Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/12/2010 (Nº 34) Ações em Educação Ambiental para crianças e adolescentes da Vila da Barca em Belém/PA: Uma proposta de conscientização.
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Título:

Ações em Educação Ambiental para crianças e adolescentes da Vila da Barca em Belém/PA: Uma proposta de conscientização.

Flávia Cristina Araújo Lucas

Doutora em Ciências Biológicas (Botânica) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus/AM. Docente da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Departamento de Ciências Naturais e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Ciências e Tecnologias aplicadas à Educação, Saúde e Meio Ambiente (GPC), Belém/PA. Contato: (91) 9981-3133. E-mail: copaldoc@yahoo.com.br

Danilo Gomes da Costa

Graduando em Ciências Naturais – Química pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e aluno integrante do Grupo de Pesquisa em Ciências e Tecnologias aplicadas à Educação, Saúde e Meio Ambiente (GPC), Belém/PA. Contato: (91) 8219-7872. E-mail: dagocaa@hotmail.com

Carolina Mesquita Germano

Graduando em Ciências Naturais – Química pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e aluna integrante do Grupo de Pesquisa em Ciências e Tecnologias aplicadas à Educação, Saúde e Meio Ambiente (GPC) Belém/PA. Contato: (91) 8878-7292. E-mail: carolmmesquita@yahoo.com.br

Andréa Aquino de Andrade Veiga

Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), graduada em pedagogia pela Universidade do Rio de Janeiro (Uni Rio), Professora Itinerante do ensino especial da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ). Contato: (91) 96177961. E-mail: andreaaav@msn.com

Endereço para correspondência: UEPA Universidade do Estado do Para, Centro de Ciências Socais e Educação (CCSE). Av. Djalma Dutra, s/n. Bairro Telégrafo. Belém - PA- Brasil . CEP 66.113-200. Tel/Fax: +55 91 4009-9500

RESUMO:

Este artigo tem como objetivo relatar ações já realizadas e reavaliar o percurso em desenvolvimento do projeto de extensão universitária “Educação Ambiental em Ação: práticas pedagógicas, cidadania e lazer para crianças e adolescentes da Comunidade da Vila da Barca”. As ações foram elaboradas a fim de sensibilizar o público alvo para a mudança de postura diante do meio ambiente em que vivem. Para atender a este objetivo, o projeto entende que antes é preciso compreender como os envolvidos na pesquisa percebem o meio ao qual estão inseridos “Vila da Barca” e atuar no potencial das crianças e adolescentes participantes. De forma sistemática e dinâmica, se destacam neste artigo quatro atividades já realizadas com o grupo e que estimulam a reflexão, possibilidades e questionamentos. O método avaliativo incluiu pesquisa por observação participativa. Para os registros das informações durante as atividades foram elaboradas atas, relatórios individuais e análise interpretativa dos trabalhos das crianças. Os resultados obtidos oferecem sugestões para novas ações a serem desenvolvidas no projeto e demonstram que as atividades possibilitaram questionamentos e provocaram a revelação de sentimentos sobre esta comunidade por parte dos integrantes. Proporcionaram também a abertura de um espaço de confiança e respeito ao olhar e a fala da criança e do adolescente sobre a comunidade da Vila da Barca, ultrapassando a assimilação passiva e a reprodução automática.

Palavras chave: Educação ambiental, sensibilização, Vila da Barca.

INTRODUÇÃO

Não há um saber ambiental feito! Não há um saber que se transmite e se insere nas mentes dos educandos sem apropriações subjetivas. O que de fato ocorre é um processo educativo que fomenta a capacidade de construção de conceitos pelos alunos a partir de suas significações primárias. Nessa prática de formação ambiental busca-se a criação de novos valores e conhecimentos entre o “eu” e o “outro”, o “individual” e o “coletivo”, o “natural” e o “social”, vinculados à transformação da realidade (LEFF, 2009). Envolve também a capacidade crítica, o diálogo e a assimilação de diferentes saberes (LOUREIRO, 2004).

