Título: Construindo uma educação ambiental a partir dos temas geradores

Autor: Camila Ribeiro Evangelista

Instituição: Centro Universitário Barão de Mauá

e-mail: mila.ead@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Construindo uma Educação Ambiental Crítica a partir dos Temas Geradores

EVANGELISTA, Camila Ribeiro*

RESUMO

O presente artigo apresenta a proposta de trabalhar temas ambientais a partir da metodologia dos Temas Geradores, desenvolvida pelo educador Paulo Freire. Tal teoria defende a importância de se conhecer a realidade vivida e concreta, conscientizando o educando a contextualizar o problema em questão, identificando-o desde sua origem até sua relação no âmbito político, social e cultural, eliminando assim a maneira abstrata com que são tratadas as questões relacionadas ao meio ambiente. Para a elaboração do artigo foi utilizado como metodologia à pesquisa bibliográfica, por apresentar grandes obras fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Observou-se que a problematização apresentada em sua totalidade e, posteriormente, em partes, facilita a interpretação de sua abrangência e que a promoção da consciência ecológica não é suficiente para a construção de uma educação ambiental crítica. A partir da compreensão e estímulo, os educandos são convidados a participarem da resolução dos problemas ambientais locais de maneira coletiva, incorporando atitudes éticas e de justiça social.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Temas Geradores. Conscientização.


INTRODUÇÃO

Educar para o ambiente é um processo permanente. A natureza vive em constante estado de transformação e o ser humano vem sendo o principal agente dessa mudança. Para Pelicioni (2014) a Ecologia, desde seu surgimento, só tem se ocupado do equilíbrio entre os ecossistemas, do meio ambiente natural e do estudo das relações entre os seres vivos e não vivos, sem estabelecer relação entre estes e o sistema socioeconômico. Embora reconhecesse os resultados da ação antrópica, havia a preocupação com os efeitos, mas não com os fatores que os causavam, nem com a identificação de estratégias para mudança, prevalecendo assim uma visão reducionista sobre a questão.

A partir de meados do século XX surgem os primeiros fenômenos provenientes da emissão de poluentes e consumo descontrolado dos recursos naturais, a consciência ecológica vem aumentando, ganhando apoio, gerando políticas públicas e leis ambientais. Na década de 70, tornou-se evidente que a educação ambiental é essencial para alterar o quadro de destruição em todo o planeta, contudo, é antiquado dizer que os impactos ambientais resultam exclusivamente da explosão demográfica ou crescimento econômico e urbano, sem analisar o contexto histórico e social que integram esses fatores.

 

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

 

A educação ambiental é constituída de valores e princípios que a responsabilizam pela transformação da educação como um todo, em busca de uma sociedade sustentável. Nesse contexto é que se defende que sua aplicação não pode ser reduzida a uma simples visão ecologista, naturalista ou conservadora sem perder legitimidade social, por uma simples questão ética, e sem perder sua coerência, pois a resolução dos problemas socioambientais se encontra no campo político e social (LUZZI, 2014), a habilidade de compreender a sistematização desses fatores e reconhecer-se como protagonista dessa realidade, é primordial para o desenvolvimento de atividades no âmbito educacional.

A transmissão de conhecimento que não incorpora a dimensão ambiental no seu conteúdo isola educadores e educandos dos seus problemas concretos, desunindo-os da responsabilidade e do respeito na relação entre homem-natureza, distanciando-os cada vez mais do seu meio e da realidade que o cerca. A disseminação de informações sem a efetiva discussão e participação do educando cria a condição de incapacidade sobre o agir de maneira concreta, prejudicando a construção de uma sociedade sustentável.

