ESTRATÉGIAS SUSTENTÁVEIS DE PRODUÇÃO TRADICIONAL DE CERÂMICA NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE ITAMATATIUA, ALCÂNTARA/MA

Elisabeth Regina Alves Cavalcanti Silva1; Neyla Cristiane Rodrigues de Oliveira1; José Gustavo da Silva Melo2; Josimar Vieira dos Reis2; Jadson Freire da Silva2; Carlos Eduardo Santos de Lima2; Josiclêda Domiciano Galvíncio2

1Departamento de Meio Ambiente, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. E-mail: elisabeth.silva@ifma.edu.br; neylacristiane_bio@yahoo.com

2 Departamento de Ciências Geográficas, Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: josegustavo_melo@hotmail.com; prej_86@hotmail.com; jadsonfreire_ufpe@gmail.com; carlos.santoslima@ufpe.br; josicleda@hotmail.com



R E S U M O

Desde o início de sua organização, os quilombos brasileiros constituíram-se em estratégias de oposição a uma estrutura escravocrata, que relegava os negros à senzala e a cultura negra a um papel incipiente na formação da identidade do país. No entanto a resistência negra esteve presente tanto na insubmissão aos poderes hegemônicos que dominavam a economia brasileira, quanto na sua forma de organização espacial em comunidades denominadas de quilombos, onde podiam exercer atividades relacionadas aos saberes ancestrais adquiridos. Por essa razão, este trabalho tem por objetivo analisar o processo de produção tradicional de cerâmica na comunidade quilombola de Itamatatiua, no município de Alcântara/MA, e o modo como a comunidade gerencia a água para produção de cerâmica na comunidade, tendo em vista que essa atividade é exercida de modo artesanal e o conhecimento é repassado há séculos de pais para filhos. Atualmente, para produção da cerâmica é utilizado o sistema natural, ou seja, a partir da utilização da água da chuva, tornando a atividade mais sustentável. O trabalho demonstrou, a partir de fotos e entrevistas realizadas na comunidade, que a tradição da produção de cerâmica na região deve continuar a ser repassada e que essa ainda é uma atividade muito importante para a subsistência das famílias presentes na área.

Palavras-Chaves: comunidade quilombola, produção de cerâmica, sustentabilidade.





A B S T R A C T

From the very beginning of its organization, the Brazilian quilombos constituted in strategies of opposition to a slave structure, that relegated the blacks to the senzala and the black culture to an incipient role in the formation of the identity of the country. However, black resistance was present both in the insubordination of the hegemonic powers that dominated the Brazilian economy and in its form of spatial organization in communities called quilombos, where they could carry out activities related to the acquired ancestral knowledge. For this reason, the objective of this work is to analyze the traditional ceramic production process in the quilombola community of Itamatatiua, in the municipality of Alcântara/MA, and how the community manages water for ceramic production in the quilombola community, considering that this activity is handcrafted and knowledge has been passed on for centuries by parents to son. Currently, for the production of ceramics the natural system is used, that is, from the use of rainwater, making the activity more sustainable. The work showed, from photos and interviews conducted in the community, that the tradition of ceramic production in the region should continue to be passed on and that this is still a very important activity for the subsistence of families present in the area.

Keywords: community quilombola, production of ceramics, sustainability.



INTRODUÇÃO

De acordo com Munanga e Gomes (2006) a Resistência Negra à escravidão demonstrava-se de diversas formas, desde insubmissão às condições de trabalho, revoltas, organizações religiosas, fugas, até a organização em grupos na forma de quilombos. De inspiração africana os quilombos brasileiros constituíram-se em estratégias de oposição, “a uma estrutura escravocrata, pela implementação de uma ou outra forma de vida, de uma outra estrutura política na qual se encontrara todos os tipos de oprimidos”.

Partindo dessa realidade, o Nordeste foi a região onde mais se concentrou a formação de comunidades quilombolas, cuja resistência cultural produziu características próprias a essas comunidades, que podem ser facilmente constatáveis pelos diversos costumes e tradições de suas festividades e manifestações religiosas, bem como pela sua relação com a natureza e com o meio ambiente (SILVA, 2010).

Dentre as diversas comunidades quilombolas existentes no Nordeste, e em especial no Maranhão, encontra-se a comunidade de Itamatatiua, povoado por mais de 100 famílias, localizado no interior do município de Alcântara, que, além de autodenominada terra de preto, retoma a denominação quilombo, dedicando-se à agricultura familiar para subsistência, às atividades ligadas ao turismo e, principalmente, à produção de cerâmica, realizada pelas mulheres da comunidade e utilizando a água, para a produção do material, de modo sustentável (NORONHA, 2015).

