GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM FEIRAS LIVRES DO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS – NARRATIVAS DOS FEIRANTES E IMPRESSÕES IN LOCO
Andrea da Silva1; Claus Haetinger2
Centro Universitário UNIVATES -Rua Avelino Tallini, 171, Bairro Universitário, CEP 95900-000, Lajeado, RS, Brasil.
1Doutoranda em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES. Mestre em Engenharia de Produção pela UFSM.Bolsista Taxa PROSUP/CAPES.Email: silvandrea2005@yahoo.com.br
2Professor do Programa de Pós-Graduação Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES. Doutor em Matemática. Email:chaet@univates.br
RESUMO
Este trabalho visa apresentar como os feirantes do município de Santa Maria/RS estão gerenciando os resíduos sólidos, especificamente provindos da feira livre, como por exemplo, sobra de produtos não vendidos e sem condições de serem recolocados para venda no dia posterior. A pesquisa transcorreu no período de outubro/2015 a janeiro/2016, utilizando como técnica de coleta de dados: entrevistas semiestruturadas e observação não participante in loco. Os resultados obtidos por meio deste estudo apontaram que a maioria dos feirantes recolhem os alimentos não comercializados e os retornam a sua propriedade para servir de adubo orgânico, e uma pequena parcela preferem doar os alimentos aos vizinhos, aos pedintes de rua ou para uma entidade beneficente, demonstrando uma conscientização ambiental e social, como também o correto descarte de resíduos. No entanto, resíduos como plásticos, vidros e outros tipos, não há separação por parte dos feirantes, poissão recolhidos e colocados todos juntos em uma só embalagem (em sacos ou sacolas) e postos em contêineres de lixo.
PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos, educação ambiental, feiras livres, interdisciplinaridade.
INTRODUÇÃO
As feiras surgiram no Brasil por volta do Século XVII, de herança da colonização portuguesa, que tinham como finalidade suprir a necessidade de abastecimento alimentar e da comercialização do excedente produzido no campo (PINTO; MORAES, 2011, p. 2).
No Brasil, a feira livre se caracteriza por ser um mercado varejista ao ar livre, de periodicidade semanal, organizada como serviço de utilidade pública pela municipalidade e voltada para a distribuição local de gêneros alimentícios e produtos básicos (MASCARENHAS; DOLZANI, 2008, p. 75). Esse tipo de comércio representa uma boa iniciativa do ponto de vista do desenvolvimento local e regional, contribuindo com a diversificação e a melhoria na oferta de alimentos (SILVA et. al, 2014, p. 3211).
As feiras livres possuem uma representação socioeconômica própria, cheia de simbologias, tornando-as um local interessante para realização de estudos, pois lá é possível encontrar produtos diversificados fruto de um trabalho rural familiar, com produção/preparo de maneira mais tradicional/artesanal, dando a impressão e sentido diferenciado aosprodutos que são vendidos em outros eixos mercadológicos.
O município de Santa Maria situa-se na Região Central do Rio Grande do Sul e, segundo IBGE (2010) conta com uma população em torno de 261.031 habitantes, sendo que 248.347 vivem no meio urbano, e 12.684 no meio rural. Possui 41 bairros e 9 distritos. O município apresenta na maioria dos estabelecimentos agropecuários natureza familiar. Conforme o IBGE (2006), 1.798 estabelecimentos são considerados familiares e somente 541 não familiares. O que representa, de acordo com o censo agropecuário de 2006, que esses estabelecimentos familiares ocupam somente 37.031 hectares, enquanto que os não familiares possuem o controle de 109.594 hectares.
A decisão da escolha em fazer a pesquisa em Santa Maria/RS considerou também outros critérios: o município passou a ser palco de principais e maiores eventos do país, acerca da Agricultura Familiar, como a Feira da Biodiversidade e Feira de Agricultura Familiar, e Feira de Economia Solidária do Mercosul. Outra razão é da facilidade de acesso aos locais que possibilita ir ao encontro dos produtores rurais, que estão expondo seus produtos, reforçando, que nestes pontos de venda estão produtores não só de Santa Maria, mas também residentes de distritos e cidades circunvizinhas.
Estes dados demonstram a capacidade das feiras livres do município de congregar produtores locais, convergindo num mesmo propósito de comercializar seus produtos de gêneros alimentícios e também artesanato, que além de alimentos este passa a ser uma alternativa de ganho, apontando assim a existência da pluriatividade no setor.
