COMO ESTARÁ A PRAIA DE GURIRI EM 2050? UMA OFICINA PEDAGÓGICA



Evandro Arruda de Martini1, Kelly Bonach2, Rômulo de Araújo Primo3



1 Engenheiro Ambiental. Técnico Ambiental no Centro TAMAR/ICMBio. (centrotamar@icmbio.gov.br)

2 Médica Veterinária. Mestre em Ecologia de Agroecossistemas. Analista Ambiental no Centro TAMAR/ICMBio.

3 Graduando em Ciências Biológicas pela UFES.





RESUMO

A Base do Tamar em Guriri/ES realizou oficinas com o objetivo de conhecer as concepções de jovens capixabas sobre as perspectivas para o meio ambiente local nas próximas décadas, e em seguida promover o debate sobre as visões e opiniões apresentadas, com base em dados científicos atuais sobre as tartarugas marinhas e seus habitats. No âmbito da educação ambiental de tendência democrática, cada participante precisou pensar sobre o futuro e se viu confrontado com perspectivas e interpretações diferentes sobre o meio ambiente. Através dos desenhos realizados pelos grupos e de anotações realizadas durante as oficinas, serão descritas as concepções dos participantes sobre as problemáticas relativas ao ambiente costeiro e marinho. Os resultados mostram visões divergentes - normais em uma sociedade democrática - e a projeção de futuro da maioria dos participantes pode ser considerada otimista em relação à presença de lixo na praia e no mar, e bastante otimista em relação às tartarugas marinhas, espécies ameaçadas de extinção.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Restinga. Tartarugas marinhas. Futuro.



ABSTRACT

TAMAR Sea Turtle Project has organized workshops, at its base in Guriri/ES (Brazil) in order to know the conceptions of local young people of the about their environment in the next decades and to promote a debate about the different points of view and opinions, based on scientific data about sea turtles and their habitats. In a tendency of environmental education based on democratic participation, each person had to think about the future and was confronted to different perspectives and interpretations about the marine environment. Based on the drawings by each group and notes written during the workshops, we will describe the participants’ conceptions about environmental issues concerning the beach and the sea. The results show different points of view - which are normal in a democratic society - and most of the participants’ future projections can be considered optimistic about the presence of solid waste on the beach, and very optimistic about sea turtles, which are threatened with extinction.

Keywords: Environmental Education. Restinga. Sea turtles. Future.





Introdução

A Semana do Meio Ambiente de 2018 foi celebrada na base do Tamar em Guriri, de 2 a 6 de junho, com o objetivo de promover a conscientização sobre o meio ambiente e o papel dos seres humanos para a manutenção da vida a nível local e global.

Comemorado em 5 de junho, o Dia Mundial do Meio Ambiente foi criado pelas Nações Unidas para marcar a data de abertura da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972 em Estocolmo. Em 2018, a ONU propôs para esta data o tema “#AcabeComAPoluiçãoPlástica”, chamando governos, setor privado, comunidades e indivíduos a reduzir a produção e o consumo excessivo de produtos plásticos descartáveis (ONU, 2018).

Inspirada na preocupação com as gerações futuras, presente em diversos pontos da Declaração de Estocolmo e de acordos posteriores sobre o desenvolvimento sustentável, a equipe do Tamar realizou oficinas durante a Semana do Meio Ambiente, com o objetivo de conhecer as concepções dos jovens capixabas a respeito das perspectivas para o meio ambiente nas próximas décadas, e em seguida promover o debate sobre as visões e opiniões apresentadas, com base em dados científicos atuais.



Fundamentação histórica

Inicialmente é importante resgatar o histórico dos conceitos de “desenvolvimento sustentável” e de “direitos das gerações futuras”, ideias que representaram uma mudança de paradigma ainda não completamente assimilada em nossa sociedade que mede o desenvolvimento principalmente pelo crescimento anual do Produto Interno Bruto.

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo, realizada em 1972 em Estocolmo, na Suécia, foi a primeira Conferência global voltada para o meio ambiente, e como tal é considerada um marco: pela primeira vez na história o meio ambiente foi inserido na agenda internacional como um tópico relevante (BRANDÃO et al., 2015).