Um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se na gestão dos recursos hídricos de forma descentralizada e contando com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades, levando-se em consideração que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico (BRASIL, 1997). Dessa forma, o desenvolvimento de práticas que possam promover a sustentabilidade na utilização dos recursos hídricos pela comunidade pode trazer inúmeros benefícios (SILVA, 2016). Na comunidade quilombola de Itamatatiua é utilizada atualmente a água da chuva para a produção da cerâmica, de modo que o processo de produção tornou-se mais sustentável. Para uso doméstico são utilizados poços artesianos e água da fonte do Chora. Foram construídas barragens de contenção de água e esse sistema mudou a realidade das comunidades nessa região. A área do campo, que é uma várzea, oferece água para animais e a agricultura da área é principalmente de subsistência.

Segundo Gonçalves (2012) as comunidades quilombolas que possuem importantes conhecimentos ecológicos, mesmo que estes sejam empíricos e embasados no seu cotidiano, muitas vezes não sabem qual a relação entre os recursos naturais e as políticas públicas envolvidas no processo de construção do espaço do quilombo, portanto essa falta de conhecimento torna-se prejudicial na luta pelos direitos que possuem. A autora salienta que nem sempre os quilombolas conseguem, através de suas lideranças, compreenderem quais as relações de poder existentes entre a gestão do território e o meio ambiente. Segundo ela:

Mesmo no que se refere à qualidade de vida, os conhecimentos sobre o ambiente natural em que se vive possui grande importância para qualquer comunidade, isso demostra a importância da implantação de projetos de educação ambiental em comunidades de quilombos, dentro de uma visão simplista a sociedade tende a acreditar que pessoas que vivem em um contato direto com o ambiente natural possuem plenos conhecimentos sobre como conviver no lugar e as consequências provocadas pelas ações que se pratica a natureza local. (GONÇALVES, 2012).

Segundo Fernandes e Muniz (2017), a educação ambiental deve gerar uma consciência ecológica em cada pessoa, buscando soluções para análise dos problemas ambientais encontrados e preparando cidadãos como agentes transformadores e envolvidos com a proteção da natureza.

Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo analisar o processo de produção tradicional de cerâmica na comunidade quilombola de Itamatatiua, no município de Alcântara/MA, em virtude da necessidade de valorização da cultura negra representada, entre outras coisas, pelo modo de produção tradicional de objetos de cerâmica e o modo como a comunidade gerencia a água para essa produção, tornando-a mais sustentável.

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA

O município de Alcântara/MA foi criado no século XVII e viu seu auge no século XVIII, quando soube-se da possível visita do imperador Dom Pedro II a essa região. Entretanto essa visita acabou não ocorrendo na cidade, mas o conjunto arquitetônico construído para a visita chama atenção até hoje. Alcântara foi tombada em 1948 como patrimônio histórico da humanidade e até hoje conserva a beleza de uma cidade histórica (IPHAN, 2018). Além disso é um município onde vários escravos africanos e afrodescendentes constituíram quilombos como locais de refúgio (Figura 1).

Figura 1 Localização do município de Alcântara - MA.

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).



Um dos quilombos mais famosos da cidade de Alcântara/MA é o de Itamatatiua. Numa região designada como terra de santo com 55 hectares, numa beirada de campo ordenada pelos carmelitas, em oferenda à Santa Tereza e onde vivem mais de 100 famílias (CESTARI, 2014; OOSTERBEEK; REIS, 2012).

Segundo Cestari (2014), as peças de cerâmicas usadas como utensílios doméstico eram fabricadas em meio a telhas e tijolos, sendo importante seu uso nas casas dos moradores. Com o fim do empreendimento das Carmelitas a produção desses artefatos ganhou uma nova dinâmica, como a separação da produção de utensílios domésticos da cerâmica voltada para a construção civil. Tendo essa separação resultado numa divisão de gêneros de forma que tijolos e telhas são produzidos pelos homens, e potes, panelas, etc., passaram a ser executados nos fundos das casas pelas mulheres.