Estes enfoques estimulam a revisão e ampliação dos métodos avaliativos dos programas em educação ambiental, levando-se em conta as condições sociais do grupo, ou seja, dos modelos sociais desiguais, da diversidade cultural, dos questionamentos dos paradigmas dominantes e das ações promotoras de transformação (DOS SANTOS, 1993). As visões de multicausalidades, tão discutidas por Férnandez (1997), impulsionam um olhar global para o público-alvo e seu ambiente.

Em meio às complexas relações socioambientais em que as cidades se converteram, o discurso ambiental ficou comprometido. Os espaços urbanos transformaram-se em processos acumuladores de irracionalidades (tráfico, violência, insegurança) e geradores de patologias ambientais emergentes (FÉRNANDEZ, 1997). Observam-se modificações profundas na condição de existência e qualidade de vida humana (TALAMONI; SAMPAIO, 2003). Portanto, como configurar novas práticas educativas num cenário que negligencia a natureza?

Mentalidades diferenciadas submersas num cenário de empobrecimento ambiental são nítidas na comunidade da Vila da Barca, Belém-PA. A falta de assistência por parte do poder público e o descaso da sociedade civil junto à comunidade, fez nascer um espaço em que impera a violência, o descuido com o meio ambiente e a insatisfação quanto à qualidade de vida. É um espaço em que os comportamentos humanos não estão em harmonia com a natureza, os direitos coletivos não são respeitados e as ações mobilizadoras em educação ambiental são escassas.

Levando em consideração toda a pluralidade amazônica e na tentativa de construir diálogos em torno de práticas em EA para Belém e comunidades do interior, a Universidade do Estado do Pará – UEPA fomenta Projetos de Extensão que possam atuar na melhoria da qualidade de vida do público alvo pretendido. Um desses projetos tem como tema “Educação Ambiental em Ação: práticas pedagógicas, cidadania e lazer para crianças e adolescentes da comunidade da Vila da Barca em Belém/Pará”. A pesquisa objetiva construir um processo de conscientização sócio-ambiental, a partir de práticas que possibilitem um aprendizado mobilizador e transformador nas crianças, nos adolescentes e na comunidade.

Proporcionar vivências significativas que provoquem o questionamento e a reflexão sobre a preservação do meio ambiente, é o que o projeto pretende realizar, sendo assim, neste trabalho são apresentadas ações já desenvolvidas por professores e alunos da universidade. Em cada atividade proposta, foi articulado o processo ambiental natural e social como forma de promover uma visão integradora da situação em que a Vila da Barca se encontra. Buscou-se a percepção das realidades observáveis, como pobreza, lixo e comportamentos, e as possibilidades estratégicas de modificação. Portanto, o ambiente “Vila da Barca” é o palco dos acontecimentos. Foram ressaltadas também as significações sociais do lixo, transformação dos materiais descartados e o consumo dos recursos naturais.

O PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DA COMUNIDADE DA VILA DA BARCA

A Vila da Barca localiza-se no município de Belém – PA, no distrito Sacramenta – DASAC, bairro do Telégrafo. Compreendendo uma área de 50.100 m², está situada entre a Baía do Guajará e Avenida Pedro Álvares Cabral e é importante corredor de acesso ao centro comercial e de escoamento do município de Belém (SILVA, 2008). Abriga aproximadamente 3.000 moradores, que residem em cerca de 600 domicílios.

A comunidade é um ambiente de inúmeros contrastes. Ao mesmo tempo em que sua rotina é exposta pela mídia local como cenário de violência e degradação, é também representada por trabalhadores, do mercado formal e informal, e estudantes de graduação e pós-graduação.

As habitações foram construídas sobre a Baía do Guajará. São do tipo “palafitas”, ou seja, similares a construção de madeira das residências dos ribeirinhos, contudo precárias em diversos aspectos. De acordo com os indicadores sócio econômicos de inclusão e exclusão da comunidade da área da Vila da Barca, verifica-se a falta de saneamento básico local, que inclui a manipulação inadequada do lixo, sistema de esgoto deficiente e precário abastecimento de água (RAMOS, 2009).

