Saúde e qualidade de vida do ser humano no contexto da interdisciplinaridade da Educação Ambiental
A interdisciplinaridade na Educação Ambiental em defesa da saúde, e na qualidade de vida do homem, ressaltam a preocupação com a existência do Desenvolvimento Sustentável na busca da cidadania.
SOARES, Felix Alexandre Antunes1; CARPILOVSKY, Cristiane Köhler2; COSTABEBER, Ijoni Hilda3
1Pós-doutor em Ciências Biológicas- Docente da Universidade de Santa Maria – UFSM.
2Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde ( UFSM – UFRGS- FURG) e Mestre em Educação - Docente da Universidade de Santa Maria – UFSM. .
3Doutora em Ciência e Tecnologia dos Alimentos pela Universidad de Córdoba, Espanha - Docente da Universidade de Santa Maria – UFSM.
Endereço para correspondência: Universidade Federal de Santa Maria – UFSM- Centro de Ciências da Saúde – Departamento de Morfologia-Avenida Roraima, nº1000, Cidade Universitária, Bairro Camobi, Santa Maria-RS, CEP 97105-900- Telefone: (055)3220-8239 – E-mail: criskoh@terra.com.br
Resumo
A reflexão sobre a qualidade de vida e a saúde do homem remete à relevância da interdisciplinaridade no campo da educação ambiental. O desafio político, social e científico, atual, consiste na construção histórica de sociedades com desenvolvimento socioambiental com a busca da eqüidade social, que compreende a defesa da qualidade de vida e saúde a todos e a inserção humana consciente no meio ambiente. O contexto histórico-social das sociedades contemporâneas é preocupante e deve servir de estímulo à busca de sua compreensão e alternativas, tendo a educação ambiental papel relevante neste contexto. A fragmentação do conhecimento científico não contribui para abordagens conseqüentes do problema.
Introdução
O homem é um ser social que tem ampla relação com o meio ambiente. A relevância do tema ambiental advém do fato de que os valores que alimentam as relações entre os seres humanos, e desses com a natureza, objetivam a construção de novos paradigmas.
Sabe-se que o Homem, ao longo do tempo, visando a própria sobrevivência e à preservação de sua espécie, teve necessidade de ocupar espaços naturais. Assim, o Homem buscou na Natureza alimento, energia, vestimenta, abrigo, status social, entre outras necessidades. Dessa forma, desenvolveu-se a progressiva aglomeração de pessoas e, conseqüentemente, a urbanização desenfreada. Em razão disso tudo, houve a transformação da paisagem natural em paisagem cultural e artificial. A contaminação ambiental surgiu a partir do desenvolvimento industrial que, paradoxalmente, proporcionou ao homem inúmeras oportunidades, principalmente de trabalho, mas de outro lado aumentou o risco de exposição a substâncias nunca antes presentes no meio ambiente.
A partir do crescimento do movimento ambientalista na década de 1970, o questionamento dos modelos de bem-estar predatórios agregou à noção de conforto, bem-estar e qualidade de vida, a perspectiva da ecologia humana que trata do ambiente biogeoquímico, no qual vivem o indivíduo e a população, e o conjunto das relações que os seres humanos estabelecem entre si e com a própria natureza. O movimento da globalização, com a reestruturação produtiva em curso, e a adoção de determinadas políticas por inúmeros países, têm resultado em fenômeno novo historicamente, que é o desenvolvimento sustentável com a preservação do meio ambiente almejando a qualidade de vida e a saúde das gerações atuais e futuras.
Nestes tempos modernos, diante da rapidez com que as informações são transmitidas, essas assumem papel relevante na formação do cidadão, na qual a educação ambiental, em um contexto interdisciplinar, representa uma possibilidade de co-responsabilização dos homens na defesa pela qualidade de vida e saúde da população.
A necessidade da inserção da educação ambiental em um contexto interdisciplinar
A ciência, e tudo o mais que ela representa no cenário mundial, enfrenta hoje o que muitos teóricos (LEFF, 2002 e KUHN, 2003) têm descrito como uma crise do conhecimento ou uma crise de paradigmas, devido à maneira dissociada de se ensinar e de se pesquisar. Morin (2005, p.90) salienta que a “hiperespecialização e a redução ao quantificável produzem cegueira não apenas em relação à existência, ao concreto, ao individual, mas também em relação ao contexto, ao global, ao fundamental”.