Entre os princípios aprovados pelos 113 países participantes na Conferência de Estocolmo, incluindo o Brasil, destacam-se preocupações que vão além do curto prazo, como no 2º Princípio:

Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento. (ONU, 1972, p. 3)

A partir da Conferência de Estocolmo, fortaleceu-se o conceito de desenvolvimento sustentável, definido em 1987 como o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991).

Desde então, foram realizadas diversas outras conferências das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, incluindo a Rio-92, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, que deu origem à Agenda 21 - um plano de ação com o objetivo de preparar o planeta para os desafios do século XXI (ONU, 1992) - e à Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB). Em um alerta de 1992, ainda muito atual, lemos que “O custo da inação pode superar o custo financeiro da implementação da Agenda 21. A inação limitará as opções das gerações futuras” (ONU, 1992, cap. 33.4).

O reconhecimento dos direitos das gerações futuras implica na importância da reflexão sobre a tendência dos problemas ambientais a se agravarem ou se reduzirem no futuro. A perspectiva de longo prazo é especialmente importante em relação à conservação de animais de maturação tardia. Segundo Correia et al. (2016), devido ao ciclo de vida longo e complexo das tartarugas marinhas, que utilizam como habitat o litoral, a costa e os oceanos, sem um esforço coletivo e um trabalho de longo prazo, as iniciativas de conservação dessas espécies morrem literalmente na praia.

O Projeto Tamar, fruto da soma de esforços do Centro Tamar e da Fundação Pró-Tamar, vem realizando ações para a conservação das tartarugas marinhas desde a década de 1980. Desde 2007 o Centro Tamar (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas e da Biodiversidade Marinha do Leste) faz parte do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, contando com oito bases avançadas no litoral brasileiro (ICMBIO, 2018). Outras bases do Projeto Tamar são mantidas pela Fundação Pró-Tamar, e outras instituições parceiras também atuam em áreas de desova ou de alimentação, nos milhares de quilômetros do litoral brasileiro.



A Base do Tamar em Guriri e a Semana do Meio Ambiente

A Base Avançada do Centro Tamar em Guriri, balneário localizado em São Mateus, no norte do Espírito Santo, foi implantada em 1988 e atua no monitoramento das praias da região, contribuindo para a proteção anual de milhares de filhotes de tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), espécies ameaçadas (MMA, 2014) que têm o litoral norte capixaba como área prioritária de desova (SFORZA et al, 2017). Realiza também atividades de pesquisa, avaliação de impactos de empreendimentos, educação ambiental e sensibilização ambiental com a população local, bem como turistas no verão. Além da equipe de servidores e terceirizados, a Base conta também com o apoio de dezenas de voluntários, na sua maioria jovens, que acumulam experiência, conhecimentos novos e a satisfação de estarem contribuindo para a conservação da biodiversidade.

Na Semana do Meio Ambiente de 2018, a base do Tamar em Guriri realizou diversas atividades com um público total de 559 pessoas. Grupos escolares foram guiados em uma trilha no meio da restinga, onde foram colocados animais taxidermizados, além de placas informando o nome popular e científico de algumas plantas. Também houve teatro de fantoches, apresentação musical, palestra sobre a importância da restinga, soltura de filhotes na praia, entre outras atividades para diversos públicos-alvo.

Na maior parte das atividades, foi ressaltada a importância da conservação da restinga para as tartarugas e para outras espécies, incluindo o ser humano. Para as tartarugas marinhas, a presença da vegetação regula a temperatura da areia, protege da erosão as praias de desova, além de dificultar o acesso desordenado de pessoas e veículos e reduzir o impacto da poluição luminosa, que desorienta fêmeas e filhotes. Assim, preservar as características das praias e evitar o incremento de fenômenos erosivos é fundamental para resguardar os sítios de desova de tartarugas marinhas e também para diversas outras espécies e para as construções humanas, sujeitas aos efeitos de tempestades e ressacas (SFORZA et al., 2017).



