MORCEGOS AMIGOS OU VILÕES? - A PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES SOBRE MORCEGOS

 

Emmanuel Messias Vilar Gonçalves da Silva; Roseli Rodolfo da Silva¹; Teone Pereira da Silva Filho¹; Paloma Joana Albuquerque de Oliveira²; Meiriane Tamiris Sena da Cunha²; Jarcilene do Carmo Tomaz de Oliveira²; Luiz Augustinho Menezes da Silva³

 

¹Graduandos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, Centro Acadêmico de Vitória/CAV – UFPE; Grupo de Estudos de Morcegos no Nordeste (GEMNE);  ²Graduada do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas – CAV – UFPE (GEMNE); ³Professor Adjunto I, Núcleo de Biologia, CAV - UFPE (GEMNE)  E-mail: lamsilva@elogica.com.br

 

RESUMO

 

            Determinados grupos animais são percebidos pela população em geral como desprezíveis, associados a forças malignas e sem importância positiva, mascarando a importância do grupo e dificultando as ações de conservação. Como facilitadores dessas associações temos: a falta de conhecimento, o pouco convívio com esses animais, o aspecto morfológico, os mitos e crendices. Como exemplos de animais temos: insetos, aracnídeos, anfíbios, répteis, morcegos entre outros. Para minimizar esse impacto faz-se necessário a implantação de projetos educacionais. Sendo assim objetivou-se levantar o conhecimento sobre morcegos difundido entre crianças para corrigir os conceitos deturpados. Inicialmente foi aplicada uma redação intitulada “Escreva o que vocês sabem sobre morcegos” sem intervenção dos educadores na elaboração dos textos. Na segunda etapa, foi realizada uma aula expositivo-dialogada sobre morcegos e posteriormente aplicada uma outra redação.  Foram analisadas 430 redações, 241 pré-aula e 189 pós-aula, obtendo informações referentes à: conceito (n=236 redações), dieta (n=220), comportamento (n=130), abrigo (n=103), importância (n=50) e mitos (n=24) dos morcegos. Inicialmente, verificou-se um destaque para as informações distorcidas sobre o grupo e poucos representavam a biologia do animal de forma correta. Os alunos demonstraram no primeiro momento uma conceituação expressiva dos morcegos de forma nociva, descrevendo o animal em um estado de perversidade, em relação às maleficências que podem causar aos humanos, o que foi minimizado após a aula. É necessário ressaltar que as pesquisas envolvendo mudança conceitual mostram que concepções globais nunca mudam de uma vez, mas gradualmente, através de mudanças de conceitos particulares, provando a importância das campanhas educativas acerca de temas desconhecidos e taxados negativamente.

Palavra-Chave: Conservação, Educação Ambiental, Etnozoologia, Quirópteros

 

 

INTRODUÇÃO

 

Os morcegos representam uma fauna rica e diversificada compreendendo cerca de 1120 espécies e 202 gêneros no Mundo, ocorrem em praticamente todos os biomas terrestres, limitando-se apenas a grandes altitudes, nos pólos e em algumas ilhas oceânicas (Simmons, 2005). No Brasil, representa a segunda maior ordem de mamíferos com 174 espécies (Paglia et al. 2012). Estes animais possuem uma grande importância do ponto de vista ecológico, econômico e médico-sanitário (veja Taddei 1983, Bredt et al. 1998, Reis et al. 2008), pois participam efetivamente no controle das populações de pequenos invertebrados, principalmente os insetos, muitos dos quais prejudiciais ao homem como as pragas agrícolas, urbanas e vetoras de inúmeras zoonoses ao homem e aos animais domésticos. São ainda eficientes na dispersão de sementes e na polinização das flores, atuando na regeneração de áreas degradadas. Certas espécies são consideradas bioindicadoras da qualidade do hábitat e a sua elevada riqueza, abundância e facilidade de captura são excelentes ferramentas em estudos de biodiversidade. Entretanto, por participarem do ciclo da raiva, em especial Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810), apresentam importância negativa na saúde pública e pecuária.

 Entre os mamíferos, possuem o maior número de espécies em áreas urbanas, Lima (2008) reconhece para o Brasil 63 espécies neste ambiente, onde habitam construções humanas e forrageiam. São considerados da fauna sinantrópica devido às interações negativas entre eles e os humanos, e vistos pela população em geral como problema de saúde pública, sem importância positiva, portadores de mau agouro e prejudiciais ao homem, aumentando as chances de serem eliminados, independentes dos benefícios que trazem (Novaes et al. 2008, Pacheco et al. 2010, Tiriba e Shmall 2010).