A proposta de construir uma educação ambiental crítica e transformadora surgiu a partir da Conferência Intergovernamental sobre a Educação Ambiental, realizada em Tbilisi (Geórgia, ex-USS), em 1977, no qual foi evidenciada a necessidade da abordagem interdisciplinar para o conhecimento, a compreensão das questões ambientais por parte da sociedade como um todo e recomendou-se o estudo e aprofundamento sobre os temas ambientais locais. A declaração define como função da educação ambiental criar uma consciência e compreensão dos problemas ambientais e estimular a formação de comportamentos positivos. Para Layargues (1999, p.134) participação, engajamento, mobilização, emancipação e democratização são as palavras-chave. Ressaltando que, participar não significa apenas “o quanto” se toma parte, mas “como” se toma parte em uma intervenção consciente, crítica e reflexiva baseada nas decisões de cada um sobre situações que não só lhes dizem respeito como também dizem respeito à comunidade em que está inserido. (CASTRO; CANHEDO JR., 2014, p.467)

A educação ambiental deve, portanto, capacitar os indivíduos ao pleno exercício da cidadania, possibilitando a formação de uma base conceitual suficientemente diversificada técnica e culturalmente, de modo a permitir que sejam superados os obstáculos à utilização sustentável do meio [...] nos níveis formais e informais tem procurado desempenhar esse difícil papel, resgatando valores como o respeito à vida e à natureza, entre outros, de forma a tornar a sociedade mais justa e feliz. (PELICIONI, 2000, P.19)

Relacionando educação e crise ambiental, assuntos discutidos e vivenciados em todo o mundo, conclui-se que os impactos causados não deixam de ser reflexos de um sistema educacional tradicional e insustentável, assim como as demais organizações sociais.

O artigo 225 da Constituição Federal, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). Portando, educar para o ambiente, nada mais é do que apoderar-se dos direitos como também das responsabilidades sobre ele.

A Política Nacional de Educação Ambiental coloca a prática da Educação Ambiental como um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo.

Castro e Canhedo (2014) consideram que em razão da complexidade da questão ambiental, surge a necessidade de que os processos educativos possibilitem a aquisição de conhecimentos e habilidades, bem como a formação de atitudes que se transformem em práticas de cidadania que garantam uma sociedade sustentável.

Outro aspecto importante está associado à visão de mundo que impregna o paradigma hegemônico de valores contrários aos princípios ecológicos. Transmitir informações na perspectiva do “conhecer para preservar” é absolutamente insuficiente para promover uma educação que pretenda ser crítica e transformadora da realidade (BRÜGGER, 1994; LAYRARGUES, 1999). Portanto, o problema ambiental não possui sua origem simplesmente na falta de educação, mas também nos princípios e valores políticos e econômicos expressos pelos representantes governamentais da sociedade, que nos dias de hoje se interessam apenas em potencializar a área comercial e industrial. Poucas são as medidas adotadas visando à preservação e defesa do meio ambiente.

Os fundamentos expressos nesse artigo valorizam a integração do educando com os elementos da natureza, os processos de aprendizagem e de solução dos problemas ambientais, os materiais de ensino e os conteúdos e métodos interdisciplinares; a interdisciplinaridade surge como uma prática pedagógica que adota como base as ciências naturais e sociais. (TOZONI-REIS, 2012)

De acordo com Pelicioni (2014), o verdadeiro sentido da educação ambiental enquanto processo político, principalmente por autores recém-chegados à área, ainda apresentam, equivocadamente, a consciência ambiental como objetivo único ou principal da educação ambiental. Para que a educação ambiental crítica se efetive, é preciso que conhecimento e habilidades sejam incorporados e, principalmente, atitudes sejam formadas a partir de valores éticos e de justiça social, pois são essas atitudes que predispõe à ação. Trabalhar a temática ambiental, mesmo que em dimensões reduzidas, implica em rever a rede intricada das relações que a criaram, partindo da realidade local para, em seguida, tratar das questões ambientais mais amplas.

Observando a práxis pedagógica, Guimarães (2000) conclui que, como dimensão educativa de ação política, constituir-se-á como uma ação criativa sobre as relações de dominação vigentes nesse modelo de sociedade, produtora da miséria social e, em um maior espectro, da miséria ambiental responsável pela crise ecológica planetária da atualidade.