Assim como em outras partes da cidade de Belém a coleta do lixo é realizada pela prefeitura, e não conta com nenhum sistema seletivo para separação desse material. São utilizadas apenas técnicas que recolhem os despejos e os transferem para os lixões, destino final de todos os dejetos do município. Estudo realizado por RAMOS (2009) mostrou um mapeamento sobre o manejo do lixo e a concepção dos moradores acerca da coleta seletiva.

89% dos moradores da Vila da Barca têm o seu lixo recolhido ao menos três vezes por semana, sendo que 98% o acondicionam em sacos plásticos ou caixas de papelão. Cerca de 60% dos moradores observam algum tipo de inseto em torno do seu lixo e 90% dos moradores reconhecem que o lixo pode estar vinculado com a transmissão de doenças. Mas 74% afirmaram nunca ter participado de alguma atividade educativa relacionada ao lixo. Aproximadamente 82% dos entrevistados souberam dizer o que era reciclagem, no entanto, apenas 45% sabiam dizer o que é coleta seletiva. (RAMOS, 2009)

A preocupação com a degradação ambiental na Vila da Barca tem indicado a necessidade da busca de ações que priorizem a internalização de uma dimensão ambiental. Conscientizar as crianças é o ponto chave para uma mudança de atitude, sensibilizando-as e educando-as para preservar e conservar espaços ambientais e sociais. Matarezi (2006: p. 192), baseado em Kobayashi (1991), citou que a sensibilização, o toque aos elementos da natureza é uma necessidade que deve incluir também os adultos:

Assim, um dos desafios mais importantes a serem levados em conta nas práticas de educação ambiental infantil diz respeito à necessidade de fazer com que as crianças consigam realmente "tocar" os elementos da natureza, realizando os chamados "experimentos de primeira mão" (KOBAYASHI, 1991, p. 624). Estes podem ser definidos como instâncias que propiciam vivências significativas a partir dos sentidos básicos da percepção humana. Ressalto que esta é uma necessidade que envolve também os adultos.

Levar essa sensibilização para as crianças e adolescentes da comunidade Vila da Barca em Belém é o foco principal nesta fase inicial do presente projeto principalmente porque aqui se entende a criança como um sujeito ativo, social, histórico e produtor de cultura que participa coletivamente na sociedade (VYGOTSKY, 1988).

O projeto entende que neste momento é preciso ouvir as crianças e os adolescentes moradores da Vila da Barca para compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular de estarem inseridos neste meio Ambiente. “Numa perspectiva transformadora e popular de Educação Ambiental, nos educamos dialogando com nós mesmos, com aquele que identificamos como sendo de nossa comunidade, com a humanidade, com os outros seres vivos, com os ventos, as marés, os rios, enfim, o mundo, transformando o conjunto das relações pelas quais nos definimos como ser social e planetário“ (LOUREIRO, 2004). A criança da Vila da Barca conhece o lugar em que vive porque interage com ele e como toda criança, busca por novas informações e possibilidades de questionar e transformar para além do que já questiona e transforma.

O caminho escolhido para que se alcance o objetivo de sensibilizar o público alvo, é entender a interação, ou seja, o encontro do adulto ou colega mais experiente, com a criança, no meio em que vivem. Neste processo de compreensão é fundamental o respeito à cultura e a maneira de ser da criança. Além de entender essa interação já existente, o projeto tem como proposta buscar com as crianças por novas descobertas e aprendizagens a fim de que atinjam um nível de compreensão e habilidade ainda não dominada completamente, ou seja, atuando na zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1984)

Considerar a zona de desenvolvimento proximal é confiar naquilo que está por vir, é acreditar no outro, no encontro, é ver que o potencial existe e deve ser regado como uma sementinha. As ações propostas pelo projeto são elaboradas considerando que, aquilo que a criança não consegue fazer hoje sozinha e precisa da ajuda de um adulto para realizá-las, futuramente, se internalizarão.