O interesse da humanidade pelos morcegos vem desde a antiguidade, principalmente por alguns aspectos peculiares ao grupo tais como o hábito noturno, dormir de cabeça para baixo e ter representantes hematófagos (Allen, 1967).  Os mitos sobre eles podem ser verificados ao longo de sua distribuição (Drumond 2004), sendo este o grupo de mamíferos, e talvez o de animais, mais rodeados de mitos, o que não lhes dá uma imagem carismática ao grande público (Marinho-Filho e Sazima 1998). 

A má interpretação influencia na preservação dos morcegos visto que as lendas e os mitos acabam desvirtuando a verdadeira função deles no meio ambiente.  Esse fato pode ser verificado na ocorrência de surtos de raiva quando centenas de morcegos são indiscriminadamente mortos, independente de sua espécie e seus hábitos alimentares (Scavroni et al. 2008) ou de sua participação no ciclo rábico da região. Outra medida que impacta a população de morcegos de forma negativa é a tentativa frequente de eliminar colônias em áreas urbanas, por firmas de dedetização ou pelo próprio morador. Para minimizar os impactos negativos sobre esses animais deve-se implantar campanhas educativas sobre morcegos. Entre as ferramentas utilizadas para este fim temos a sondagem de conhecimentos e formas de percepção de determinados grupos animais (Costa Neto e Carvalho 2000, Costa-Neto 2006, Baptista et al. 2008).

Quando os estudantes se deparam com novos conhecimentos e conseguem fazer conexões entre esse material que lhe é apresentado e o seu conhecimento prévio em assuntos correlatos, eles estarão construindo significados pessoais para essa informação, transformando-a em conhecimentos significativos sobre o conteúdo apresentado (Tavares 2004) minimizando assim possíveis interpretações erradas de conceitos. Por esse motivo buscou-se saber o que pensam os alunos do 6º e 7º ano do Ensino Fundamental, de escolas pública e privada do município de Vitória de Santo Antão sobre os morcegos, a fim de reformular os conceitos distorcidos sobre esta fauna, visando entender a percepção destes indivíduos em relação aos morcegos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Local da pesquisa

A pesquisa ocorreu no município de Vitória de Santo Antão na Zona da Mata de Pernambuco (8°7’35”S, 35°18’27”W), a área municipal ocupa 344,2 km2 e representa 0.35 % do Estado. O município destaca-se pela grande tradição na educação, possuindo diversas escolas públicas e privadas, além da Universidade Federal e Faculdades privadas, sendo um forte pólo educacional na região. 

Foram escolhidas duas escolas, uma da rede particular de ensino e outra da rede pública estadual. A escola estadual funciona nos três turnos (manhã, tarde e noite) e conta com mais de 10 salas de aula, 30 turmas e mais de 1.000 alunos. A escola particular funciona nos turnos da manhã e da tarde, possuindo mais de 500 alunos e 10 turmas, sendo o turno noturno apenas para aulas de supletivo. Na escola privada a pesquisa ocorreu em duas turmas, uma do 6º ano e outra do 7º, em média cada turma possuía 32 alunos frequentes. Na escola pública a pesquisa ocorreu em quatro turmas, duas do 6º e duas do 7º ano, com 40 alunos frequentes em média.

Coleta dos dados

O trabalho ocorreu em duas etapas, na primeira foi solicitado aos alunos que escrevessem uma redação cujo tema era “Escreva o que vocês sabem sobre morcegos”, para não interferir no conhecimento dos alunos não houve intervenção dos educadores na elaboração dos textos. Os questionamentos levantados pelos alunos foram registrados e discutidos no término da atividade. Na segunda etapa foi realizada uma aula expositivo-dialogada sobre morcegos, abordando biologia, morfologia, ecologia, curiosidades, mitos, crendices, importância entre outros utilizando painéis e animais fixados. Em seguida foi solicitada uma segunda redação no intuito de saber quais dos conhecimentos antigos foram reformulados. As redações foram aplicadas em dias distintos, sendo a segunda redação aplicada imediatamente após a aula expositivo-dialogada.

Na análise das redações foram estabelecidos critérios na organização das informações que surgiam, separando os assuntos em temas. Sinônimos ou coletivos dos itens citados foram considerados conteúdos distintos, como por exemplo, em dieta, onde “fruta” foi considerada como um item diferente de “manga”, ou em abrigo que “casa” foi considerado um item diferente de “casa abandonada”.