A educação ambiental utiliza fundamentos da Ecologia e de diferentes áreas, mas tem como base a educação e a Pedagogia na identificação dos métodos de trabalho. No entanto, para superar a maneira abstrata com que são tratadas as questões relacionadas ao meio ambiente, os temas ambientais devem ser tratados como geradores de reflexões mais abrangentes para a formação crítica e transformadora dos sujeitos. Paulo Freire apresenta com propriedade os subsídios teóricos e metodológicos para trabalhar com essa metodologia.

 

A VIDA DE PAULO FREIRE

Paulo Reglus Neves Freire, conhecido no Brasil e no exterior apenas como Paulo Freire, nasceu em Recife, Pernambuco, em 19 de setembro de 1921 e morreu em São Paulo, no dia 02 de maio de 1997. Sobre sua alfabetização, o autor descreve que suas primeiras palavras foram escritas no quintal de sua casa, à sombra das mangueiras, com palavras do seu mundo, não do mundo dos pais. O chão foi seu quadro-negro e o graveto seu giz. (FREIRE, 1985)

Aos 10 anos de idade foi morar nas vizinhanças da capital pernambucana, em Jaboatão, foi lá que aprendeu a tomar para si, com paixão, os estudos das sintaxes popular e erudita da língua portuguesa. Aos 22 anos de idade ingressou na secular Faculdade de Direito do Recife, fez essa opção por ser a que se oferecia dentro da área de ciências humanas. Na época não havia em Pernambuco curso superior de formação de educador. (GADOTTI, 1966)

A primeira experiência de Paulo Freire como docente ocorreu no mesmo estabelecimento em que havia estudado (Colégio Oswaldo Cruz), foi diretor do setor de Educação e Cultura do SESI e, a partir do contato com a educação de adultos, observou o quanto eles e toda sociedade precisavam enfrentar a questão da educação. A convivência com outros educadores preocupados com as condições sociais da população brasileira foi o que motivou o educador a produzir importantes reflexões educativas e propostas pedagógicas comprometidas com a formação crítica e transformação social, que são estudadas até hoje e aplicadas na pedagogia atual.

Ao lado de outros educadores, sob a liderança de Raquel de Castro, fundou nos anos 50 o Instituto Capibaribe. Instituição de ensino privado conhecida até hoje em Recife pelo seu alto nível de ensino e formação científica, ética e moral voltada para a consciência democrática. (GADOTTI, 1996, p.33)

Nas palavras de Ana Maria Araújo Freire (2001), viúva de Paulo Freire, foi como autor do Relatório da Comissão Regional de Pernambuco, intitulado A Educação de Adultos e as Populações Marginais: O Problema dos Mocambos, apresentado no II Congresso Nacional de Educação de Adultos em julho de 1958, no Rio de Janeiro, “que Paulo Freire firmou-se como educador progressista”. Surge assim a ideia de uma educação totalmente renovadora, e a proposta de que a educação de adultos na região pesquisada teria de se fundamentar na consciência da realidade vivida pelos alfabetizandos, nunca limitando-se apenas ao conhecer de letras, palavras e frases.

Freire defendia a educação social, a necessidade de o aluno se conhecer, mas também conhecer sua realidade e os problemas sociais que o cercam. Ele não enxergava a educação apenas como meio para adquirir títulos acadêmicos de escolarização ou para a carreira profissional. Falava da necessidade de se estimular o povo a participar do seu processo de emersão na vida pública engajando-se no todo social. (GADOTTI, 1996)