Metodologia

A educação ambiental de tendência emancipatória e democrática

Para Lima (2011), a tendência emancipatória da Educação Ambiental, em um contexto de crise civilizatória de amplas dimensões, se caracteriza pela compreensão complexa e multidimensional da questão ambiental, por uma atitude crítica ante os desafios da crise civilizatória, pela convicção de que o exercício da participação social e a conquista da cidadania são práticas indispensáveis à democracia e à emancipação socioambiental, entre outras características.

Paulo Freire aponta em diversas obras que o educador de tendência democrática deve saber escutar:

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele. Mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele. [...] O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele. (FREIRE, 1996, p. 113, grifo do autor)



Assim, valorizando o diálogo entre diferentes opiniões e visões de mundo, buscamos realizar uma oficina pedagógica que estimulasse nos participantes o pensamento crítico sobre o futuro do ambiente local. Matos & Feitas (2005, pg. 4) descrevem algumas característica de oficinas pedagógicas:

Elas permitem reflexões, especialmente, no que diz respeito às dificuldades envolvidas em se romper com o modelo tradicional de ensino, pois o objetivo não é prescrever receitas, ‘conscientizar’ ou fechar as questões propostas, determinando o certo e o errado, mas sim contemplar, ao menos em parte, a diversidade de opiniões e comportamentos existentes relativos a essas temáticas.



Os três momentos pedagógicos

A oficina proposta se inspira na dinâmica didático-pedagógica conhecida como os “Três Momentos Pedagógicos”, descrita por Rossato (2007) e por Muenchen & Delizoicov (2014), que resumem assim a dinâmica:

Problematização Inicial: apresentam-se questões ou situações reais que os alunos conhecem e presenciam. Nesse momento pedagógico, os alunos são desafiados a expor o que pensam sobre as situações.

Organização do Conhecimento: momento em que os conhecimentos científicos necessários para a compreensão dos temas e da problematização inicial são estudados.

Aplicação do Conhecimento: abordagem sistemática do conhecimento incorporado pelo aluno, para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram seu estudo quanto outras que possam ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.

No âmbito da educação ambiental e com o objetivo de estimular a reflexão sobre o futuro, nos inspiramos na Oficina ‘O Agravamento dos Problemas Sócio-ambientais’, proposta por Rossato (2007). A autora citada questionou alunos sobre o estado do meio ambiente em 2050. Porém, na nossa dinâmica, antes do questionamento, foi realizada uma trilha pela restinga, da base do Tamar até a praia de Guriri, com o objetivo de aproximar os participantes do estado atual do meio ambiente local, para em seguida abrir o debate sobre o futuro. Na trilha, foram colocados animais taxidermizados, além de placas informando o nome popular e científico de algumas plantas. Também foi realizada coleta de lixo e separação do lixo reciclável.

Após a realização da trilha, tiveram início as oficinas, nos dias 5 e 6 de junho de 2018, com alunos de escolas e de um grupo de jovens socioeducandos. Os participantes foram divididos em grupos e foi feito o seguinte questionamento: “Imagine-se entrando num túnel do tempo e saindo no ano 2050, na praia de Guriri. Você vai observar o meio ambiente à sua volta e representar como a praia e a restinga vão estar em 2050. Vai ter mais lixo do que hoje em dia, ou menos?”. Os grupos tiveram 20 minutos para desenhar a praia e a restinga de Guriri em 2050. Em seguida, cada grupo apresentou para todos a sua “visão de futuro”.

Na segunda etapa, Organização do Conhecimento, o mediador fez uma apresentação, resumindo o estado de conservação das tartarugas marinhas no Brasil, os fundamentos históricos dos conceitos de “desenvolvimento sustentável” e de “direitos das gerações futuras” abordados acima, e em seguida apresentando dados científicos sobre duas temáticas ambientais que deverão impactar a praia e a restinga de Guriri até 2050: os resíduos sólidos e a tendência de modificação da linha de costa devido à erosão local e ao aumento global do nível do mar. Esses temas abordados têm aspectos globais, com causas e consequências relacionadas ao sistema econômico mundial e ao planeta como um todo, porém, a problematização inicial focada no ambiente local, que os participantes conhecem, estimula a percepção dos participantes de que as temáticas ambientais estão inseridas em suas próprias vidas: que eles são afetados pelos problemas ambientais e também são atores que podem intervir na realidade a partir do conhecimento científico (FREIRE, 1996). Segundo Carvalho (2004), muitos trabalhos na área da Educação Ambiental integram a escola e as comunidades do entorno: a preocupação com os problemas ambientais locais ajuda a criar um novo espaço de relações que, sem excluir a escola, a expande.