 A categoria conceito teve uma análise mais apurada sendo classificada em subitens de acordo com a informação que o mesmo passava. Os subitens foram adaptados de Costa-Neto e Carvalho (2000) e descritos como:

Classificativo: quando define o animal colocando-o em um determinado grupo, como: mamífero, inseto, roedor, etc.

Nocivo: ao atribuir ao animal uma condição de perpetuação e/ou transmissão de alguma maleficência.

Desprezível: atribui ao animal um caráter repulsivo dentro ou não da ecologia e morfologia do animal.

Estético: ao classificar o animal quanto a sua aparência, enquadrando-a positivamente ou negativamente.

Afetivo: coloca o animal em uma condição próxima ao autor, expressando sentimentos de amizade, fraternidade, carinho, amor etc.

Morfológico: a expressão que descreve a morfologia ou anatomia do animal.

Ecológico: argumento que descreve ou cita características da ecologia do animal dentro de um contexto de “utilitário ecológico”.

Utilitário: a expressão que põe o animal como instrumento para uso humano.

            Em alguns casos a informação descrita como conceito se enquadrava em mais de um dos subitens, sendo computada duas vezes uma para cada subitem. A frequência dos itens nas redações foi registrada através da presença e ausência de itens em cada redação analisada. Cada item presente na redação foi categorizado como uma única amostra, de forma que diferentes itens de uma mesma categoria presentes em uma única redação foram considerados como amostras independentes.

 

RESULTADOS

 

Foram analisadas 430 redações, 241 pré-aula e 189 pós-aula, obtendo informações referentes à: conceito (n=236 redações), dieta (n=220), comportamento (n=130), abrigo (n=103), importância (n=50) e mitos (n=24) dos morcegos (Figura 1).

 


  

Figura 1. Frequência das redações antes e depois da aula, distribuídas em informações obtidas na análise.

 

Em ambas as etapas o tema conceito foi o mais abordado totalizando 366 citações (209 antes 57,1% e 157 depois 42,8%) (Figura 2). Entre os subitens relacionados a conceito, destacou-se na primeira etapa o nocivo com 40,1% das citações, reduzindo após a intervenção em sala. Na segunda etapa o mais abordado foi o classificativo com 39,4%. Os conceitos utilitário e desprezível foram os menos citados na primeira e na segunda fase respectivamente (Figura 2, Tabela 1).

 

 


              

Figura 2. Frequência de citaçõe no iten conceito, antes  e depois da aula.

 

 

Tabela1. Exemplos de citações sobre conceitos que surgiram antes e depois da aula expositiva-dialogada (SF – Feminino; SM – Masculino).

 

Subitem

 

Exemplo

Afetivo

Antes

Eles não são tão feios assim o morcego é um bicho muito interessante. ( 7º, SF, 18 anos)

Depois

Ele não faz mal se não mexer com ele. (7º, SF, 18 anos)

Morfológico

Antes

Eles são pretos e tem orelhas grandes. (7º, SF,12 anos)

Depois

Tem morcego com folha nasal no nariz. (7º, SM, 11 anos)

Desprezível

Antes

Os morcegos é aquela coisa que fica de cabeça para baixo. (6º,SM, 11 anos)

Depois

Ele é um mamífero muito nojento. (6º, SF, 10 anos)

Classificativo

Antes

O único mamífero voador de todo o mundo. (7º, SM, 12 anos)

Depois

Existem 3 tipos de morcegos: os insetívoros, o fitófago e o hematófago. (7º, SF, 12 anos)

Nocivo

Antes

Pode ser perigoso a sua mordida pode causar doenças. (7º, SM, 12 anos),

Depois

Eles podem causar doenças graves para as pessoas. (7º, SF, 13 anos)

Estético

Antes

Ele é muito feio. (7º, SM, 14 anos)

Depois

Os morcegos são feios. (6º, SF, 10 anos)

Utilitário

Antes

___

Depois

Na Índia ele serve de alimento, na china eles fazem sushi. (7º, SM, 12 anos)

Ecológico



Antes

 

...podemos ajudá-los no meio ambiente porque sem esses ratos voadores as plantas não existiriam. (7º, SM, 12 anos)

Depois

os morcegos quando comem frutos  eles faz coco no ar e aquela sementinha vai nascer um pé de fruta dependendo da fruta que ele comeu. (7º, SF, 15 anos)

