Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Trabalhos Enviados
28/05/2009 (Nº 28) A Formação do Ambientalismo no Brasil: um recorte histórico de 1968 a 1988
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=710 
  
Educação Ambiental em Ação

A Formação do Ambientalismo no Brasil: um recorte histórico de 1968 a 1988

 

 

Nilton Manoel Lacerda Adão. Geógrafo. niltonadao@hotmail.com

Joinville- SC.

 

Resumo

 

Este ensaio tem como objetivo descrever e refletir sobre as transformações que motivaram a evolução do movimento ambientalista no Brasil. O período a ser trabalhado inicia-se no conturbado ano de 1968 finalizando com a promulgação da Constituição e o assassinato de Chico Mendes em 1988. Esta fase da história recente do Brasil é palco de grandes transformações qual o ambientalismo sai do estado embrionário para dar seus primeiros passos. Formam-se, neste período, os pilares para a construção de uma nova “consciência” que valoriza e reconhece a necessidade dos meios naturais, busca contemporânea, fundamento da Educação Ambiental.

 

Palavras-chave: Ambientalismo. Movimentos sociais. Economia. Política.

 

 

 

Pertinência do Tema para Educação Ambiental

 

Fomentar novas atitudes nos sujeitos sociais é o desafio da Educação Ambiental (EA) na contemporaneidade. Fundamentada com base nas pressões da sociedade organizada, na forma do movimento ambientalista, a EA originou-se da luta de uma parcela da sociedade questionadora dos modelos sociais dominantes. Na atualidade agrega-se a esta questão a necessidade de um novo modelo de sociedade. Resgatar a historicidade do movimento ambientalista pode possibilitar ao educador ambiental uma análise, de forma crítica, das complexas relações entre os processos sociais e naturais de um passado recente, além de legitimar a EA como uma prática educativa primordial para construção de uma sociedade igualitária e um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

 

A gênese do movimento ambientalista no Brasil: uma análise descritiva

 

Nas manifestações estudantis de Paris, em maio de 1968, jovens protestaram contra o modo de produção e a sociedade vigente ansiando por “um mundo melhor”. Esta nova proposta espalhou-se pelo mundo, os movimentos de contracultura ganharam consistência, mudando a maneira de agir e pensar de toda uma geração. No Rio de Janeiro, no dia 26 de julho do mesmo ano, estudantes e uma classe média intelectual organizaram a “Passeata dos Cem Mil” protestando contra a ditadura militar que assolava o país. Dias depois, aproximadamente vinte mil trabalhadores dos municípios de Osasco (SP) e Contagem (MG) mobilizaram-se em greves operárias. Na arte, Chico Buarque e Geraldo Vandré eram os ícones da música de protesto. Nesse mesmo período da história brasileira, em oposição criativa à ditadura, despontou o Tropicalismo de Caetano, Gil e Tom Zé.

Em resposta a essas manifestações contra os “militares”, em outubro, centenas de líderes estudantis foram presos. No mês de dezembro, foi decretado, no governo do Marechal Costa e Silva (1967-1969), o Ato Institucional nº 5 que dissolveu o Congresso Nacional e fortaleceu a ditadura militar. Ao mesmo tempo, a economia brasileira passou a atingir picos de crescimento jamais vistos no país. O período entre 1968 e 1973 ficou conhecido como o “milagre econômico brasileiro”. Enquanto outros países discutiam a degradação ambiental, representantes brasileiros, do então governo do General Emílio G. Médici (1969-1974), ofereciam o país para a exploração de seus recursos naturais sem restrições. Neste período, segundo Marcos Reigota,  o país buscava o destaque em relação aos demais paises emergentes da América Latina, neste sentido, “todos os seus projetos [do Brasil] que afetam  drasticamente o meio ambiente são considerados prioritários, e a preocupação  com o meio ambiente é considerada pelos militares e tecnocratas um luxo dos países ricos” (REIGOTA, 1997, p. 53-54). Foi  nesse ambiente antidemocrático e “desenvolvimentista” que o Brasil participou da Conferência de Estocolmo (Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano) em 1972 como aponta Genebaldo Dias:

