O TRABALHO EM CAMPO NO ENSINO DE BOTÂNICA: O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
RESUMO
O trabalho em campo se constitui em estratégia importante quando articulada aos aspectos teóricos no ensino de Botânica, tornando possível a aprendizagem significativa em decorrência do maior conhecimento das espécies nativas locais e contribuindo para a Educação Ambiental. Por esta razão, analisar as aulas de campo permite uma melhor compreensão a respeito do ensino de Botânica nos cursos de Ciências Biológicas, sendo este o objetivo deste estudo. Para esta finalidade, dados obtidos com um instrumento de coleta de dados aplicado a 62 estudantes de disciplinas ligadas à Botânica, assim como de 15 já graduados foram estudados por meio da Análise de Conteúdo. Foram utilizados ainda neste estudo a observação participante de trabalhos em campo e entrevistas semi-estruturadas, com os resultados demonstrando as contribuições do trabalho em campo para o ensino da Botânica, principalmente em relação à taxonomia, assim como para a Educação Ambiental, decorrente do maior conhecimento das espécies presentes no ambiente no qual os estudantes vivem.
Palavras – chaves: Trabalho em campo, Educação Ambiental, Ensino de Botânica, Ensino de Ciências.
ABSTRACT
As a complementary activity to theory classes, field’s classes represent an efficient method in the teaching of Botany. Field’s classes afford meaningful learning by increasing knowledge about local native species and by contributing for Environmental Education. In this scenario, the present study evaluates field classes to better comprehend the teaching of Botany on Biological Sciences. Data obtained using a data collection tool from 62 students of disciplines addressing Botany in the courses mentioned, and from 15 graduated were investigated using the Content Analysis. This study also resorted to the active observation of field’s classes and to semi-structured interviews. The results demonstrate the contributions of field’s classes for the teaching of Botany, especially concerning taxonomy, as well as for Environmental Education.
Key Words: Field’s classes, Botany teaching, Environmental Education, Science Education.
Introdução
Diante da notável biodiversidade presente nos biomas do país, o Brasil oferece um vastíssimo campo de pesquisas relacionado com o conhecimento das espécies que nele habitam. Há estimativas apontando a presença de aproximadamente 60.000 espécies de plantas, correspondendo a cerca de 20% de toda a flora mundial conhecida e 75% de todas as espécies vegetais existentes nas grandes florestas, tornando-se o país com a maior diversidade genética vegetal do mundo (SANT’ANA & ASSAD, 2001, apud, OLIVEIRA et al., 2006).
Atualmente, o constante repensar do processo educacional realizado por professores e alunos tem gerado diferentes questionamentos, principalmente em relação aos pressupostos da aprendizagem significativa. Na concepção de Silva e Cavassan (2004), a divulgação, a promoção e mesmo o desenvolvimento de formas de contato com a rica biodiversidade brasileira devem estar entre as metas do ensino de Ciências e de Biologia.
Especialmente no âmbito das Ciências Biológicas, o trabalho em campo representa uma estratégia relevante no âmbito da formação de professores, possibilitando a articulação das questões teóricas com os aspectos concretos vivenciados pelo estudante no contexto em que vive.
Diante destes aspectos, o objetivo deste estudo investigar como o trabalho em campo pode contribuir para o processo de ensino e aprendizagem voltado para a Educação Ambiental, buscando suprir a escassez de estudos relacionados com o ensino de Botânica na literatura especializada.
O Ensino de Botânica e o trabalho em campo
A relação do ser humano com as plantas representa uma questão crucial na preservação ambiental, já que muitas espécies estão desaparecendo sem que alguém as tenha estudado, ou simplesmente as conhecido no seu habitat natural.
Nas disciplinas de Botânica, o professor tem a oportunidade de explorar o conhecimento dos alunos sobre a vegetação encontrada na sua região, assim como sobre as demais espécies. Este processo repercute diretamente sobre a Educação Ambiental, já que o ambiente só será protegido quando for conhecido em sua organização, de maneira que cada um possa se considerar parte integrante dele (PUTZKE, 2006).