Legenda: 6º/7º – Ano do ensino fundamental / SM – Sexo Masculino / SF – sexo Feminino

 

Nas redações constaram 48 itens referentes à dieta (Tabela 2), dez comuns a ambas as fases, onze ocorreram apenas antes da exposição e 27 após. Na primeira etapa ocorreu um menor número de citações (n=112) quando comparada a segunda (n=410), que apresentou uma dieta mais heterogênea para os morcegos. Entre os itens alimentares, destacou-se o consumo de sangue em 159 redações, em 46 este item apareceu com exclusividade, enquanto 113 o citavam acompanhado de outros itens.

 

Tabela 2. Itens referentes à dieta encontrados em 220 redações (73 antes e 147 depois).

 

Item

Antes

Depois

Item

Antes

Depois

Anfíbios

-

1

Lacraias

-

2

Animais

-

6

Lagartas

-

1

Aracnídeos

-

1

Lagartixas

-

1

Aves

-

3

Laranja

1

-

Banana

1

-

Leite

-

6

Besouro

-

1

Morcegos

-

5

Bichos

4

-

Mosquito

1

1

Bichos podres

2

-

Néctar

-

11

Boi

-

2

Onívoro

-

4

Cabra

-

1

Pássaros

-

1

Carne

2

25

Peixe

1

25

Castanha

1

-

Pessoas

1

2

Castanhola

1

-

Plantas

1

16

Cavalo

-

2

Pólen

3

9

Centopéia

-

1

Preá

1

-

Coração de Deus

1

-

Répteis

-

1

Fitófagos

-

2

Restos de animais

1

-

Flores

-

10

Sangue

55

104

Folha

-

3

Sapo

-

1

Frutas

24

104

Sapoti

1

-

Galinha

-

1

Sementes

-

5

Insetos

7

42

Seres mortos

1

 

Invertebrados

-

3

Vegetais

2

5

Lacraia

-

1

Vertebrados

-

1

 

Quarenta e dois locais foram informados como abrigos, 20 antes e 32 depois, sendo dez comuns a ambas as fases. Houve uma maior riqueza de abrigos antrópicos (n=26) quando comparados aos naturais (n=16). Entre os abrigos naturais as cavernas destacaram-se em ambas as fases com 55 citações totais e nos antrópicos as residências se destacaram, tais como casas e telhados.

 

Tabela 3. Itens referentes a abrigos distribuídos em 103 redações (48 antes e 54 depois).

 

Itens

Antes

Depois

Itens

Antes

Depois

Áreas alagadas

-

1

Igrejas

-

1

Áreas rurais

-

1

Locas

1

-

Áreas urbanas

-

5

Lugares abandonados

-

2

Árvores

9

9

Lugares escuros

11

-

Bananeiras

1

2

Lugares fechados

1

-

Bueiros

-

5

Mangueira

1

-

Casas

2

27

Matas/florestas

4

9

Casas abandonadas

3

6

Minas abandonadas

-

2

Cavernas

23

32

Ocas

1

-

Chaminé

-

2

Pedras

1

-

Construções antrópicas

-

2

Pontes

2

2

Colégio

1

-

Porões

-

1

Escolas

-

1

Portões

-

2

Escolas abandonadas

1

-

Prédios

-

1

Esgotos

-

1

Rochas

-

1

Estradas

-

1

Telhados

5

13

Fazenda

-

1

Tocas

1

-

Galerias de água

-

2

Torres

-

1

Galhos

3

1

Troncos

1

-

Galpões

-

2

Túneis

-

5

Grutas

1

2

Viadutos

-

1

 

Os mitos surgiram em 24 redações com uma maior incidência no primeiro momento (n=21). Foram descritos 11 diferentes mitos, dois ocorrendo em ambos os momentos (Tabela 4). Na primeira etapa o que mais apareceu estava relacionado com doenças ocasionadas pela urina do animal (n=6). Na segunda etapa surgiram três redações com uma citação cada, na qual apareceu apenas um novo mito mencionando os morcegos como humanos que sofreram modificações.

 

Tabela 4. Relação dos mitos descritos nas redações nas duas etapas.

 

Itens

Antes

Depois

Itens

Antes

Depois

Urina como transmissor de doença

6

1

Asas sensíveis à luz solar

1

 

São venenosos

4

1

Transformam-se em vampiros

3

 

Doença da fotofobia

1

 

Transformam pessoas em zumbis

1

 

Olhos vermelhos no escuro

1

 

Morcegos matam árvores

1

 

Não enxergam

3

 

Humanos modificados

 

1

Transformam-se em ratos

2

 

 

 

 

 

Os alunos associaram diferentes comportamentos aos morcegos em 83 redações no primeiro momento e em 47 no segundo, totalizando 47 diferentes comportamentos. No primeiro momento o mais citado foi “Dorme de cabeça para baixo” (n=17) e no segundo foi “os morcegos mordem” com oito citações.

À importância atribuída aos morcegos esteve presente em 50 redações, na primeira etapa apareceu apenas em 13 redações, com 14 citações (13 negativas e 1 positiva). No segundo momento os números aumentam significativamente, aparecendo em 37 redações, com 48 citações, sendo 15 negativas e 33 positivas.

 

DISCUSSÃO

 

            A maioria das pessoas, além de ter medo dos morcegos, não os consideram carismáticos (Lawrence 1993, Oprea 2005, Knight 2008), o que pode ser justificado pela associação deles a seres imprestáveis e malignos (Drumond 2004). Nas redações surgiram diversos tipos de conhecimentos referentes aos quirópteros tais como: conceitos, dieta, abrigos, mitos, comportamento e importância. Inicialmente, verificou-se um destaque para informações distorcidas sobre o grupo e poucos representavam a biologia do animal de forma correta.

Este conhecimento, em muitos casos, é deturpado, e um dos fatores que pode levar a esse aspecto é o hábito dos morcegos. Por serem noturnos e voarem, não havendo assim contato visual frequente, estes acabam alimentando o imaginário popular, o que pode ser reforçado pela mídia aos associar esses animais a personagens maléficos, como o Conde Drácula, bruxas e casas mal assombradas (Drummond 2004). Isso dissemina, entre a população, uma mistura de medo e repugnância a esses animais considerados por muitos como animais feios que devem ser mortos (Oprea 2005). Além do mais as atividade dos morcegos que geram benefícios ao homem, de forma direta e/ou indireta são realizadas longe da percepção dos mesmos, dificultando o entendimento da importância dos morcegos e dos motivos para a sua preservação.

Atualmente, os morcegos são uma prioridade de conservação a nível mundial devido a sua condição desfavorável (Hutson et al. 2001). Os trabalhos que mensuram a percepção sobre esses animais e que visam minimizar os impactos negativos sofridos pelos quirópteros são de grande significância para preservar essa fauna (Rainho et al. 2007), uma vez que as percepções errôneas podem levar atos de vandalismo direcionados as populações de morcegos matando milhares de indivíduos (Morton e Murphy 1995, Scavroni et al. 2008).

 Os alunos demonstraram no primeiro momento uma conceituação expressiva dos morcegos de forma nociva, descrevendo o animal em um estado de perversidade, em relação às maleficências que podem causar aos humanos, fato também mostrado por Lawrence (1993), Zin et al. (1998) e Scavroni et al. (2008), no qual as crianças expressam a personalidade dos morcegos como “maus”. Os autores ainda afirmam que as crianças apresentaram um grande desconhecimento quanto às características dos morcegos e sua história natural, predominando informações errôneas sedimentadas. Esse aspecto também foi observado por Knight (2008) que levantou o fato de alunos de graduação desenvolverem atitudes negativas relacionadas aos morcegos por estarem mal informados sobre a sua biologia. Drummond (2005) também mostra em seu trabalho uma grande relação que os seus entrevistados fizeram entre insetos e morcegos, fato este que ficou evidente também neste trabalho. No imaginário popular os animais considerados como sem importância positiva são classificados como insetos (Costa-Neto e Pacheco 2004).

No presente trabalho, após a aula expositiva as crianças deixaram de atribuir aos morcegos uma conceituação nociva para ter uma classificativa. Em ambas as etapas o fato dos elementos de conceito como: afetivo, desprezível, morfológico e estético terem os números reduzidos quantitativamente, principalmente no que diz respeito a informações errôneas, comprova a eficácia da aula expositivo-dialogada.  O contraste entre os resultados obtidos antes do processo de intervenção com aqueles que ocorreram no final foi grande. O mesmo foi verificado em outros trabalhos Zinn et al. (1998) e Andrigueto (2004) que registraram nas atividades finais uma tendência maior para detalhamentos de tópicos que foram apenas mencionados superficialmente no momento das entrevistas e pré-testes, tendo as atitudes negativas e medos diminuídos na maioria das crianças, após as sessões (Zin et al. 1998).