Nesse contexto fragmentado e especializado de conhecimentos, a Educação Ambiental enfrenta o desafio de promover a harmonia entre os seres humanos e a natureza através da implantação de estratégias que sejam compatíveis com o ideal do desenvolvimento sustentável. Muitos são os desafios para a realização de uma Educação Ambiental interdisciplinar com a orientação dos princípios ambientais que contemple as várias dimensões da sustentabilidade e tenha a população como real protagonista das mudanças, buscando o efetivo exercício da cidadania para todos.
Os problemas ambientais têm preocupado diversos países do mundo tornando-se um fator primordial para o desenvolvimento dos mesmos tendo em vista a preservação do equilíbrio ambiental. Os problemas de natureza social e o contexto interdisciplinar são indissociáveis, apesar de diversas vezes tratados de forma isolada por uma leitura ideológica que os fragmentou.
Leff (2003) ressalta que o ambiente onde se vive é complexo, isto é, está tecido em conjunto. Os constituintes heterogêneos do ambiente estão constituídos como um tecido de ações, interações, retroações, determinações e eventualidades.
O enfoque da interdisciplinaridade e a compreensão do meio ambiente apresentam estreita ligação. O meio ambiente é muito complexo, já que há a coexistência de diversas realidades diferentes, mas ao mesmo tempo interdependentes, e que interferem ou são interferidas por fatores econômicos, sociais, culturais e políticos. Neste sentido, a educação ambiental apresenta uma estreita relação com a sustentabilidade visando à saúde e a qualidade de vida do ser humano.
De acordo com Capra (1996), quanto mais estudamos os problemas ambientais de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas globais, o que significa que estão interligados e são interdependentes, necessitando uma perspectiva sistêmica para analisá-los. Cabe salientar que o conceito jurídico de meio ambiente ecologicamente equilibrado, como preceitua a Constituição Federal, inclui o bem-estar e a sadia qualidade de vida da população.
Saúde e Qualidade de Saúde: uma questão de cidadania
No campo da saúde, o discurso da relação entre saúde e qualidade de vida existe desde o nascimento da medicina social, nos séculos XVIII e XIX, quando investigações sistemáticas começaram a referendar essa tese e a fornecer subsídios para políticas públicas.
Quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida, o grau de bem-estar da sociedade e de igual acesso a bens materiais e culturais (MATOS, 1998). Assim, em determinado tempo de seu desenvolvimento econômico, social e tecnológico, uma sociedade específica tem um parâmetro de qualidade de vida diferente da mesma sociedade em outra etapa histórica.
Essa qualidade de vida pode ser afetada por desastres ecológicos, como as intoxicações por poluentes orgânicos persistentes, fato que tem vindo a merecer cada vez mais a atenção da comunidade internacional, já que as suas características os tornam uma ameaça à saúde mundial.
Os seres humanos podem ser expostos aos poluentes orgânicos persistentes através da alimentação, acidentes, e através da poluição ambiental. A exposição ocupacional ou acidental a alguns desses poluentes se revela muito preocupante para a saúde humana. Algumas atividades de alto risco englobam a agricultura e a manipulação de resíduos perigosos. Outrossim, deficientes condições de trabalho, falta de formação e a utilização de equipamentos inadequados, são aspectos que fazem com que o risco de exposição de determinados trabalhadores seja elevado.
Os poluentes orgânicos persistentes incluem, por exemplo, os bifenilos policlorados (PCBs), cujas propriedades químicas que os caracterizam facilitam uma grande aplicação: fluidos dielétricos, líquidos isolantes, condensadores, transmissores de calor, lubrificantes, plastificantes de tintas, vernizes, colas, lacas, ceras, lâmpadas fluorescentes, papel químico e de imprensa, adjuvantes de pesticidas, entre outros.
A exposição humana aos PCBs é o resultado do amplo consumo de alimentos contaminados, como também pela inalação e absorção dérmica em ambientes de trabalho. Os PCBs se acumulam nos tecidos gordurosos do homem e dos animais e possuem efeito tóxico em ambos, principalmente no caso de ocorrerem repetidas exposições. A pele e o fígado são os locais de maior ocorrência de patologias, mas o trato gastrointestinal, o sistema imunológico e o sistema nervoso são também afetados (WHO/IPCs, 1993). A presença de compostos organoclorados é identificada em níveis significativos em mulheres com câncer de mama quando comparadas a um grupo controle (COSTABEBER, 2001 e LUCENA et al, 2001).
