PROJETO JARDIM VERTICAL – UMA ARTICULAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE PROTAGONIZADA PELOS ESTUDANTES


Dados de identificação

Responsáveis: Pedro Neves da Rocha e Alessandra Aparecida Viveiro (FE/UNICAMP)

Escola: E. E. André Donatoni

Cidade/UF: Ibaté/SP

Número de pessoas envolvidas: Aproximadamente 50 pessoas

Telefone: (16) 982-000-884

e-mail: pedro.neves.rocha@usp.br



Categoria e temática de trabalho

Mobilização socioambiental; Escolas sustentáveis/Responsabilidade socioambiental



Introdução, objetivos e justificativa

O presente trabalho consiste no recorte de uma pesquisa em nível de mestrado desenvolvida pelo primeiro autor e orientada pela segunda autora do mesmo. Tal pesquisa consistiu na elaboração e desenvolvimento de uma atividade extracurricular de Educação Ambiental (EA) em uma escola estadual de um município de médio porte do interior paulista.

A atividade intitulada “Projeto Jardim Vertical” ocorreu ao longo de todo o ano letivo de2016 e contou com a participação protagonista dos membros do grêmio estudantil e representantes de classe durante todo o processo, além de culminar em um mutirão na escola, em que participaram outros membros da comunidade escolar, como funcionários, estudantes e familiares. Ao todo, cerca de 50 pessoas estiveram envolvidas nas diferentes etapas da atividade.

A proposta foi planejada pelos autores segundo os referenciais teóricos de EA,em uma perspectiva crítica e freirena (FREIRE, 2011; 2014; LAYRARGUES; LIMA, 2014), e da Aprendizagem Cooperativa (JONHSON et al., 1991). Além disso, justificamos o uso recorrente desse processo como sendo uma atividade a partir dos referenciais da Psicologia Sócio-Histórica (KUZOLIN, 2013). O recorte apresentado neste trabalho objetiva e focaliza análises e sínteses acerca da macrotendência crítica de EA e dos eixos freireanos da dialogicidade, problematização e autonomia.

Para desenvolver a atividade de EA proposta, optamos por uma escola estadual do município de Ibaté, interior paulista. Justificamos esta escolha pelo fato do pesquisador ter sido professor na escola em questão, e devido ao perfil da escola e dos funcionários, encontramos uma boa receptividade para a mesma. A escola possuía oito turmas de anos finais do Ensino Fundamental, em período integral, e quatro turmas de Ensino Médio, apenas matutino, um fator interessante também para propiciar o projeto. O espaço físico da escola, com uma área aberta, pátios extensos, quadra, área verde, pergolado e refeitório, também abriria possibilidades para diferentes propostas.

Não negamos um princípio ideológico, também, ao escolher uma escola pública para desenvolvermos este projeto. Segundo Machado (2007), quando olhamos para escolas públicas do nível médio e superior, percebemos uma certa cisão. Entendemos que a integração escola-universidade deve sempre ser incentivada de diversas maneiras, seja na pesquisa, na extensão ou no ensino (por exemplo, nas diversas parcerias de estágio supervisionado). Ressaltamos também a importância dessa integração por meio da pesquisa não se tornar uma imposição unidirecional do pesquisador à escola, e sim uma troca que favoreça o desenvolvimento de ambas as partes. Assim, a experiência anterior do pesquisador como docente naquela escola também deveria contribuir para que se estabelecesse uma relação dialógica entre as partes (escola-universidade).


Fundamentação teórica

Atualmente, a Educação Ambiental está no cerne de diversos documentos pedagógicos oficiais, em diversos países do mundo. No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, publicadas pelo Conselho Nacional de Educação em 15 de junho de 2012, estabelecem que os princípios da Educação Ambiental são:


I - Totalidade como categoria de análise fundamental em formação, análises, estudos e produção de conhecimento sobre o meio ambiente;

II - Interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque humanista, democrático e participativo;

III - pluralismo de ideias e concepções pedagógicas;

IV - Vinculação entre ética, educação, trabalho e práticas sociais na garantia de continuidade dos estudos e da qualidade social da educação;

V - Articulação na abordagem de uma perspectiva crítica e transformadora dos desafios ambientais a serem enfrentados pelas atuais e futuras gerações, nas dimensões locais, regionais, nacionais e globais;

VI - Respeito à pluralidade e à diversidade, seja individual, seja coletiva, étnica, racial, social e cultural, disseminando os direitos de existência e permanência e o valor da multiculturalidade e plurietnicidade do país e do desenvolvimento da cidadania planetária. (BRASIL, 2012 p.3-4)


Além disso, segundo o mesmo documento, os objetivos da EA são:


I - Desenvolver a compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações para fomentar novas práticas sociais e de produção e consumo;

II - Garantir a democratização e o acesso às informações referentes à área socioambiental;

III - estimular a mobilização social e política e o fortalecimento da consciência crítica sobre a dimensão socioambiental;

IV - Incentivar a participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania;

V - Estimular a cooperação entre as diversas regiões do País, em diferentes formas de arranjos territoriais, visando à construção de uma sociedade ambientalmente justa e sustentável;

VI - Fomentar e fortalecer a integração entre ciência e tecnologia, visando à sustentabilidade socioambiental;

VII - Fortalecer a cidadania, a autodeterminação dos povos e a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas, como fundamentos para o futuro da humanidade;

VIII - Promover o cuidado com a comunidade de vida, a integridade dos ecossistemas, a justiça econômica, a equidade social, étnica, racial e de gênero, e o diálogo para a convivência e a paz;

IX - Promover os conhecimentos dos diversos grupos sociais formativos do País que utilizam e preservam a biodiversidade. (BRASIL, 2012, p.4)


Desta forma, ao trabalharmos em instituições formais de ensino, como as escolas de nível básico, devemos estar atentos aos princípios e objetivos que direcionam a EA. Compreendemos que esta deve se constituir como um processo educativo permanente, voltado à sensibilização dos cidadãos de modo que possam refletir, tomar consciência e buscar soluções para os problemas ambientais.