 

Para espanto do mundo, representantes do Brasil pedem poluição, dizendo que o país não se importaria em pagar o preço da degradação ambiental desde que o resultado fosse o aumento do PNB (Produto Nacional Bruto). Um cartaz anuncia: “Bem vindos à poluição, estamos abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrições. Temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque o que nós queremos são empregos, são dólares para o nosso desenvolvimento”. (DIAS, 2003, p. 36)

 

Toda essa euforia em nome do “crescimento a qualquer preço” perdeu força com as crises do petróleo no mundo e com as redefinições nas políticas econômicas internacionais. Assim, cada país passou a tomar medidas protecionistas para fortalecer seu mercado interno.  Findada a era do “milagre brasileiro”, o General Presidente Ernesto Geisel (1974-1979) assumiu o governo propondo uma abertura política “lenta, gradual e segura” que viria a se consolidar com as eleições indiretas para Presidência da República em 1984.

No entanto, apesar das dificuldades impostas pela ditadura e das limitações teóricas quanto ao entendimento das questões ambientais, que se detinham apenas ao “ambiente natural”, em 1971 foi criada a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Organização não Governamental pioneira do movimento ambientalista brasileiro liderada por José Lutzenberger. A participação vexatória do Brasil, na Conferência de Estocolmo desgastou de certa forma a imagem do país no exterior. Diante disto, motivado pelas pressões de seus credores internacionais, o governo federal em outubro de 1973 inaugurou a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) onde seriam tratadas as questões ambientais de âmbito nacional.  O Sema teve como titular o professor Paulo Nogueira Neto, responsável por delegações brasileiras em muitos encontros internacionais sobre a questão ambiental. Nogueira Neto, assim como José Lutzenberger, é considerado um dos grandes nomes do movimento ambientalista brasileiro.

Não se pode deixar de mencionar, na década de 70, os projetos governamentais para expansão das fronteiras para o “desenvolvimento do país”, acreditava-se que os problemas da reforma agrária e criação de novas fontes de riquezas estava no preenchimento populacional na floresta Amazônica, reconhecida como uma região de grande vazio demográfico como cita Reigota (1997, p.59) “era necessário conquistar o vazio verde, ou seja, a Amazônia, para garantir a integridade do território nacional e as riquezas da potência emergente”. As políticas voltadas para o “desenvolvimento” da Amazônia acentuaram os processos de grilagens, invasões e processos de colonização. Estes fatos fizeram da região norte do país um local de vários conflitos entre índios, colonos, madeireiros, mineradores, empresários, posseiros e extrativistas. Neste ambiente de forte luta pela questão da terra, emergiu a figura de Chico Mendes, fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri em 1977, que na sua luta a favor dos seringueiros foi premiado com o “Global 500” cedido pela Organização das Nações Unidas. Este prêmio deu a Chico Mendes o reconhecimento internacional como o ambientalista da Floresta Amazônica.

Nos grandes centros urbanos uma classe média esclarecida faz com que o ideário ambientalista cresça dentro de uma proposta menos naturalista. Em setembro de 1978, no 1º Simpósio Nacional de Ecologia organizado em Curitiba (PR), que resultou no documento denominado “Carta de Curitiba”, criticou-se o “desenvolvimentismo”, apontando os problemas ambientais como sendo também, sócio-culturais. Vale a pena apresentar parte da “Carta de Curitiba” transcrita por Genebaldo Dias:

 

Os modelos desenvolvimentistas da atual sociedade de consumo e, muito especialmente, o modelo brasileiro, são modelos absurdos, porque insustentáveis, isto é, suicidas. Estes modelos repousam no esbanjamento orgástico de recursos limitados e insubstituíveis.  Eles significam a destruição sistemática de todos os sistemas de sustentação da vida na Terra. ( DIAS, 2003, p. 486)