 Orientações bem direcionadas e o destaque para as características morfológicas, bioecológicas e importâncias positivas dos morcegos são fortes ferramentas para mudar a percepção sobre o grupo.  Um estudo realizado com crianças que visitavam uma exposição no zoológico (com raposas-voadoras) demonstrou que essas criavam uma relação afetiva com os morcegos afirmando que poderiam amar esses animais como se eles fossem animais de estimação (Peter et al. 2008), reformulando assim a associação com animais sem importância e maléficos destacada em sua maioria (Lawrence 1993). 

No que se diz respeito à dieta, ficou evidente a percepção fantasiosa dos alunos com relação a hematofagia como principal hábito alimentar. Idéia difundida entre a população tanto pela mídia quanto por conhecimento popular. O hábito hematófago é o conhecimento mais amplamente difundido e deturpado entre as populações, ocasionado principalmente pela associação com o vampirismo (Zinn et al. 1998). Scavroni et al. (2008) obtiveram e um alto índice de citações sobre hematofagia, o que mostra a falta de informação sobre esses mamíferos, que acarreta numa visão de animais predominantemente hematófagos. Após a aula, houve um aumento significativo nas citações referentes à frutas e insetos como itens alimentares. O sangue, nessa fase, esteve presente nas redações associado a outras dietas, mostrando mais uma vez a importância das palestras para modificação de concepções errôneas.

            Ao tratar de abrigos, as crianças de forma geral mencionaram cavernas em ambas as etapas com um maior índice em relação aos demais abrigos. Em um trabalho com crianças de área rural e urbana de Botucatu, Scavroni et al. (2008) também registraram as cavernas como maior número de respostas. O item “casa” como abrigo teve cinco vezes mais citações no segundo momento. A grande diferença entre caverna e os demais subitens pode ser explicado pelo conhecimento adquirido pelas crianças através de documentários, programas de tv e filmes que retratam estes lugares como únicos abrigos dos morcegos. O aumento das citações sobre casa na segunda redação revela a ampliação de conhecimento dos alunos após a aula, na qual foi comentada a presença dos quirópteros na área urbana destacando ainda uma percepção para o seu cotidiano, onde em muitas vezes esses animais podem estar se abrigando nas residências dos alunos e que passam despercebidos.

             Em um estudo desenvolvido com povoados do Pará e Amapá, Paleari (2005) ouviu relatos de crianças e adultos que citaram vários abrigos naturais e antrópicos desses animais, sendo o item caverna um dos menos comentados. Como esse trabalho foi desenvolvido em povoados localizados próximos a áreas de mata onde as pessoas têm um maior contato com os morcegos, fica perceptível um maior conhecimento com relação à ecologia dos mesmos. Um maior conhecimento sobre a fauna entre os alunos da zona rural, quando comparados às cidades, já foi evidenciado por Posey (1986).

            As crianças acentuaram os mitos com a hematofagia, sendo este o item que mais apareceu na primeira etapa, mostrando a grande influência das mídias, como mostra Drummond (2005) que deixou bem claro a influencia histórica e cultural a cerca das más impressões marcadas pelo hábito hematófago dos morcegos, evidenciado por Esberard et al. (1996) ao afirmarem que medo do vampirismo é um dos pontos destacados para a perseguição dos morcegos. Já na segunda etapa houve uma grande redução nas citações míticas, sobretudo as relacionadas ao vampirismo. Apesar disto, Andrigueto (2004) evidencia que embora alguns mitos permanecessem nas concepções dos alunos, fica evidente um crescimento do seu conhecimento em relação a aspectos ligados à biologia e ao comportamento dos morcegos.

            Foi observado na atividade pré-aula um alto índice de citações sobre o modo que os morcegos dormem, hábito este muito propagado pela população no que diz respeito ao comportamento desses animais. Na palestra foi trabalhado aspectos do comportamento dos morcegos com a finalidade de ampliar o conhecimento dos alunos. No segundo momento o item mais comentado se referia a mordidas dos quirópteros em outros animais, tanto para defesa como para alimentação. Assim como no trabalho de Andrigueto (2004), a maior quantidade de citações no que se refere a hábitos ficou mais evidente no momento pós-aula, devido ao fato das crianças pouco conhecerem da ecologia do animal.

