Cláudia Mariza Mattos Brandão
O ser
humano, assim como os demais seres vivos que habitam o planeta Terra, mantém
com este uma relação interativa condicionada pela necessidade de sobrevivência
e permanência enquanto espécie, sendo que a particularidade que o torna
diferente das demais é sua capacidade de ação "consciente", por
conseguinte cultural, no processo de intervenção ambiental. Esse diferencial
também nos possibilita a compreensão do processo de desarticulação da
Natureza - aqui entendida como a força ativa que estabelece e conserva o equilíbrio
e a ordem natural de tudo - diretamente relacionado com o grau de aceleração
da capacidade humana de criação cultural, que num primeiro momento tinha como
meta comodidade e bem-estar e, posteriormente, a possibilidade de apropriação,
o acúmulo de riquezas e a dominação dentro da própria espécie. Nesse
sentido, é possível perceber a cada etapa do processo histórico cultural, e
mais intensamente neste último século marcado pelo apogeu tecnológico, o
agravamento da degeneração dos recursos naturais, que ocasionou o aumento da
contabilidade dos problemas e desequilíbrios ambientais.
Nos anos 60
e 70, os ecologistas eram considerados pessoas "sonhadoras" e "utopistas".
Suas idéias eram vistas como "empecilhos" ao desenvolvimento econômico,
uma vez que faziam sérias críticas ao consumismo e à exploração abusiva dos
recursos naturais do planeta. Diante dos graves desafios que emergem neste início
de século, como a contaminação das fontes de água potável, a desertificação,
o aquecimento global, a ameaça do degelo antártico, as "utopias
ambientalistas" retornam com suas reflexões e encaminham soluções possíveis
e inadiáveis, colocando como um dos maiores desafios a mudança de mentalidades
e de comportamentos, tendo como base a Educação Ambiental em toda sua
plenitude. Como o paradigma ético predominante na sociedade industrial se
coloca como um forte obstáculo ao avanço da consciência e ação ecológicas,
na medida em que atua como referência de comportamentos e ações individuais e
sociais, existe a necessidade de substituir a racionalidade individualista e
competitiva vigente, por uma mentalidade que permita o restabelecimento dos
equilíbrios sistêmicos afetados, levando-se em consideração, além dos
aspectos científicos, as características culturais regionais e suas intrínsecas
correlações históricas.
As orientações
da Conferência de Tbilisi[1]
explicitam a importância dos sentidos e da subjetividade para a compreensão da
complexidade das relações humanas, sociais, políticas e com a Natureza,
destacando a relevância das atividades culturais e artísticas nas práticas da
Educação Ambiental Informal. A possibilidade de conhecimento compartilhado, o
desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica e a efetiva contribuição
da Arte no processo de culturação dos povos são importantes instrumentos no
desenvolvimento de uma cultura social que favoreça uma mudança de atitudes,
sob a perspectiva de compreensão das relações sistêmicas.
A sociedade contemporânea reage frente
a problemas como: o incremento do consumo, a globalização, a desintegração
social e a demasiada concentração demográfica urbana, fatores que determinam
o declínio da qualidade da vida nas cidades. Nessa sociedade em constante mutação,
com grande mobilidade física e social, imersa num processo de uniformização
cultural provocado pelas novas tecnologias, temos um tempo – cronológico
e histórico – que se “esvai”, onde a confusão entre o privado e o social
“sufoca” e anula o valor da história da qual cada indivíduo é
protagonista, eliminando, assim, a identidade do sujeito.
Na Pós-Modernidade
- como condição histórica - a cidade é o lugar onde o fato se funde
à imaginação, numa relação peculiar entre homem e material que existe na
contínua interação criativa da vida urbana[2].
A rua, como espaço público dinâmico e de relações, permite uma análise que
supera a enumeração dos elementos físicos que o conformam. Como espaço de
transição, lugar de todos, a percepção do urbano reúne os elementos sociais
e comunicativos aos estéticos e funcionais, revelando o ritmo e as características
próprias da população. As estratégias de representação, fundadas em
posicionamentos e ações culturais promovidas no âmbito da Arte, nos revelam a
organização dos setores sociais, culturais e políticos que interferem na
construção da cidade contemporânea.
