O PROTAGONISMO DOS EDUCANDOS A PARTIR

DAS DEMANDAS SOCIOAMBIENTAIS DA ESCOLA:

A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

DA EMEF MARIA QUITÉRIA EM NOVO HAMBURGO/RS

 

Daniela Vieira Costa Menezes

Professora Concursada no Município de NovoHamburgo/RS

Licenciada em Pedagogia

Especialista em Educação: espaços e possibilidades da formação continuada

Especialista em TIC aplicadas à Educação

Especialista em Educação Ambiental

 

Resumo

 

O presente artigo relata a experiência do Projeto de Ação em Educação Ambiental, vivenciado na EMEF Maria Quitéria, em Novo Hamburgo/RS, que permitiu a presença da Educação Ambiental Transformadora no ambiente escolar através da metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa. Tal metodologia insere no cotidiano escolar os princípios da pesquisa científica com o objetivo de observar como os princípios da investigação científica podem potencializar o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo no que se refere à integração da EA ao currículo das séries iniciais do ensino fundamental. Educandos de cinco (05) turmas entre 4º e 5º anos das séries iniciais do ensino fundamental planejaram, desenvolveram, aplicaram e avaliaram projetos de pesquisa a partir da observação das demandas socioambientais da escola, expressando suas aprendizagens para a comunidade escolar. Para tanto, foi necessário abrir espaços de debate nas salas de aula, onde os educandos assumiram uma posição de protagonismo com o exercício da autoexpressão individual e coletiva. As atividades desenvolvidas possibilitaram a compreensão de conceitos científicos e a propagação de ideias através da expressão artística, relacionadas de forma interdisciplinar aos conteúdos da EA, contribuindo para a transformação do ambiente escolar e a disseminação de atitudes sustentáveis na comunidade escolar.

 

Palavras-chave: Educação Ambiental; Ensino-Aprendizagem; Pesquisa; Interdisciplinaridade.

 

Palavras iniciais

O presente artigo é o relato de experiência de uma prática pedagógica direcionada à Educação Ambiental Escolar – EAE, mas também é o resultado de uma reflexão a partir da relação entre a legislação para a EA no Brasil e o cotidiano escolar. A prática pedagógica relatada foi desenvolvida durante as aulas do projeto que cobriu a hora-atividade dos professores titulares da Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Quitéria, localizada no município de Novo Hamburgo/RS, que atende educandos até o fim das séries iniciais do ensino fundamental. Tal prática, integrada às exigências curriculares, inseriu na realidade da escola em 2014 a metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa, voltada à observação, identificação e busca de soluções para questões socioambientais locais, a partir das demandas socioambientais da escola.

Desenvolveu-se um processo didático-pedagógico visando potencializar a reflexão crítica e criativa, onde os educandos do 4º ano e do 5º ano das séries iniciais do ensino fundamental envolvidos no projeto, ocuparam uma posição de protagonismo no processo de ensino-aprendizagem, utilizando-se da linguagem artística e científica como ponto de encontro entre a crítica e a criação para a formação cidadã. Em atividades sequenciadas, as turmas participantes, construíram coletivamente de forma autoral projetos de pesquisa relevantes para a realidade socioambiental da escola, compartilharam seus projetos, os desenvolveram e avaliaram, expressando suas aprendizagens dentro e fora do espaço escolar.

Este artigo visa também refletir sobre as possibilidades de concretização de propostas de EA apresentadas nos documentos oficiais e práticas pedagógicas transformadoras no espaço de educação formal, em uma discussão pautada nos princípios freireanos. Primeiro, são apresentadas as relações entre a legislação vigente e a prática pedagógica apontando uma reflexão sobre a legalidade e a ética da inserção da EA no cotidiano escolar.

Em seguida, é apontada a organização do trabalho pedagógico para a adoção de uma metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa, apontando alternativas metodológicas integrando arte e ciência para a EAE. Para completar a análise, o projeto desenvolvido na EMEF Maria Quitéria é relatado como uma experiência de encontro entre a exigência do texto legal, a ética da inserção da EA no currículo e a organização do cotidiano escolar, promovendo os princípios da Educação Ambiental Transformadora. Para finalizar, algumas considerações são apresentadas, defendendo a presença da metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa nas escolas, assim como a abertura de espaços onde os educandos se posicionem como protagonistas, autores de suas aprendizagens.