Ao fazer uma breve análise histórica da EA, Reigota (2001, p.17-18) encontra uma importante problemática:


Se por um lado temos uma grande variedade de práticas que se autodefinem como sendo "educação ambiental", mostrando sua criatividade e importância, por outro lado temos práticas muito simplistas que refletem ingenuidade, oportunismo e confusão teórica, conceitual e política.


Na tentativa de caracterização deste campo multifacetado da EA, Layrargues e Lima (2014) sistematizaram as diversas correntes existentes em três macrotendências: conservacionista, pragmática e crítica. Segundo os autores,


[...] a macrotendência conservacionista, que se expressa por meio das correntes conservacionista, comportamentalista, da Alfabetização Ecológica, do autoconhecimento e de atividades de senso-percepção ao ar livre, vincula-se aos princípios da ecologia, na valorização da dimensão afetiva em relação à natureza e na mudança do comportamento individual em relação ao ambiente baseada no pleito por uma mudança cultural que relativize o antropocentrismo. (LAYRARGUES; LIMA, 2014, p.30).


Já a macrotendência pragmática nasce como fruto das tendências conservadoras, mas decorre do forte crescimento do pensamento neoliberal, a partir da década de 1980 no contexto mundial e 1990 no Brasil. Os trilhos desta macrotendência são marcados pela supremacia da lógica de mercado sobre as outras esferas sociais, abrangendo correntes como a educação para o desenvolvimento sustentável e para consumo sustentável, ambientalismo de resultados, pragmatismo contemporâneo e ecologismo de mercado. Os adeptos desta macrotendência defendem uma ideologia do consumo, a constante revolução e inovação tecnológica como soluções para todos os problemas ambientais, e uma lógica de competição de mercado, da força da esfera privada, como caminho para o desenvolvimento e produção "limpos" e "ecoeficientes" (LAYRARGUES; LIMA, 2014).

Por fim, os autores apresentam e defendem a macrotendência crítica, composta pela Educação Ambiental Popular, Emancipatória, entre outras. Possui uma herança da Ecologia Política que, no fim dos anos 1970, trouxe a contribuição das ciências sociais e humanas para o campo da EA, até então dominado por uma visão baseada nas ciências naturais, de forma positivista, despolitizada, pregando uma falsa neutralidade. A macrotendência crítica envolve aspectos sociais, históricos e políticos, "como os modelos de desenvolvimento, os conflitos de classe, os padrões culturais e ideológicos, as injunções políticas dominantes na sociedade, as relações entre estado, sociedade e mercado" (Ibid., p. 1).

Segundo os autores, a macrotendência conservacionista, por estar distanciada das dinâmicas e conflitos sociais e políticos, apresentam assim, um potencial limitado à transformação social de fato, na concepção dos autores. Já a macrotendência pragmática age "como um mecanismo de compensação para corrigir as ‘imperfeições’ do sistema produtivo baseado no consumismo, na obsolescência planejada e na descartabilidade dos bens de consumo” (Ibid., p. 31). Entretanto, as correntes englobadas por essa macrotendência não questionam tal sistema de produção e consumo, não buscam meios de superá-lo. O pragmatismo não traz possibilidades de reflexão, e está ancorado em uma ideia de ciência e tecnologia neutras, resultando em uma visão despolitizada da complexidade da realidade socioambiental.

Por outro lado, consideramos importante ponderar as críticas sobre as duas primeiras macrotendências, bem como olhar criticamente para a terceira, como apresentado em Rocha (2017). Ao se analisar as múltiplas escalas da EA, notamos que a tendência conservacionista foca nas dinâmicas locais, individuais ou de pequenos grupos. Estas "são mais facilmente introduzidas e postas em prática, portanto costumamos vê-las em maior número nos espaços formais e não-formais de educação" (ROCHA, 2017, p. 22). Já a macrotendência pragmática se mostra bastante presente nas práticas promovidas por instituições públicas ou privadas, em maior escala. Enfatizamos a crítica sobre a lógica de mercado como guia de tais práticas, mas consideramos que, apesar de tal origem, os resultados concretos atingidos possuem seu valor. Por fim, é importante observar que,muitas vezes, parece haver um direcionamento prioritário à macroescala – dos modos de produção e consumo agressivos ao ambiente em escala global – por parte de trabalhos/ações alinhados à macrotendência crítica. É importante não deixar a microescala das atitudes individuais de lado, ou menosprezá-las, taxadas como práticas ingênuas, uma vez que elas são de grande importância para o início do processo de sensibilização, e também são mais acessíveis e mais presentes nas ações de EA que ocorrem de fato nas instituições formais e não-formais de educação.

Dadas estas interpretações, optamos por direcionar esta pesquisa segundo os princípios da macrotendência crítica. Além disso, pretendemos estar alinhados com uma perspectiva freireana, fundamentada na dialogicidade, problematização e autonomia. Ressaltamos que a complexidade do pensamento freireano deve ser compreendida de forma dialética. Isto significa que não há possibilidade de alienar completamente cada um dos três eixos sem esvaziá-los.

De acordo com Paulo Freire, a Pedagogia Libertadora ou Pedagogia do Oprimido deve levar em conta um pressuposto básico: o processo de educação e de emancipação deve ser feito coletivamente. Segundo o autor, "ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão" (FREIRE, 2011, p.71).