 

É possível perceber que com o passar do tempo a questão ambiental aos poucos se apresentava como a necessidade de mudança de atitudes para alcançar um novo paradigma de sociedade, caso contrário, a degradação ambiental descontrolada tenderia (e tende) a tornar insustentável a vida, de todo o tipo, no planeta. Vale transcrever as palavras finais de José Lutzenberger responsável pela palestra de encerramento do Simpósio de Curitiba de 78.

 

Aqui deixo uma sugestão que me parece muito importante: que politólogos e sociólogos de visão se aprofundem no estudo da Ecologia e examinem detidamente o funcionamento dos sistemas naturais intactos, enquanto os houver. Suspeito que acabarão por descobrir modelos extremamente relevantes para a condição humana. Ali não existem estruturas de poder central, hegemonias, dominação. O que existe é constelação de equilíbrios. Progresso, ali, é esmero de equilíbrio. (LUTZENBERGER, 1985, p. 102)

 

É perceptível o engajamento político e social de Lutzenberger, que procura dimensionar o seu discurso fomentando a necessidade de estruturas políticas e socioeconômicas sem a alienação de qualquer forma de vida. Este discurso fundamenta-se num período em que o fim do regime militar passou a se tornar uma realidade e novos meios de progressos fundamentados em um regime democrático, sustentavam os ideários políticos da época.

 Assim, iniciou-se a década de 1980 com o processo de redemocratização que trouxe esperanças para as demandas sociais reprimidas, aumentando a força e a possibilidade de surgimento de novos movimentos sociais. Esperanças que se reforçaram com a volta dos exilados após a anistia de 1979. Dentre os exilados, muitos foram artistas, religiosos, escritores, professores, políticos, representantes de sindicatos, entre outros, que passaram a formar a intelectualidade e a “massa crítica” do país.

 Dentre eles, alguns foram responsáveis pelas criações e implantações de Organizações Não Governamentais (ONGs) no Brasil. Essas instituições têm um importante papel de difusão das questões que envolvem os problemas ambientais. Sobre o papel que as ONGs assumem no cenário nacional, Carlos Fico citou:

 

 

[...] no final dos anos 80, desenvolvi algumas pesquisas sobre um fenômeno que, naquela ocasião, chamávamos de “novos movimentos sociais”, vale dizer o pacifismo, o ecologismo, o movimento das mulheres, dos negros, dos índios, dos homossexuais e alguns outros, temas que guardam profunda relação com o campo de preocupação das ONGs. (FICO, 1999, p. 19)

 

Vale ressaltar, que desde 1981 o país já contava com a Lei nº 6938/81 dispondo da regulamentação de Estações Ecológicas, Área de Proteção Ambiental e da Política Nacional do Meio Ambiente. Já dispondo de uma legislação voltada para a questão ambiental, em meados de 1980, as inquietações no que corresponde à degradação  ambiental também passou a fazer parte da discussões dos movimentos voltados para os setores populares. Sobre esta questão Eduardo Viola ressaltou:

 

[...] um setor significativo dos grupos ambientalistas tinha descoberto que a conexão com os setores populares era uma tarefa crucial; em várias cidades industriais, grupos ambientalistas começavam a dialogar sobre problemas comuns com ativistas sindicais (particularmente em áreas críticas como Cubatão, Criciúma, Camaçari, etc); no sul do país o movimento dos trabalhadores rurais sem terra aproxima-se dos ambientalistas, esboçando-se a palavra de ordem de reforma agrária ecológica; os movimentos pró água e esgoto na periferia das cidades recebiam muitas vezes o apoio de grupos ambientalistas; na Amazônia, os seringueiros e índios começavam a receber o apoio de algumas entidades ambientalistas do Sul-Sudeste. (VIOLA, 1992, p. 60-61)

 

Para finalizar as conquistas das duas décadas da gênese do movimento ambientalistas e suas conquistas, questão ambiental recebeu na Assembléia Constituinte diante das pressões externas um capítulo e outros artigos relevantes na Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988. Iniciando-se como resultado das transformações sociais e políticas, uma sólida legislação relacionada ao meio ambiente fundamentada na Carta Magma do país. Merece uma transcrição o Artigo 225 regulando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de   defendê-lo  e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Neste documento, ao sugerir-se um meio ambiente ecologicamente equilibrado, entende-se como meio ambiente, todo espaço natural e de criação humana. Fundamenta-se como bem coletivo, impondo-se às propriedades privadas, o entendimento de que os recursos indispensáveis para a sobrevivência das gerações presentes e futuras são bens de uso comum cabendo a todos exigi-los, defendê-los e preserva-los. A abordagem dada à questão ambiental pela Constituição fez dela uma referência mundial ao tratar de determinado assunto em um documento que serve como diretriz para todas as ações políticas, sociais e individuais de um país.

O ano de 1988, usado como referência para finalizar este artigo se findou com uma notícia que viria a chocar toda  sociedade civil e ambientalistas do mundo inteiro. Foi assassinado de forma covarde com cinco tiros, Chico Mendes  que Boff (2004, p.142) muito bem soube definir como “São Francisco secular moderno”. Segundo este autor, Chico Mendes “ deixou a vida Amazônica  para entrar na história universal e no inconsciente coletivo dos que amam nosso planeta Terra e sua imensa biodiversidade”. (BOFF, 2004, p.143) Finaliza-se este artigo mencionando-se que este triste fato da história recente do país deve ser compreendido como o marco de uma luta que nunca deve cessar. Os dois olhos que se fecharam no dia 22 de dezembro de 1988 devem ser o pressuposto para as centenas de milhares de novos olhos e mentes que devem abrir-se.

 

 

Reflexões do autor para a atualidade

Os vinte anos de lutas e conquistas relatados no presente artigo, procuram, de maneira singela demonstrar alguns dos momentos relevantes para uma parcela da sociedade que resolveu se engajar na causa ambientalista. Vale ressaltar que as discordâncias conceituais sobre as formas de agir dos grupos que se intitulam ambientalistas sempre houve, mas este fato só tende a favorecer o desenvolvimento das discussões que a cada dia são mais consistentes e emergentes: a questão ambiental. Diante desta perspectiva, acredita-se ter formado em nosso país a possibilidade de uma visão ambientalista, fundamentada nas questões sociais, políticas e econômicas. Sendo que esta última ganhou forma nos “selos de qualidade” e nas “propagandas de um processo de produção sustentável”. Práticas que agregam valor aos produtos tornando a sua produção economicamente viável e lucrativa favorecendo um discurso de caráter economicista. Diante da complexidade das discussões que envolvem as questões de caráter ambiental, nos anos posteriores aos discutidos neste artigo, há a necessidade de uma análise  à parte. Esta reflexão deve possibilitar o surgimento de ações que busquem a concretização  de uma sociedade ecologicamente sustentável e com justiça social. Luta do passado e presente para a garantia do futuro. 

 

Bibliografia

 

BOOF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

 

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: Princípios e Praticas. São Paulo: Gaia, 2003.

 

FICO, Carlos. Ibase: usina de idéias e cidadania. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.

 

LUTZEMBERGER, José. Ecologia: do jardim ao poder. 10ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1985.

 

REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1997.

 

VIOLA, Eduardo J. O movimento ambientalista no Brasil (1971-1991): denuncia e conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável. In: Goldemberg, Mirian.  Ecologia, Ciência e Política: participação social, interesses em jogo e luta de idéias no movimento ecológico. Rio de Janeiro: Revan, 1992.

 

 

Ilustrações: Silvana Santos