 

Entre a Legalidade e a Ética da EA: princípios da EA transformadora

 

Ser Educador Ambiental hoje é estar sob a influência de várias forças pedagógicas e ideológicas que atuam sobre nós. Ao mesmo tempo em que nos relacionamos com elementos externos a nós, como as políticas públicas nacionais e internacionais e os conflitos socioambientais do nosso cotidiano, também nos relacionamos com os valores que nos constituem enquanto seres situados em um lugar e um tempo.

O limite das relações entre seres humanos e meios naturais se configurou em uma prática que envolve o consumo e os desequilíbrios, colocando a natureza como algo que poderia ser subjugado pelos caprichos de uma sociedade marcada pela individualidade, competição e artificialidade. Nesse contexto, a vida humana passou a se isolar em um mundo de concreto, máquinas e poluição, criando a dicotomia natural-humano, onde uma espécie animal racional, seria superior ao conjunto de elementos naturais de todo o planeta. Assim, chegamos a era pós-industrial, onde o desenvolvimento das ciências e da tecnologia reforçavam tal dicotomia.

Seguindo as tendências internacionais, o Brasil elabora seus próprios documentos legais para a Educação Ambiental, são eles: Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Meio Ambiente, de 1999; A Política Nacional de Educação Ambiental, Lei 9795 de 1999; o Programa Nacional de Educação Ambiental, de 2003; e, finalmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental, Resolução CNE/CP nº 2, de 15 de junho de 2012.

A lei 9795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental – o PNEA, apresenta uma visão de EA abrangente tendo como princípio “a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade” (BRASIL, 1999, Capítulo 1, Art 4º Inciso II), inserindo-a na sociedade brasileira como um compromisso de todos os cidadãos e instituições privadas ou públicas.

No que se refere à inserção da EA no ambiente escolar, a recomendação é de que ela não seja uma disciplina curricular, mas que esteja presente de forma interdisciplinar nos diferentes componentes curriculares de cada etapa de ensino, com uma recomendação de que se insira nos currículos das licenciaturas uma formação para a EA, assim como se promova a formação continuada para os educadores em exercício.

O conhecimento escolar deve estar sintonizado com as demandas sociais, expressando-se de forma relacionada e interligada ao cotidiano social dos educandos, diretamente conectados à forma como as novas gerações se relacionam com a realidade socioambiental na qual estão inseridas. Assim, sendo os processos educativos um ato político que visem a emancipação e a transformação (FREIRE, 2002), estes devem transcender a exigência da lei, expressando-se em práticas do cotidiano dos seres humanos.

Portanto, a partir das contribuições de Freire entende-se que a educação ambiental é:

 

Práxis social que favorece a interdependência entre o “eu e o outro” em relações sociais na natureza, estabelecendo processos dialógicos com a finalidade de emancipar as pessoas e transformar a realidade por meio de processo reflexivo e politicamente comprometido com a revolução das subjetividades e práticas na sociedade capitalista (LOUREIRO; COSTA, 2013, p. 16).

 

O que observa-se é o descompasso entre as determinações legais e o fazer pedagógico na prática cotidiana da educação formal. Mesmo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (2012) apontando para a necessidade da realização de um trabalho interdisciplinar e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) apresentando o meio ambiente como um tema transversal, no cotidiano escolar os projetos de EA têm dificuldades em vivenciar a integração entre as diferentes áreas do saber, posicionando a sustentabilidade como uma área de expressão da cidadania, integrada ao currículo das diferentes etapas escolares.

Podemos concluir que os movimentos de aproximação da EA com o ambiente escolar não são oriundos de idealismos desconexos das necessidades reais dos seres humanos, mas estão diretamente relacionados com as demandas éticas da sociedade contemporânea. Dessa forma, precisamos inserir os princípios de cidadania, solidariedade, sustentabilidade, entre outros, na formação dos educandos conforme as exigências legais e éticas.

Portanto, o fazer da Educação Ambiental está situado entre as obrigações legais e as implicações éticas que exige o reordenamento da organização social vigente. Por isso, o fazer educativo deve ser ao mesmo tempo ecológico, cidadão, crítico e criativo, através de uma educação dialógica com nós mesmos, com a sociedade e a comunidade onde vivemos, com os outros seres vivos e não vivos.