Conseguir atuar na zona de desenvolvimento proximal é o grande desafio dos bolsistas, professores e voluntários neste momento, visando assim, sensibilizar o público alvo para a importância da preservação do ambiente em que vivem.

PÚBLICO ALVO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Participaram das atividades 30 alunos, na faixa etária de quatro a quinze anos. Em cada prática os integrantes foram organizados em três grupos de acordo com a idade, onde cada equipe ficou sob responsabilidade de três voluntários. Estas ações ocorreram no período de janeiro a março de 2010. A comunidade da Vila da Barca, o Jardim Botânico “Bosque Rodrigues Alves” os laboratórios e salas de aula da Universidade foram os espaços destinados às tarefas.

As ferramentas metodológicas da pesquisa envolveram observação participativa, entrevistas com os alunos e análise documental de desenhos, cartazes e produções escritas, além do registro em imagens da participação dos alunos. As atividades realizadas construíram-se a partir dos seguintes temas: Um retrato da minha comunidade; Educação Ambiental e Cidadania: Construindo uma Nova Visão para o plástico; Conhecendo um espaço natural e conservado: o Jardim Botânico “Bosque Rodrigues Alves” e Pintando um ambiente preservado. Essas ações buscaram a motivação para um olhar crítico e revelador do meio que nos cerca. Partindo de experiências que os próprios alunos trouxeram, procurou-se ampliar seus conhecimentos e valores quanto à problemática ambiental e social que os circunda.

AS AÇÕES DO PROJETO

Um retrato da minha comunidade

Percepção ambiental pode ser definida como sendo uma tomada de consciência do ambiente pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente que se está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo (MACEDO et al. s/d). Observar o espaço onde vive criteriosamente, de forma a perceber os problemas acarretados por suas atitudes para com o mesmo, pode ser uma alternativa de conscientização do sujeito envolvido, sem que este sinta-se excluído do processo de transformação de hábitos perante o “seu” meio ambiente.

Baseado nesta proposta participativa foi desenvolvida com os grupos uma dinâmica que tinha o propósito de ouvir e observar a reação dos participantes diante das imagens da comunidade da Vila da Barca apresentadas em slides (Figura 01). As fotos foram extraídas de sites de compartilhamento de imagens da internet.

Este foi um momento em que se pôde perceber o entusiasmo aliado à admiração ao verem como o ambiente em que moram, brincam etc., é degradado, muitas vezes por eles próprios. Os participantes, crianças moradoras da Vila da Barca, logo identificaram o local comentando detalhes de cada imagem projetada. Falaram das residências, das pessoas, dos locais que eram próximos ou não de suas casas, das áreas de lazer, lendas, perigos, brincadeiras. Simultaneamente às apresentações, comentários e opiniões a respeito do que viam eram expressos. A questão do lixo foi manifestada com grande ênfase pelas crianças, através de frases como:

- “É lá na vila” (William, 06 anos)

- “Só lixo hein” (William, 06 anos)

- “Jogar lixo no chão é falta de educação”. (Wesley, 05 anos)

- “A vila da barca é triste, porque todo mundo joga lixo na rua” (Wesley, 05 anos)

- “Eu vou ser sincera. Eu jogo lixo no chão”. (Nathália, 13 anos)

Quando as crianças reconheceram o problema do lixo na comunidade, muitos insistiam em dizer que não moravam perto daquele ambiente tão poluído que estava aparecendo nas imagens. Mesmo quando interrogados se o local era a Vila da Barca, elas insistiam em afirmar que não moravam perto daquele lixo todo. Esse depoimento nos faz acreditar que os participantes do projeto não querem ser inseridos como moradores de um meio ambiente degradante.