Esta forma de enxergar a educação parte do princípio de que o conhecimento, a ética, a consciência e até o processo de emancipação não são transmitidos de um ser (detentor de tais fatores) para outro (não detentor), ou seja, tradicionalmente do professor para o aluno, na educação formal. Em suas obras, Freire defende sempre que a apropriação dos saberes é um processo coletivo, um processo de cooperação, de “co-laboração” (FREIRE, 2011, p.223). A partir dessa apropriação dialógica e da reflexão crítica sobre o processo, os indivíduos adquirem as ferramentas para se tornarem cada vez mais emancipados, de forma gradual.

Desta maneira, um importante eixo da pedagogia libertadora é a dialogicidade. Segundo Freire (2011, p.114), "não há diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico." O autor considera que o processo educativo não é unidirecional, e sim uma troca dialética, em que ambas as partes significam e ressignificam suas ideias, resultando num desenvolvimento mútuo do conhecimento, superando o pensamento ingênuo.Na atividade docente numa perspectiva crítica, é imprescindível estimular e promover o diálogo. Entretanto, o primeiro passo do docente que visa promover o diálogo é estar aberto ao mesmo. Na perspectiva freireana, o ponto de partida para isso é compreender que “ensinar não é transferir conhecimento” (FREIRE, 2014, p.47). Para o autor, o professor deve estar sempre aberto às perguntas e curiosidades dos alunos, respeitar seus saberes, suas indagações e inibições.Isto remete a outra proposição de Freire: “a corporificação das palavras pelo exemplo” (Ibid., p.35). A prática profissional não pode jamais negar o que o discurso defende. Se a defesa é pela educação dialógica, o professor não pode manter uma postura anti-dialógica. E assim, a partir da construção de um espaço dialógico, podem abrir-se os caminhos para desenvolver os eixos seguintes da perspectiva freireana, crítica e libertadora, de educação.

É justamente o diálogo verdadeiro que possibilita a problematização. As questões, bem como as soluções a serem buscadas, devem ser propostas e desenvolvidas pelos educandos em conjunto com o educador, e não por meio da imposição unilateral (FREIRE, 2011). A problematização, portanto, é um processo oposto à educação bancária, que consiste, por sua vez, no “ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos” (Ibid., p.82). Assim, educação problematizadora consiste, primeiramente, na superação desta contradição entre educador e educando, ou seja, da verticalização da relação entre professor e alunos. Daí a necessidade da dialogicidade como pressuposto para a problematização. Para concretizar esse processo, Freire (2011; 2014) propõe o uso dos Temas Geradores, que consistem numa leitura coletiva da situação presente em que todos estão inseridos, refletindo e analisando os problemas, as demandas e as aspirações de tal núcleo participante do processo educativo.Os Temas Geradores não podem ser impostos, transmitidos verticalmente. E eles não podem ser propostos nem trabalhados sem que haja um processo de diálogo. Apenas coletivamente e dialogicamente os participantes do processo educativo poderão definir os temas e problemas a serem estudados.

Através de um processo problematizador, dialógico, em que os educandos participam ativamente das decisões e da construção do conhecimento, Freire considera que o ambiente se torna propício ao desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo; da autonomia. Devemos ressaltar que esta transformação jamais é pontual ou instantânea. Pelo contrário, é uma transição resultante de um longo e duradouro processo. Na realidade, toda e qualquer atividade pode tornar o indivíduo e os grupos um pouco mais autônomos sobre um ponto específico, e é a soma destes pequenos "tijolos" que constroem, que formam um ser crítico e autônomo.


Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (FREIRE, 2014, p.105)


Para o autor (2014), este processo não consiste na ruptura entre a ingenuidade e criticidade, mas sim em uma superação. Freire considera que a curiosidade ingênua, ­aquela aliada ao senso comum, transforma-se em curiosidade epistemológica que é, por sua vez, metodicamente rigorosa através do processo educativo libertador. É no diálogo constante, desde a problematização até a busca por soluções e por conhecimentos, e como estes se aplicam nos devidos problemas elencados, que se abre o espaço e se desenvolve cada vez mais a autonomia.

Parte do processo de desenvolvimento da autonomia é entender-se e reconhecer-se como ser sujeito à identidade cultural. Assumir as situações é um fator necessário para superá-las, embora Freire deixe claro que só esta assunção não signifique automaticamente a superação.Além de sermos influenciados pela identidade cultural vigente, também é importante nos reconhecermos como seres condicionados. Freire considera que não estamos imunes às forças sociais, culturais e históricas. Pelo contrário, estas forças têm influência sobre a construção do nosso eu. Claro, existe um movimento dialético entre a liberdade e o condicionamento.Apesar de fortes, os fatores sócio históricos não são, na perspectiva crítica, determinantes, fatalistas. O ser como sujeito histórico também é ator e autor de sua historicidade. E, ao nos reconhecermos como autores desse processo, ao participarmos da análise e da interpretação de nosso contexto através da problematização e do diálogo, assim vamos criando, desenvolvendo e refinando os elementos necessários a um perfil autônomo (FREIRE, 2011; 2014).


Apresentação e desenvolvimento

Metodologia da atividade e da pesquisa

Propusemos que a atividade extracurricular fosse construída ativamente pelos alunos participantes do início ao fim. O ponto de partida para definir a estrutura do projeto seguiu uma metodologia de investigação dialógica e problematização (FREIRE, 2011).A metodologia utilizada para análise dos registros trouxe elementos da pesquisa participante (BRANDÃO, 2005). Segundo o autor, esta modalidade de pesquisa assemelha-se à pesquisa-ação, por tratar-se de uma alternativa participativa na investigação social, e possui diversos princípios, tais como: deve-se partir da realidade concreta dos participantes do processo; a relação tradicional de sujeito-objeto é progressivamente convertida em uma relação sujeito-sujeito; o processo educativo e investigativo torna-se um processo metodológico, dirigido à transformação social e de saberes; entre outros princípios. Para coleta e registro dos dados, foram utilizadas, nesta pesquisa, as seguintes ferramentas: diário de campo e gravação, com transcrição da atividade. Além disso, produzimos um questionário para ajudar a traçar elementos do perfil dos participantes que fossem relevantes para nossos objetivos pretendidos.