Sua pedagogia continha a percepção clara da cotidianidade discriminatória da nossa sociedade até então preponderantemente patriarcal e elitista. Apontava soluções de superação das condições vigentes, avançadas para a época, dentro de uma concepção mais ampla e mais progressista: a da educação como ato político. Tudo isso era novo no Brasil que ainda reproduzia, impiedosa e secularmente, a interdição dos corpos dos desvalorizados socialmente, que, assim, viviam proibidos de ser, ter, saber, poder. Esta natureza política da educação, antes mesmo que sua especificidade pedagógica, técnica e didática, tem sido o cerne da preocupação freireana tanto em suas reflexões teóricas quando na sua práxis educativa. (GADOTTI, 1996, p.36-37)

Paulo Freire desenvolveu um trabalho que, mais do que um método que alfabetiza, é uma ampla e profunda compreensão da educação que tem como centro de suas preocupações a natureza política. O sentido de revolução ocorre, pois encerra uma situação submissa e inicia uma reinvenção onde não haja a exploração, exclusão ou a interdição da leitura do mundo aos segmentos desprivilegiados da sociedade. A repercussão de todo esse processo causou inquietação por parte das classes dominantes, que se sentiram ameaçadas e se declararam contra o Programa Nacional de Alfabetização, que seria implantado pelo educador. (GADOTTI, 1996)

Devido a várias ameaças, Paulo Freire partiu para Bolívia, sob a guarda e proteção do embaixador do país. Viveu em asilo político no Chile de novembro de 1964 a abril de 1969. Em nenhum momento deixou de desenvolver seus trabalhos e projetos, tanto que de abril de 1969 a fevereiro de 1970 morou em Cambridge, Massachusetts, onde lecionou sobre suas próprias reflexões na Universidade de Harvard.

Durante 10 anos, de fevereiro de 1970 a junho de 1980, Paulo Freire viveu em Genebra. Retornou ao Brasil sob clima de anistia política, aceitou ser professor na PUC-SP e posteriormente da Unicamp. De 1989 a maio de 1991, Freire ocupou o cargo de Secretário da Educação da Cidade de São Paulo, na gestão da Prefeita Luiza Erundina. Suas ideias foram tão entusiasmantes para o campo da educação ambiental, que em 1992 ele foi convidado a representar o ramo na Eco-92, sendo referência na elaboração do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis. (GADOTTI, 1996)

 

A EDUCAÇÃO SEGUNDO PAULO FREIRE

 

A pedagogia freireana se insere no conjunto de propostas pedagógicas conhecidas como progressistas, que surgiram em oposição à pedagogia liberal, tendo como seu principal objetivo os interesses da maioria da população, analisando de maneira crítica a sociedade capitalista. (BESSA, 2008)

            O modelo educacional adotado por Paulo Freire se insere no conjunto de práticas relacionadas com a pedagogia libertadora, uma vez que questiona a realidade das relações do homem com a natureza e com os homens, visando a uma transformação. Por isso, ela é chamada de educação crítica. Trabalha-se com temas geradores centrados na realidade social, na qual o importante não é a transmissão dos conteúdos específicos e sim despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida, tendo em vista a ação coletiva diante de problemas e realidades do meio socioeconômico e cultural da comunidade local. O conhecimento é transmitido pelo diálogo, pois este engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer: educador-educando e educando-educador. (BESSA, 2008, p.112)

            Na concepção de Freire, a sociedade – assim como o meio ambiente – é direito de todos e todos têm direito de exercer a plena cidadania, entendendo ainda que isso só se dará na medida em que todos os indivíduos sejam alfabetizados dentro do conceito de alfabetização cultural, cujo significado é aprender a escrever a sua vida como autor e como testemunho de sua história (FREIRE, 1987). Para ele, alfabetizar é conscientizar por meio de palavras que surgem do próprio universo vocalubar. Segundo seu método, devemos, primeiramente, instigar o universo das palavras faladas no meio cultural do alfabetizando. Desse modo, o mesmo decodifica os símbolos e comportamentos, que passam a ser expressos na forma escrita, construindo ativamente a sua cultura. (BESSA, 2008)

            Para a pedagogia progressista, a educação não é neutra e os problemas educacionais são os reflexos do contexto social no qual o indivíduo está inserido. Da mesma forma, ocorre essa reflexão nas questões relacionadas aos temas ambientais.