Silva et al. (2006), analisando trabalhos relativos ao Ensino de Botânica presentes nos anais dos Congressos Nacionais de Botânica de 1995 a 2002, verificou que a ênfase dos estudos estava no sentido do aprimoramento das metodologias específicas da área ou dos recursos didáticos, com reduzida atenção às condições de ensino que possam oportunizar a apropriação crítica e contextualizada dos conhecimento por parte dos alunos.
Para Pereira e Putzke (1996), a experiência acadêmica nos cursos de Biologia tem demonstrado que os trabalhos em campo são muito importantes, principalmente nos primeiros semestres do curso, quando os alunos estão altamente motivados e buscando um novo universo de conhecimentos.
Segundo os autores supracitados, no trabalho em campo o aluno é o centro da ação pedagógica. Ele é participante ativo na aula, relacionando o que observa na prática com os dados da literatura.
Nesta perspectiva, é possível desenvolver práticas pedagógicas que impliquem o domínio de significados claros e transferíveis, facilitando a aprendizagem por parte do aluno para lidar com novas situações que exijam o conhecimento desenvolvido na atividade desenvolvida no ambiente educacional.
O trabalho em campo e a Educação ambiental
Para Dias (1999) a Educação Ambiental é um processo permanente no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu ambiente e adquirem conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornam aptos a “agir” e “resolver” problemas ambientais presentes e futuros.
As práticas em Educação Ambiental requerem uma cuidadosa fundamentação conceitual, e para isso é preciso que seus objetivos sejam mais sólidos e capazes de fazer frente a outras leituras do contexto de estudo (COIMBRA, 2005).
No trabalho em campo, torna-se possível desenvolver práticas coletivas com os alunos, contribuindo para o desenvolvimento de ações em equipe, competência considerada essencial para as ações dos estudantes em projetos e estudos em Educação Ambiental, visto serem processos dependentes da interação entre os participantes na análise de identificação das questões relevantes relacionadas com a preservação dos locais estudados.
Conforme preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), para que o trabalho de campo tenha significado para a aprendizagem, e não apenas como atividade de lazer, é importante que o professor tenha clareza dos diferentes conteúdos e objetivos a serem explorados. Sendo assim, antes de ir a campo, torna-se necessário ocorrer momentos nos quais os estudantes se envolvam com o processo, levantando suposições e problematizações relacionadas aos assuntos estudados nas atividades.
Segundo Coimbra (2005) com uma percepção mais totalizadora, a Educação Ambiental busca informar e estimular a percepção dos educadores ambientais e da comunidade de modo a sensibilizá-los para participar de ações e contribuir para que possam encontrar soluções sustentáveis para a preservação do ambiente. Neste contexto, a Botânica pode ser estrategicamente aplicada como um elo integrador dos temas ambientais.
Tendo como pressuposto central a conscientização ambiental, o estudo das plantas dentro de uma visão sistêmica possibilita uma interligação entre os diferentes aspectos envolvidos, ampliando os raios de ação para diversos temas necessários para que esta conscientização se concretize (OLIVEIRA, 2006).
Metodologia
No presente estudo foram aplicados instrumentos de coleta de dados a 62 estudantes do curso de Biologia de uma instituição de ensino particular do Rio Grande do Sul após três práticas de trabalho em campo realizadas em três locais: uma reserva ambiental no Rio Grande do Sul, o Jardim Botânico de Lajeado e o Parque do Turvo. Posteriormente, 15 profissionais graduados responderam ao mesmo instrumento, proporcionando a obtenção de um conjunto de informações categorizadas em grandes temas relacionados à Botânica e os seus reflexos em relação à Educação Ambiental.
O ICD foi construído com 10 questões, sendo três com respostas dicotômicas (sim e não), duas questões abertas, e seis que combinavam questões fechadas com comentários dos respondentes a respeito da resposta assinalada, analisadas com o auxílio das ferramentas da Estatística Descritiva.
Posteriormente foi realizada posteriormente a entrevista com quatro alunos que haviam participado dos trabalhos em campo, sendo os resultados analisados em conjunto com as demais informações.
