ENTREVISTA COM ALEXANDRE MACEDO PEREIRA PARA A 67ª EDIÇÃO DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

por BERE ADAMS



Apresentação: O entrevistado desta edição é Alexandre Macedo Pereira, que é Doutor na área de Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA/FURG), Mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDA/UFPA), Psicopedagogo e Pedagogo. Alexandre também é autor de livros infantis que tratam de questões indígenas e ambientais. Vamos conhecer um pouco mais da sua trajetória!


Bere – Olá Alexandre, é um prazer enorme tê-lo como nosso entrevistado desta edição! Muito obrigada pela sua disponibilidade em compartilhar algumas experiências relacionadas à Educação Ambiental (EA). Para começar, conte-nos o que o levou a adentrar pelas trilhas da EA.


Alexandre – Minha entrada no mundo da EA foi resultado de um encontro com as professoras Drª. Marilena Loureiro e Drª. Ludetana Araújo, ambas professoras do curso de Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA). As referidas professoras também faziam/fazem parte do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA-UFPA). A professora Marilena coordena o Grupo de Estudos em Educação, Cultura e Meio Ambiente (GEAM). Foi através do GEAM que fui inserido no universo da Educação Ambiental. No NUMA, sob orientação da professora Marilena Loureiro, fiz o mestrado e pesquisei o tema da EA que resultou na dissertação intitulada “O PROGRAMA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DOS GRANDES EMPREENDIMENTOS (VALE S/A) NA AMAZÔNIA E AS IMPLICAÇÕES SÓCIOAMBIENTAIS NAS COMUNIDADES DO ENTORNO: O CASO DA VILA BOM JESUS NO MUNICÍPIO DE CANAÃ DOS CARAJÁS.” Como membro do GEAM, também participei do programa de EA da BR 230 (Transamazônica).


Bere – Para você, qual é o papel da EA na atualidade?


Alexandre – Sempre compreendi a EA como um campo que se ocupa da defesa do meio ambiente em toda a sua complexidade. Sempre me coloquei contrário ao uso da EA enquanto instrumento que serve a interesses econômicos de determinados grupos, ou como instrumento ideológico, cuja função é acomodar e submeter populações a arbitrariedades de poderosos ou de governos e suas políticas ambientais equivocadas. Assim, defendo uma EA ambiental crítica, comprometida com os grupos impactados pelas ações equivocadas de empresas, pessoas e governos. A EA é um instrumento de resistência importantíssimo nesse momento atual. Embora a EA venha perdendo espaço na esfera pública, este é um momento em que ela deve se reorganizar para enfrentar, de forma firme, os equívocos que o governo atual vem empreendendo no que tange as políticas ambientais no Brasil. Um momento em que o governo federal deseja afrouxar as políticas públicas ambientais para favorecer o agronegócio e a indústria da mineração, colocando sob ameaça a sobrevivência de povos tradicionais e o próprio equilíbrio ambiental do planeta. Entendo que, nesse contexto nefasto, a EA deve se apresentar como uma força determinada de RESISTÊNCIA. Faço minhas as palavras de Manuel Alegre: “Mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém [ou alguma área] que diz não.” A EA pode e deve ser essa área.


Bere – E qual a importância da EA nos espaços educacionais?


Alexandre – Esta é uma discussão bem antiga. Até hoje as respostas parecem não convencer. Por algum tempo, a luta era para que a Política Nacional de Educação Ambiental fosse promulgada. Isso ocorreu e foi considerado uma grande conquista, mas, ao longo da caminhada, fui percebendo que não bastava ter apenas a política, era necessário fazê-la funcionar no campo da prática. Aqui vale um destaque, o lugar onde a EA de fato se fez presente com certa relevância foi nas escolas. No entanto, pesquisas mostraram que as escolas, em sua maioria, trabalhavam a EA de forma utilitarista. Era sim, um trabalho de EA nas escolas, mas essa EA limitava-se a fazer horta escolar (certamente não é ruim fazer horta escolar, mas deter-se apenas a elas é pouco), plantar árvore, comemorar a semana do meio ambiente, etc.

Bom, o que nos preocupa agora é que mesmo esses trabalhos de EA estão desaparecendo das escolas e, até mesmo, de outros ambientes educacionais. Estamos retrocedendo para patamares inimagináveis. Os ambientes educacionais (formais ou não) são espaços relevantes no processo de desenvolvimento de qualquer sociedade; assim, negligenciá-los é no mínimo uma imprudência. Entendo que a EA (EA crítica, transformadora, popular, emancipatória) deve ser um elemento didático-pedagógico presente em toda a estrutura dos sistemas educacionais, pois, se bem organizada nessas estruturas, pode contribuir para o desenvolvimento de uma consciência socioambiental comprometida com a vida em todas as suas formas de manifestação. Será um instrumento importante no desenvolvimento de uma concepção renovada de mundo, possibilitando pensar as relações humanas a partir da integração indissociável entre indivíduo e sociedade, fugindo, assim, do individualismo exagerado, próprio do modelo societal vigente.


Bere – Quais são, para você, os avanços alcançados pela EA, desde que ela foi legitimada através da Lei 9.597/99?


Alexandre – Olha, os avanços se deram no âmbito formal, ou seja, passamos a ter uma política pública de EA (o que não existia). Por meio dessa política pública, os sistemas educacionais implantaram (o seu modo) a EA no currículo, criaram as Diretrizes Curriculares para Educação Ambiental (DCNEA), o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), o PCN do Meio Ambiente, o Tratado de Educação Ambiental, etc., e também as empresas precisaram colocar a EA em seus planos de negócios. Isso não é pouco, mas também não é suficiente! O momento atual tem mostrado isso.


Bere – Ainda ouve-se muito que a EA vai se tronar uma disciplina escolar, pois, caso contrário, ela não se efetiva. O que você pensa sobre esta questão?


Alexandre – Eis um tema complexo. Entendo que a ideia inicial era ter a EA como elemento integrador dos muitos saberes que constituem o currículo escolar. Sempre achei essa uma pretensão hercúlea dos idealizadores da PNEA. O modelo da educação formal no Brasil não favorece a integração sistemática das áreas que constituem o currículo escolar, pois sua estrutura é rígida e burocrática, assim, nunca vi a EA ser um elemento articulador entre as áreas. No entanto, penso que a solução para que a EA se efetive na escola não passa pela criação de uma disciplina de EA. Penso que a efetivação da EA na estrutura escolar seria possível se EA se posicionasse como um elemento de problematização da própria estrutura escolar. Para isso, precisamos de educadores ambientais comprometidos com outra forma de escola e outra forma de mundo. Precisamos de uma EA descomprometida com os formalismos jurídicos, políticos, econômicos, éticos, morais, ideológicos e curriculares e comprometida com a superação da mera reprodução de conteúdo, pensando a vida em sua complexidade. Importante dizer que não existe fórmula, mas existem outras formas de pensar a vida e suas relações. Precisamos desmistificar essa forma que está posta há séculos, como se fosse a única possível. Assim, precisamos repensar a educação formal, se possível, fora do modelo que está posto. É aí que acho que a EA tem um espaço para se efetivar.


Bere – Você, juntamente com Marcello Ferreira, é autor de dois livros infantis que tratam de questões socioambientais: As margens do Rio Xingu e A sombra da Samaúma, sendo que este último ainda não foi lançado, mas ambos já foram amplamente trabalhados em salas de aula, e no palco, através da dança, na cidade de Novo Hamburgo/RS. Fale-nos um pouco sobre seus livros e os trabalhos que foram realizados a partir deles.


Alexandre – Bere, antes de mais nada, quero deixar claro que esses livros só foram possíveis graças ao grande Marcello Ferreira. Ele um grande amigo e um artista paraense com uma sensibilidade magnífica, um homem com múltiplas habilidades artísticas (ilustrador, músico, desenhista, escritor, dentre outras). Todos esses livros nasceram de experiências reais. “Às margens do Rio Xingu” nasceu de uma experiência que tive no próprio rio Xingu. Após um trabalho de EA na cidade de Altamira, fui com um grupo visitar o rio Xingu em um ponto que desapareceria com a construção da usina de Belo Monte. Na volta, deslumbrado com aquela paisagem, vieram-me à mente as imagens que acabaram fazendo parte do livro. Quando voltei para casa, encontrei-me com Marcello e contei o que ocorrera, ele se encantou com o que lhe relatei e me entusiasmou a escrevermos o livro. O processo foi o mesmo com “A sombra da samaúma”, só o lugar onde se desenrola a história foi outro. Claro que há um componente presente em todos esses processos: a paixão pelo estado do Pará e pela Amazônia paraense.


Bere - Você ainda foi autor homenageado na Semana Literária e do Meio Ambiente numa escola de Novo Hamburgo (RS). Como foi essa experiência de interagir diretamente com os alunos leitores dos seus livros e ver de perto o resultado dos trabalhos realizados com eles?


Alexandre – Não há palavras que podem expressar esse momento que vivenciei. Preciso aqui também dizer que isso só foi possível graças a minha amiga Adriana. Ela foi a mentora de todo esse processo. Quando cheguei à escola e vi como professoras e professores trabalharam o livro naquele ano, fiquei sem fôlego, e criou em mim a convicção de que só vale a pena escrever quando os leitores se apossam do livro e fazem dele o que bem entenderem. Quando vi as crianças reescrevendo a nossa história, entrei em êxtase, pois percebi que não tinha nenhum controle sobre o texto naquele momento. Agora o livro tinha um infinito número de autores. Saí da escola sabendo que o livro não mais nos pertencia. Para mim, é isso que dá sentido à escrita.


Bere – Quais os temas que devem ser tratados em EA e como trabalhar a EA de forma interdisciplinar? Pode citar um exemplo?


Alexandre – Todos os temas podem e devem ser tratados pela EA. O que não podemos fazer é trabalhar só temas relacionados à natureza, isso é reducionismo da EA e dos temas a ela concernentes. Antes de mais nada, penso que precisamos formar excelentes educadores ambientais. A partir dessa formação, podemos elencar temas geradores (Paulo Freire) e, uma vez definidos os temas (isso deve ser feito com a ampla participação dos educandos), articulá-los com áreas afins. Vamos imaginar que se definiu trabalhar com o evento do rompimento da barragem de Brumadinho; para que esse trabalho ocorra, é necessário um planejamento pedagógico entre os professores envolvidos, para que sejam definidas as séries e as disciplinas que participarão dessa discussão. Nesse caso específico, poderíamos trabalhar com a disciplina de História, que poderia traçar uma linha do tempo do evento ocorrido, poderia trabalhar com a história da empresa envolvida no evento e certamente associar essas atividades e os debates daí surgindo com o conteúdo da disciplina de história do Brasil); coma disciplina de Geografia, que poderia trabalhar o tema a partir do conteúdo sobre paisagens, com a disciplina de Língua Portuguesa, que poderia trabalhar com textos jornalísticos (poderia estimular as turmas a produzirem textos jornalísticos acerca do tema). No final do trabalho, poder-se-ia realizar uma amostra sobre o tema. Veja, embora não tenhamos tocado no nome EA, todas essas abordagens e articuladas são ações de EA. No entanto, para que assim seja, é necessário que a EA seja o elemento de integração dessa organização.


Bere – Você teria algumas atividades de EA para sugerir, que podem ser desenvolvidas no dia a dia escolar?


Alexandre – Nossa, há muito o que se fazer no dia a dia da escola com relação à EA. Quando fui professor da educação básica, sempre procurei trabalhar com meus alunos possíveis problemas socioambientais da escola e do bairro em que a escola estava (está) situada. Assim, sugiro que professores trabalhem com diário de campo no âmbito da escola; nesse diário, os alunos registram os problemas socioambientais que percebem. Cada turma, sob coordenação de um professor, organiza as ideias em forma de portfólio e apresenta essas ideias em reunião bimestral (chamo essa reunião de conferência); nessa conferência, discutem-se possíveis soluções para os problemas socioambientais e, por fim, elabora-se uma carta de recomendações para a direção da escola. Esta é apenas uma entre a muitas possibilidades trabalhar com a EA no cotidiano da escola.


Bere – Algumas pessoas pensam (entre elas, eu) que para trabalhara EA com a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental não se deveria partir de levantamento de problemas, mas sim, promover vivências efetivas envolvendo técnicas que sensibilizem as crianças em relação ao meio ambiente, para que sintam-se parte dele, e desenvolver atividades que as aproximem de ambientes naturais, uma vez que elas não têm compreensão das dimensões de muitos problemas que a elas são apresentados, muito menos são responsáveis por eles. O que você pensa sobre isto?


