Revista Educação Ambiental em Ação 36

NECESSIDADES ATUAIS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: SERÃO POSSIBILIDADES?

 

 

Renato Pirani Ghilardi

Possui graduação em Ciências Biológicas- Modalidade Bacharelado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Botucatu - 1995), mestrado em Geociências (Geologia Sedimentar) pela Universidade de São Paulo (USP/1999) e doutorado em Geociências (Geologia Sedimentar) pela Universidade de São Paulo (USP - 2004). Atualmente é professor assistente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP - Bauru - SP).

 

Flávio Roberto Chaddad

Graduado em Engenharia Agronômica pela UNESP/Botucatu (2000); Especializado em Educação Ambiental pelo Departamento de Educação do Instituto de Biociências da UNESP/Botucatu (2004) e Mestre  em Educação pela PUC-Campinas (2004).

 

Luiz Américo Abrão

Graduado em Engenharia Agronômica pela FAEF/Garça (SP) (2006).

 

 

 

 

RESUMO

 

Este estudo teve dois objetivos: construir teoricamente os marcos hipotéticos da crise ambiental e vislumbrar novos horizontes ou utopias que possam se realizar futuramente em busca de um outro estar do homem no mundo. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica e, como metodologia de análise, utilizou-se o método crítico dialético para entender a realidade em suas contradições e na totalidade da história, indo em direção, através de algumas sugestões, da superação para o estado de coisas que hoje verificamos no mundo. Notou-se que estes marcos tiveram e têm as suas origens no monoteísmo judaico-cristão; na exacerbação da razão como única forma de conhecer e no processo de acumulação capitalista. A partir disto, lançou-se três sugestões como questionamentos para abrir-se uma discussão a respeito da construção de um outro paradigma: É necessário um outro sentido de religião? É necessário um outro sentido de razão? É necessário um outro sentido de desenvolvimento sustentável? Desta maneira, estes questionamentos foram tidos como as necessidades atuais para a educação ambiental e implicam em uma outra condição histórica para a humanidade. 

 

Palavras-chave: Educação Ambiental. Razão e meio ambiente. Monoteísmo judaico-cristão e meio ambiente. Capitalismo e meio ambiente.

 

1. Introdução

 

 

Pode-se dizer que as últimas quatro décadas vêm registrando um momento crítico e sem precedentes em toda a história da humanidade. Segundo Ferreira (2000), hoje são sentidos os efeitos trágicos dos agrotóxicos, da perda da biodiversidade, da extinção das espécies, da degradação ambiental e da perda da qualidade de vida. Esta ação destruidora do homem sobre a biosfera não apenas se manifesta sobre o ambiente natural. Mas, através de um sistema predatório e exploratório, o capitalismo industrial e biotecnológico, que empurra milhões de pessoas para a miséria e a alienação, suas raízes também são as responsáveis pela deterioração das relações sociais (ambiente exterior) e da subjetividade (ambiente psíquico ou interior), abarcando o que Guattari (2001) denominou as três ecologias.

Neste sentido, está se vivendo um momento delicado em que o velho paradigma tem que ser apropriado criticamente para ser transformado em um outro, com novas bases políticas, econômicas, científicas, sociais e uma outra relação com a natureza. Os chineses que sempre tiveram uma visão inteiramente dinâmica do mundo e uma percepção aguda da história, parecem estar bem cientes dessa profunda conexão entre crise e mudança. O termo que eles usam para definir crise é wei-ji, que é composto dos caracteres: perigo e oportunidade (CAPRA, 1999).

