REFLEXÕES SOBRE A TEMPORALIDADE
Édison Cardoso Teixeira1 & Marion Matsdorf Teixeira2
1. Pesquisador em Ecologia de aves
2. Estudante e pesquisadora em História
E-mail: edisonc.teixeira@gmail.com
A sociedade global perpassa hoje por um tempo em que os questionamentos em torno da existência e mesmo do futuro se ampliam e tomam conta, não mais somente de ambientes acadêmicos, e sim do dia a dia de diversos locais. No interior das famílias, em salas de aula, nos bares, nas universidades e mesmo no ambiente de trabalho já podemos encontrar seguidos momentos de discussão e reflexão sobre este tema. São discussões que vão além de pesquisas em física, química, biologia e história. São questões que fogem mesmo a religiosidade de cada ser.
Em geral esta tendência é mais fortemente registrada em porções sociais com desfavorecimento econômico. Porém, atualmente, isto já não é uma regra. Encontramos políticos, mestres e donas de casa desenvolvendo esta busca, aliados à grandes pensadores e líderes espirituais.
Não entrando na filosofia religiosa de cada um, e mesmo na crença de cada ser, o assunto “entendimento existencial” é amplo e delicado.
Vivemos hoje em um mundo onde prevalece a visão de um tempo limitado e de concretude em tudo que nos cerca. Isto pode ser um indicativo: não temos a capacidade de entender valores como milhões de anos atrás ou mesmo, milhões de anos a frente. Com isso, também não desenvolvemos em nós e nossos pensamentos a idéia de impermanência.
Para melhor compreender este “conceito” e mesmo passar a vivenciar este e inserir em nós esta idéia, temos antes que verificar alguns indicativos:
No decorrer da história de nosso planeta (vamos nos limitar a este pequeno, mas no nosso pensar, grande exemplo) tivemos diversos acontecimentos que nos dão a dica do que é impermanência.
1. As transformações (ou a criação para alguns) da Terra para então receber a vida... Mudanças que hoje já não são as mesmas. Os continentes, anteriormente uma só massa de terra (Pangea), hoje fragmentos extensos de terra: Americano, Asiático, Europeu, Antártico, Africano e Autraliano;
2. Os imensos répteis que dominavam o planeta e se encontravam por todo globo (dinossauros)... hoje extintos;
3. Quando que o povo da Antiga Grécia imaginaria o fim do reinado de Alexandre? Em um período de quinze anos este líder militar estendeu seu domínio desde a Macedônia até a Índia Ocidental. Este fez da Antiga Grécia a maior potência mundial de sua época. Porém, Alexandre, com apenas trinta e cinco anos morreu inesperadamente derrubado por uma doença. Seu reinado então foi dividido entre quatro de seus generais, perdendo assim a força e logo seu legado foi conquistado por Roma;
4. Os pensamentos mitológicos da Grécia Antiga. A crença dominante do povo daquela região. Seus Deuses e reinados. Hoje, sucumbiram ao pensamento filosófico e tornaram-se lembranças em livros didáticos;
5. Países e seus territórios. Fronteiras e governos estáveis. Exemplos como: a antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas); Alemanha Oriental e Ocidental; Iugoslávia. Atualmente encontramos uma distribuição geográfica totalmente diferente de tempos atrás;
6. Nossos relacionamentos. Quantas mudanças: amigos que se foram; amores eternos que acabaram; familiares que não “suportamos”. O erro de imaginar que a atração carnal é que perdura um casamento ou um relacionamento estável. Tudo passa. Pode levar um mês ou trinta anos. Precisamos saber e compreender a impermanência para viver sim, uma forma mais duradoura de companheirismo e união. Precisamos desenvolver um amor com raízes no respeito, na cumplicidade, admiração e fidelidade. E neste contexto inserir a atração e a paixão.
7. Grandes empresas, de diversos segmentos que pareciam ter um patrimônio infindável e indissolúvel. Hoje, ou já deixaram de existir por falência, ou se desvincularam de suas marcas em detrimento de outras corporações;
8. Por fim a imagem da vida... Mesmo esta, não é para sempre. Temos o nascimento já marcado pelo fato de nossa inexistência no futuro (ao menos neste ciclo!). Nascemos, crescemos, envelhecemos e por fim, falecemos. Em meio a isto, perpassamos por momentos enfermos, momentos saudáveis; angústias e conquistas...
Com isso podemos chegar ao âmbito pessoal. Nossa instabilidade sentimental: acordamos de mal humor; tomamos café e recebemos um beijo doce. A alegria invade nosso coração. Saímos felizes, até sermos xingados pelo vizinho que insiste em reclamar de nosso cão... E assim perpassamos por diversas oscilações de nossa mente e estado. Impermanente... Somos também impermanentes e facilmente nos deixamos influenciar por fatores externos: elogios elevam; criticas, nos derrubam.
Vivemos uma caminhada em busca de felicidade, mas nos perdemos ao imaginar a concretude das coisas e mesmo dos sentimentos. Esquecemos de viver cada momento, cada toque da felicidade em nossas vidas. Ninguém vive um estado de felicidade eterna, mas podemos sim, não nos deixar ser perseguidos por oscilações mentais. Por outro lado, mesmo mergulhados em constante perturbações ou sofrimento, isto não é um estado eterno. As vezes falta percebermos as pequenas interferências da felicidade. Pequenos momentos de bem estar que passam desapercebidos por nós, que ficamos atordoados com a visão fechada das situações e deixamos de viver e enxergar a felicidade.
De fato, temos sim diversos exemplos que nos levam a perceber a impermanência como algo real. Mas ainda assim, parece que não faz parte de nossa compreensão. Continuamos com os pensamentos arraigados na “solitude” e eternidade de tudo: Países, regimes políticos, políticas monetárias, líderes, construções, relações, situações, empresas e mesmo nossa existência... Imaginamos e sentimos como se fossem permanentes, eternos.
Este apego à não compreensão de mudança e da ação da impermanência é o fruto de muito sofrimento e mesmo, da incompreensão de diversos fatos em que passamos no decorrer de nossa vida. Este apego é que nos leva à decisões e escolhas erradas, bem como ao desenvolvimento de ações, posturas, posicionamentos e pensamentos errôneos.
Cultivar a impermanência em nós é o inicio de uma melhor compreensão da vida e do futuro (e mesmo de todo o passado). Incorporar o entendimento da mudança em tudo que nos cerca é o primeiro passo para desenvolver em nós uma nova visão de mundo e de modo de vida. A partir destas mudanças em nosso “pensar”, por tabela, teremos uma mudança em nosso “relacionar”: uma nova maneira de tratar as pessoas e todos os seres, bem como, tudo que nos cerca. Este é o caminho.