Apresentação e análise dos registros

Pré-Atividade e primeira fase: representantes discentes

Ainda no ano de 2015, entramos em contato com a diretoria da escola para averiguar a possibilidade de se iniciar o projeto. Fomos bem recebidos e começamos a sondar os caminhos a serem seguidos. A diretoria sugeriu que trabalhássemos com os alunos do grêmio estudantil ou com os representantes discentes de turma, duas ideias que foram muito bem vistas por nós. Em março de 2016, optamos em conjunto por trabalhar com os representantes por questões de calendário (o grêmio novo apenas seria eleito e tomaria posse em maio daquele ano). A escola sugeriu de trabalharmos inicialmente com os representantes discentes do Ensino Médio, devido ao fato de estes possuírem aulas apenas no período da manhã – uma vez que os encontros iriam ocorrer no contraturno. Ao todo, participaram sete alunas e três alunos nessa primeira fase.

Foram realizadas reuniões semanais com este grupo, iniciadas no dia 8 de março de 2016 – salvo algumas exceções devido ao calendário escolar, como durante a semana de provas ou em uma semana que houve conselho escolar e feriado prolongado, por exemplo, totalizando seis encontros. O último aconteceu no dia 26 de abril de 2016.

Desde o primeiro encontro, deixamos claro aos alunos que a postura do pesquisador seria de intervir minimamente nas decisões, e apenas ajudar a nortear as ideias, pensando em sua maior ou menor viabilidade, além de mediar as discussões e organizar as ideias. Outra função, que foi expressa desde o início, é que buscaríamos formas de sempre incentivar a aprendizagem cooperativa (que vai além do simples trabalho em grupo).

Ao longo desta primeira fase, os alunos construíram coletivamente o projeto que iríamos desenvolver na escola. As duas primeiras reuniões serviram para elencar possíveis alternativas e tomar a decisão final. Os alunos levantaram diversos problemas relacionados a questões ambientais que chamavam sua atenção, tais como: formas de consumo e descarte de materiais escolares; materiais deixados de lado na escola (tais como pallets); hábito dos alunos de jogarem resíduos fora dos devidos locais; mistura de lixo orgânico e inorgânico; desativação horta (projeto que já existiu na escola no passado).

Dentre estes, a horta instigou bastante o interesse dos alunos. Entretanto, havia algumas barreiras, tais como a dificuldade de cuidados e, principalmente, a posição da horta na escola. O espaço onde ela existira era nos fundos de um dos blocos, com apenas uma pequena porta ao lado do muro, o que dificultava o acesso. Após diversas discussões, surgiu a ideia de fazermos um jardim vertical, que poderia ser colocado nas paredes dos corredores centrais, locais de ampla circulação. Dependendo do tipo de plantas, a dificuldade com cuidados seria amenizada, caso fossem escolhidas espécies que precisassem de menos podas e regas. Além disso, o jardim seria visível para todos e poderia trazer um valor estético positivo ao ambiente escolar. Isto também daria um uso aos pallets guardados na escola e a algumas garrafas PET, que eram diariamente descartadas.

As reuniões seguintes serviram para planejar as etapas de execução do projeto “Jardim Vertical”, contando com uma divulgação inicial para abrir o projeto a todos os alunos da escola que porventura ficassem interessados. Podemos considerar que a divulgação foi a primeira etapa prática de nosso projeto. Os alunos, de forma coletiva, decidiram a melhor estratégia para atingir seus colegas: cada turma da escola foi levada à sala de informática, onde membros da equipe explicaram a proposta utilizando slides. A montagem dos slides, a apresentação para diferentes salas, reserva da sala de informática, dentre outras ações e responsabilidades, foram divididas entre todos os alunos de forma que todos participassem da divulgação.

Ao término da divulgação, fizemos uma última reunião apenas com os representantes, com o objetivo principal de desenvolver uma reflexão do processo até aquele ponto, proposta pelo pesquisador. Nesta reunião, os alunos levantaram pontos positivos e negativos da atividade até então. Com esta reflexão, concluímos a primeira fase da Atividade de EA planejada.


Segunda fase: entrada do grêmio

A partir do dia 3 de maio de 2016, iniciamos uma nova fase do projeto, com a entrada dos gremistas. Já era uma sugestão da coordenação escolar trabalharmos com o grêmio, devido ao maior grau de comprometimento e motivação em participar de atividades extras que eles supostamente teriam. Desta forma, com a eleição do novo grêmio, alguns estudantes da nova gestão ingressaram também no nosso projeto do Jardim Vertical. Tivemos nessa fase um total de quatro encontros, que concluiu-se em 7 de junho de 2016.

Nesta segunda fase, partimos da reflexão feita no dia 26 de abril para planejar o modo de trabalho das próximas etapas. Os estudantes decidiram fazer uma divisão em pequenos núcleos. A proposta de quais núcleos deveriam existir foi construída coletivamente. Optamos por dividir em: Comunicação; Espaços; Garrafas; Plantas. Estes grupos originaram-se das diferentes etapas que havíamos previsto para o projeto. Além disso, estipulamos que certas etapas (como o preparo dos materiais e a confecção do jardim) seriam feitas por todos, inclusive pelos outros estudantes da escola que demonstraram interesse em participar, mas que não frequentavam as reuniões.