Nas questões abertas o processo consistiu de uma pré-análise das respostas, na qual foi realizada a numeração progressiva dos respondentes, para então serem observadas as regularidades encontradas nas respostas pertencentes a cada questão. Com base nesta análise prévia foram construídas categorias que representavam os aspectos mais relevantes encontrados nos dados, segundo os princípios subjacentes à Análise de Conteúdo (BAUER e GASKELL, 2008).
Uma parcela dos dados recebeu tratamento quantitativo com base na observação das regularidades nas respostas dos indivíduos pesquisados, possibilitando a análise com comparações de frequência, sendo as grandezas representadas percentualmente e apresentadas em tabelas e gráficos, utilizando os instrumentos propostos pelas técnicas da Estatística Descritiva. No presente estudo as categorias foram representadas pelos principais aspectos levantados pelos estudantes, com os resultados cotejados com as informações obtidas nas entrevistas e com as observações a campo, gerando um conjunto de dados discutido segundo os pressupostos do Ensino de Ciências e da Educação Ambiental.
Resultados e Discussão
Quando perguntados em relação à principal dificuldade encontrada na aprendizagem de Botânica, um percentual elevado de alunos apontou as terminologias específicas da classificação das espécies como ponto central, aspecto semelhante ao apontado pelos graduados, que mencionaram a questão da nomenclatura e das chaves dicotômicas. Os resultados estão apresentados na Tabela 1.
Considerando que uma parcela considerável dos respondentes indicou mais de um tipo de dificuldade, os percentuais estão calculados com base no total de respondentes. Portanto, o fato de 51 alunos mencionarem taxonomia corresponde a 82,3% de 62 respondentes, por exemplo, assim como nove representa 60% dos 15 professores.
Tabela 1 – Principais dificuldades em relação à Botânica segundo os alunos
Dificuldade |
N (%) |
Taxonomia |
51 (82,3) |
Reconhecimento de espécies da flora local |
31 (50,0) |
Falta de práticas sobre a teoria |
7 (11,3) |
Falta de ilustrações adequadas |
4 (6,5) |
Falta de Literaturas Específicas |
3 (4,8) |
Além das questões da taxonomia e do reconhecimento das espécies da flora local, as aulas práticas, assim como a escassez de literatura específica também foram citadas, em virtude da ausência de novas publicações relacionadas à taxonomia botânica nos últimos anos.
Entre os graduados, nove indivíduos (60%) apontaram a taxonomia como a principal dificuldade na Botânica, dois indicaram o reconhecimento das espécies da flora local e outros dois a falta de práticas relacionadas com a temática.
As principais dificuldades em relação à taxonomia apresentadas por estudantes e graduados foram, respectivamente, a identificação das plantas (48,4% e 13,3%), os nomes científicos (24,2% e 33,3%), as chaves dicotômicas (6,5% e 33,3%) e a literatura específica (4,8% e 6,7%).
Segundo Putzke (2006) a utilização das chaves dicotômicas para classificar as plantas geralmente é considerada difícil por parte dos estudantes, pois requer a compreensão de termos específicos empregados na Botânica, sendo que o educando nem sempre possui o domínio necessário dos mesmos.
Partindo do pressuposto de que a aprendizagem se torna relevante ao educando quando fornece subsídios embasados em conceitos observáveis in loco, cabe ao professor utilizar as ferramentas necessárias para concretizar a interação entre a teoria e os exemplares da flora local, contribuindo para a compreensão de conhecimentos muitas vezes não citados expressamente na literatura (PUTZKE, 2006). Neste contexto, os trabalhos em campo podem contribuir significativamente para minimizar as dificuldades com a taxonomia que os estudantes possuem.
Nos trabalhos em campo realizados neste estudo foi observada a presença de grande preocupação por parte dos estudantes na identificação das espécies, tanto pelo nome científico, quanto pelo popular. Neste processo, eles recorriam frequentemente à visualização do material estudado e buscavam conhecer as estruturas e as suas respectivas funções no organismo das plantas, e a observação dos vegetais no seu ambiente foi altamente facilitadora para a aprendizagem, como afirmou um aluno: “para ser um bom biólogo é necessário ir a campo e reconhecer espécies vegetais”.