O
meio ambiente percebido como parte integrante das relações sociais e do
processo histórico de construção de mundo solidifica a consciência planetária
das ameaças da civilização industrial-tecnológica. A relação
homem-natureza e dos grupos sociais entre si, bem como a forma de apropriação
dos recursos naturais, são fatores determinantes da qualidade de vida da
sociedade. O aprimoramento dessas inter-relações solidificou-se como um dos
objetivos da Ecologia Social, que também se propõe a pensar o sujeito numa
relação de alteridade, interferindo e modificando o seu meio a partir de uma
dimensão ética, que não seja imposta culturalmente, mas que reflita suas
escolhas, percepções, valores e ideais.
Sob esse enfoque, a Educação Ambiental visa a promover uma mudança de
mentalidade. Sua abordagem ecossistêmica confere-lhe uma visão mais ampla que
conjuga a perspectiva ecológica, a social, a cultural e a econômica,
procurando estabelecer uma nova relação entre a humanidade e a natureza e uma
razão alternativa aos modelos da razão clássica e da razão dialética[3].
Na expectativa de produzir novos modos e estilos de vida, desde a Conferência
de Tbilissi, a E.A. está orientada como uma proposição que abandona a
tradicional compartimentação do conhecimento, numa perspectiva
interdisciplinar, que não se limita à educação formal. Trata-se de uma educação
que visa à participação dos cidadãos nas discussões e decisões sobre a
questão ambiental, num processo educativo que não separa a arte da ciência e
busca conhecer
o humano situado no Universo[4].
No meu ponto de vista, é por intermédio
das interações intersubjetivas e comunicativas entre pessoas com diferentes
concepções de mundo e relações cotidianas com o meio natural e construído;
características da vida social e afetiva; acesso a diferentes produtos
culturais; formas de manifestar as suas idéias; conhecimento e cultura; dimensões
de tempo e expectativas de vida; níveis de consumo e de participação política
que poderemos estabelecer diretrizes mínimas para a solução dos problemas
ambientais que preocupam todos nós. (Reigota, 2001:28)
Em A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-moderna, Marcos Reigota dedica parte do primeiro
capítulo à contribuição da arte brasileira, na figura de Oswald de Andrade,
ao processo de construção das identidades nacionais e, por conseqüência, à
ecologia global.
Oswald,
poeta, jornalista e acadêmico foi testemunha da transformação de São Paulo,
pacata cidade provinciana, em um centro dos mais industrializados e populosos do
mundo, e foi profundamente influenciado pelas questões relacionadas ao
isolamento do indivíduo moderno e à falta de identificação cultural. Ele
defendeu a construção de uma sociedade calcada na subjetividade e no estilo próprios
da raça brasileira em documentos como o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”
(1924), a obra “Pau-Brasil” (1925) e o “Manifesto Antropófago” (1928).
Foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna (São Paulo, 1922) e
mentor intelectual do Movimento Antropofágico, que por sua vez
influenciou o Tropicalismo na década de 60. Juntamente com intelectuais como a
pintora Tarsila do Amaral - com suas cores e temas acentuadamente nacionais
(figura 1) - e Mário de Andrade, buscava consolidar uma cultura hibridamente brasileira, numa demonstração da preciosa
contribuição que as diferentes formas de conhecimento e expressão podem
fornecer às reflexões sócio-políticas.
-
Mas
o que é isso? – perguntou-me o homem severo, indignado.
-
É
a poesia de transição, poesia de guerra, poesia de assalto (...).
-
Mas não há nada que se salve no meio disso?
-
Há! Há o mundo novo que penetra pelas frestas abertas da guerra.