           

A METODOLOGIA DO TEMA GERADOR

Os temas geradores são no método Paulo Freire, o eixo da proposta metodológica. O método é o próprio pensamento de Paulo Freire, é o conjunto de fundamentos político-filosóficos presentes na sua teoria do conhecimento, conhecimento e ação no mundo, a Educação libertadora (TOZONI-REIS, 2012. p.52).

Assim, Bessa (2008) explica que a investigação das temáticas geradoras ocorre a partir da “eleição” pelo grupo de educandos dos temas que mais os afetam, buscando representar de diversas formas seu modo de vida. Desse modo, as temáticas geradoras são responsáveis pelo surgimento de um ambiente de alfabetização organizado em torno do diálogo, ou melhor, de uma proposta dialógica.

De acordo com Freire (1987), a questão fundamental para a investigação do tema gerador está em que, faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em questão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. Isto é, lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as suas parcialidades, através dessa divisão, voltariam com mais claridade à totalidade analisada. Ainda para o autor, a base da pedagogia é o diálogo, sendo que a relação pedagógica necessita ser uma relação dialógica. Tal asserção está presente no método em situações distintas: entre o educador e educando, entre educando e educador e o objeto de estudo, entre a natureza e a cultura.

Em seguida à investigação, ocorre a problematização do tema proposto. É nesse momento que, por meio do diálogo, o conhecimento será construído e compreendido, por isso é considerado o ponto central desse processo educativo.

            Paulo Freire define como processo de conscientização o aprofundamento no conhecimento da realidade vivida e concreta. Os educandos têm a possibilidade de elucidar no conhecimento de sua própria realidade. Para o autor, a educação libertadora é a alternativa política à educação tradicional, classificada por ele como educação bancária, a qual o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele. Na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo que jamais é “depositado”, se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus “temas geradores” (FREIRE, 1987).

A palavra tijolo, por exemplo, se inseriria numa representação pictórica, a de um grupo de pedreiros, por exemplo, construindo uma casa. Mas, antes da devolução, em forma escrita, da palavra oral dos grupos populares, a eles, para o processo de sua apreensão e não de sua memorização mecânica, costumávamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto de situações codificadas de cuja decodificação ou “leitura” resultava a percepção crítica do que é cultura, pela compreensão da prática do trabalho humano, transformador do mundo. No fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura” da “leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra (FREIRE, 1985, p. 23).

            Sendo assim, de acordo com Tozoni-Reis (2012), não é qualquer palavra que se torna um termo problematizador, pois nesse caso a problematização não é uma tarefa de prática intelectual isenta de significado político. Para o método, a palavra problematizadora não é um exercício de linguagem, mas uma discussão conscientizadora da realidade vivida, da condição oprimida das sociedades desiguais. A aprendizagem tem como princípio e fim a problematização das situações reais por meio do diálogo para o entendimento e compreensão das situações-problema.

            A autora (Tozoni-Reis, 2012) também destaca que o tema gerador é o ponto de partida para o processo de construção da descoberta. Por surgir do saber popular, os temas geradores são extraídos da vivência dos educandos, substituindo os conteúdos tradicionais. Afirma também, que o caráter político da pedagogia de Paulo Freire se faz presente, de forma radical, nos temas geradores, ou seja, um tema só é gerador da práxis se estiver contextualizado no caráter social e político, atribuindo de maneira concreta, um significado para a vida dos educandos.

           

CONCLUSÃO

A metodologia desenvolvida por Paulo Freire atende a todos os princípios e objetivos da Educação Ambiental. É com base nesses ensinamentos que os educadores ambientais devem agir, de forma consciente, ativa e cautelosa, buscando sempre melhorar sua atuação, levando o educando a valorizar e respeitar seu ambiente, compreendendo seu papel como agente transformador de sua realidade.