Ao serem questionados em relação à utilização dos conhecimentos prévios que já possuíam para a realização das atividades em campo, os estudantes mencionaram as questões apresentadas da Tabela 2.
Tabela 2 – Utilização dos conhecimentos prévios no TC segundo os alunos
Conhecimentos prévios |
N (%) |
Interações com outros temas |
14 (22,6) |
Nomes populares |
13 (21,0) |
Relação com outras plantas similares |
4 (6,5) |
Relação teoria e prática |
3 (4,8) |
Conteúdos do Ensino Médio |
1 (1,6) |
Propriedades medicinais |
1 (1,6) |
Bibliografias |
1 (1,6) |
Em que pese o maciço percentual de estudantes que não especificaram temas, pode ser verificado que os aspectos mais mencionados foram: a interação com temáticas estudadas em outras disciplinas e os nomes populares das plantas.
Um dos alunos justificou que “o nome popular da planta facilita na interação e na aquisição dos novos conhecimentos assimilados”, outro afirmou que utilizava “a forma, o desenvolvimento e o habitat das plantas”, alegando que a comparação das espécies de plantas já conhecidas com aquelas observadas no trabalho em campo foi fundamental no processo.
Apenas uma aluna mencionou as leituras prévias como importantes neste processo: “sempre leio algo sobre o assunto do trabalho em campo a ser desenvolvido, assim me sinto mais preparada”, indicando a necessidade de uma discussão mais aprofundada sobre a relação entre teoria e prática nos trabalhos em campo.
Em relação aos graduados, os nomes populares, a relação da teoria com a prática e a relação com outras plantas similares:
- “Geralmente relaciono o que o aluno deverá aprender com algo ou conteúdos que ele já conhece”;
- “sempre conduzo o aluno pelos conteúdos já conhecidos por ele, para daí introduzir conteúdos novos”;
- “utilizo meus conhecimentos do cotidiano para facilitar a compreensão e a construção de novos conhecimentos”.
- “sempre relaciono com alguma planta que já utilizaram ou conhecem suas propriedades medicinais”.
Segundo Ausubel (1978), a função do organizador prévio é a de servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que ele deve saber, a fim de que o material possa ser aprendido de forma significativa, ou seja, os organizadores prévios são úteis para facilitar a aprendizagem na medida em que funcionam como “pontes cognitivas”.
A utilização dos conhecimentos prévios sobre plantas auxilia o educando na assimilação de novos conhecimentos de Botânica. Foi observado que os alunos utilizavam as plantas de seu cotidiano como referência para buscar novas informações. O simples fato de usarem nomes populares para identificar e descrever espécies novas permitiu que os mesmos realizassem uma conexão entre aquilo que já conheciam com as novas informações com as quais estavam trabalhando, algo frequentemente observado durante o acompanhamento das atividades em campo.
Para Hoernig (2003) no momento em que uma nova experiência é adquirida e o novo conhecimento é relacionado a aspectos já compreendidos pelo indivíduo, estes conceitos tornam-se elaborados ou modificados e, por esta razão, podem ser relacionados a um conjunto de novas informações em uma aprendizagem subseqüente. Dentro desta perspectiva, depreende-se que o conhecimento acadêmico complexo envolvido na identificação de plantas e nas funções ou fenômenos fisiológicos estudados pode ser ancorado aos conhecimentos prévios dos alunos desenvolvidos durante a sua vida, conforme preconizado no âmbito da aprendizagem significativa.
Por esta razão, a articulação entre as práticas pedagógicas desenvolvidas nas aulas teóricas e no trabalho em campo deve ser realizada mediante o acompanhamento dos estudantes por parte do professor, verificando as suas dúvidas e suas potencialidades.
O trabalho em campo e os novos conhecimentos
Quando perguntados: “o trabalho em campo propicia a você novos conhecimentos de Botânica de maneira mais eficaz e significativa?”, todos os participantes responderam afirmativamente, justificando as suas respostas com os seguintes comentários:
- “a visualização da planta no seu respectivo habitat”;
- “vivenciar fenômenos e fatos que só são possíveis em campo”.