Portanto, esses compostos apresentam interferência direta na qualidade de vida das pessoas, assim como podem influenciar na busca de um desenvolvimento sustentável, visto que se encontram na natureza e duram décadas.
Neste sentido, a qualidade de vida transita em um campo semântico polissêmico, sendo que, de um lado, está relacionada ao modo, às condições e aos estilos de vida, incluindo as idéias de desenvolvimento sustentável e ecologia humana e, de outro, se relaciona ao campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais (CASTELLANOS, 1997).
Desenvolvimento sustentável e saúde
O crescimento desenfreado de produção de consumo que iniciou com a II Guerra Mundial se estende até os dias hodiernos, e vem causando a destruição do planeta Terra. O crescimento da população e a sua compulsão pelo consumo tem resultado em verdadeiras catástrofes, como o desemprego em massa, a fome, a escassez de água, a crise energética e o desenvolvimento de patologias incontroláveis, bem como as mortes resultantes das modificações climáticas ocasionadas por secas e enchentes intensas. O desequilíbrio ambiental ocasionado pela destruição progressiva do planeta faz prever um esgotamento dos recursos naturais existentes.
Segundo Capra (1988), as últimas décadas de nosso século vêm registrando um estado de profunda crise mundial, a qual é complexa e multidimensional, que afeta todos os aspectos da vida humana como saúde, qualidade de vida, meio ambiente e política. Para o autor, os problemas são sistêmicos e estão intimamente interligados e são interdependentes, e por isso dependem de metodologias mais abrangentes e adequadas para as soluções.
De tal importância a Saúde se apresentou ao poder constituinte que a vigente Constituição da República Federativa do Brasil, além de incluí-la entre os direitos sociais, dedicou seção exclusiva ao tema (Título VIII, Capítulo II, Seção II, arts. 196 ao 200). O art. 196 assim expressa: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
O direito à saúde, pela nova ordem constitucional, foi elevado ao nível dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo direito de todos e dever do Estado.
Consoante o direito à saúde ressalvado na Carta Magna, de forma inquestionável, tal deve ser entendido em sentido amplo, não se restringindo apenas aos casos de risco à vida ou de grave lesão à higidez física ou mental. Deve abranger também a hipótese de se assegurar um mínimo de dignidade e bem-estar do ser humano. Salienta-se que a saúde se encontra entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais e diretamente relacionada com o desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável é compreendido pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento como: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades” (Relatório Brundtland, 1988).
Neste sentido, o homem é um ser da “práxis”; da ação e da reflexão. Nestas relações com o mundo, através de sua ação sobre ele, o homem se encontra marcado pelos resultados de sua própria ação. Atuando, transforma; transformando, cria uma realidade que, por sua vez, envolvendo-o, condiciona sua forma de atuar.
Conclusão
No funcionamento das relações homem com o meio ambiente é preciso captar as implicações mútuas entre os fenômenos, simultaneamente solidárias e conflitantes, respeitar ao mesmo tempo a unidade e a diversidade, ligar, contextualizar, abranger, para recompor o que está mutilado, articular o que estava disjunto e pensar o que estava oculto.
No contexto peculiarmente constituído pela conjuntura do meio ambiente e o ser humano, a crescente conscientização do Homem acerca da necessidade de cuidados maiores para com a Natureza e dele mesmo em seu contexto o conduz a uma abrangência cada vez maior de enfoques, destacando-se uma rede de conhecimentos interdisciplinares na Educação Ambiental.
Os conhecimentos disciplinares e interdisciplinares não são antagônicos, mas complementares, pois o conhecimento interdisciplinar diz respeito à dinâmica dos diferentes níveis da realidade. É necessária uma Educação Ambiental com ênfase interdisciplinar que proporcione melhor leitura da realidade e promova outra postura do cidadão frente aos problemas sócio-ambientais. E essa reflexão precisa ser aprofundada à medida em que a saúde e a qualidade de vida dessa geração, e das futuras, dependem de um desenvolvimento sustentável.
Referências Bibliográficas
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