Cada núcleo possuía suas especificidades de trabalho, tais como quais ações a cumprir, em que momento e por qual duração. Assim, as reuniões seguintes serviram para acompanharmos e, quando necessário, alterarmos a forma de trabalho de cada um, de acordo com a opinião de todos os participantes.

O núcleo de comunicação possuía uma função mais constante e bem distribuída: organizar os materiais de comunicação interna, como atas de reunião. Neste momento, os participantes nos comunicaram que, anteriormente a isso, já haviam criado um grupo em um aplicativo de comunicação para falarem sobre as ações a serem feitas. Além disso, eles criaram outro grupo em uma rede social, também para comunicação. Como mediador, fiz parte do segundo grupo, mas não do primeiro, e considero também que isso foi importante para que eles pudessem dialogar mais livremente em um deles. Em um determinado momento, as estudantes responsáveis pelo núcleo de comunicação abandonaram o projeto, forçando-nos a fazer um remanejamento de alunos para que estas ações não fossem comprometidas.

O núcleo dos espaços possuiu uma função primária aos outros, de estudar a possibilidade de espaços a se colocar os jardins, analisando-os e consultando a coordenação escolar também. Esta função era primária pois a quantidade de garrafas a se coletar, plantas a se usar, entre outros fatores, dependeria da definição deste grupo.

Já o núcleo das garrafas ficou responsável por planejar a forma como faríamos a coleta de garrafas. Eles implementaram desde a divulgação desta ação na escola, até o desenvolvimento da mesma, e a projeção da quantidade de garrafas necessárias.

Por fim, o núcleo das plantas era responsável por buscar contatos e pensar em estratégias para que conseguíssemos as mudas necessárias para os jardins verticais. Neste núcleo, tivemos o mesmo problema da comunicação. Por diferentes razões e em diferentes momentos, alguns participantes responsáveis por esta parte do trabalho deixaram o projeto. Novamente, fizemos um remanejamento com estudantes de outros núcleos, que já haviam concluído tais funções.


Terceira fase: articulação com a comunidade – mutirão na escola

Esta fase teve início no dia 16 de agosto de 2016, e foi concluída no dia 20 de setembro, totalizando cinco encontros e mais uma atividade diferenciada. No primeiro encontro, o grêmio trouxe a proposta de integrar o projeto Jardim Vertical a outro projeto que a escola costumava participar em todos os anos, chamado “Construindo a Nação”. Este consiste numa espécie de prêmio, promovido pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento da Cidadania (Instituto da Cidadania Brasil), uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscisp). Este prêmio incentiva participantes de escolas a desenvolverem projetos relacionados a um tema definido para cada ano. Neste ano, o tema era “os grêmios na comunidade – a vez dos municípios” (INSTITUTO DA CIDADANIA BRASIL, 2016).

Assim, os alunos decidiram expandir o Projeto Jardim Vertical de uma forma que pudesse envolver a comunidade. Para tal, pensamos em dois caminhos. O primeiro seria aliar isto ao problema da obtenção de plantas. Propusemos que os parentes e responsáveis legais dos alunos da escola trouxessem mudas de plantas para doar aos jardins. Além disso, decidimos fazer um mutirão na escola para a confecção dos jardins, e convidar a comunidade para esta ação.

Desta maneira, as reuniões desta fase consistiram em planejar e colocar em prática este mutirão. Voltamos a trabalhar em um grupo único, todos concentrados nas mesmas ações dentro desta atividade maior.

Durante as reuniões desta etapa, os estudantes decidiram, em conjunto com a coordenação, a melhor data para fazermos o mutirão. Optamos por coincidir o mutirão com um dia reunião de representantes legais e professores, e também com um dia de ensaio da Banda Marcial Municipal de Ibaté – que ocorria na escola, e que possuía grande adesão dos alunos. Assim, o mutirão foi marcado para o dia 20 de setembro de 2016.

O preparo para o mutirão consistiu em duas grandes ações. A primeira foi montar uma carta-convite, destinada aos responsáveis legais dos alunos de sextos e sétimos anos da escola. Optamos por esse público por sugestão da coordenação, que possuía a experiência de diversas outras atividades extracurriculares com responsáveis legais e considerou que seria mais efetivo direcionarmo-nos a eles.

A segunda ação para preparo do mutirão foi promover uma sequência de atividades preparatórias da confecção dos jardins, dentro da escola, uma vez que não haveria possibilidade de fazer tudo em um dia só. Ao longo da semana anterior ao mutirão, os participantes do projeto fizeram a pintura e manutenção dos pallets, em conjunto com mais gremistas e colaboradores (que não participavam das nossas reuniões). Para personalização das garrafas – cortar, pintar, decorar com colagens – os estudantes tiveram a interessante ideia de combinar uma atividade com a professora de Arte, em suas aulas com as turmas de sexto ano. Um apontamento interessante a se fazer sobre estas duas ações é que elas foram decididas autonomamente pelos alunos, sem que a proposta tivesse sido comunicada ou “aprovada” pelo pesquisador em uma reunião. Os alunos perceberam a necessidade de adiantar parte do trabalho para o mutirão e o fizeram.

Por fim, chegou o ápice de nossa Atividade iniciada no mês de março: o mutirão para confecção dos jardins verticais. A escolha da data coincidente com ensaio da banda e reunião de representantes legais e professores fez com que houvesse cerca de 50 pessoas presentes na escola.

A maioria dos alunos era do sexto e sétimo ano do Ensino Fundamental, mas também havia diversos membros e colaboradores do grêmio no mutirão, além de membros da banda. Algumas mães, avós e irmãs mais velhas saíram da reunião e participaram da montagem dos jardins. Alguns professores também participaram da montagem.