MÉTODO DE ESTUDO

Dessa forma, este trabalho procura analisar o modo de produção de cerâmica em Itamatatiua a partir de uma abordagem qualitativa descritiva, tendo sido realizada pesquisa bibliográfica sobre a realidade da comunidade, uma pesquisa de campo com base em entrevistas, e aquisição de material fotográfico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO



Durante a visita à comunidade de Itamatatiua foi observado que para a produção da cerâmica a matéria-prima utilizada é coletada nos quintais dos moradores da área e em áreas próximas às suas propriedades onde a argila é coletada em um campo na comunidade (Figura 2). A primeira camada do solo onde eles fazem a retirada é chamada por eles de “bulão”, que para elas não serve produção de cerâmica. Na segunda camada (a vinte e trinta centímetros da superfície) se encontra o “tijuco”, que serve para fazer tijolo. Já na terceira camada, a aproximadamente 1 metro de profundidade, encontra-se a matéria-prima utilizada na produção de cerâmica. Depois que a argila é retirada, as mulheres colocam novamente o bulão que tiraram, para não ficar buraco. Posteriormente o material é levado para o centro de produção de cerâmica, onde o material será trabalhado (Figura 3).



Dentre as peças produzidas, podemos citar panelas, alguidares, vasos, escultura de mulheres, etc., principalmente para o transporte e armazenamento de água obtida na única fonte natural do povoado, denominada “Chora” (Figura 4).

Figura 4 – Fonte do Chora.

Fonte: Elaborado pelos autores, (2018).

Nos últimos anos foram construídas algumas barragens e a água da chuva é utilizada para produção de cerâmica. Após a aquisição do material as artesãs processam a argila em uma antiga máquina e deixam a massa em descanso por dois dias até o material estar pronto para ser modelado para confecção das peças (Figura 5). Depois de modelada é colocada para descansar durante cinco dias, e após esse período é feito o acabamento (Figura 6).



Após a modelagem da argila o material passa por aquecimento no forno do centro de produção de cerâmica, e a depender da temperatura e da proximidade do material com o fogo, o material decorrente do processo adquire colorações diferentes (Figura 7).

Figura 7 – Cerâmica com cores diferentes.

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

Após o processo o material é separado ao lado do centro de produção e destinado à venda para os turistas (Figura 8).

Figura 8 – Peças de cerâmica à venda

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

Um dos principais usos dos potes e vasos antigamente era o transporte de água. Com a adoção de poços artesianos e a chegada dos baldes de plástico, a situação se modificou e a venda caiu bastante e, embora o trabalho tradicional com a cerâmica nunca tenha deixado de existir, a criação da escola e do centro foi uma das formas de incentivar novamente a produção, atualmente mais voltada para peças de artesanato vendidas aos visitantes.

Dessa forma, a comunidade quilombola de Itamatatiua, mesmo com uma produção artesanal, se transformou num dos mais importantes polos de produção de cerâmica do Maranhão, atraindo turistas de fora do estado e até de outros países. E essa produção atualmente encontra-se mais sustentável por conta da utilização da água das chuvas.



CONCLUSÃO

O trabalho foi interessante por demonstrar que ainda há em certas comunidades quilombolas o apego à certas tradições negras, como a produção de objetos de cerâmica na comunidade de Itamatatiua/MA. Todo o processo de produção de cerâmica na comunidade é centenária e artesanal e ainda se mantém em vigor até os dias de hoje, ajudando a sustentar os membros da comunidade. Apesar da queda da venda de cerâmica na comunidade quilombola de Itamatatiua/MA nos últimos anos, a comunidade vem adotando medidas cada vez mais sustentáveis quanto ao uso da água e aquisição da argila para fabricação de suas peças.

AGRADECIMENTOS

Ao Grupo de Estudos e Pesquisas Ambientais do Maranhão (GEPAM) pelo fomento e auxílio à continuidade dessa pesquisa.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Lei n. 9.433: Política Nacional de Recursos Hídricos. Brasília: Secretaria de Recursos Hídricos, 1997.

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MUNANGA, K.; GOMES, N.  L.  O Negro no Brasil de Hoje. São Paulo, Editora Global, 2006.

NORONHA, R. Identidade é valor: as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara. São Luís: Edufma, 2011.

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SILVA, E. R. A. C.; MIRANDA, R. de Q.; FERREIRA, P. dos S.; GOMES, V. P.; GALVÍNCIO, J. D. Estimativa do Estresse Hidrológico na Bacia Hidrográfica do Riacho do Pontal-PE / Hydrological stress estimate in Pontal watershed-PE. Caderno de Geografia, v. 26, p. 844-861, 2016.

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