A área de lazer, as casas, o comércio, isso tudo é Vila da Barca, mas quando aparece à poluição invadindo a comunidade pelo rio que corre por baixo das palafitas, isso não é Vila da Barca. O problema, mesmo estando no lugar em que vivem, não é deles porque não são os únicos causadores. Para eles não adianta mudar suas ações se todos os que estão a sua volta continuam poluindo o próprio lugar que vivem. As falas transmitem o sentimento de que o lixo na comunidade não tem solução e mais, que a conscientização por parte dos moradores é algo impossível. Como mostra a fala de alguns alunos:

- “Isso é lá na maré. Eu moro mais prá cá”. (Renata, 15 anos)

É, não adianta. Todo mundo joga. A gente fala mas não adianta.” (Rosivaldo, 09 anos)

As crianças sabem e vivem o quanto é prejudicial à saúde e humilhante a poluição que invade aquele lugar, mas diante do sentimento de impotência a solução é fechar os olhos e negar.

Diante destes depoimentos, ficou claro para os professores, bolsistas e voluntários, que era preciso entender ainda mais a interação das crianças com a Vila da Barca e para isso seria preciso estar presente com eles na comunidade, tentar captar o olhar de cada um sobre o local, o que lhes agrada, as dificuldades, os problemas, as alegrias.

Após observarem as imagens, foi solicitado às crianças que confeccionassem cartazes com figuras que apresentassem quais aspectos negativos da sua comunidade (Figura 02). Constatou-se que na maioria dos cartazes eram retratadas situações de degradação ambiental e a violência (Figura 02). O produto final da atividade mostrou que as diferentes percepções de cada aluno contribuiu para a construção de um retrato coletivo do local onde vivem, o que está de acordo com COELHO (2002 apud MACEDO et al, s/d) se dá pelo fato de que cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações sobre o ambiente em que vive. As respostas ou manifestações daí decorrentes são resultados das percepções (individuais e coletivas), dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada pessoa.

Sena et al. (2010) destaca que a educação, ao trabalhar as questões ambientais não deve ser reduzida somente ao ensino ou a defesa da ecologia. Também deve levar o educando ao tratamento, a análise e a reflexão da sua realidade mediada com o meio. É necessário vincular o contexto vivenciado pelo sujeito às práticas de conservação e preservação do meio ambiente.



Figuras 01 e 02: Apresentação das imagens e confecção de cartazes.

Educação Ambiental e Cidadania: Construindo uma Nova Visão para o Plástico

Por sua forma e características, as embalagens de plástico ocupam nos aterros 15% a 20% do volume do lixo (SANTA MARIA, 2003) e representam grande importância para o homem. Na Vila da Barca são muitas as sacolas e garrafas de plástico pelo chão e pela água do rio poluindo ainda mais o ambiente. Partindo deste contexto, a oficina sobre os plásticos teve como objetivo apresentar um conceito de lixo diferente daquele que as crianças e os adolescentes haviam construído na comunidade em que vivem. A significação social deste elemento foi ressaltada nas inúmeras possibilidades de transformação do plástico em peças de artesanato e brinquedos, como fonte de renda e o próprio lazer. O lixo deixou de ter como conceito aquilo que não serve, que não tem mais utilidade e que deixa o ambiente feio, para assumir o lugar daquilo que pode ser reaproveitado.

Após a explanação do tema, foram destacadas as consequências resultantes de seu acúmulo (enchentes, poluição dos rios etc.), assim como os cuidados que devem ser tomados. Os conceitos dos 3Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), da Coleta Seletiva e do papel socioambiental dos catadores foram discutidos.

O envolvimento dos alunos foi perceptível desde a coleta dos plásticos até a confecção dos produtos com os materiais que seriam descartados. No decorrer da atividade os meninos confeccionaram “carrinhos” e “vai-vem” (Figura 02). As meninas aprenderam a fazer “bolsas” e “arranjo de flores” para decorar a casa (Figura 03). Ao finalizarem houve socialização e exposição dos objetos. Cada participante comentava com certa euforia o que acabava de criar. A partir de suas falas pode-se avaliar o rendimento com o assunto proposto:

Do lixo se recicla”. (Giovane, 13 anos)

Através da reciclagem o catador melhora sua vida”. (Edriene, 10 anos)

A garrafa plástica pode ser aproveitada para fazer brinquedos”. (Jaime, 10 anos)

Vou levar essa flor para enfeitar a minha casa”. (Érika, 09 anos)

Diante desta atividade foi possível perceber a importância de, não só propor atividades de transformação do plástico, mas sim, propor a reutilização de outros materiais encontrados no lixo.