             Houve apenas uma citação de importância positiva na primeira redação, o que mostrava a falta de conhecimento sobre as funções dos morcegos.  Pensando em reverter essa situação, foi dedicada uma parte da aula expositivo-dialogada a mostrar as importâncias ecológicas desses animais, o que além de ampliar o saber das crianças também quebraria conceitos negativos em sua percepção. Mesmo com a aula houve na segunda etapa citações de caráter negativo, porém, ocorreu o dobro de citações positivas com relação a essas, mostrando resultado na atividade perceptiva. Assim como no trabalho de Barros, (2005), informações referentes a alguns hábitos apresentam-se na população de forma negativa.

 

CONCLUSÕES

 

Os resultados confirmam que a população abordada possui um determinado conhecimento a cerca da quiropterofauna, que é principalmente alimentado por concepções fantasiosas. A grande falta de informação sobre um determinado grupo biológico pode causar uma significativa diminuição de sua população, no caso os morcegos são extremamente atingidos pela ausência de informação ou o excesso dela que neste último caso vem sendo passada pela mídia de uma forma extremamente negativa causando conseqüentemente um grande preconceito de várias culturas em relação a estes animais.

Fez-se necessário à presença de esquemas de sensibilização que estreitam a relação dos estudantes com estes animais, mostrando o porquê da preservação da quiropterofauna. A partir das aulas expositivas e discussão com os alunos pôde-se notar que conhecimentos distorcidos ou fantasiosos acerca desses animais foram substituídos por conceitos que condizem com a biologia, morfologia, ecologia entre outros. É necessário ressaltar que as pesquisas envolvendo mudança conceitual mostram que concepções globais nunca mudam de uma vez, mas gradualmente, através de mudanças de conceitos particulares, provando a importância das campanhas educativas acerca de temas desconhecidos e taxados negativamente.

 

AGRADECIMENTOS

 

Aos diretores e demais funcionários das escolas onde foram realizadas as atividades e aos alunos por terem participando das atividades.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANDRIGUETTO, A.C.; CUNHA, A.M.O. O papel do ensino na desconstrução de mitos e crendices sobre morcegos. Rev eletr. Mest. Educ. Ambient. 12: 123-134. 2004.

BARROS, F. B. Sapos e seres humanos: uma relação de preconceitos? Texto elaborado a partir da palestra “Sapos e seres humanos: uma relação de preconceitos?”, ministrada em junho de 2003 na Universidade do Estado do Pará/Altamira, UFPE. 2005.

BIEDERMANN, H. Dicionário ilustrado de símbolos. Companhia melhoramentos, São Paulo. 481p.1993.

COSTA-NETO, E. M.; PACHECO, J. M. A construção do domínio etnozoológico “inseto” pelos moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Estado da Bahia.  Acta Scientiarum. Biological Sciences. 26 (1): 81-90. 2004.

COSTA-NETO. E. M.; CARVALHO. P. D. Percepção dos insetos pelos graduandos da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil. Acta Scientiarum, v. 22, p. 423 – 428. 2000.

DONATO, C. R.; SANTOS, M. DOS; OLIVEIRA, A. G. A.; CAMPOS, D. R. de; DANTAS, M. A. T. Conscientização dos alunos da Escola Municipal Maria Ione Macedo Sobral (Laranjeiras, Sergipe) sobre os morcegos e sua importância ecológica, Scientia Plena 5 (9): 1-4. 2009.

DRUMOND, S. M. Morcegos - Verdades e Mitos. Uma análise acerca do conhecimento sobre os morcegos na sociedade: folclore, ciência e cultura. Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas). Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. 115p. 2004.

ESBÉRARD, C. E.L., CHAGAS, A.S., LUZ, E. M.; CARNEIRO, R. Pesquisa com público sobre morcegos, Chiroptera Neotropical, 1 (2): 44-45. 1996.

HUTSON, A.; MICKELBURGH, S.; ROCEY, P. Microchiropteran bats: global status survey and conservation action plan. IUCN/SSC Chiroptera Specialist Group. IUCN, Gland Switzerland and Cambridge, U.K. 2001.

KNIGHT, A. Bats, snakes and spidres, Oh my! How aesthetic and negativistic attitudes, and other concepts predict support for species protection. Journal of Environmental Psychology. 28: 94-103. 2008.