Os resultados categorizados estão demonstrados na Tabela 4. Ressalta-se que havia a possibilidade de indicar mais de uma resposta.
Tabela 4 – Principais temas relacionados aos conhecimentos construídos com o TC segundo os alunos
Temas |
N (%) |
Vivência da teoria na prática |
27 (43,5) |
O contato direto com os vegetais na natureza |
14 (22,6) |
Formas adequadas de coleta |
13 (21,0) |
Visualização das plantas no ambiente natural |
5 (8,1) |
Permite conhecimento de espécies vegetais de sua região. |
5 (8,1) |
É possível perceber que a vivência da teoria na prática (43,5%) e o contato direto com as plantas na natureza (22,6%) foram os aspectos mais mencionados. Segundo um aluno “a vivência do aluno com o ambiente natural é um incentivo no interesse e na aprendizagem dos conteúdos, pois há o contato com as plantas”.
Um aspecto interessante consiste na citação relacionada aos métodos de coleta (21%), ressaltando que a questão procedimental é importante para os estudantes, junto aos aspectos conceituais e atitudinais.
Em relação aos formados, 40% deles indicaram que a observação das espécies no ambiente facilita a identificação e o conhecimento de características, ou seja, “fica mais fácil assimilar os conteúdos teóricos que servem como estratégia no processo de ensino-aprendizagem, despertando maior interesse, pois permite a observação direta do [...] conteúdo a ser estudado”. Os outros 60% dos professores apontaram que a associação da teoria com a prática torna o aprendizado mais relevante.
Segundo Isaías (2003) tornar o dia a dia da sala de aula em um espaço prazeroso de descobertas é ir além dos aspectos formais do ensino, é levar a sala de aula para o espaço aberto e interagir com o objeto de estudo.
A Tabela 5 apresenta as justificativas dos alunos em relação às contribuições do trabalho em campo para a sua formação.
Tabela 5 – Principais contribuições do TC na formação profissional segundo os alunos
Trabalho em campo e a formação profissional |
Alunos (n) |
Conhecimento para preservação ambiental |
28 (45,2) |
Integração da teoria com a prática |
26 (41,9) |
Aprendizagem significativa |
25 (40,3) |
Formação em Biologia |
10 (16,1) |
Identificação dos vegetais |
10 (16,1) |
A predominância da preservação ambiental, da integração da teoria com a prática e da aprendizagem significativa corroboram os resultados anteriores. Segundo os alunos, o Trabalho em Campo contribuiu muito na aprendizagem dos conteúdos e facilitou, conforme mencionado pelos mesmos, “uma melhor compreensão e interpretação da teoria e dos fenômenos, pois, com a visualização direta das plantas conseguimos relacionar teoria com a prática”, “o trabalho em campo integra e sistematiza nosso conhecimento”. Uma parcela menor dos estudantes, entretanto, preferiu citar a questão da identificação dos vegetais, assim como um percentual igual optou por aludir às questões de formação sem especificar as suas respostas.
Com relação aos graduados, foram citadas a formação em Biologia (86,7%), a integração entre teoria e prática (66,7%), a aprendizagem significativa (66,7%), a identificação de vegetais (53,3%) e os conhecimentos para a preservação ambiental (40%). Um dos professores afirmou que: “com os trabalhos em campo que realizei durante minha formação, aprendi nomes de plantas que identifico até hoje,..., o trabalho em campo efetiva a aprendizagem, me proporcionou mais confiabilidade no ensino de vegetais, ao conhecê-los em saídas de campo”.
Considerando as peculiaridades envolvidas no ensino de Botânica, bem como as interfaces que o mesmo possui com as outras áreas do conhecimento, torna-se importante que os estudantes saibam empregar o que aprendem no ambiente e onde irão atuar, seja na área da pesquisa ou docência.