Uma das alternativas, sem dúvida nenhuma, para alavancar este movimento é a educação, em seu espectro maior, a educação ambiental que, política por natureza, pode ser a porta-voz da construção de uma nova aliança entre o homem e natureza e entre os próprios homens. Segundo Brügger (2004), a educação ambiental é muitas vezes encarada somente e erroneamente como modalidade da educação. Para ela, o surgimento de uma educação ambiental pressupõe o reconhecimento de que a educação tradicional não tem sido ambiental. Conseqüentemente, o ambiental deveria ser parte intrínseca da educação como um todo e não uma modalidade ou uma de suas dimensões, pois nesta visão reaparece a reificação da questão ambiental e, conseqüentemente, da própria educação. Assim, em suas palavras, a educação ambiental vista desta forma não ultrapassa as fronteiras da velha educação conservacionista e não faz jus ao adjetivo que se propõe.

Este papel relegado à educação ambiental muitas vezes é traduzido em práticas educativas não críticas que, ao invés de trazerem em seu bojo o espírito da mudança do paradigma atual, reflete-o com todas as suas contradições. Um dos fatores que contribui para este fato é a compreensão de meio ambiente. Na maioria das vezes, por razões históricas, ele é compreendido como algo fora ou externo ao ser humano e, portanto, esta representação traz sérias conseqüências para a educação ambiental que por este viés se resume em práticas isoladas, muitas vezes alienadas da realidade dos sujeitos envolvidos.

Por sua vez, a concepção socioambiental ou crítica da educação ambiental, que se assenta em parâmetros democráticos e científicos não apenas reducionistas, entende a participação do ser humano como agente biológico (dependente da natureza) e agente político, transformador da sua realidade imediata. Nesta concepção crítica, o ser humano se mostra completamente inserido em meio ambiente e permite, através de práticas metodológicas participativas, privilegiar a resolução de problemas enquanto temas geradores na medida em que parte dos fatores cotidianos e locais e atinge níveis cada vez mais complexos de conhecimento e ação (OLIVEIRA; NOVICKI, 2004).

Em decorrência da importância que vem assumindo a educação ambiental frente à construção de um novo paradigma, baseado numa consciência crítica e democrática, foram levantados os seguintes problemas:

• Quais são os marcos fundadores hipotéticos da crise ambiental?

• Baseado, nos marcos fundadores hipotéticos da crise ambiental, quais os pontos mais relevantes que deve conter uma proposta de crítica ou emancipatória  para a educação ambiental?

Tendo em vista aprofundar com maiores detalhes o problema em questão, os objetivos desta pesquisa podem ser enunciados da seguinte forma:

• Traçar os marcos fundadores hipotéticos que foram contributivos para a atual crise ambiental.

• Acrescentar, nas considerações finais, à proposta crítica para a educação ambiental, através de questionamentos, subsídios que levem em conta os marcos fundadores da crise ambiental.

É um trabalho que parte do pressuposto que estes marcos fundadores não foram edificados somente a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial do século XVIII, mas tem as suas origens na história, no como o homem constrói e reconstrói sua realidade imediata. Ele se justifica por tentar desvelar as origens históricas da crise ambiental através da análise de seus marcos fundadores hipotéticos e por propor uma educação ambiental que faça a apropriação critica destas idéias e práticas aceitas culturalmente pela humanidade, tencionando as suas apropriações críticas e superações.

 

2. Metodologia

 

Este trabalho adotou a pesquisa bibliográfica e, como método de análise, o presente estudo adotou o método crítico dialético. Este irá permitir entender, em sua totalidade, a relação contraditória que a exacerbação da razão, o sagrado e o capital estabelecem com a educação ambiental, além de vislumbrar, através de uma série de questionamentos acerca da educação ambiental, uma proposta para a superação desta realidade. Este método possibilita, na medida em que este proporciona a análise desta temática em torno do processo histórico, baseado nas contradições emanadas pelas relações sociais e embutidas na relação que o homem estabelece com a natureza, uma leitura crítica.