A primeira regulamentação acerca do comércio e funcionamento das feiras livres e vendedores ambulantes autônomos do município ocorreu em 1979, com a Lei Municipal nº 2049/79. No ano de 2007, a Lei Municipal Complementar de nº 50, publicada em 11 de outubro, revigora a legislação anterior e regulamenta o comércio de hortifrutigranjeiros fixo, móvel e das feiras livres nas vias públicas do município de Santa Maria.
Atualmente, Santa Maria/RS possui de caráter permanente e semanal 09 feiras livres, distribuídas em 5 bairros, sendo que as maiores feiras são realizadas, uma no bairro Nossa Senhora de Fátima (com 21 bancas), uma no bairro Camobi (com 14 bancas) e a outra no bairro centro (com 12 bancas); as menores, 3 feiras (com apenas com 1 banca). Quanto ao horário de funcionamento das feiras, quase todas ocorrem no turno manhã, das 07h às 11h 30m, com exceção a de Camobi, que encerra as atividades por volta das 14 horas.
O estudo foi empreendido em todas as feiras livres do município, com objetivo de averiguar como os feirantes estão realizando a gestão dos resíduos sólidos provenientes da feira.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa quanto à sua naturezaé classificada como qualitativa, pois procura interpretar de fatos ou fenômenos, compreender situações, a partir das informações e dados coletados direto com os sujeitos da pesquisa. Conforme Godoy (1995, p.21), a pesquisa qualitativa tem como premissa “um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada.”
Primeiramente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica para desenvolver uma base teórica sobre Feiras Livres, precisamente sobre Resíduos Sólidos.
No segundo momento, partiu-se para uma pesquisa de campo, que transcorreu no período de outubro de 2015 a janeiro de 2016, utilizando como técnica de coleta de dados: a) Entrevistas semiestruturadas com os feirantes, que de acordo com Manzini (1990/1991, p. 154) essa técnica está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista; b) Observação não participante in loco, por meio dessa técnica o pesquisador tem o contato com a comunidade, grupo ou realidade estudada sem se integrar nela, não se envolve, é apenas um espectador (CHEMIN, 2012).
Mas, antes do participante conceder a entrevista, a pesquisadora apresentou o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), que informa sobre a pesquisa proposta, além de objetivos, método, risco e benefícios, dentre outras informações. Após estar ciente do documento e concordar em participar da pesquisa, o participante pode assumir o compromisso de respostas, assinando o documento e reservando o direito de sigilo quanto à sua identidade.
A pesquisa contou com a colaboração de 32feirantes de nove feiras livres, num universo que abrange em torno de 51 feirantes. Importante registrar que há uma rotatividade grande de feirantes nas feiras, ou seja, a maioria participa em mais de uma, pois cada feira tem dias predefinidos, diferenciados e regulamentos pelo órgão público municipal, escalonadas de segunda-feira a sábado.
No que tange à observação não participante in loco, foram analisados os seguintes aspectos: disposição de contêineres e limpeza do local.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A entrevista dirigida aos feirantes foi composta por três perguntas que são: 1. Qual o destino dos resíduos sólidos da feira? 2. Sabe fazer a triagem de resíduos, separando os tipos para destinar corretamente o descarte? 3. Como procede a limpeza do local que está sendo sediada a feira livre e quem é a responsabilidade?
Quanto às respostas, no que se refere à primeira questão, dos 32 respondentes 23 feirantes disseram que a sobra de produtos alimentícios são recolhidos e retornam a propriedade para serem utilizados como adubo orgânico; 04 feirantes responderam que fazem doação aos vizinhos, pedintes de rua e ao Lar dos Vovozinhos; e 04 feirantes responderam que colocam no lixo. Apenas um feirante entrevistado vende artesanato e comenta que na sua produção são utilizados materiais recicláveis e que recebe muito material de terceiros; por ser um produto diferenciado não há perda na feira e tem um longo prazo de validade.
Já na segunda questão, apenas quatro feirantes dizem que fazem triagem de material e separação destes para a coleta seletiva; os demais responderam que não realizam por: não ter conhecimento suficiente, não percebem a existência desse tipo de coleta, e no local (meio rural) que residem não há esse tipo recolhimento.
Na terceira pergunta, os feirantes responderam por unanimidade que a responsabilidade de deixar o local limpo, após a realização da feira, é do próprio feirante, em que cada um traz consigo uma vassoura e sacos/sacolas de lixo para recolher tudo que foi caído no chão.