 

Criando Condições Favoráveis para a EAE: pressupostos teórico-metodológicos

 

É preciso encontrar alternativas para a realização das transformações que gerem um modelo de sociedade cidadã, comprometida com o meio ambiente. Para tanto, é necessário organizar uma nova forma de ser e estar no mundo, promovendo uma autorreflexão acerca dos nossos condicionamentos e práticas, em busca de alternativas para superação do modelo de educação individualista, competitiva e artificial.

Na escola, a EA deve estar pautada em projetos que permitam uma relação dialética com o conhecimento, onde os envolvidos possam contrapor visões sobre a realidade dos ambientes, e a comunicação dialógica entre educandos, permitindo a contraposição de ideias e a existência de debates críticos e criativos, pois:

 

para o MEC (1996) a interdisciplinaridade ocorre num nível epistemológico, enquanto a transversalidade ocorre num nível didático. Na nossa concepção, todavia, são duas dimensões inseparáveis e intrinsecamente conectadas entre si. (SATO; PASSOS, 2003, p. 18).

 

Além disso, é na relação entre o conhecimento, o meio ambiente e o processo educativo que “construímos a nós mesmos na medida em que construímos o mundo” (SATO; PASSOS, 2003, p. 16).

Como a aprendizagem depende, também, da construção de relações entre os conteúdos exigidos pelo currículo escolar, a superação das fronteiras entre as diferentes áreas do conhecimento é fundamental para uma aprendizagem que faça parte da vida cotidiana de todos os envolvidos. Para tanto, é preciso superar alguns paradigmas pedagógicos fundados em concepções fragmentadas do conhecimento, em busca de uma metodologia de trabalho interdisciplinar, que valorize a formação do professor-pesquisador e do aluno-pesquisador. Segundo Sato e Passos (2003, p. 17), a EA deve possibilitar o desenvolvimento de uma prática pedagógica integradora (de conteúdos e de pessoas), sustentada em processos de ensino-pesquisa-aprendizagem transdisciplinar, uma vez que o ser humano é uma totalidade que se constitui em relações múltiplas e complexas.

Em relação a isso, Freire (2002, p.36) aponta que “a necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas”. Tal relação permite uma aproximação entre a justiça, como exemplo de um comprometimento ético da sociedade, e a arte, como a expressão do potencial estético do ser humano.

Uma vez que as múltiplas linguagens artísticas são fortes aliadas à disseminação da informação e à autoexpressão, para crianças no período escolar das séries iniciais do ensino fundamental, o uso da linguagem artística integrando teatro, música, dança, artes plásticas e literatura, criam um ambiente lúdico que potencializa a leitura de mundo.

Como as referências sobre os pressupostos metodológicos para o ensino-aprendizagem pela pesquisa e suas implicações no cotidiano das salas de aulas das séries iniciais do ensino fundamental são escassas. Para a construção do projeto de ação no qual se baseia este artigo foi necessário construir uma organização metodológica pautada nos pressupostos teóricos estudados, usando a estrutura do processo de pesquisa científica difundido no mundo acadêmico, adaptado à realidade escolar.

O quadro abaixo foi inspirado nas etapas de uma pesquisa científica, valorizando as características dos educandos das séries iniciais do ensino fundamental e o papel fundamental do educador durante todo o processo, mantendo o espaço de protagonismo do educando. Apesar disso, tal metodologia de ensino-aprendizagem não se limita ao estudo do componente curricular “ciências”, ampliando seus princípios para todos os componentes curriculares que envolvem interdisciplinarmente situações do cotidiano da comunidade escolar, em especial as questões socioambientais. O termo “científico” aqui se refere muito mais ao método sistemático de produção do conhecimento do que de um conjunto de conteúdos, ou seja, diz respeito a uma postura diante dos fenômenos circundantes que envolve elaborar perguntas e construir respostas.