A concepção materialista histórica como método de interpretação da realidade, de busca da essência, do mundo real, supera o caráter fragmentado da elaboração do conhecimento proposto pelas metodologias em cujo eixo epistemológico estão abrigados o empirismo, o positivismo, o idealismo, entre outros. Estes autores explicam que este método encerra a superação da etapa de senso comum pela reflexão teórica (movimento do pensamento, abstrações) alcança a etapa da consciência filosófica, que para ele consiste na apreensão da realidade concreta. O principio da contradição, presente nesta lógica, indica que para pensar a realidade é possível aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o que dela é essencial. Nesse caminho lógico, movimentar o pensamento significa refletir sobre a realidade partindo do empírico (a realidade dada, o real aparente, o objeto assim como se apresenta à primeira vista) e pelas abstrações (elaborações do pensamento, reflexões, teoria) chegar ao concreto (compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, concreto pensado). Assim, a diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto (real pensado) são as abstrações (reflexões) do pensamento que tornam mais completa a realidade (CAMPOS, 2000).

Para adotar esta metodologia de análise, é necessário definir as categorias que devam servir como “palcos” da discussão em sua totalidade. Portanto, foram adotadas, aqui neste trabalho, como categorias, os palcos das discussões em sua totalidade, as contradições que a religião, expressada através do monoteísmo judaico-cristão, a razão e o capital, sem rédias nenhuma, de caráter neoliberal, estabelecem com o processo educativo ambiental e o meio ambiente, sabendo-se que estas três categorias, historicamente, se inter-relacionam e se interagem entre si, a fim de se buscar a superação para a realidade atual através de uma série de questionamentos que se baseiam, sobretudo, nestes marcos fundadores. Entende-se que estas três categorias de análise são essenciais para que se perceba o como se deu á cisão entre homem e natureza, o como a natureza passou a ser algo fora, externo, ao ser humano, e como natureza e os seres humanos passaram a ser objetos para a dominação, expropriação e exploração, de outros homens. Compreende-se, também, que esta cisão entre o homem e natureza, originada historicamente através da edificação do cristianismo e da separação do conhecimento racional do conhecimento sensorial, principalmente, após o cogito cartesiano, é imprescindível para se entender as representações que são feitas do meio ambiente e, conseqüentemente, por sua vez, de como esse entendimento de meio ambiente influência diretamente a concepção da educação ambiental que, de uma prática política e construtora de humanidade, pode se tornar uma prática pontual, utilitária e desvinculada, principalmente, das questões sociais, culturais e econômicas. Para isso, dividiu-se este item, didaticamente, em dois subitens: A razão e o sagrado e as contribuições para a dessacralização da natureza e O sistema de produção capitalista e a reificação do homem e da natureza.

 

3. Resultados e Discussões

 

3.1. O sagrado e a razão: as suas contribuições para a dessacralização da natureza

 

Verificou-se que foi com a edificação do cristianismo, baseado em uma série de sistemas filosóficos, que houve, de uma vez, a translocação dos valores místicos dos bens naturais para uma entidade única, absoluta, onipotente, onipresente e onisciente, Deus. Mas, quais as influências filosóficas contribuíram para a edificação deste sistema? Em que pontos ele representou um dos marcos fundadores para a dessacralização da natureza que, após este sistema, de uma vez por todas, passou a ser um bem de utilidade para o homem? Ou seja, a forma do ser humano manter sua parte imperfeita funcionando durante seu trajeto na terra, em busca de uma verdadeira existência, dada pela alma, no “Reino dos Céus” e junto ao divino?

Ele recebeu, por parte dos gregos antigos, principalmente, de Pitágoras, Parmênides, Sócrates e Platão, os elementos responsáveis pela existência da alma imortal, que viveria uma existência extra-sensível, no Reino dos Céus, junto a Deus. Também recebeu alguns princípios éticos de Sócrates e Platão, como o qual enfatiza a virtude, os bens imateriais em detrimento aos bens mundanos, aos bens materiais, como bem supremo a ser atingido pelo ser humano. Esta visão, que também liga a virtude a sobrenaturalidade, ou seja, ao culto da alma e a um poder supremo, Deus, passou a amaldiçoar a beleza e o prazer como abjetos e nocivos. Desta forma, oficialmente, o cristianismo conserva a estranha noção que o prazer é pecaminoso. Mais a frente, também, esta religião, chegou a igualar a distinção entre espírito e matéria com a antítese do bem e do mal, como se um (razão e o espírito) não dependesse do outro (matéria), e como se o ser humano, dotado de virtude sobre-humana, não dependesse da natureza, o mal personificado (RUSSELL, 2001).