(Ponta
de Lança, Andrade, 1972:26)
Permear saberes na busca da compreensão do tempo
presente, se trata, enfim, de
demonstrar que, em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música,
de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana[5],
evidenciando que o processo de recomposição das práticas sociais e
individuais e o redimensionando da relação do sujeito com o meio, dentro dos
novos contextos históricos, exige uma mudança de postura que precisa ser despertada
e que tem na arte um excelente meio. Os pensadores
da Antigüidade preocuparam-se em conhecer os elementos constitutivos das
coisas em busca de um princípio estável que explicasse a origem dos seres e
suas transformações. Introduzindo no estudo da sociedade e da cultura o ponto
de vista reflexivo-crítico, assim como problematizaram a Natureza,
transformaram em problema filosófico a existência e a finalidade das artes. A
reflexão filosófica em torno da Arte introduzida pelos gregos desenvolveu-se
ultrapassando os limites das avaliações estéticas. Como modo de ação
produtiva do homem, a Arte constitui um fenômeno social e é parte da cultura.
Relacionada com a existência humana, é foco de convergência de valores
religiosos, éticos, sociais e políticos, e mantém íntimas conexões com o
processo histórico. Produto da práxis, a expressão artística é a
exteriorização da existência, uma forma de ação cujos efeitos se produzem
de modo indireto. Agindo sobre a nossa maneira de sentir e de pensar, a Arte é
um apelo, uma solicitação capaz de despertar a consciência moral para a
descoberta dos valores éticos, sociais e políticos, dando-nos uma visão mais
íntegra da realidade. A megalópole
contemporânea que, com sua atividade febril, reduziu o valor do indivíduo, até
quase eliminá-lo, agoniza: asfixiada por monóxido de carbono, cercada de
lixo químico, sitiada pelos guetos que a desigualdade social criou, vitimada
pela leptospirose dos ratos e picada pelos mosquitos da dengue. Essa é a
“doença fatal” que contamina nossas cidades, demonstrando a falência do
paradigma moderno e da ética antropocêntrica, e exigindo a promoção de uma
cidadania ambiental, em busca de
uma nova interligação ética entre Homem e Natureza. CANEVACCI,
Massimo. A Cidade Polifônica - Ensaio
sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Studio Nobel,
1993. CAPRA,
Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
6ª ed. São Paulo: Ed. Pensamento-Cultrix, 2001. DIAS,
Genebaldo Freire. Educação
Ambiental: princípios e práticas. 5ªed. São Paulo: Global, 1998. GUATTARI,
Felix. As Três Ecologias. Campinas,
SP: Papirus, 1990. _______________
Caosmose: um novo paradigma estético.
São Paulo: Ed. 34, 1992. HARVEY,
David. Condição Pós-Moderna: uma
pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9ª ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2000. HAUSER,
Arnold. História Social da Arte e da
Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. MORIN,
Edgar. A Cabeça Bem-Feita. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. OLIVEIRA,
Ana Cláudia de e SANTAELLA, Lúcia (org.). Semiótica
da Cultura, Arte e Arquitetura. São Paulo: EDUC, 1987. REIGOTA,
Marcos. O que é Educação Ambiental.
São Paulo: Ed. Brasiliense, 1998. ________________
Ecologia, elites e intelligentsia na América
Latina: um estudo de suas representações sociais. São Paulo: Annablume,
1999. ________________
Meio ambiente e representação social.
4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. SANTOS,
Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão
Indolente: contra o desperdício da experiência.
2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000. TOURAINE, Alan. Crítica
da Modernidade. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. [1]
Documento elaborado pelos participantes/representantes dos Estados membros
presentes à Primeira Conferência Intergovernamental em Educação
Ambiental (Geórgia, CEI, 1977) realizada pela UNESCO em cooperação com o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). (Dias, 1998:61) [2]
Harvey, 2000:17. [3]
A Razão Dialética (Reigota, 2001) pensa o mundo pelo prisma da luta, do
conflito e da negação, não o percebendo como criação. Embora apregoe a
necessidade de uma relação entre sociedade e natureza que seja integrada e
orgânica, aplica tratamento diferenciado aos dois termos, aceitando no
plano da sociedade a forma de luta de classes. [4]
Edgar Morin, 2000:37. [5]Morin,
2000:45.
Figura 1 - Tarsila do Amaral
São Paulo, 1924; óleo sobre tela, 67 x 90 cm.
Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Referências bibliográficas