 

 

 

Quadro 1 – Organização Metodológica da Metodologia de Ensino-Aprendizagem pela pesquisa

Ensino-Aprendizagem pela Pesquisa nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental

Construção do Projeto de Pesquisa

Etapa

Possibilidades Metodológicas

Papel do Professor

Atividades

Escolha da Temática

Materiais apresentados pelo professor como fonte de inspiração;

Questionamentos dos educandos sobre os conteúdos apresentados nos materiais;

Discussão da turma diante dos questionamentos.

Abrir espaço para a autoexpressão dos educandos, fomentando um posicionamento crítico dos mesmos; mediar as discussões e conflitos.

Roda de conversa, registro individual, discussões em pequenos grupos, votação...

Escrita do Projeto

Temática – O assunto escolhido para a pesquisa.

Objetivos – O que a turma pretende aprender.

Justificativa – Relevância socio-ambiental da pesquisa.

Metodologia – Ações a serem desenvolvidas.

Apresentar as sessões de um projeto de pesquisa; abrir e mediar o debate entre os educandos; participar do debate, propondo opções a partir das sugestões dos educandos.

Roda de conversa, texto coletivo no quadro, distribuir sessões em grupos, votação, cartaz...

Questões iniciais

Elaboração de perguntas que nortearão a investigação, a partir de observações da realidade circundante da escola.

Levantar questões presentes no cotidiano escolar; fomentar o levantamento de hipóteses; auxiliar na organização das perguntas.

Saídas da escola para observação do bairro; escrita individual ou em pequenos grupos; cartazes...

Desenvolvimento da Pesquisa

Pesquisa bibliográfica

Consulta de sites, livros, revistas e outros materiais impressos.

Registro das informações relevantes.

Discussão das impressões dos participantes.

 

Separar material para as consultas; propor exercícios de leitura reflexiva e identificação dos pontos principais de um texto; auxiliar na interpretação do material selecionado; realizar questionamentos diante das informações selecionadas.

Exercícios de leitura e escrita; fichas de leitura; questionários diretivos; registro individual e coletivo (caderno de pesquisa).

Coletas de Dados

Saídas de Estudo para observação de situações e espaços relevantes para a pesquisa.

Palestras Temáticas para ampliação de informações.

Entrevistas com outras turmas, famílias ou outros.

Planejar saída de estudos; convidar profissionais da área da pesquisa; planejar aula expositiva sobre questões da pesquisa; organizar visitas a turmas ou outros espaços da escola.

Roteiro de saída de estudos; elaboração de questionário ou entrevista; aulas expositivas; visitas a outras turmas; observação sistemática de espaços escolares...

Finalização da Pesquisa

Organização das aprendizagens

Tratamento da informação coletada durante a pesquisa.

Apresentações das aprendizagens individuais e coletivas.

Relatório de pesquisa.

Promover espaços de registro; organizar momentos de socialização da aprendizagem dentro da turma; fomentar a divulgação dos resultados.

Seminários; escrita individual e coletiva; organização da informação em imagens e gráficos; análise do processo da pesquisa.

Produto final

Material impresso ou digital.

Ação na comunidade escolar.

Atividade de integração da turma.

Relacionar as aprendizagens iniciais com as finais; valorizar as produções dos educandos; sugerir desdobramentos da pesquisa.

Preparação de material impresso ou digital com textos, imagens, gráficos; Palestras para turmas e comunidade.

Fonte: Produzido pela autora

 

 

Portanto, o pressuposto metodológico defendido para a inserção da Educação Ambiental no currículo escolar das séries iniciais do ensino fundamental é do ensino-aprendizagem pela pesquisa, promovendo a alfabetização científica, onde o educando se posiciona como protagonista de um processo pedagógico autoral que visa a observação crítica da realidade socioambiental e o desenvolvimento de soluções criativas para a superação dos conflitos percebidos, objetivando a equidade social e ambiental.

 

Construindo uma Escola Sustentável? A experiência da EMEF Maria Quitéria

 

As reflexões entre a legalidade e a ética da EA e a metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa, apresentadas nas sessões anteriores, serviram de embasamento para um projeto de Escola Sustentável, que acompanha as indicações do MEC e a política de Educação Ambiental implementada em Novo Hamburgo/RS. As exigências legais foram consideradas no caminho para a transformação socioambiental. Entretanto, as ações desenvolvidas no segundo semestre de 2014 foram fruto de uma caminhada anterior, tanto do município quanto da própria escola.