Para Dourado (2001), a importância que o trabalho em campo tem assumido na Educação em Ciências faz com que o mesmo seja considerado como um recurso de inegável valor e de fundamental importância quando se pretende que os alunos estabeleçam a relação daquilo que aprendem no contexto da sala de aula com o seu entorno.
O trabalho em campo e suas contribuições para Educação Ambiental
Nas atividades vivenciadas a campo pelos alunos neste trabalho, foi solicitado que respondessem a respeito das contribuições do trabalho em campo para a Educação Ambiental. Os resultados estão apresentados na Tabela 6.
Tabela 6 : Contribuições do TC para a Educação Ambiental segundo os alunos
Trabalho de campo e a E A |
Alunos (n) |
% |
Vivência do TC e conhecimentos ambientais |
23 |
37,1 |
Conhecimentos de parques e reservas naturais |
10 |
16,1 |
E.A com trilhas ecológicas |
8 |
12,9 |
Constatação dos impactos ambientais |
7 |
11,3 |
Resgate da cultura vegetal da região |
2 |
3,2 |
Técnicas e manejos adequados ao ambiente |
1 |
1,6 |
Houve uma tendência em apresentar respostas diversificadas, incluindo basicamente a questão de ampliar o conhecimento em relação às questões conceituais, com menções também a aspectos relacionados com a metodologia, incluindo as trilhas ecológicas e a possibilidade de constatar os impactos ambientais no próprio ambiente.
Inclusive, as observações realizadas durante as atividades corroboram estes resultados, já que no decorrer da atividade os estudantes passaram a observar as espécies com maior atenção após conhecê-la e compreenderem a sua importância, proporcionando a construção de uma postura mais positiva em relação ao entorno.
Discorre Putzke (2006) que o a proteção do ambiente só ocorrerá de fato quando for conhecida a sua organização, de maneira que cada um possa se encaixar nesse meio. Enfatizamos aqui o fato de que o conhecimento científico da flora da região, cidade, município ou estado, favorecerá a valorização do ambiente em que o indivíduo habita e o instrumentalizará a respeito da importância das espécies nativas e exóticas, da distribuição geográfica e das espécies ameaçadas de extinção.
Entre os graduados o TC foi apontado como uma forma de sensibilização na constatação dos impactos ambientais (87%). Da mesma forma, uma parcela dos professores (53,3%) indicou que a vivência prática contribui para que as pessoas colaborem com o ambiente: “sempre aprendemos com a prática como beneficiar o meio ambiente e comparar a qualidade de vida em ambientes preservados com os ambientes poluídos”. Neste âmbito, discorre Isaías (2003) que devemos ressaltar a necessidade de conhecer a flora tropical para que possamos criar políticas efetivas de preservação.
Para Putzke (2006) as saídas de campo são uma ótima oportunidade para conhecer o ambiente, desenvolver o espírito de equipe, a observação e, em especial, por proporcionar que o professor experimente na prática aquilo que ensina aos alunos. Segundo Hoernig (2003) uma Educação Ambiental efetiva, com práticas e questionamentos, poderá levar as pessoas à conscientização da relação entre a qualidade de vida e a degradação do ambiente.
O TC se constitui em relevante oportunidade de construir representações relativas à Educação Ambiental e desenvolvê-las no sentido de ser um cidadão atuante nas ações ambientais da sociedade no qual está inserido. Conforme Kemmis (1988) apud Sato e Carvalho (2005), a educação é um terreno prático, socialmente construído, historicamente formado, e seus problemas não são separáveis ou reduzíveis a problemas de aplicação de saberes especializados desenvolvidos nas disciplinas “puras”.
Aulas teóricas e Trabalho em Campo
Uma das questões formuladas aos estudantes foi relacionada ao melhor momento de inserção das atividades de campo em relação às aulas teóricas, e os resultados indicaram que 80,6% foram favoráveis à realização das práticas de campo após as aulas teóricas, já que, segundo um dos alunos:
- “é necessário ter um embasamento teórico, senão não tem como acompanhar todo o processo dos conteúdos abordados”.