A participação de alunos, funcionários e familiares se deu de diversas formas. Os alunos pintaram algumas garrafas (que não foram personalizadas anteriormente de propósito), enquanto outros colocavam as plantas e a terra nas garrafas, com auxílio de alguém da família. Alguns alunos também trouxeram mais plantas para os jardins.

Toda a coordenação do mutirão foi feita exclusivamente pelos participantes do projeto, divididos autonomamente em funções. Uma aluna coordenou o uso da terra. Ela mostrava aos alunos como colocá-la nos vasos. Outros dois, mais fortes, ficaram responsáveis por pregar as garrafas recém-personalizadas nos pallets. Duas alunas e um outro aluno, ajudaram a colocar as mudas de plantas nos vasos, direcionando onde cada planta deveria ser colocada (pois dois pallets ficariam numa face que bate Sol na maior parte do dia, e três ficariam em uma face com mais sombra). Outro aluno ficou com a responsabilidade de registrar em fotos e vídeos todo o processo de confecção dos jardins.

Nas imagens a seguir, temos registro do mutirão que envolveu estudantes, familiares e funcionários da escola. A figura 1 apresenta um momento do mutirão, enquanto as figuras 2, 3, 4 e 5 apresentam os produtos finais do projeto Jardim Vertical: os diversos jardins.


Figura 1. Mutirão na escola

Figura 2. Jardim vertical confeccionado


Figura 3. Jardim vertical confeccionado


Figura 4. Jardim vertical confeccionado


Figura 5. Jardim vertical confeccionado


Fechamento da Atividade

Após o grande dia do mutirão, ainda tivemos mais duas reuniões para fechar o nosso projeto para o prêmio “Construindo a Nação” e também para finalizar a Atividade de Educação Ambiental.

Para participação no prêmio, era necessário confeccionar um material audiovisual. Assim, produzimos um vídeo no encontro do dia 27 de setembro de 2016. Esta ação acabou promovendo um importante resgate de todo o processo de construção do projeto Jardim Vertical, uma vez que estipulamos coletivamente um roteiro a ser seguido, com uma certa divisão, e levantamos os principais pontos, tópicos e imagens a serem colocados no vídeo. A própria divisão das fases que apresentamos nesta dissertação foi inspirada na divisão que os alunos fizeram para o vídeo que produziram.

O vídeo foi enviado ao prêmio no final da semana. Devido ao término desta pesquisa, culminando com o fim de ano letivo da escola, não tivemos acesso aos desdobramentos da participação do grêmio estudantil da escola no prêmio “Construindo a Nação”. Estes desdobramentos viriam a acontecer posteriormente. Entretanto, mais importante que o resultado externo, buscamos averiguar as impressões de nossos participantes dentro da escola e do projeto coletivo dos jardins verticais.

O último encontro desta fase e do nosso projeto, ocorrido no dia 18 de outubro de 2016, consistiu num novo momento de reflexão coletiva sobre todo o projeto. Neste encontro, indagamos os alunos quanto aos aspectos positivos e negativos do projeto, e quanto a satisfação deles com o resultado final. Também conversamos sobre a visão deles em relação ao mutirão. Além disso, levantamos um aspecto importante, que interferiu bastante no trabalho: o abandono por parte de alguns alunos. Os participantes tentaram inferir ou entender os motivos que os levaram a isso, e o quanto isso prejudicou ou não o desenvolvimento do projeto.Com esta reflexão coletiva final, concluímos o último encontro e terminamos oficialmente o nosso projeto Jardim Vertical.


Análise e discussão dos registros

Durante a Atividade, buscamos incentivar três dos principais elementos determinantes para desenvolver um processo constante de formação crítica: a autonomia, a problematização e a dialogicidade. Uma de nossas principais preocupações, durante a mediação do projeto, foi não interferir na autonomia dos alunos quanto às suas escolhas, decisões, argumentações e métodos a serem seguidos para que alcançassem seus objetivos. A primeira forma de garantir esta autonomia foi justamente dando espaço para que eles dialogassem, expusessem suas ideias. O ponto de partida para definir a estrutura do projeto seguiu a metodologia freireana da investigação dos Temas Geradores: a problematização (FREIRE, 2011). Novamente, esta não existe de fato sem um processo dialógico:


Daí que, para esta concepção como prática de liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com eles. (Ibid., p.115)


O próprio projeto nasceu de uma demanda dos alunos, da vivência deles no ambiente escolar e de temas que os instigavam. Podemos considerar que a demanda pelo Jardim Vertical, e suas consequências para escola (tais como a reutilização de resíduos e o fator estético para tornar o ambiente escolar mais agradável) surgiu a partir de uma problematização dos próprios alunos envolvidos. Apresentamos o seguinte trecho do diário de campo, do dia 8 de março de 2016, para exemplificar este episódio:


Comentei que, como a ideia seria fazer um projeto para melhorar o ambiente, seria interessante começar pelo ambiente escolar, uma vez que é um espaço comum dividido por todos os alunos (diferentemente do espaço familiar e do ambiente externo, natural ou urbano). Assim, pedi que os alunos levantassem questões sobre o ambiente escolar, que nos instigassem ou gerassem preocupação. Foram levantadas as seguintes ideias:

Durante o decorrer deste encontro discutimos mais a fundo estas ideias levantadas. De todas, a que chamou mais atenção dos alunos foi a questão da horta. Muitos outros pontos foram levantados em consequência como, por exemplo, o uso de lixo orgânico proveniente da cantina para compostagem, coleta de água de chuva para regar a horta, entre outras ideias.