As escolas de Novo Hamburgo/RS foram estimuladas a desenvolver um projeto de Educação Ambiental para a cidadania, envolvendo os diferentes componentes curriculares. Nesse contexto, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Quitéria, localizada no bairro Roselândia, em Novo Hamburgo/RS, ofereceu, o projeto VIDAA – Vivências InterDisciplinares Artísticas e Ambientais no ano letivo de 2014, visando articular componentes curriculares previstos para as séries iniciais do ensino fundamental e os princípios da cidadania, solidariedade e sustentabilidade estabelecidos pela Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Ambiental (DCNEA) no desenvolvimento de um projeto de EAE.

O Bairro Roselândia, onde a escola está localizada, teve sua ocupação inicial como uma área rural, especializada no cultivo de rosas. Na década de 80, o município de Novo Hamburgo teve um crescimento populacional em função do crescimento da indústria calçadista e o bairro passou a abrigar famílias de outros municípios que chegavam à cidade em busca de emprego. A ocupação foi pouco planejada e o bairro contava com um espaço onde funcionava o “lixão” da cidade, desativado na década de 90 e reativado quase 2 décadas depois como um centro de triagem de resíduos, após adequado aterramento do material lá existente. Sua população tem um histórico de fragilidade econômica e social, porém, nos últimos anos o bairro passou por uma reorganização estrutural (sanitária e de serviços), com a criação de loteamentos para famílias de classe média baixa (Fonte: Projeto Político Pedagógico da Escola).

Fundamentados na proposta pedagógica de ensino-aprendizagem pela pesquisa, os educandos de cinco (05) turmas do 4º ano e 5º ano planejaram e realizaram diversas ações resultando no quadro abaixo. O referido quadro apresenta o resumo das ações de cada turma, ao longo do desenvolvimento dos projetos idealizados. É importante ressaltar que nem todo o planejamento feito pelas turmas foi efetivado, porém outras ideias foram se agregando às ideias iniciais, configurando uma produção autoral e coletiva de cada turma.

As aulas relacionadas ao projeto foram planejadas coletivamente com as turmas, através das proposições individuais ou coletivas, questionamentos, seguidos por debate e votação. Em algumas turmas os participantes sustentaram as discussões com desenvoltura, aceitando os desafios propostos, e em outras as construções eram constantemente revisitadas, com participações que precisavam ser estimuladas.

 

 

 

Quadro 2 – Projetos desenvolvidos pelas turmas

Turma

Projeto

Objetivos

Produções

4º A

A Horta Sustentável: construindo uma alimentação melhor

Construir uma horta escolar e estimular a horta doméstica no bairro.

Horta orgânica com vasos de ervas. Distribuição de mudas para a comunidade. Panfleto sobre horta doméstica.

4º B

Economizando a Água para um mundo melhor

Identificar as melhores maneiras de usar a água na cidade (tratamento da água e coleta da chuva).           

Cisterna para coleta de água da chuva na escola. Folder sobre o uso consciente da água no dia a dia.

4º C

Pesquisando e aprendendo sobre as árvores da escola

Conhecer e identificar as árvores da escola; aumentar a área verde da escola.            

Placas de identificação das árvores da escola. Exposição de desenhos. Adoção de mudas de árvores nativas pela comunidade.

5º A

Animais: os melhores amigos do ser humano   

Conscientizar a comunidade escolar sobre a responsabilidade de cada um em relação aos animais urbanos.              

Vídeo para conscientização sobre cuidados com animais.

5º B

Arte e Lixo: reutilização e reciclagem com criatividade

Disseminar ideias criativas que ajudem a combater a poluição no bairro.

Exposição de objetos produzidos pelos educandos a partir de oficinas de reutilização e reciclagem.

Fonte: produzido pela autora.