Outra questão importante é a que torna a natureza apenas um objeto de utilidade para o ser humano, imagem, e semelhança de Deus, durante sua passagem na terra, a procura de viver a eternidade junto ao divino no Reino dos Céus. Tem-se, como reflexo destas teorias, a falta de apreço à res extensa, ao corpo, a natureza. O ser humano deixa, de uma vez por todas, de comungar com o natural e passa a comungar com o que existe em suposição, com algo metafísico que sonha um dia alcançar, ou seja, uma vida em outro mundo, no “Reino dos Céus”, junto a um divino onipotente, onisciente e onipresente, Deus. Desta forma, ele transloca valores dos bens naturais para esta entidade. Esquece-se, portanto, que a verdadeira vida está na terra, neste mundo, e que a natureza não é algo apenas que serve para manter seu corpo funcionando, durante seu trajeto neste mundo em busca de uma vida no reino dos céus, mas é uma extensão do seu próprio corpo, que dela necessita para sobreviver, como afirmava Spinoza quando enfatizava que necessitaríamos também de uma filosofia do corpo, não apenas da mente (DELEUZE, 2002).

Com a união do cristianismo com a filosofia aristotélica tem-se a origem da escolástica. Entronizada na Idade Média, principalmente, por São Tomás de Aquino, essa filosofia teológica coloca a natureza à disposição do homem, tornando-o hierarquicamente superior (ALMEIDA et al, 1993).

São Tomás de Aquino fez uso dos postulados aristotélicos e ajudou edificar este sistema religioso oficial. Pode-se dizer que ele operou uma transformação na distinção aristotélica entre essência e existência. São Tomás considerou ontológica, real, a distinção entre essência e existência dada por Aristóteles. Neste sentido, para ele, tudo existiria em função de algo maior, ou seja, de Deus. Fazendo uso deste postulado e mais da hierarquização dos seres feita por Aristóteles em seu tratado “De anima”, São Tomás colocou a natureza a inteira disposição do homem. Assim, em primeiro lugar estariam os anjos, na hierarquia descendente das criaturas, o homem aparece como um ser dotado de duplo compromisso. Por sua alma, pertence à série dos seres imateriais, mas não é uma inteligência pura, como a dos anjos, pois se encontra essencialmente ligada a um corpo. A alma humana é assim um horizonte onde se tocam o mundo dos corpos e os dos espíritos. Por esta dupla natureza é que o homem pode conhecer, já que é alma, mas não pode ter contato direto com o inteligível, porque também é corpo (MATTOS, 2000).

Em um último nível hierárquico estaria, a desalmada, a natureza. Representaria, mais uma vez, o meio do ser humano manter sua parte imperfeita – o corpo - funcionado durante seu transcurso sobre este mundo, enquanto que a alma aguardaria o momento de sua passagem para um outro mundo, o Reino dos Céus, junto ao Divino. Neste sistema, ou seja, no cristianismo da Idade Média ou a Escolástica, está embutida a idéia de que o homem transcende a natureza. Tem-se, portanto, explicitada a relação utilitarista da natureza, pois a natureza estaria ali apenas para servir o homem, imagem e semelhança de Deus (TOZONI-REIS, 2004).