Em relação aos resíduos sólidos, foram mostradas imagens dos impactos que o lixo de origem humana pode causar nas tartarugas marinhas e em outros animais: obstrução ou perfuração do trato intestinal, prisão e amputação de membros, entre outros tipos de ferimentos que podem levar os animais à morte (SFORZA et al., 2017). Lebreton et al. (2017) estimam que, em todo o mundo, entre 1,15 e 2,41 milhões de toneladas de plásticos são aportados aos oceanos anualmente pelos rios. Os quatro rios que mais emitem plásticos se localizam na Ásia, em países de forte crescimento econômico e gestão de resíduos sólidos deficiente. Foi feita uma breve discussão sobre as diferenças entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável.

Sobre a tendência de modificação da linha de costa, inicialmente foi esclarecido que há áreas sujeitas à retrogradação do litoral, com o mar avançando sobre praias e estruturas em situações de maré alta e maior intensidade de ondas. Trata-se de fenômenos erosivos que têm causas locais ou regionais como obras costeiras, desmatamento, assoreamento de rios e construções irregulares (MUEHE, 2006; SFORZA et al., 2017). Foram mostradas imagens de estradas e construções danificadas pela ação das ondas no litoral do Espírito Santo. Fenômeno distinto, e global, é a subida do nível do mar devido ao aquecimento do planeta e ao derretimento de geleiras. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, 2013), o nível do mar está subindo em todo o mundo, mas esta elevação ocorre em escala de décadas ou séculos. Diferentes modelos e cenários preveem um aumento global médio do nível do mar, em meados do século XXI, entre 17 a 38 cm acima do nível no período de referência, de 1986 a 2005. Assim, as faixas de praia deverão ser impactadas em todo o mundo, com algumas localidades mais afetadas do que outras devido aos impactos locais que se somam às mudanças globais. Inversamente, o respeito às regulamentações de construções à beira-mar e a conservação das dunas poderão minimizar os impactos da elevação global do nível do mar (NASSAR, 2015).

Também foi abordada na apresentação a recuperação das populações de tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) que desovam no Espírito Santo. Com o esforço conjunto do Tamar e de diversas instituições parceiras, as populações de tartarugas marinhas mostram um princípio de recuperação no Brasil, com números de ninhos crescentes em relação à década de 1980 (SFORZA et al., 2017; THOMÉ et al., 2007; SANTOS et al., 2011), embora as cinco espécies que ocorrem no Brasil ainda estejam ameaçadas de extinção (MMA, 2014).

Cabe ressaltar que esta segunda etapa da oficina tem o objetivo de apresentar aos participantes o conhecimento científico atual sobre problemas ambientais para que, uma vez internalizados esses novos conhecimentos, eles possam refletir sobre suas visões de futuro expressadas nos desenhos da primeira etapa. Por se tratar de especulações sobre o futuro, não há uma única resposta correta para as questões, embora algumas projeções estejam mais fortemente corroboradas por dados científicos do que outras.

Na terceira e última etapa, foi perguntado aos participantes, após terem contato e interpretarem os conhecimentos científicos apresentados, se eles acreditam que em 2050 a praia de Guriri vai ter lixo e se a região ainda vai ter desovas de tartarugas marinhas.

Através dos desenhos realizados pelos participantes, que ficaram com o Tamar para arquivo, e de anotações realizadas durante a oficina, buscaremos descrever as concepções dos participantes sobre as problemáticas ambientais que foram abordadas, bem como suas dúvidas e as opiniões a cada etapa da oficina. Algumas falas dos participantes serão relatadas entre aspas. A abordagem dos resultados foi qualitativa, uma vez que os desenhos realizados por cada grupo e os pontos de vista expressados por cada participante são ricos em pormenores e de difícil mensuração. A abordagem qualitativa tende a se interessar mais pelo processo do que pelos resultados, e a refletir a forma como as pessoas interpretam determinados fatos (BOGDAN & BIKLEN, 1994).