 

As aulas foram semanais, com duração de 2 períodos (50 minutos cada). De acordo com as necessidades das atividades e do calendário escolar, a quantidade de aulas para cada etapa foi maior ou menor, aproveitando o horário destinado para cada turma. A cada aula, as turmas desenvolveram atividades que visavam ampliar os conhecimentos sobre as temáticas escolhidas. Apesar de existir uma proposta comum para cada atividade, as turmas desenvolveram uma caminhada particular, seguindo pelas etapas de pesquisa científica desde a elaboração dos projetos até a socialização das ideias e dos resultados obtidos, utilizando-se de diferentes linguagens artísticas. O projeto vivenciado na EMEF Maria Quitéria foi organizado em etapas progressivas e relacionadas, organizas em atividades, a saber:

 

Atividade 1 – Construção dos Projetos de Pesquisa das Turmas

Atividade 2 – Pesquisa bibliográfica inicial

Atividade 3 – Organização das Primeiras Aprendizagens

Atividade 4 – Seminário de Educação Ambiental Escolar

Atividade 5 – Saídas de Estudo

Atividade 6 – Palestras Temáticas

Atividade 7 – Ações das Turmas

Atividade 8 – Mostra de Arte Ecológica

 

Visando a construção dos projetos de pesquisa, cada turma teve que, inicialmente, observar o ambiente escolar de forma crítica. Essa atividade teve como foco refletir sobre questões locais de cunho socioambientais. Nessa etapa, os educandos foram estimulados a analisar os modos de vida e de produção que proporcionam os padrões de consumo e seus impactos no ambiente, a partir do ambiente escolar, reconhecendo-se como parte da problemática socioambiental ali presente. Os pontos observados foram coletivamente organizados e registrado em tabelas, gráficos e listas.

Os educandos seguiram para a escrita do projeto de pesquisa das turmas, que levou em consideração a problemática socioambiental identificados na etapa anterior. Os educandos foram estimulados a refletirem sobre as causas, fatores relacionados e possibilidades criativas de superação do desequilíbrio socioambiental identificado. Essa etapa exigiu o protagonismo dos educandos, em busca de uma escrita autoral.

Com a aprovação da equipe gestora e dos demais educadores da escola, os educandos iniciaram a pesquisa bibliográfica e coleta de dados. O objetivo dessa etapa foi possibilitar que os educandos constituíssem um conjunto estruturado de argumentos que fundamentassem suas propostas e planos de ação. Esse momento esteve pautado na formulação de perguntas e construção coletiva de respostas.

Na etapa seguinte, o desafio dos educandos foi organizar suas aprendizagens iniciais. Nesse momento, eles foram provocados a refletir sobre as informações levantadas na pesquisa, as experiências vivenciadas no processo e as implicações das aprendizagens construídas e seu potencial para planejar ações comprometidas com a transformação da realidade socioambiental pesquisada.

Para que a comunidade escolar conhecesse as produções das turmas, na etapa seguinte foi organizado o Seminário de Educação Ambiental Escolar. Nesse evento, as turmas apresentaram para a comunidade escolar os resultados do trabalho desenvolvido até aquele momento. Nessa atividade, o comprometimento dos representantes das turmas e a parceria com as titulares das mesmas foi o diferencial entre as apresentações.

Cada turma procurou enriquecer o trabalho em desenvolvimento e para isso assistiram palestras temáticas, realizaramsaídas de estudo e fizeram uma revisão bibliográfica complementar sobre o tema de suas pesquisas. O maior desafio desse momento foi o de adequar os agendamentos aos tempos escolares.

Dentro do processo de avaliação das pesquisas, as turmas tiveram a tarefa de transformar as aprendizagens em ações. Utilizando-se de linguagens artísticas – com teatro, dança, música, poesia e artes plásticas –, as turmas apresentaram os princípios da educação ambiental transformadora através da arte. O potencial de criação dos educandos foi expresso nessa etapa, onde a preocupação foi disseminar as aprendizagens construídas.

Por fim, foi realizada a Mostra de Vivências Artístico-Ambientais. Essa atividade teve como objetivo a socialização das produções das turmas com toda a comunidade escolar, promovendo o fechamento de um ciclo de trocas e aprendizagens. Foi um dia colorido, alegre e cheio de ensinamentos, onde os educandos assumiram definitivamente sua posição de protagonismo para todos os convidados e entre si.

Todas as etapas foram acompanhadas e sistematicamente registradas pelos educandos no diário de campo coletivo de cada turma e a divulgação das aprendizagens e atividades desenvolvidas foi realizada no blog do Projeto VIDAA (www.sustentaviliadadedasaladeaula.blogspot.com). A cada aula, procurávamos os avanços construídos e os horizontes planejados, buscando sempre avançar na pesquisa de forma autoral, expressando o protagonismo do educando no cotidiano da sala de aula nos momentos vividos fora dela.