Em diversos momentos também foi essa vivência a grande responsável por decidirem as formas de se intervir na escola. Notamos também que é através do processo dialógico que a autonomia dos alunos pôde se traduzir em ações práticas. Podemos perceber isso no trecho do dia 22 de março, enquanto os alunos decidiam o cronograma de divulgação do projeto na escola:


MEDIADOR: A gente já tinha falado, semana passada, que como tem a semana de prova até o dia 1/4 [P4 confirma essa data], a gente começaria a divulgação mesmo no dia 4/4.

P4: Começar a chamar o pessoal pra poder ajudar, né?

MEDIADOR: Sim, exatamente. Bom, e aí? Pela experiência de vocês, que estão acostumados a fazer essas coisas aqui na escola, quanto tempo vocês acham que é bom pra divulgar?

P2: Ah, eu acho que assim, se passa um dia divulgando, por exemplo, daqui a 3 dias a gente passa pegando os nomes. Porque se a gente falar hoje e pegar amanhã, vai ter gente que ainda tá pensando. Três dias é suficiente, eu acho.

P1: Pra pensar.

P2: Ou aos poucos. Todo dia vai lá e pergunta.

MEDIADOR: Que mais que vocês costumam usar aqui na escola, que vocês acham que funciona, pra divulgar?

P4: Slide.

P2: Palestra.

MEDIADOR: Fazer uma palestra? Como que vocês fazem palestra, de sala em sala?

P4: Na sala de informática.

P2: Chama de sala em sala aí mostra o projeto.

P4: Mostra um videozinho.


Embasados por Freire (2011), ressaltamos que não é o simples diálogo condição automática para estímulo da formação autônoma. Tampouco a simples troca de informações que caracteriza uma relação dialógica. Por outro lado, percebemos que durante o processo problematizador de construção de todo o delineamento do projeto na escola, os alunos sempre se usaram do diálogo para construir uma concepção coletiva e consensual das ações que viriam a tomar. Não era a simples exposição de ideias, e sim o compartilhamento delas, buscando em diversos casos ressignificá-las. Podemos notar isso novamente no trecho que descreve a sondagem inicial de temas instigantes. Diferentes ideias, como a preocupação com garrafas e o interesse em criar uma horta, foram combinados e ressignifcados de forma a criar a proposta coletiva dos jardins verticais. Freire (2011) considera que é justamente esse processo de ressignificação que se configura como uma troca dialética, um verdadeiro diálogo.

A postura do mediador de “saber escutar” (Ibid., p.110) também é um ponto importante para promover o verdadeiro diálogo. Quando se objetiva promove-lo, o professor necessita buscar meios de falar com os alunos e não para os alunos. Segundo Freire (Ibid.), isto não pode ser feito de maneira hierarquizada e unidirecional,

A questão da autonomia é bastante subjetiva de ser observada nos registros. Até porque, segundo Freire (2011, 2014), a autonomia não é um acontecimento, e sim um processo. Entretanto, ao decorrer da Atividade, pudemos notar indícios de que os alunos tomavam decisões autônomas, como no episódio da pintura dos pallets, registrado no dia 13 de setembro de 2016, no diário de campo:


Um fato interessante que aconteceu neste dia foi que os alunos me comunicaram que já haviam iniciado a pintura dos pallets. Achei interessante pois justificaram que não daria tempo de pintar e montar jardins no dia do mutirão. Achei a justificativa razoável e considerei importante a pró-atividade deles, por tomarem essa atitude sem esperarem pela minha aprovação. Considerei isso uma postura um pouco mais autônoma que situações anteriores (onde eles antes esperavam a minha autoridade).

[...]

Além do início da pintura, os alunos buscaram as supervisoras para verificar a possibilidade de os alunos da escola poderiam participarem dessa antecipação de trabalhos artesanais. Eles decidiram conversar com a professora de Arte, para que sua aula com os sextos anos fosse utilizada para cortar e personalizar as garrafas.

Mais além, outros membros e colaboradores do grêmio foram convidados a participar do preparo dos pallets para o mutirão. Fiquei bem contente com a mobilização dos alunos ao sentirem que a data do mutirão – a atividade principal desses meses de construção – se aproximava.


Durante o desenrolar doprojeto, talvez por um maior amadurecimento dos alunos, foi possível notar mais momentos de decisões autônomas. Em vários casos, como no registro de 14 de junho, apresentado a seguir, os participantes até resolveram problemas mais urgentes de forma independente.


P2: Gente, os pallets não estão mais lá no fundo.

MEDIADOR: Eita, sério?

P10: Foi o [bedel da escola].

MEDIADOR: Eita, e aí? Nossa Rafaela precisa ver isso então. Perguntar pra [vice-diretora].

P10: O [bedel]pegou, acho. O cara que trabalha aqui.

MEDIADOR: Entendi. Pegou todos?

P10: Tem dois lá no canto.

P2: Um só.

MEDIADOR: Mas e aí, como vai fazer?

P2: P8, não tinha um pallet só lá no fundo? Que a gente foi ver aquele dia?

P8: Eu fui ver lá, tinha um só. Aí depois eu conversei com a [vice-diretora], a gente achou mais dois ali, eu e o P10. Aí eu falei com ela, pra ela falar com o [bedel], que foi ele que pegou. Ela falou que ia falar pra ele trazer cinco.


No dia 27 de setembro, durante a confecção do vídeo para o prêmio “Construindo a Nação”, foi possível notar já um alto grau de autonomia e participação dos estudantes presentes. A construção da estrutura do vídeo foi conduzida por um dos participantes, que havia sido responsável pelos registros em fotos.


P13: Copia pra uma pasta nova. Jardim vertical.

P1: Vou colocar em categoria.

MEDIADOR: Melhor ainda, já facilita. Quais as categorias?