Figuras 03 e 04: Preparo dos carrinhos e das flores com garrafas plásticas.


Diante desta atividade verificou-se a importância de repensar, em conjunto com as crianças e adolescentes, diferentes maneiras de reaproveitamento do lixo.

Conhecendo um espaço natural e conservado: o Jardim Botânico “Bosque Rodrigues Alves”

O terceiro momento da pesquisa ocorreu no Jardim Botânico da cidade de Belém, uma caminhada no Bosque Rodrigues Alves. A utilização dos chamados “espaços informais” permitiu o contato com a natureza (Figura 05) tanto para contemplação da diversidade natural quanto para refletir a ação do homem sobre o meio natural ao comparar ambientes diferentes, no caso, a Vila da Barca, comunidade em questão.

Nesta área de floresta natural, os alunos receberam orientações sobre fauna, flora e ambiente. Ao longo do trajeto pelas trilhas na mata, foram feitas coletas de frutos, sementes e plântulas amazônicas. Os animais em cativeiro foram inseridos na linha de discussão que destacava as interferências antrópicas como processos ameaçadores da diversidade biológica.

Para finalizar, as crianças foram questionadas acerca do que presenciaram durante a visita e suas opiniões a respeito do que a natureza pode proporcionar ao ser humano. Algumas das respostas foram:

Não jogar lixo no chão, porque se jogar lixo no chão prejudica a natureza”. (Jaime, 10 anos)

Ao serem interrogados sobre o uso das plantas, responderam:

Fazemos chá, remédios, artesanatos e borracha”. (Isaac, 09 anos)

Com relação à importância das árvores ressaltaram:

É importante porque dá oxigênio para nós”. (Adriane, 15 anos)

O ambiente amazônico foi apresentado de forma preservada, e está repleto de “coisas” muito interessantes para se ver, ouvir, cheirar, provar e sentir! Essa linguagem atrativa, dentro da floresta, despertou o senso de observação e curiosidade. As coletas botânicas induziram inúmeros questionamentos sobre aspectos morfológicos e ecológicos, e, em determinados momentos, frutos e sementes foram investigados com riqueza de detalhes. As cores, os aromas, as formas e demais componentes da mata promoveram a sensação de um ambiente agradável (Figura 06), equilibrado, que contrasta imensamente com a realidade da Vila.



Figuras 05 e 06: Atividade no Bosque Rodrigues Alves

Pintando um ambiente preservado

Partindo da experiência vivenciada no bosque Rodrigues Alves, um outro momento foi dedicado ao tópico de conservação e valorização de recursos naturais amazônicos. O foco desse encontro buscava o elemento da natureza numa representação artística (Figura 07) do aluno “sobre um ambiente preservado”

Como resultados, surgiram árvores (Figura 08), animais (macacos, garças, peixe-boi, pássaros, borboletas; elementos do ambiente físico, como céu e sol). Além da pintura as crianças utilizaram em suas telas os materiais botânicos coletados.

Juntamente com fauna e flora, foram registrados também os aspectos negativos do meio ambiente, como: o desperdício de água, o descarte inadequado do lixo e os conhecimentos adquiridos com os monitores durante a excursão.

Figuras 07 e 08: Pintura das telas com elementos observados na visita ao Bosque

Rodrigues Alves.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações que aqui foram relatas, apresentaram para os professores, bolsistas e voluntários, que um longo caminho ainda há de se percorrer para conscientização dos participantes para a preservação do meio ambiente na Vila da Barca, mas, o encontro adulto – criança que já se estabeleceu nesse projeto, faz acreditar que pequenas, porém significativas mudanças podem acontecer gradativamente. É preciso permitir que o público alvo fale e que a escuta esteja mais presente para que se alcancem as problemáticas que envolvem as questões ambientais da comunidade.