Portanto, a partir da constatação de que a visão cristã coloca a natureza a inteira disposição do homem, lançou-se como questionamento: É necessário um outro sentido para a religião? Assim, buscou-se em Schopenhauer (2004) e no Panteísmo os elementos necessários para fundamentar uma outra religião, um outro sentido de pertencimento para o homem. Segundo este autor, nós não somos diferentes de qualquer outro organismo. Não há nada de metafísico que nos torna superior aos demais seres vivos. Nos nascemos e morremos e permanecemos vivos apenas nos elementos que transmutam de um ser para outro ser. A este principio ele chama de indestrutibilidade da matéria. Entender este principio ecológico, a humildade que está atrás dele – que nós não somos nada mais ou além do que os outros seres vivos - é a chave para uma vida de respeito à natureza. Uma outra idéia que pode balizar um outro sentido para a religião é o Panteísmo.

Assim, panteísmo é definido como uma Unidade todo-inclusiva que é divina. Uma característica marcante dessa definição de panteísmo é que ela traça uma clara distinção em relação a todas as religiões de caráter teísta. Com o termo Deus, tais religiões designam “um ser cuidadoso” (minded) que possui as propriedades característica de uma “pessoa” intencionada que, neste sentido, possui estados intencionais e capacidades associadas, incluso e capacidade de tomar decisões. Assim, do ponto de vista teísta, Deus designa algo totalmente diverso em relação ao mundo, que possui uma existência que transcende de modo completo à realidade, e que, necessariamente, a teria criado. O panteísmo designa uma perspectiva que assume que Deus é radicalmente imanente ao mundo. Ele não designa um ser transcendente, ou seja, um ente que subsiste independentemente do mundo, mas, ao contrário, a algo que teria na realidade material um atributo entre seus infinitos atributos. Assim, ao contrário da Bíblia, que em uma de suas passagens mais famosas afirma que Deus estava sobre a montanha, o panteísmo sustenta que “a todo-inclusiva Unidade não está sobre a montanha, mas a constitui por inteiro”. Baseado nestes princípios, ou seja, no materialismo e na humildade que o homem deve ter diante do todo, inscrita na filosofia de Schopenhauer (2004), e no Panteísmo, onde todas as coisas estão cheias de deuses, onde Deus se identifica à natureza, é que poderá ser forjado um outro sentido para a religião (SILVA, 2009).

Com relação à exacerbação da razão, verificou-se que a divisão entre res cogitans e res extensa está inscrita na história. Teve sua origem com Pitágoras de Samos e Parmênides. Manteve-se nas idéias de Sócrates, Platão, Tomás de Aquino e atingiu seu ápice no cientificismo do século XVII com, principalmente, René Descartes. Com a máxima: Penso, logo existo”, Descartes (2001) atribuiu a existência dos seres humanos a uma alma intelectiva. A natureza, a flora e a fauna, as desprovidas de inteligência e desalmadas, foram tratadas como máquinas animadas, em sua linguagem, automatas, destituída de sentimentos e de inteligência. Segundo afirma Capra (1999), em sua tentativa de constituir uma ciência natural completa, Descartes estendeu sua concepção mecanicista da matéria aos organismos vivos. Plantas e animais passaram a ser consideradas simples máquinas e o ser humano, mais uma vez, apesar de sua parte imperfeita, o seu corpo, era habitado por uma alma racional que estava ligada ao corpo através de uma glândula pineal, no centro do cérebro. Descartes privilegiou a mente me relação à matéria, a res extensa ou natureza, levando a conclusão de que as duas eram separadas e fundamentalmente diferentes. Ele afirmou que “não há nada no conceito de corpo que pertença a mente, e nada na idéia de mente que pertença ao corpo”. Assim, a divisão cartesiana entre matéria e mente teve um efeito profundo sobre o pensamento ocidental. Com isso, plantas e animais passaram a serem considerados como simples máquinas animadas, dessacralizados por completo, e o ser humano era tido como que habitado por uma alma racional que estava ligado ao corpo através da glândula pineal, no centro do cérebro. No que dizia respeito ao corpo humano, era indistinguível de um animal máquina, mas permanecia salvo por possuir alma e inteligência.

Segundo Hinkelammert (2000), além destas conseqüências, a divisão entre corpo e matéria também contribuiu decisivamente para que os seres humanos se reconhecessem como egos isolados dentro de seus corpos, o que trouxe sérias implicações éticas para outros dois dos três registros ecológicos que compõem o que se entende por meio ambiente: as relações sociais e a subjetividade. Para este sujeito atomizado e transcendental, o do penso logo existo, filosofia esta que também encerra uma das bases do liberalismo econômico, não há relações que impliquem tornar o outro pessoal (homem/natureza), tudo se reduz em uma ética da coisificação, num mundo onde os “objetos”, as máquinas animadas, homem e natureza, têm que ser dominados, explorados e expropriados, para satisfazer sua parte imperfeita, o seu corpo, durante seu trajeto sobre o planeta terra. Assim, agindo desta maneira, o ambiente passa a ser tido como algo fora ou externo ao ser humano e ele, o ser humano, desta forma, desliga-se do seu meio ambiente, do outro e da natureza, e se esquece de comungar e cooperar com uma rica variedade de organismos vivos de que necessita para sobreviver. 

Desta forma, a razão, que vem sendo construída durante todo suceder histórico da humanidade, separa o conhecimento sensível da inteligência, como se este último se sobressaísse sobre o primeiro. Esta valorização e exacerbação da razão, que culminou no cogito cartesiano, em detrimento das outras formas de conhecer implícitas na natureza, foi um dos fundamentos ou marcos da dessacralização da natureza. Neste sentido, levanto-se aqui o seguinte questionamento: É necessário um outro sentido de razão? Este problema teve como objetivo inserir uma discussão de como a natureza se mantém em constante transformação guiada por uma inteligência que emana de si mesma e dos limites da razão para explicar o todo nos dias de hoje. Para ter em mente este conhecimento, aquele que é inerente ao sensível, o de como se procede às relações entre os seres vivos e os fatores abióticos, é necessário entendermos o funcionamento dos sistemas vivos. Neste sentido, através da explicação da teoria sistêmica, percebe-se a essência do panteísmo, ou seja, de como todas as coisas estão cheias de deuses, como afirmou Tales de Mileto, e de como elas constroem e reconstroem, através de suas interações, um todo maior, sempre se metamorfoseando como afirmaram os primeiros filósofos gregos pré-socráticos. Portanto, elas têm, juntas, a capacidade de criação e recriação de si e do Todo que, por sua vez, é Uno – mas não estático ou imóvel.

Segundo Capra (1999), os sistemas vivos são organizados de tal modo que formam estruturas de múltiplos níveis, cada nível dividido em subsistemas, sendo cada um deles um “todo” em relação as suas partes, e uma “parte” relativamente à “todos” maiores. Desta forma, as moléculas combinam-se para formar as células. As células formam os tecidos e órgãos, os quais formam sistemas maiores, como o aparelho digestivo ou o sistema nervoso. Estes, finalmente, combinam-se para formar a mulher ou o homem vivos e a “ordem estratificada” não termina aí. As pessoas formam famílias, tribos, sociedades, nações. Todas essas entidades – das moléculas aos seres humanos e destes aos sistemas sociais – podem ser consideradas “todos” no sentido de serem estruturas integradas, e também “partes” de “todos” maiores, em níveis superiores de complexidade. Arthur Koestler apud Capra (1999), criou a palavra “holons” para designar esses subsistemas que são, simultaneamente, todos e partes, e enfatizou que cada holon tem duas tendências opostas: uma tendência integrativa, que funciona como parte de um todo maior, e uma tendência auto-afirmativa, que preserva a autonomia individual. Num sistema biológico ou social, cada holon deve afirmar sua individualidade a fim de manter a ordem estratificada do sistema, mas também deve submeter-se às exigências do todo a fim de tornar o sistema viável. Essas duas tendências são opostas, mas também complementares. Num sistema saudável – um indivíduo, uma sociedade ou um ecossistema - existe equilíbrio entre integração e auto-afirmação. Esse equilíbrio não é estático, mas consiste numa interação dinâmica entre duas tendências complementares, o que torna todo o sistema flexível e aberto à mudança. Assim, estas interações entre as partes produzem as propriedades sinérgicas, que fazem com que o todo seja mais do que as simples soma de suas partes, o que faz com que percebamos as limitações do pensar cartesiano. Assim, fazem com que o todo seja o produto das interações entre suas partes e os fatores ambientais. Ou seja, todas as partes estão cheias de deuses, possuem capacidade, de quando se interagirem, produzir o novo, o inesperado. Segundo Capra (2007), os sistemas vivos são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas às de partes menores. Suas propriedades essenciais ou “sistêmicas”, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das relações de organização das partes – isto é, de uma configuração de relações ordenadas que é característica dessa determinada classe de organismos ou sistemas. As propriedades sistêmicas são destruídas quando o sistema é dissecado em elementos isolados. Em cada nível de organização, os fenômenos observados exibem propriedades que não existem em níveis inferiores. As propriedades sistêmicas de um determinado nível são denominadas propriedades emergentes, uma vez que emergem nesse nível particular. Portanto, esta teoria vem reafirmar que existe uma inteligência que é inerente a res extensa, necessária a manutenção da vida no planeta, o que abre espaço para que se possa pensar em uma ética da dependência dos seres humanos em relação aos outros seres vivos e elementos da paisagem.

 

3.2. Capitalismo e desenvolvimento sustentável

 

Analisando o capitalismo verificou-se, através de um breve histórico, que ele se faz ou se realiza através da expropriação e exploração do homem e da natureza. Notou-se que ele sofre crises periodicamente, fruto da alta produção ou da falta de regulamentação, como ocorreu agora com a crise mundial. Este se mostra completamente contraditório, pois reafirma esta lógica. Com relação às questões ambientais o capitalismo mundial integrado (CMI) apregoa o dito desenvolvimento sustentável. Na euforia da expansão do neoliberalismo pelo mundo, como uma única via, a ministra da Noruega, Gro-Brundtland, a partir de 1987, patrocina várias reuniões em várias cidades do mundo, inclusive em São Paulo, para discutir os problemas ambientais após a conferência de Estocolmo da Suécia de 1972. O livro “Nosso Futuro Comum” resultante dessas reuniões forneceu os subsídios temáticos para a ECO-92. É necessário ressaltar aqui que foi a partir deste livro ou documento que ficou explicitado o conceito de desenvolvimento sustentável proposto pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (CMMA, 1991). Conforme este relatório, desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras. Para este relatório as causas da deterioração ambiental são identificadas em três campos: 1) Uso de tecnologias poluidoras; 2) Aumento demográfico; 3) Na intensificação e expansão da miséria. As soluções propostas pelo desenvolvimento sustentável são: 1) reorientação tecnológica e institucionalização de meios de fiscalização internacionais; 2) Controle populacional para o terceiro mundo; 3) Políticas de ajustes e ajuda financeira dos países ricos aos pobres. Por este discurso, Herculano (2001) afirma que tais propostas permitem inferir qual é a concepção de “desenvolvimento sustentável” subjacente: é a do eco-capitalismo, que se traduz na confiança do avanço tecnológico capaz de produzir uma industrialização limpa e controlar a fecundidade das mulheres do terceiro mundo. A causa primordial da deterioração ambiental é tida como sendo a pobreza, muito mais do que os dejetos tóxicos do Primeiro Mundo. Portanto, o desenvolvimento sustentável proposto é algo que vai aliviar a pobreza, reduzi-la, mitigá-la, dar oportunidade de vida dentro de padrões mínimos de consumo. Desta forma, o conceito de desenvolvimento sustentável proposto pelo Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial Para o Meio Ambiente da ONU, em nenhum momento questiona o modelo de desenvolvimento em si, ou seja, o sistema capitalista.

Segundo os postulados neoliberais ou capitalistas, desenvolvimento sustentável é visto como uma forma de crescimento econômico das nações que deve levar em conta o comprometimento dos recursos naturais. A desigualdade é tratada como um desajuste a ser superado pela universalização do desenvolvimento econômico, porém com sustentabilidade. Mais uma vez se utiliza, ideologicamente, do “Mito do Desenvolvimento Econômico” para sanar as desigualdades sociais. Neste sentido, é difícil pensar que esta estratégia, que vem no bojo do desenvolvimento sustentável proposto pela CMMA da ONU seja conseguida. O sistema capitalista, como fica claro, não busca atender às necessidades da população e sim a demandas, isto é, às necessidades daqueles que têm poder aquisitivo para poderem ser atendidos pelo mercado. Ele vive da busca de elevadas taxas de lucro e, como se viu neste esboço, através da caracterização dos ciclos de expansão e retração expansão da economia, ele imprime ao ser humano e a natureza a degradação de suas condições de existência, tornando-os simples instrumentos para auferir lucros cada vez maiores. Reifica-os, portanto! Assim, o dito desenvolvimento sustentável, nos moldes de como vem sendo proposto pela ONU através da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMA, 1991), é impossível de ser atingido.

Como se viu, através das duas questões anteriormente discutidas, a da necessidade de um outro sentido de religião e de um outro sentido para razão, nota-se que deve haver, também, um outro conceito de desenvolvimento sustentável. Foi aí que lançou-se o terceiro questionamento: É necessário um outro sentido de desenvolvimento sustentável? Desta forma, notou-se que o conceito de desenvolvimento sustentável, necessário aos dias de hoje, tem que trazer consigo um outro conceito de qualidade de vida, por exigir uma infinidade de fatores quantificáveis e qualificáveis, que podem contribuir para a definição de necessidades humanas. A questão da qualidade de vida deveria subsidiar as propostas para a construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável, avesso ao sistema capitalista neoliberal que vem sendo proposto pela Comissão Mundial Para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Assim, este modelo de desenvolvimento deve estar centrado na acumulação social, entendida como condição necessária da satisfação plena das necessidades básicas de todos, onde a dinâmica do desenvolvimento é dada pelo caráter sempre amplo (grifo nosso) da definição das necessidades básicas, orientada por um planejamento que envolva tanto o Estado e seus agentes, quanto a sociedade civil. A definição de um modelo de desenvolvimento deverá ser dada, então, pelos homens e pela satisfação de suas necessidades humanas e não por conceitos globalizantes como países, produção ou sistema social. Desta forma, a sugestão de Barbosa (2000) é bastante instigante porque defende um conceito abrangente no sentido de que o desenvolvimento deverá conter uma perspectiva ambiental de compreensão dos processos de transformação dos ecossistemas naturais, analisados sob uma perspectiva histórica, utilizando instrumentos científicos e técnicos apoiados nos meios sociais e políticos necessários para a sua realização, principalmente, levando-se em conta a capacidade suporte dos ecossistemas.

 

4. Conclusão

 

Percebeu-se que os marcos fundadores da crise ambiental têm suas origens na história, no como o homem constrói e reconstrói sua realidade imediata. Assim, eles inscrevem-se no monoteísmo judaico-cristão, na exacerbação da razão como única forma de conhecer e no processo de acumulação capitalista. Como contraponto a esta situação lançou-se os seguintes questionamentos e idéias para a superação deste estado de coisas: É necessário um outro sentido de religião? É necessário um outro sentido de razão? É necessário um outro sentido de desenvolvimento sustentável? Espera-se que os subsídios gerados por estas discussões seja acrescentados a uma proposta crítica para a educação ambiental e foram tidos como as necessidades atuais para a educação ambiental.

 

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