P1: Fiz Jardim Vertical, Reunião, Confecção do Material, Confecção das Garrafas e Mutirão.

MEDIADOR: Maravilha! Já vai facilitar muito. Muito obrigado P1

P13: Pelo menos serve pra alguma coisa, P1 [risos]

[...]

P14: Vocês vão fazer um vídeo com essas 200 fotos, gente?

P13: Tipo, coloca foto desde quando a gente tava tendo reunião.

MEDIADOR: Ali, “Vídeo de no máximo 5 minutos, aonde sejam expostos informações, dados e imagens que apresentem os objetivos e principais etapas do trabalho” [referindo-se às normas do prêmio].

P1: Quem tem caderno aí?

MEDIADOR: Caderno eu tenho.

P1: Vai anotando as informação.

MEDIADOR: Tá.

P1: Aí na hora que foi passar pro vídeo, passa direto. É...”informações, dados e imagens que apresentem os objetivos e principais etapas do trabalho... avaliação e benefícios”.


Em várias situações de planejamento coletivo, os estudantes mostraram-se atuantes para desenvolver as ações. Durante o planejamento da coleta de garrafas, por exemplo, no dia 7 de junho, podemos ver que estas decisões eram sempre tomadas a partir do diálogo, da opinião unânime do grupo, sem interferências de nossa parte nas escolhas deles.


MEDIADOR: Bom, então, vocês falaram com a supervisora já sobre passar nas salas divulgando. O que mais vocês já encaminharam? Vocês pensaram certinho onde vai ser colocado o latão pra coletar as garrafas?

P2: Acho que tinha que ficar perto do mural, porque o mural já é do grêmio aí chama atenção.

P9: Não! Deixa perto da cantina.

P1: É verdade, o mural tem muita coisa aí não vai ter espaço pra colocar.

MEDIADOR: E aí, perto do mural, perto da cantina? Que mais?

P2: Perto da cantina vai bem.

P9: Perto da cantina, professor. Ali eu como, bebo, já jogo lá.

MEDIADOR: E aí, todo mundo concorda com essa ideia? Perto da cantina é melhor que perto do mural? Matheus comentou aqui que no mural já tem muita coisa, talvez passe despercebido. Perto da cantina tem isso que a P5 falou. Alguém tem alguma coisa contra? Achou legal? Concordam?

P9: Ninguém tem né, acho bom! [risos]

MEDIADOR: Pode ser perto da cantina então?

ALUNOS: Sim, professor.


Novamente, ancoramo-nos no preceito de Freire (2011) acerca da autonomia como processo e não como fenômeno pontual. Nos diferentes trechos apresentados, vemos indícios, momentos, ações que possam vir a servir de subsídio ou de experiência para o desenvolvimento da autonomia. Não há como mensurar ou indicar que um dado acontecimento pontualmente “aumentou” o grau de autonomia de algum participante.Por outro lado, podemos e devemos considerar que a criação e vivência desse tipo de contexto – de discussões visando a tomada de decisões consensual, desenvolvimento prático de ações – é um ambiente propício ao desenvolvimento da autonomia, diferentemente de um contexto antidemocrático.

O próprio processo pautado na problematização, em que os membros do grupo decidiram eles mesmos desde o objetivo final –a confecção de jardins verticais – até os diversos passos a serem dados para concluir essa proposta – planejamento de etapas, divisão em grupos de trabalho, implementação das ações – configuram-se como amostra de um processo autônomo. Muito diferente seria se o projeto e cada uma de suas etapas fossem colocados de forma impositiva por um professor ou coordenador. Segundo Freire (2011, p.39), “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo”. Assim sendo, consideramos necessária à formação autônoma este tipo de espaço: democrático e dialógico.


Considerações

Acerca das categorias freireanas previstas, foi possível notar indícios de que elas foram estimuladas. A ação mediadora buscou em todo o momento promover o diálogo com os alunos participantes do projeto. Partimos também de uma problematização do local em que estávamos inseridos, tendo como “trilhos” dessa reflexão a questão ambiental na escola.

O diálogo, de fato, é um princípio presente a todo momento em uma atividade cooperativa, em que os alunos precisam tomar decisões e planejar ações sempre de forma coletiva. Desde o processo de problematização inicial, como nas diversas situações problematizadoras em que os alunos planejaram estratégias de implementação das etapas do projeto, o diálogo e a busca pelo consenso estiveram sempre presentes.Como pudemos perceber nos diversos registros apresentados, vimos que os estudantes agiram de forma autônoma em muitas situações. Durante as discussões de planejamento de ações, vários participantes tinham posturas atuantes. Com o amadurecer do projeto, muitos assumiam responsabilidades ou faziam divisões de tarefas sem o meu estímulo, como mediador, para tal.

Ressaltamos novamente que a emancipação ou formação crítica é um processo longo e talvez até interminável. Não é uma ação, uma experiência ou um episódio, e sim um longo processo que permeia toda a vida do ser humano. Seria muita presunção achar que uma atividade de alguns meses letivos pudesse "emancipar" nossos alunos. Por outro lado, consideramos que podemos e devemos sim criar ambientes propícios à formação do pensamento crítico, sempre que possível. Assim, consideramos que nosso projeto incentivou o desenvolvimento de certos elementos necessários à formação crítica: a problematização, a autonomia e a dialogicidade. Ao criar espaços propícios para o diálogo, à problematização e à tomada crítica de decisões, julgamos estar propiciando o desenvolvimento dos elementos que visam promover uma Educação Ambiental Crítica – ou simplesmente, uma Educação Crítica. Para tanto, elementos da aprendizagem cooperativa foram acionados ao longo da atividade, contribuindo para os processos desenvolvidos.


Referências

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