Como descrito acima, o ponto de partida foi o ambiente costeiro, que os alunos conhecem e presenciam, mas que não conseguem interpretar completamente porque provavelmente não dispõem de conhecimentos científicos suficientes. No final da dinâmica, após a abordagem de respostas científicas para as questões, pretende-se que o conhecimento esteja acessível para o aluno, associado ao seu cotidiano. Desta forma, pode-se evitar a excessiva dicotomização entre o ‘quadro-negro’ e a ‘vida’ (MUENCHEN & DELIZOICOV, 2014).



Resultados e Discussão

Primeira Oficina

A primeira oficina foi realizada com 44 alunos de uma escola municipal, no dia 5 de junho de 2018. Os participantes, de 10 a 11 anos, foram divididos em cinco grupos. Em cada grupo, houve discussões iniciais intensas, refletindo as diferenças entre as visões de futuro de cada pessoa. Em uma conversa que registramos, um dos participantes queria desenhar lixo na areia e o outro respondeu: “Em 2050 tem que estar melhor, não piorar”. A questão do lixo foi a que gerou mais discussões. Após o confronto entre opiniões divergentes, que durou mais ou menos tempo de acordo com o grupo, os participantes fizeram os desenhos e em seguida cada grupo apresentou seu desenho para os demais.

No desenho do primeiro grupo, havia grande diversidade de espécies vegetais na restinga e de animais no mar: siri, caranguejo e três espécies diferentes de tartaruga marinha. Mas na areia havia lixo.

O segundo grupo desenhou uma única espécie animal, uma tartaruga marinha, e ao apresentar seu desenho, mostrou a divergência de opiniões em uma fala: “Tinha um lixo aqui, mas a gente apagou.”

Os membros do terceiro grupo apresentaram uma visão de mundo otimista, baseada em avanços tecnológicos e na conscientização dos pescadores. O grupo desenhou dois barcos de pesca com redes com tecnologia que evita a captura de tartarugas: “Tem uma câmera na rede e quando tem tartaruga ela abre e solta.” De fato, a captura incidental por diversas artes de pesca é considerada a principal causa de morte das tartarugas marinhas no Brasil e no mundo (CORREIA et al., 2016) e o desenvolvimento e adoção de medidas mitigadoras, assim como o diálogo com pescadores para convencê-los a adotar tais medidas, são ações essenciais para a conservação dessas espécies (THOMÉ et al., 2003; FOSSETTE et al., 2014; BRITTO et al., 2016).

O quarto grupo desenhou uma tartaruga marinha desovando em uma praia com lixeiras e sem lixo na areia ou na água. Na visão deles, a população local terá maior consciência ambiental em 2050, conservando o oceano e a restinga.

O quinto grupo, segundo os próprios participantes, “foi o que mais brigou”. As divergências foram tantas que o desenho foi dividido em duas metades. De um lado, “a poluição ocupou tudo” em uma perspectiva pessimista de futuro. Não há restinga, apenas lixo, casas e prédios. No mar, uma tartaruga marinha come um plástico. Na outra metade, feita pelos outros membros do grupo, a praia estava limpa, sem lixo, mas com poucos detalhes: segundo eles, foi tanto tempo gasto em discussões que não conseguiram completar o desenho no tempo disponível.

O moderador explicou que as divergências dentro de cada grupo são normais em uma sociedade democrática. Um dos objetivos da oficina foi exatamente a confrontação de diferentes perspectivas e interpretações sobre o meio ambiente, com o respeito às diferenças.



Segunda Oficina

No dia 6 de junho de 2018 a mesma oficina foi realizada com 21 alunos de uma escola municipal (idades de 11 a 13 anos) e com quatro jovens socioeducandos de 15 a 18 anos. Inicialmente receamos em realizar a oficina com jovens de idades tão diferentes, mas o resultado da interação entre as crianças e os adolescentes foi positivo.

