. Este define a Escola Determinista pela visão da natureza
como condição de desenvolvimento das sociedades dotadas de alta causalidade;
seus opositores entendem os recursos do meio como possibilidades para que a ação
humana, posta como o elemento da causa na organização do espaço. 4.
Expressão da língua francesa, significa literalmente "deixai
fazer, deixai ir, deixai passar". Sua utilização como ideologia econômica
do seculo XVII dista do período Iluminista e teve em Montesquieu o defensor de
um mercado livre nas trocas comerciais internacionais, ao contrário do forte protecionismo
baseado em elevadas tarifas alfandegárias, típicas do período do mercantilismo.
No decorrer Histórico tornou-se o chavão do liberalismo
na versão mais pura de capitalismo ao defender que o mercado
deve funcionar livremente, sem interferência. Para mais aprofundamento ver:
KEYNES, John Maynard. Teoria geral do
emprego, do juro e da moeda (General theory of employment, interest and
money). Tradutor: CRUZ, Mário Ribeiro da. São Paulo: Editora Atlas,
1992. 5. LEITE,A.L.T. de A. & MININI-MEDINA, N.(orgs.) Educação
Ambiental: curso básico a distância: educação e educação II. 2.ed.
ampliada. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001. 6. SAWAIA, Baden Burihan. Participação e Subjetividade
In: SORRENTINO, Marcos (org.). Ambientalismo e participação na
contemporaneidade. São Paulo: EDUC:
FAPESP, 2001. p. 115-134. 7. Os termos: debilidades, fraquezas, fortalezas e
oportunidades foram extraídos da técnica DAFO/FOFA. O conjunto de idéias que
nortearam a produção do parágrafo correspondente foram adaptadas a partir da
mesma técnica, porém baseada no item Diagnostico Territorial. Notas de aula de
Planejamento Territorial, Profa Dra. Creuza Santos Lage. Aspectos
metodológicos do planejamento territorial. Mestrado em Geografia, UFBA,
2006. |