LAWRENCE, E. The sacred bee, the filthy pig, and the bat out of hell: Animal symbolism as cognitive biophilia. In The Biophiiia Hypothesis, 301-341, ed, S. R, Kellert and E. O. Wilson, Washington, DC: Island Press. 1993.

LIMA, I. P. DE. Espécies de morcegos (Mammalia: Chiroptera) registradas em parques nas áreas urbanas do Brasil e suas implicações no uso deste ambiente. p. 71-86. 2008. In. REIS N. R DOS; PERACCHI, A. L E SANTOS, G. A. S. D DOS (Eds) Ecologia de Morcegos. Londrina: Nélio Roberto dos Reis. 158p

MORTON, P.; MURPHY M. Comprehensive approaches to saving bats. In: S.A. Jacobson (ed) Conserving Wildlife: International Education and Communication Approaches. New York: Columbia University Press. P. 103-118. 1995.

NOVAES, R. L. M.; MENEZES-JR. L. F.; DUARTE. A. C.; FAÇANHA. A. C. Pesquisa de opinião sobre morcegos com freqüentadores do parque da prainha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Rev. Edu. Ação 26: p. 1- 4. 2008.

OPREA, M. O estigma de não ser belo. Narureza Online. 3(1): 1-2. 2005.

Pacheco, S.M.; Marques, R.V.; Grillo, H.; Marder, E.; Bianconi, G.; Miretzki, M.; Passos I.L. e Rosa, V.A. Morcegos Urbanos da Região Sul do Brasil. 2008. In: Morcegos no Brasil: Biologia, Sistemática, Ecologia e Conservação. Organizado por Pacheco, S.M., Marques, R.V.

Paglia, A.P.; Fonseca, G.A.B.; Rylands, A.B.; Herrman, G. Aguiar, L.M.S. Chiarello, A.G.; Leite, Y.L.R. Costa, L.P; Siciliano, S.; Kierulff, M.C.M.; Mendes, S.L. Tavares, V.C.; Mittermeier, R.A. & Patton, J.L. Lista Anotada dos Mamíferos do Brasil 2ª edição. Occasional Papers in Conservation Biology. N. 6. 2012.

PALEARI, L. M. Natureza da relação homem-morcego em povoados do Pará e Amapá: história natural, lendas e questões médico-sanitárias. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. sér. Ciências Humanas. Belém. V. 1. n.2. p. 135-156. Maio – ago. 2005.

Peter, H.; Kahn, J.; Carol, D. S.; Rachel, L. Olin, E. e Brian, T. Moral and Fearful Affiliation with the Animal World: Children’s Conceptions of bats. Anthrozoos. 21: 375-386. 2008.

Posey, D. Etnobiologia. In Ribeiro, D. Suma Etnológica Brasileira. Editora Vozes. 1:15-25. 1986.

Rainho, A.; Lourenço, S.; Rebelo, H. e Freitas, A. Ações de conservação de morcegos na área de Rodolfo de Alqueva e Pedrógão. ICN/EDIA. 2007.

REIS, N. R. DOS; SHIBATTA, O. A.; PERACCHI, A. L.; PEDRO, W. A.; LIMA, I. P., Sobre os morcegos brasileiros, p. 17-26. In: REIS, N. R. DOS; PERACCHI, A. L.; PEDRO, W. A.; LIMA, I. P. (Eds) Morcegos do Brasil. Londrina: Nélio R. dos Reis, 253p. 2007.

SCAVRONI, J; PALEARI, L. M.; UIEDA, W. Morcegos: Realidade e fantasia na concepção de crianças de área urbana de Botucatu, SP, Rev. Simbio-Logias. 1 (2): 1-18. 2008.

SIMMONS, N.B. Order Chiroptera, p. 312-529. In: D.E. WILSON & D.M. REEDER (Eds). Mammal species of the world: a taxonomic and geografic reference. Baltimore, the Johns Hopkins University Press, 3rd ed., XXXVIII+2142p. 2005.

SOUZA. R. M.; ALVES. A. G. C.; ALVES. M. S. Conhecimento sobre o molusco gigante africano Achatina fulica entre estudantes de uma escola pública da Região Metropolitana do Recife. Revista Biotemas, 20 (1): 81–89. 2007.

TAVARES, R. Aprendizagem Significativa. Revista Conceitos. N.55, p.10. 2004.

ZIN, H.; MANFREDO, M.; VASKE, J. e WITTMAN, k. Using normative beliefs to determine the acceptability of wildlife management actions. Society and Natural Resources. 11: 649-662. 1998.