A aplicação dos temas ambientais como temas geradores, parte do pressuposto de que, nos dias de hoje, a discussão sobre os problemas ambientais está totalmente superficial. Todos sabem que a água está escassa, que a poluição gera a alteração climática e, consequentemente, catástrofes ambientais, que muitas espécies da fauna e da flora estão desaparecendo, enfim, diariamente são registrados tais acontecimentos em todo o mundo. Porém, não basta apenas economizar os recursos naturais, adotar medidas sustentáveis e combater aos crimes ambientais para a eliminação esses problemas. Trata-se de suprimir essa visão reducionista, pois entender o problema é muito mais importante do que solucioná-lo. Ver os fins, e não os meios, oculta todo o processo que derivou nos fins, e se o único fim visível é a degradação da natureza, omite-se as verdadeiras causas e seus respectivos responsáveis pelo desequilíbrio da relação da sociedade contemporânea com a natureza. (LAYRARGUES,1999, p.146)

Logo, construir uma educação ambiental crítica e transformadora implica em trabalhar a conscientização em todo o processo educacional. Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, Paulo Freire percebeu imediatamente a profundidade de seu significado e se convenceu de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade. A conscientização só existe a partir da práxis, ou seja, o ato ação-reflexão, constituindo assim uma unidade dialética: num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica, mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual está e procura. Essa tomada de consciência não é ainda a conscientização porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica. (FREIRE, 1980, p. 26)

Assim, a conscientização envolve a articulação de conhecimentos e valores, é um processo de ação concreta e reflexão histórica, visando à transformação das relações sociais. Ao agregar um tema ambiental a esse processo, levaremos o educando a compreender sua complexidade, baseando-se na realidade local, e não na percepção global do problema. O sujeito será instigado a participar da organização do seu ambiente de vida e cotidiano, desenvolvendo a habilidade da visão crítica e da responsabilidade social, fundamentais para a formação da cidadania. (LAYRARGUES, 1999)

É importante ressaltar que, para gerar a ação conscientizadora, os temas ambientais devem estar carregados de conteúdos socioambientais significativos para os educandos e sejam definidos de maneira coletiva e participativa. Layrargues (1999) exemplifica essa afirmação a partir de uma pesquisa realizada em São Paulo, no qual a proposta foi o plantio de espécies nativas em uma área degradada. A atividade não evoluiu, pois não ultrapassou discussões maiores do que a técnica realizada para o plantio. Conclui-se que a orientação de um problema como atividade-fim não trabalha a percepção de analisar de forma sistêmica sua causa e o seu efeito, gerando apenas uma resolução pontual. Logo, não há garantias de que tal problema não se repetirá. Por esse motivo, é importante também que o educador tenha domínio sobre os assuntos que serão tematizados.

A partir do diálogo sobre a palavra “lixo”, por exemplo, surgem inúmeras problematizações, como o consumismo, o desperdício, a reciclagem, a coleta seletiva, as enchentes, o saneamento básico, entre outros aspectos. Logo, o desenvolvimento das atividades pedagógicas sobre esses temas será construído a partir da realidade presenciada pelos educandos, relacionando o tema com as questões políticas e econômicas por eles vivenciadas.

Esse estudo foi pautado no princípio de que a transmissão de informações não é suficiente para promover uma educação crítica e transformadora da realidade, a conscientização deve ser trabalhada através da reflexão sobre as relações políticas, econômicas, sociais e culturais entre a comunidade e a natureza. A partir do diálogo entre o educador e seus educandos, é possível construir uma estratégia que seja a mais adequada para abordar à problemática que se quer, avançando além do limite de sua própria realidade, podendo assim melhor compreendê-la a fim de intervir criticamente nas causas ambientais.