Alexandre – Bere, comungo dessa ideia em parte. No que diz respeito à Educação Infantil, acho que devemos, sim, trabalhar com intensidade essa aproximação com o meio ambiente. Mas precisamos ter cuidado com essa nossa tendência à proteção dos pequenos. Precisamos também colocá-los em contato com outras realidades (ainda que com muito cuidado), pois não podemos passar a ideia de que o mundo é só colorido. Não defendo a brutalização de nossas crianças, mas penso que precisamos ir mostrando às nossas crianças que a vida, essa coisa mágica, é formada também de coisas menos saborosas. Falo isso a partir de uma experiência que vivi há muitos anos com uma criança que havia experienciado a separação dos pais. Ela estava sofrendo muito com tudo aquilo, no momento em que os pais resolveram conversar com ela e mostrar que ela não seria abandonada (e de fato não foi!), a criança passou a lidar com tudo aquilo de uma forma bem mais tranquila. Certamente que ela não conseguia entender tudo aquilo, e nem precisava entender, mas ela precisava entender que a separação não a faria perder o amor dos pais. Penso que, no que diz respeito à questão ambiental, é a mesma coisa. É preciso sempre considerar a maturidade de cada criança e saber abordar os temas considerando essa maturidade. As crianças são inteligentes e percebem o que ocorre ao seu redor; elas veem televisão, ouvem os pais, amigos e lidam todos os dias com coisas boas e coisas ruins. Assim, também a escola deve ser um espaço em que a realidade não deve ser negada, a escola não deve ser uma ilha da fantasia. O que realmente precisamos é ter cuidado com a abordagem.


Bere – Falando em problemas ambientais, não podemos deixar de comentar que recentemente, assistimos estarrecidos a repetição da tragédia ambiental ocorrida em Mariana, só que dessa vez em Brumadinho. E o TCC do seu mestrado tem como tema a Vale do Rio Doce. O que você tem a nos dizer?


Alexandre – O que vimos se repetindo em Brumadinho é apenas uma pequena parcela do problema. Na verdade, o que vi no Pará deveria nos envergonhar. Grandes empresas alteram as vidas das pessoas de forma brutal e fazem tudo isso em nome do “desenvolvimento”. Exploram as fragilidades das comunidades, fazem promessas (na maioria das vezes não as cumprem) e depois deixam para as populações apenas o passivo socioambiental. Veja, com toda a legislação ambiental que o Brasil tem, os grandes empreendimentos econômicos atuam como se não houvesse lei. Vidas são perdidas, a natureza é absurdamente violada e as empresas e o poder público se comportam como se o evento fosse uma fatalidade. Vale lembrar que a situação de Mariana está longe de ser resolvida, ainda hoje. Após outro fato semelhante ser provocado por outra mineradora, ouvimos pessoas públicas dizerem, em rede nacional, que a empresa que causou tamanho impacto em Brumadinho é uma joia do Brasil. Vivemos uma situação em que a vida humana e a não humana pouco valem frente aos lucros.

No caso dos grandes empreendimentos da mineração, a EA é um instrumento que defende os interesses das empresas. Os programas de EA dessas empresas são feitos para atender às exigências formais da lei e para ocupar as populações afetadas com questões que os distraiam das questões centrais que envolvem a atividade dessas empresas. Esses programas “ensinam as pessoas a não agredirem a natureza”, ensinam a plantar árvore, como se essas pessoas impactadas com a operação da empresa fossem a causa dos impactos ambientais na região. Mariana e Brumadinho são apenas parte de uma tragédia maior que o poder público e a sociedade fingem não existir. Em nome do “desenvolvimento” imperam as grandes empresas sobre as parcelas mais frágeis.


Bere – Para finalizar, o que você ainda pensa ser importante deixar dito sobre a Educação Ambiental e/ou questões ambientais, que não foi abordado nessa entrevista?


Alexandre – Bere, já disse, mas vou reforçar. A EA pode ser um instrumento de resistência neste momento. Ela pode ser a diferença entre a acomodação e a transformação. Só que, para que isso ocorra, é necessário saber de que lado a EA vai se posicionar. Defendo uma EA que trabalhe junto aos movimentos populares, que se incomode com esse modelo societal vigente e lute pela construção de outro modelo de organização social. Concluo com uma fala da Hanna Arendt: “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.”


Bere – Prezado Alexandre, não temos dúvida de que esta entrevista será um grande incentivo para a efetivação de uma EA que extrapole as práticas pontuais, que logo caem no esquecimento, pela falta de consistência, integração e continuidade, e se efetive como uma prática rotineira, que seja realmente crítica e transformadora. Queremos agradecer pelo compartilhamento de suas práticas e ideias, e parabenizá-lo por sua atuação e contribuição para o desenvolvimento de uma EA que sensibilize e mobilize as pessoas a lutarem para uma efetiva transformação da nossa sociedade. Muito obrigada e parabéns!

PS. Agradecimentos especiais a professora Adriana Backes, que atua no Parcão de NH/RS, que me apresentou ao professor Alexandre e que participou, de forma direta, na formulação das perguntas, Muito obrigada, Adri!