Apenas 9,7% dos alunos afirmou o contrário, considerando que o estudante deve ir a campo antes e aprofundá-lo posteriormente à luz do direcionamento realizado nas práticas em campo. Os 4,8% restantes apontaram a relevância da realização concomitante das atividades teóricas e práticas, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais eficaz.
Estes resultados são diferentes dos obtidos por Gois (2006) no qual os estudantes indicaram que a abordagem prática de Botânica deveria ser realizada antes da teórica. Segundo o autor, o mais importante não é apenas colocar as aulas práticas antes das aulas teóricas, mas assegurar que haja uma articulação entre teoria e prática.
Entre os formados que responderam a questão, 33,3% afirmou que a prática deve ser realizada antes da teoria por facilitar a realização de associações entre o vivenciado no trabalho em campo e o estudado nas aulas teóricas. Em contrapartida, 53,3% dos respondentes consideraram que o TC deveria ser realizado após a teoria, pois “aulas teóricas servem de base para despertar o interesse na prática”, “o aluno vai a campo sabendo a teoria, e assim, coloca em prática seus conhecimentos, mostrando seu aprendizado e as suas dificuldades”. Os 13,3% restantes responderam que depende da proposta do professor, sendo sempre essencial a relação entre a teoria e a prática.
Discorre Guimarães (2000) que uma relação consciente do equilíbrio dinâmico da natureza possibilita, por meio de novos conhecimentos, valores e atitudes, a inserção do educando e do educador nas grandes questões relacionadas com o quadro ambiental do planeta.
Por esta razão, os trabalhos em campo na área da Botânica são essenciais e determinantes para o estudante em relação aos seguintes aspectos: o conhecimento da biodiversidade da nossa flora; questões relacionadas com o equilíbrio entre as espécies em ambientes naturais e preservados; a constatação dos possíveis fatores positivos ou negativos que influenciam a sobrevivência de determinadas espécies.
Considerando as peculiaridades envolvidas no ensino da Botânica, bem como as interfaces que o mesmo possui com outras áreas do conhecimento, incluindo a Educação Ambiental, torna-se muito importante desenvolver práticas pedagógicas que articulem o que é aprendido nas disciplinas com o que vivenciam no ambiente onde atuam, seja na pesquisa ou na docência. No presente estudo, foi verificado que as principais dificuldades encontradas no estudo de Botânica estavam centradas no âmbito da taxonomia e da identificação das plantas, principalmente pelos problemas encontrados na correspondência entre as descrições encontradas na literatura e as plantas encontradas no ambiente.
Os estudantes relacionaram aquilo que foi estudado nos trabalhos em campo com os conhecimentos prévios, tais como os nomes populares das plantas, assim como com temáticas trabalhadas em outras disciplinas.
Outro aspecto importante foi a possibilidade de verificar as plantas no ambiente natural, proporcionando um conhecimento mais amplo das relações entre estas e os fatores bióticos e abióticos que com ela se relacionam. Nesta perspectiva, a busca por estratégias que possam aprimorar o processo de ensino e aprendizagem na Botânica está diretamente associada com as questões de planejamento por parte do professor. Nesse sentido, o trabalho em campo proporciona uma relevante articulação dos domínios conceituais com as suas aplicações no âmbito do cotidiano, contribuindo efetivamente para a aprendizagem.
A realização de trabalho em campo representa uma possibilidade relevante no sentido de realizar uma aprendizagem significativa, justamente por minimizar as dificuldades encontradas pelos estudantes na articulação dos aspectos teóricos e práticos, mas também pelo fato de contribuir para o processo de Educação Ambiental.
No trabalho em campo o aluno tem contato direto com as plantas e os ecossistemas onde estão inseridos, de acordo com os fatores abióticos do mesmo, sendo necessária uma abordagem crítica na aula em campo pelo professor em relação ao possível impacto ambiental gerado sobre as espécies.
Mais do que apenas um processo de âmbito cognitivo, o desenvolvimento de atitudes decorrentes deste processo insere a questão nos amplos domínios da educação na construção de uma sociedade mais voltada para a preservação do ambiente e para uma convivência harmoniosa do ser humano com o local em que vive, e com as espécies que coabitam com ele.
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