            Conclui-se assim, que se trata de uma reformulação sobre a proposta da educação ambiental. Deve-se estar em pauta o estímulo de uma consciência ecológica que busque a indagação sobre as verdadeiras causas da degradação ambiental, e não apenas uma ligeira preocupação. Tais alterações não deixam de ser um desafio, considerando que a formação de agentes críticos e participativos em uma sociedade totalmente capitalista, não é aceita de maneira positiva pelos representantes governamentais que se posicionam contra toda essa transformação, pois constitui mudanças de padrões culturais e comportamentais em toda sociedade.

            A partir desse tratamento, será possível atender as orientações expressas pela UNESCO, na Conferência de Tbilisi: a característica mais importante da educação ambiental é, provavelmente, a que aponta para a resolução de problemas concretos. Trata-se de que os indivíduos, qualquer que seja o grupo da população a que pertençam e o nível em que se situem, percebam, claramente, os problemas que restringem o bem-estar individual e coletivo, elucidem as suas causas e determinem os modos de resolvê-los. Deste modo, os indivíduos estarão em condições de participar na definição coletiva de estratégias e atividades encaminhadas para eliminar os problemas que repercutem na qualidade do meio ambiente*. (UNESCO, 1980)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BESSA, V. H. Teorias da Aprendizagem. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRUGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994.

CASTROM M. L.; CANHEDO JR. S. G. Educação Ambiental como Instrumento de Participação. In: PELICIONI, M. C. F; PHILIPPI JR, A. (editores), Educação ambiental e sustentabilidade. 2. ed rev e atual.. Barueri, SP: Manole, 2014. (Coleção ambiental, v.14)

FREIRE, A. M. A. Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. São Paulo: Edunesp, 2001.

FREIRE, P. Conscientização. São Paulo: Moraes, 1980.

_____. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1985.

_____. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GADOTTI, M.; FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire/Unesco, 1996.

GUIMARÃES, M. Educação ambiental: no consenso um embate? Campinas: Papirus, 2000 (Coleção Papirus Educação).

LAYRARGUES, P. P. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema gerador ou a atividade-fim da educação ambiental? In: REIGOTA, M. (Org), Verde Cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

LUZZI, D. Educação Ambiental: Pedagogia, Política e Sociedade. In: PELICIONI, M. C. F; PHILIPPI JR, A. (editores), Educação ambiental e sustentabilidade. 2. ed rev e atual.. Barueri, SP: Manole, 2014. (Coleção ambiental, v.14)

PELICIONI, M. C. F. Educação em saúde e educação ambiental: estratégias de construção da escola promotora da saúde. São Paulo, 2000. Tese (Livre-docência). Faculdade de Saúde Pública da USP.

PELICIONI, M. C. F; PHILIPPI JR, A. Bases Políticas, Conceituais, Filosóficas e Ideológicas da Educação Ambiental. In: PELICIONI, M. C. F; PHILIPPI JR, A. (editores), Educação ambiental e sustentabilidade. 2. ed rev e atual.. Barueri, SP: Manole, 2014. (Coleção ambiental, v.14)

TOZONI-REIS, M. F. C. Metodologias aplicadas à educação ambiental. 2.ed. rev. Curitiba, PR: IESDE Brasil, 2012.

UNESCO. La educación ambiental: las grandes orientaciones de La Conferência de Tblisi. Paris: ONU. 1980.



* Graduada em Gestão Ambiental pela Universidade Braz Cubas, Especialização em Educação Ambiental pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Atua como tutora à distância do curso de Gestão Ambiental da Universidade Braz Cubas.

 

* Do original: “La característica más importante de La educación ambiental consiste probablemente en que apunta a la resolución de problemas concretos. Se trata de que los individuos, cualquiera que sea el grupo de la población al que pertenezcan y el nivel en que se sitúen, perciban claramente los problemas que coartan el bienestar individual o colectivo, diluciden sus causas y determinen los medios que pueden resolverlos. De este modo, los individuos estarán en condiciones de participar en la definición colectiva de estrategias y actividades encaminadas a zanjar los problemas que repercuten en la calidad del medio ambiente (UNESCO, 1980)”.