Os alunos da escola foram divididos em dois grupos de 10 e 11 pessoas cada. Novamente, as divergências entre os membros foram consideráveis. Uma das crianças, por exemplo, queria pintar um mar sujo, mas seus colegas conseguiram convencê-lo de que o mar em 2050 seria azul. Os adolescentes, em um grupo menor, chegaram a um consenso sobre a presença de lixo na areia: “Sempre tem, né?”

Na apresentação do primeiro grupo, havia uma lixeira na praia e uma placa “Não jogue lixo no chão”, e de fato não havia lixo. Porém, entre a vegetação de restinga e o mar, havia uma casa (Figura 1). O moderador fez uma intervenção, explicando que em um período de ressaca, as ondas vão atingir a casa, podendo danificar as estruturas.

Figura 1: Desenho do 1º grupo da 2ª oficina, com casa entre a restinga e o mar



O segundo grupo desenhou uma tartaruga marinha e diversas espécies de peixes no mar, além de uma trilha pela restinga, com várias pessoas. No final da trilha, uma lixeira, “por isso tá tudo limpo”.

O terceiro grupo, de adolescentes, também desenhou peixes e uma tartaruga no mar. Mas havia uma casa construída na praia e na areia havia vários tipos de lixo deixados pelos frequentadores da praia (Figura 2). Uma história contada por esse grupo revela que a conscientização socioambiental ainda vai ser necessária em 2050: “Essa sacola está cheia de lixo que alguém juntou, mas não levou embora.” O moderador interveio no final, dizendo que para evitar situações como essa, a educação ambiental é importante hoje e também será importante no futuro.

Figura 2: Desenho do 3º grupo da 2ª oficina, com grande quantidade de lixo na praia



Na terceira etapa, após assistirem à apresentação, os participantes das duas oficinas responderam a duas perguntas. À primeira, “Em 2050 ainda vai ter tartarugas desovando na praia de Guriri?”, 100% dos participantes responderam que sim. A segunda pergunta foi: “Em 2050 vai ter lixo na praia de Guriri?” e cerca de 1/3 dos participantes responderam que sim, enquanto 2/3 responderam que não. Foi difícil inclusive a mensuração exata, pois algumas das respostas foram inconclusivas. Apesar da divergência, no debate final sobre essa questão todos concordaram que o lixo na praia e no mar atrapalha a vida das pessoas e dos animais.



Considerações Finais

Por se tratar de especulações sobre o futuro, não há uma única resposta correta para as questões levantadas na oficina pedagógica. A oficina gerou debates em que cada participante precisou pensar sobre o futuro e se viu confrontado com visões de futuro diferentes. Acreditamos que esses debates foram mais importantes do que o produto final, o desenho de cada grupo.

A projeção geral da maioria das crianças e adolescentes para a praia e a restinga de Guriri em 2050 pode ser considerada otimista, se comparada com as projeções de diversos cientistas que estudam a crise socioambiental global. Porém, não é possível afirmar que os jovens participantes ignoram ou desprezam a importância de problemas ambientais como os resíduos sólidos e o desmatamento. De forma geral prevaleceu entre eles a visão esperançosa de que esses problemas têm soluções técnica e socialmente viáveis, ainda que de difícil implementação. O papel do mediador, longe de impor uma visão catastrófica, foi o de mostrar as dificuldades consideráveis que nossa sociedade tem e terá, para alcançar o chamado desenvolvimento sustentável.

Paulo Freire (1996, p. 73) argumenta que a esperança em relação ao futuro é importante, pois “a desesperança nos imobiliza”, e que a experiência que possibilita as mudanças é social, não individual. A partir dessa perspectiva e das projeções otimistas e esperançosas de grande parte dos participantes, a fala final das oficinas deixou claro que a ciência não permite prever com exatidão o estado do meio ambiente em 2050: vai depender de todos nós, de nossas ações individuais, coletivas e políticas. Sabemos também que a inação limitará as opções das gerações futuras (ONU, 1992). Novamente citando Freire (1996, p. 77), mudar é difícil mas é possível.



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