Caminhar por entre as passarelas e pontes de madeira suspensas na Vila da Barca pode despertar, nos atuantes e participantes do projeto, propostas cada vez mais pertinentes, viáveis, pontuais e funcionais. Ações que quebrem paradigmas construídos de ambiente perfeito e belo. Para entender um pouco do dia-a-dia dessas crianças e adolescente, é preciso entender as diferenças, o conceito de infância da comunidade da Vila da Barca, observar suas brincadeiras, sua cultura, os valores que ali existem e os que não existem, um pouco de sua história, seus medos, fantasias, sonhos. A educação ambiental quando respeita o percurso histórico e cultural do sujeito e do local em que vive, abre mais caminhos para a transformação e sai da repetição de atividades vazias e fantasiosas.

As ações aqui apresentadas fizeram com que muitos se manifestassem espontaneamente. Cada vez mais as experiências com a família e a escola eram socializadas. Alguns alunos citaram a indignação com as pessoas responsáveis pela degradação do ambiente, jogando plásticos e papéis que observavam no local que residem ou no caminho da escola; outros lembraram da grande quantidade de água que é desperdiçada nas torneiras; alguns ainda levantaram sugestões para melhoria da qualidade de vida na Vila da Barca e os professores e bolsistas passaram também a reavaliar sua atuação no projeto e no seu dia-a-dia. Essas manifestações são importantes para um projeto que pretende conhecer, interagir e contribuir para a conscientização ecológica.

Apesar dos alunos conviverem com o lixo e a degradação ambiental constante, os mesmos mostraram-se desejosos e críticos nas representações desenhadas sobre o lixo. Nos seus trabalhos, lixeiras aparecem frequentemente; em outros, comportamentos foram registrados, como por exemplo, a cena de um menino jogando lixo fora da lixeira.

O despertar ambiental em comunidades que vivenciam degradações é continuamente desafiador. As crianças e os jovens da Vila oscilam entre momentos de insegurança, timidez, e, agitação. As quatro ações desenvolvidas envolvendo ambiente natural e artes oportunizaram um conhecimento individual e o despertar de habilidades. Nesse processo os alunos foram conduzidos a momentos de reflexão, concentração, identificação e socialização. Isto pode ser considerado positivo e facilitador no processo de conscientização ecológica.

Todos os registros falados, sentidos e expressados nos remetem a buscar sempre algo mais e nos faz crer que, para melhoria da qualidade de vida do homem neste planeta, é preciso que ele perceba que não está sozinho e que pode e precisa pensar em ações coletivas.

REFERÊNCIAS

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MACEDO, R. L. G. et al. Pesquisas de percepção ambiental para o entendimento e direcionamento da conduta ecoturística em unidades de conservação. Universidade Federal de Lavras, Departamento de Ciências Florestais, [s/d].

MATAREZI, J. Despertando os sentidos da educação ambiental. Educar em Revista, Curitiba, n. 27, Jan-Jun, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010440602006000100012>. Acesso em: 21 Mar 2010. p. 181-199.

RAMOS, L. F. P. et al. Educação em saúde, lixo doméstico e sociedade: uma questão de profilaxia e qualidade de vida dos moradores da área de palafitas da Vila da Barca, Belém – Pa. Belém: Universidade Estadual do Pará – UEPA, 2009.

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SILVA, M. D. B, et al. Fontes alternativas de renda para comunidade da Vila da Barca. In: Encontro Nacional de Ensino de Química, 14. 2008, Paraná. Anais... < http://www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/index.htm>.

TALAMONI, Jandira L. B.; SAMPAIO, Aloísio Costa. Educação Ambiental: da Prática Pedagógica À Cidadania. 1ª Ed. São Paulo: 2003.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. Ed.-Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.


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Ilustrações: Silvana Santos