Um projeto de EAE pautado na metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa é mais do que um conjunto de objetivos, justificativa e etapas a vencer. É um processo metodológico que possibilita aos sujeitos envolvidos o desenvolvimento do equilíbrio entre as exigências subjetivas de uma política educacional e os anseios pedagógicos de uma formação crítica; é criar as condições necessárias ao crescimento coletivo, tanto cognitivo quanto social, através de uma prática pedagógica pautada no acolhimento, no questionamento, no respeito e na coerência.

A partir da experiência relatada, é reforçada a convicção de que a Educação Ambiental Escolar tem o potencial de criar espaços de observação, reflexão e compreensão da realidade socioambiental, e sua problemática atual, de maneira interdisciplinar. Para tanto, é preciso promover a metodologia de ensino-aprendizagem que vise a construção de uma aprendizagem pautada na leitura de mundo e na autonomia, através do trabalho colaborativo e da integração da linguagem artística e científica para a organização das aprendizagens dos educandos.

Porém, a construção de uma escola sustentável envolve uma discussão muito maior do que aquela que é possível ser feita em dois períodos semanais, durante um semestre letivo. Deve ser um debate assumido por todas as turmas com seus titulares no cotidiano escolar, da comunidade escolar que vive o intercâmbio entre os ambientes no entorno da escola, dos educandos com suas famílias na realidade fora da escola e de toda a comunidade com o poder público nos espaços de construção da democracia.

 

Palavras finais

 

Levar um projeto de Educação Ambiental Transformadora para uma escola não é uma tarefa fácil. Muitos dos ideais presentes nessa proposta de EA encontram resistências no cotidiano escolar, onde a utilização dos tempos e espaços são bem demarcados e pouco flexíveis.

Os educandos estranharam a proposta, pois inicialmente não sabiam o que fazer com o poder de decisão e com as divergências que surgiam. Foi preciso muita perseverança, criatividade pedagógica e coerência para que eles começassem a se sentir parte do processo de construção de suas aprendizagens em busca de uma participação protagonista e autoral.

A experiência relatada mostra, portanto, que a criação de condições favoráveis para o protagonismo do educando contribui para a qualificação do processo educativo escolar. A construção coletiva de projetos de pesquisa integrando ciência e arte, tornam-se um projeto de reflexão e ação enquanto proporciona uma aprendizagem contextualizada e interdisciplinar que se manifesta dentro e fora dos muros escolares.

O jogo democrático esteve presente em todo momento, acompanhado das ressalvas que envolvem sua presença no ambiente social: A cada debate, foi preciso reforçar a importância do momento de expor as ideias; a cada atividade que exigia a construção coletiva, foi necessária a defesa do equilíbrio entre o ouvir e o falar, entre o liderar e o seguir, entre o criar e o criticar; a cada leitura, foi vital incentivar e exemplificar a identificação do cerne do texto e o processo de reflexão para a construção de ideias próprias; a cada votação, foi fundamental valorizar as escolhas conscientes contrapondo os discursos competitivos ou derrotistas que surgiam.

Mais do que atingir os objetivos propostos, a experiência com pesquisa integrando os conteúdos curriculares, expressos nas linguagens científica e artística, se mostrou uma possibilidade didático-metodológica eficaz para educadores dispostos a inserir os princípios freireanos, a partir da Educação Ambiental Transformadora, no cotidiano escolar.

 

Referências

 

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental. Brasília: Diário Oficial da União, 2012.

 

_______. Política Nacional da Educação Ambiental. Brasília: Diário Oficial da União, 1999.

 

LOUREIRO e COSTA, C. A. Educação Ambiental Crítica e Interdisciplinaridade: a contribuição da dialética materialista na determinação conceitual. NUPEAT-IESA. UFG, v. 3, n. 1, jan-jun, 2013. p. 1-22, artigo 34.

 

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

 

SATO, M e PASSOS, L. Notas desafinadas do poder do saber: qual é a rima necessária à educação ambiental? Contrapontos - volume 3 - n. 1 - p. 9-26 - Itajaí, jan./abr. De 2003.