Das observações in loco percebeu-se que das novefeiras livres, em duas não há contêiner próximo, para que o feirante possa depositar o lixo. E, em todas as feiras não há contêineres de coleta seletiva, o tipo e a cor do contêiner é padrão em todas a vias públicas do município.
De acordo comBordignonet al. (2011, p. 91):
“a coleta seletiva e reciclagem pode ser uma importante ferramenta para a sociedade por ajudar na solução da disposição final dos resíduos sólidos e na geração de renda para muitas pessoas que movem este cadeia, promovendo oportunidades para a economia local e gerando novos mercados,resultando em benefícios para o meio ambiente”.
Outro detalhe a ser assinalado é a falta de torneiras disponíveis, fazendo com que o feirante deva carregar garrafas/galão de água, sendo isso prejudicial não só para seu consumo, higiene com as mãos, como também a limpeza do local, o que pode ocorrer suco derramado pelo chão em decorrência de frutas quebradas, por exemplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gestão de resíduos sólidos apresenta uma grande importância e contribuição socioambiental, visto que todas as ações que visam cuidado com o meio ambiente, reflete na saúde e qualidade de vida do homem, como também na preservação da natureza, no sentido de evitar poluição, negligência com os recursos naturais, proliferação de doenças, acumulo desnecessário de materiais, entre outros.
O adotar a política dos 3Rs da sustentabilidade – Reduzir, Reutilizar e Reciclar ganha notoriedade, mas requer mais incentivos e medidas consistentes de educação ambiental, para que todos atuem em prol da questão ambiental e consumo consciente.
A pesquisa revela que os feirantes apresentam boa iniciativa com relação a gestão de resíduos sólidos da feira, tendo como principais resultados da sobra de produtos alimentares – adubo orgânico e doação. Por outro lado, sinaliza a necessita de um engajamento maior para a coleta seletiva, programas que ensine as pessoas a fazer a separação e destinação correta de resíduos, e para isso a parceria entre o órgão público municipal, universidades e entidades da área ambiental é fundamental para uma prática adequada e sustentável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORDIGNON, L. P.; BORDINGNON, S. M. S.; SOUZA, M. A.; SILVA, C. A. Coleta de resíduos sólidoscomo fator de gestão ambiental e fonte de geração da renda para catadores: um estudo de caso naassociação de catadores de Medianeira - Paraná. Engenharia Ambiental, v.8, n.4, p.91-99, 2011. Disponível em: <http://ferramentas.unipinhal.edu.br/engenhariaambiental/include/getdoc.php?id=1836&article=753&mode=pdf.>. Acesso em: 14 fev. 2016.
CHEMIN, B. F. Manual da Univates para trabalhos acadêmicos. 2ª ed. rev. e atual. Lajeado: Univates, 2012. Disponível em: <www.univates.br/media/manual/Manual_2012_57782.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2016.
GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista
de Administração de Empresas. São Paulo, v.35, n.3, p.20-29, mai./jun.1995.
Disponível em: <
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo
2010. Disponível em:
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Agropecuário de 2006. Disponível em:
MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, p.149-158,1990/1991. Disponível em: <http://www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/images/pdf/manzinisaopaulo1990.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2016.
MASCARENHAS,
G.; DOLZANI, M. C. S. Feira livre: territorialidade popular e cultura na
metrópole contemporânea. Ateliê Geográfico, Goiânia, v. 2, n. 4, p.
72-87, ago. 2008. Disponível em:
SANTA MARIA (RS). Lei Municipal nº 2049, de 19 de junho de 1979. Regulamenta o comércio e funcionamento das feiras livres e vendedores ambulantes autônomos. Disponível em: <http://www.camara-sm.rs.gov.br/arquivos/legislacao/LM/1979/2049.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2016.
__________________. Lei Municipal
Complementar nº 50, de 11 de outubro de 2007. Regulamenta o comércio de hortifrutigranjeiros
fixo, móvel e das feiras livres nas vias públicas do município de Santa Maria.
Disponível em:
SILVA, G. P.; PARIS, J. C.; SAMBORSKI, T.; DÖOR, A.
C. Perfil
e percepções dos feirantes em relação a feira livre dos municípios de São Pedro
do Sul (RS) e Santo Augusto (RS). REMOA - V. 14, N. 2 (2014): Março, p. 3203 – 3212.
Disponível em:
PINTO,
Moisés Augusto Tavares; MORAES, André de Oliveira. Espaço e economia: Crise e
perspectivas no abastecimento em Manaus, Amazonas, Brasil. Revista
Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, 2011, p. 1-14.
Disponível em: