JOGO DE TABULEIRO “CAMINHADA ECOLÓGICA”: MAMÍFEROS COMO FERRAMENTA EDUCATIVA SOBRE A CONSERVAÇÃO DO AMBIENTE
Priscila Stéfani Monteiro Alves1,2, Luciana Moraes Costa1,3, Elizabete Captivo Lourenço1,3, Daniel A. Damasceno Júnior1,4, André Costa Siqueira1,4, Helena Godoy Bergallo1,5
1 Laboratório de Ecologia de Mamíferos, Departamento de Ecologia, Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Maracanã, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 20550-900, Rua São Francisco Xavier, 524, Pavilhão Haroldo Lisboa da Cunha, sala 220.
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. prism.alves@gmail.com.
3 Pós-doutorandas (Programa de Apoio ao Pós-Doutorado do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ/CAPES). costalucianam@gmail.com e beteclouren1205@yahoo.com.br
4 Licenciados em Ciências Biológicas. danjunior.work@gmail.com. e andrec.siqueira@gmail.com
5 Professora Associada. nena.bergallo@gmail.com.
Resumo
Como tornar a Educação Ambiental mais atraente? Atividades lúdicas são um meio eficaz para estimular a preservação da natureza, sensibilizando a população de como seus atos refletem no ecossistema no qual estão inseridos. Assim, criamos o jogo “Caminhada ecológica” com o objetivo de promover o pensamento crítico dos participantes referentes a conservação dos ecossistemas, usando como base os mamíferos e os ambientes da Ilha Grande, Estado do Rio de Janeiro. Neste trabalho apresentamos o jogo, sua confecção e regras e discutimos a inserção dos jogos como meio de Educação Ambiental e como os animais, no nosso caso os mamíferos, podem despertar um novo olhar sobre o ambiente e os impactos ambientais que a própria população humana promove nesse ambiente. Através das atividades lúdicas com emprego do jogo “Caminhada ecológica” foi possível ensinar sobre os mamíferos da Ilha Grande e sua relação com o ambiente e sensibilizar para uma visão menos antropocêntrica, já que o jogador se põe no lugar do animal e percorre os ambientes da Ilha Grande, sofrendo as pressões ambientais decorrentes da ocupação humana até chegar a seu grande prémio, que é uma área sem ocupação humana. Mesmo sabendo que a aprendizagem é um processo que se constrói ao longo do tempo, acreditamos que atingimos nosso objetivo de sensibilizar o público para a perspectiva de outros animais que convivem no mesmo ambiente.
Palavra-chaves: Atividades lúdicas, Educação Ambiental, Ilha Grande, Mediador, Meio Ambiente, Prática Educativa, Unidade de Conservação
Abstract
How to make Environmental Education more attractive? Playful activities are an effective way to stimulate the preservation of nature by sensitizing the population to how their actions reflect on the ecosystem in which they are inserted. Thus, we created the game "Ecologic walk" with the objective of promoting participants' critical thinking about ecosystem conservation based on the mammals and environments of Ilha Grande, Rio de Janeiro State. In this work we present the game, its composition and rules and we discuss the insertion of games as a means of Environmental Education and how animals, in our case mammals, can awaken a new look on the environment and the environmental impacts that the human population itself promotes in this environment. Through the recreational activities with the use of the game "Ecologic walk", it was possible to teach about the mammals of Ilha Grande and its relationship with the environment and to sensitize to a less anthropocentric view, since the player stands in the animal's place and walks through the environment Ilha Grande suffering the environmental pressures resulting from the human occupation until arriving at its great prize that is an area without human occupation. Even though learning is a process that builds up over time, we believe that we have reached our goal of sensitizing the public to the perspective of other animals living in the same environment.
Key words: Play activities, Environmental Education, Ilha Grande, Mediator, Environment, Educational Practice, Protection Area
Introdução
Ensinar não é simplesmente a transferência de informações, mas compreende a criação de possibilidades para a produção do conhecimento (FREIRE, 1996). Tão importante quanto ensinar, é “como ensinar”, onde se faz necessária a inclusão da didática na transmissão do saber (PILETTI, 1986). Atividades lúdicas são um meio de ensino, partindo do princípio que a palavra “lúdico” deriva de ludus, significando jogo (CASTRO; COSTA, 2011), acrescentar essa ferramenta no ensino, pode tornar o aprendizado mais divertido e didático, ainda mais para a atual geração que interage diretamente com tecnologia e jogos.
Os jogos possuem aspectos importantes para o desenvolvimento da vida de um indivíduo em sociedade, como a subordinação à regras, limite, respeito e disciplina (CARBONARO, 2010). Vários relatos demonstram que os jogos são eficazes sendo que o público, principalmente crianças, apresentam considerável domínio do conteúdo proposto após a execução da brincadeira (PATRIARCHA-GRACIOLLI et al., 2008; SANTOS et al., 2017; SILVA et al., 2018).
Os jogos de tabuleiro são caracterizados por utilizarem de superfícies planas e pré-marcadas, com desenhos ou marcações de acordo com as regras envolvidas em cada jogo específico (DUNNIGAN, 2000). Existem muitos tipos de jogos de tabuleiro e cada um com sua característica e benefícios próprios (DUNNIGAN, 2000). Esse tipo de jogo é considerado uma atividade lúdica e pode ser usado para o aprendizado e como ferramenta sensibilizadora na Educação Ambiental. Uma vantagem de jogos de tabuleiro na Educação Ambiental é controlar condições como o tempo de jogo e o local onde jogar, além de poder acomodar várias pessoas ao mesmo tempo, com contato real entre as pessoas (SOARES et al., 2018). A Educação Ambiental é um processo pelo qual o indivíduo obtém conhecimentos sobre questões ambientais, passando a ter uma nova visão sobre o meio ambiente, sendo um agente transformador essencial para a sensibilização da população em favor da conservação do meio ambiente (MEDEIROS et al., 2011). A Educação Ambiental, juntamente com atividades lúdicas, são meios eficazes de estimular a preservação da natureza (PATRIARCHA-GRACIOLLI et al., 2008, MEDEIROS et al., 2011) e sensibilizar a população de como seus atos refletem no ecossistema no qual estão inseridos. A maneira mais efetiva de se educar ambientalmente uma comunidade é inseri-la e engajá-la em ações que visem à conservação do ambiente na qual está inserida.
Trabalhos usando animais como ferramenta didática de ensino têm sido recomendados pois são altamente eficazes na redução da aversão, medo ou repulsa (RANDLER et al., 2012). Os mamíferos (Classe Mammalia) formam um grupo que abrange mais de 5.416 espécies documentadas (WILSON; REEDER, 2005), das quais 12% (658) ocorrem no Brasil (EDUARDO; PASSAMANI, 2009). Os mamíferos possuem grande importância para preservação dos sistemas biológicos em florestas tropicais (CHIARELLO, 1999; DIRZO; MIRANDA, 1990). Estes animais afetam a dinâmica populacional das espécies vegetais através da herbivoria e dano físico (KEUROGHLIAN; EATON, 2009; BECK et al., 2013), e também através da dispersão e predação de sementes (GALETTI et al., 2006; DONATTI et al., 2009; KUPREWICZ, 2013; RAÍCES et al., 2017), contribuindo assim para a diversidade local de plantas. Os mamíferos predadores podem atuar como reguladores de populações de presas (e.g. TERBORGH, 1988), com redução da competição por recursos entre as espécies de presas que ocorrem no local, favorecendo a co-ocorrência delas (MILLER et al., 2001).
Na Educação Ambiental, os mamíferos são ótimos agentes sensibilizadores de ações práticas para a conservação da biodiversidade por, na maioria das vezes, despertarem carisma nas pessoas. Esses animais, além de possuírem importância no ecossistema, são elementos essenciais no ecoturismo e na Educação Ambiental (SILVA; MAMEDE, 2005). Além do mais, associar Educação Ambiental a mamíferos como morcegos, demonstra maior eficácia quanto a minimizar a aversão ou repulsa a esses animais e na sensibilização sobre a conservação do ambiente (RANUCCI et al., 2014; PINHEIRO et al., 2018).
Objetivo
Partindo da premissa que a utilização de jogos de tabuleiro são excelentes ferramentas de Educação Ambiental e apresentam ótimos resultados, idealizamos um jogo que promovesse o pensamento crítico dos participantes referentes a conservação dos ecossistemas, usando como base os mamíferos e os ambientes da Ilha Grande, Estado do Rio de Janeiro.
Área foco do trabalho
A Ilha Grande está incluída na Reserva da Biosfera da Floresta Atlântica pela UNESCO desde 1992 (DAVIS et al., 1997), sendo um dos remanescentes de Mata Atlântica mais preservado do país. A Ilha Grande é protegida por quatro Unidades de Conservação (UCs) reconhecidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (INEA, 2013).
O Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG) e a Reserva Biológica da Praia do Sul (RBPS) são duas UCs de Proteção Integral que protegem a parte terrestre da ilha. As outras duas são, a Área de Proteção Ambiental Tamoios (APA Tamaios), uma UC de Uso Sustentável, que protege o entorno dessas duas UCs e o antigo Parque Estadual Marinho do Aventureiro, agora Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro que protege o litoral em contato com a Reserva Biológica da Praia do Sul e busca conciliar a preservação dos ecossistemas locais com a cultura caiçara (RIO DE JANEIRO, 1981, 2014; INEA, 2013). As Unidades de Conservação de Proteção Integral são as mais restritivas em relação a ocupação, uso do solo e ao turismo, sendo essas, voltadas mais para a educação e a pesquisa científica. As demais categorias de UCs podem ser menos restritivas, porém, ainda restringem o uso do solo e atividades turísticas (BRASIL, 2000).
A Ilha Grande possui grande valor ecológico nacional e internacional, devido às belas praias, cachoeiras e à biodiversidade presente (PRADO, 2003). Porém, com o crescente turismo de brasileiros e estrangeiros, associados à contemplação de suas paisagens naturais, juntamente com as atividades humanas, esse paraíso natural tem sofrido impactos e degradações (ALHO et al., 2002; PRADO, 2003).
Devido a elevada importância ambiental da Ilha Grande, a área possui um Centro de Estudo Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS- http://www.sr2.uerj.br/ceads/) onde serve de base para as pesquisas e ações extensionistas e educativas de vários grupos ligados a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a outras entidades. O Laboratório de Ecologia de Mamíferos (LEMA) ligado ao Departamento de Ecologia da UERJ que atua há mais de 20 anos em pesquisas relacionadas aos mamíferos da Ilha, contribuído para a disseminação de conhecimento a respeito do ambiente e desses animais para a comunidade local.
A Ilha Grande possui registro de 31 espécies de mamíferos terrestres não voadores (BASTOS; CALLADO, 2009) e 35 espécies de morcegos (ESBÉRARD et al., 2006).
Questões socioambientais na Ilha Grande
Segundo o Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha Grande, a Ilha possui uso de solo de cerca de 80% estabelecido como Unidade de Conservação de Proteção Integral, seja como PEIG ou como RBPS. O restante está entre a altitude de 100 m e o litoral, onde a população está, distribuída por núcleos populacionais, como vilarejos, povoados ou vilas. A maior parte da área desses vilarejos é composta por florestas em estágios iniciais de sucessão com a presença de muitas plantas exóticas. Como o esperado, as regiões com maiores problemas ambientais são as com maior adensamento populacional e maior turismo, gerando problemas como lixo, falta de saneamento adequado e inserção de espécies exóticas. Na vila do Abraão estão situadas as maiores concentrações de áreas degradadas e também nas regiões da praia de Palmas e Lopes Mendes. Há pontos de degradação, também, no vale do rio da Parnaioca (INEA, 2013).
Objetivo didático do jogo
O jogo de tabuleiro “Caminhada ecológica” tem por objetivo ensinar e estimular que os participantes desenvolvam o senso crítico a respeito das questões ambientas da localidade onde habitam, neste caso específico a Ilha Grande. Ao avançar nas casas do tabuleiro, o jogador se depara com situações hipotéticas que correspondem às necessidades de cada mamífero em cada localidade da Ilha Grande, abrindo espaço para a aprendizagem e sensibilização ao longo da dinâmica, de forma que passem a ter um novo olhar a respeito do ambiente, um olhar na perspectiva dos mamíferos da Ilha Grande.
Jogo de Tabuleiro: Caminhada ecológica
As informações referentes ao jogo são disponibilizadas aos jogadores como um manual de instruções (Figura 1), contendo informações básicas a respeito do jogo.
Figura 1. Imagem representativa das informações referente ao jogo Caminhada Ecológica disponibilizadas aos jogadores.
Apresentação: Os animais que habitam próximo à principal entrada turística da Ilha Grande (Vila do Abraão) sentem os efeitos da intensificação da atividade humana, que está chegando em um dos pontos mais altos da ilha: O Pico do Papagaio (Figura 2). Alguns animais decidem, em uma atitude ousada, sair dali e se aventurar pelos diversos ambientes da Ilha Grande, tentando chegar em uma área mais preservada e protegida. Os mamíferos Bugio, Morcego, Gambá, Tatu e Capivara iniciam assim sua caminhada ecológica pela Ilha Grande.
Figura 2. Vista do Pico do Papagaio, à esquerda a Vila de Abraão e à direita a Praia de Lopes Mendes, Ilha Grande, Estado do Rio de Janeiro. Foto: Luciana de Moraes Costa.
Regras do jogo: Cada jogador escolhe um mamífero para poder jogar. O jogo começa arremessando o dado e o valor indicará o número de casas que o jogador deve avançar ao longo da trilha. Até chegar na última casa, o jogador pode cair em casas de cores verdes, azuis, vermelhas ou com caveira. As casas verdes são neutras, nada acontece. As casas azuis apresentam vantagem para o animal, tendo por consequência o avanço de casas. As casas vermelhas, assim como as casas das caveiras, representam prejuízo ou perturbação para o animal, tendo por consequência o retorno de algumas casas ou ficar uma rodada sem jogar. Ao cair em uma casa, com exceção das verdes, o jogador tira uma carta correspondente ao número da casa e ao seu animal.
Objetivo do jogo: Vence o jogador que chegar primeiro à casa 30, na Reserva Biológica da Praia do Sul.
Público alvo: Desde crianças maiores de cinco anos a adultos que moram ou estejam de passagem na Ilha Grande.
Número de jogadores: De dois a cinco.
Duração do jogo: Cerca de 20 minutos.
Conteúdo: 1 tabuleiro, 5 pinos, 57 cartões, manual de instruções, um dado e um baú.
Confecção dos materiais
As regras do jogo foram impressas em uma folha A4 (Figura 1). O tabuleiro e os cartões foram desenvolvidos utilizando o software Microsoft Power Point 2010. O tabuleiro foi confeccionado nas medidas de 90 x 60 cm e impresso em lona (Figura 3) e os cartões em papel cartão 120 mg nas medidas 9,5 x 7 cm e plastificados (Figuras 4 e 5).
Figura 3. Superfície do jogo de tabuleiro “Caminhada ecológica”.
Figura 4. (A) Baú para guardar as cartas, os pinos que representam os mamíferos e os dados; (B) Visão frontal das cartas mostrando os cinco mamíferos do jogo e a carta reserva, os números são referentes às casas conforme demonstra as figuras de 7 a 11; (C) Face anterior das cartas da reserva, do pirata na área e de todas as cartas de um dos mamíferos, no exemplo, a do gambá; (D) Face posterior das cartas da reserva, do pirata na área e de todas cartas de um dos mamíferos, no exemplo, a do gambá.
Figura 5. (A) Face anterior da carta pirata na área e da Reserva Biológica da Praia do Sul; (B) Face posterior com a descrição das cartas pirata na área e da Reserva Biológica da Praia do Sul.
Instruções dos cartões
As instruções de cada cartão referente a cada animal e casa se encontram nas figuras de 6 a 11.
Figura 6. Descrição das cartas, Pirata na área e Reserva Ecológica da Praia do Sul, referentes ao jogo Caminhada Ecológica. A primeira se refere à presença de espécies invasoras na Ilha Grande e a segunda à chegada do ganhador na última casa do jogo.
Figura 7. Descrição das cartas do jogador morcego, em cada casa, referente ao jogo Caminhada Ecológica. Os números entre parênteses indicam o número da casa no tabuleiro.
Figura 8. Descrição das cartas do jogador capivara, em cada casa, referente ao jogo Caminhada Ecológica. Os números entre parênteses indicam o número da casa no tabuleiro.
Figura 9. Descrição das cartas do jogador tatu, em cada casa, referente ao jogo Caminhada Ecológica. Os números entre parênteses indicam o número da casa no tabuleiro.
Figura 10. Descrição das cartas do jogador bugio, em cada casa, referente ao jogo Caminhada Ecológica. Os números entre parênteses indicam o número da casa no tabuleiro.
Figura 11. Descrição das cartas do jogador gambá, em cada casa, referente ao jogo Caminhada Ecológica. Os números entre parênteses indicam o número da casa no tabuleiro.
Experiências da aplicação do jogo “Caminhada ecológica”
A primeira vez que aplicamos o jogo “Caminhada ecológica” foi no dia 01 de setembro de 2018 para crianças que moram na Vila de Dois Rios, Ilha Grande. O jogo fez parte do evento “Mostra de Divulgação Científica do Laboratório de Ecologia de Mamíferos” (Mostra LEMA) realizado em frente ao Museu do Meio Ambiente (Figura 12 A e B). A proposta desse evento era divulgar o conhecimento científico gerado pelas pesquisas do LEMA e efetuar atividades educativas que visavam a disseminação dos conhecimentos em relação aos mamíferos e ao ambiente. A Mostra LEMA fez tanto sucesso que fomos convidados a participar de um evento durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia realizado pelo Ecomuseu e Museu do Meio Ambiente da Ilha Grande, em parceria com Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS) todos ligados a UERJ. Levamos nosso jogo para cinco escolas (Escola Municipal Monsenhor Pinto de Carvalho, E. M. General Silvestre Travassos, E. M. Ayrton Senna da Silva, E.M Thomaz Henrique Mac Cornick e Colégio Estadual Pedro Soares), localizadas ao redor da Ilha Grande, entre os dias 16 e 19 de outubro de 2018 (Figura 12 C). Aproximadamente 100 crianças jogaram e aprenderam mais sobre os mamíferos e o local que elas vivem.
As crianças mostraram interesse em jogar, e algumas ficaram na fila de espera, pois no máximo cinco participantes podem jogar. Observamos que no começo as crianças estavam interessadas no jogo e querendo chegar no final para ganhar, sem prestar muita atenção no objetivo educativo do jogo, que é conhecer a Ilha Grande através das características de alguns mamíferos e aprender a conservar o local que vivem. Destacamos a necessidade de pelo menos um mediador presente para direcionar e explicar cada casa para o melhor entendimento dos jogadores (Figura 12). No segundo evento podemos testar efetivamente o impacto do jogo no cotidiano das crianças devido a quantidade maior de jogadores e por termos trabalhado em vilas com menos habitantes e menor presença de turismo. Ao longo do jogo, as crianças relatavam aos mediadores situações que tiveram contato com os mamíferos do jogo. Foi evidenciado também que determinadas crianças possuíam algum grau de conhecimento sobre os mamíferos do jogo, como a sua localização, alimentação e comportamento. Através do jogo, percebemos que a maioria das crianças se sensibilizaram de como algumas atitudes do seu cotidiano prejudicavam os mamíferos presentes no jogo, como exemplo o despejo de lixo nos rios locais.
Figura 12. (A) Mediadores responsáveis por organizar e ensinar às crianças o jogo; (B e C) Crianças jogando. Foto A e B: Acervo Laboratório de Ecologia de Mamíferos. Foto C: Livia Fróes.
Metodologia de aplicação
Sempre havia ao menos um mediador na aplicação do jogo (Figura 12), pois segundo Medeiros et al. (2011), o educador mediando as informações novas e relacionando a “bagagem de conhecimentos trazidos de casa” tornam o método lúdico mais atrativo e educativo para os alunos.
Com isso, percebemos que nós, como mediadores do jogo, precisamos fazer com que as crianças prestem atenção em cada jogada e na descrição de cada casa que eles paravam. Com o passar das jogadas, as crianças foram prestando mais atenção e entendendo a importância dessa atividade lúdica. E começaram a aprender jogando!
Brügger (1999) traz luz à importância da educação sensibilizadora cujo objetivo é estimular o senso crítico, e não apenas a assimilação e reprodução de informações. De acordo com este pensamento, aplicamos ou explicamos as situações de cada animal. Durante o processo permitimos que os participantes tivessem liberdade para questionar ou contar experiências relacionadas ao jogo e aos animais, para que fosse possível assimilar as relações positivas ou negativas de cada animal, estimulando a empatia.
Percepção dos mediadores
Concluímos que a Educação Ambiental por meio de métodos lúdicos tem sua eficácia potencializada quando mediada por um educador (MEDEIROS et al., 2011). Castro e Costa (2011) e Patriarcha-Graciolli et al. (2008) relataram resultados semelhantes aos nossos quando aplicaram jogos lúdicos. Patriarcha-Graciolli et al. (2008) elaboraram o “Jogo dos Predadores” e relatam que ao final das atividades, os alunos comentavam que sentiram maior facilidade de compreender o conceito de predador-presa com o jogo. Da mesma forma, os alunos que abordamos demonstraram compreender melhor a relação dos animais com o meio e como são afetados pela atividade antrópica.
Considerações finais
Mesmo sabendo que a aprendizagem é um processo que se constrói ao longo do tempo, acreditamos que atingimos nosso objetivo de sensibilizar o público para a perspectiva de outros animais que convivem no mesmo ambiente.
Foi notório o quanto as crianças gostaram de jogar o jogo “Caminhada ecológica” e interagiram entre eles. Com o jogo foi possível ensinar sobre os mamíferos da Ilha Grande, mostrar a interação entre os moradores da localidade e os animais e como preservar e conservar o local onde moram. O fato do jogo colocar os jogadores no lugar dos animais faz com que seja mais atrativo e desperte ainda mais o interesse em tornar o ambiente mais propício para a sobrevivência dos animais.
Recorrer a atividades lúdicas, como jogos, faz com que as pessoas aprendam brincando, favorecendo o processo ensino-aprendizagem. Um fator importante que observamos foi o da necessidade da presença de um mediador para poder ensinar e destacar a importância do jogo na Educação Ambiental.
O treinamento da equipe é essencial, já que muitas questões são levantadas pelo público e o mediador deve estar preparado para responder os questionamentos, bem como utilizar os saberes populares como ponto de ancoragem de novos saberes. Uma possibilidade para a integração de saberes são as parcerias entre instituições com profissionais que trabalhem com Educação Ambiental e especialistas referentes as questões ambientais tratadas, afim de potencializar a eficácia.
A Educação Ambiental, como dito por Knechtel (2001), “não é um campo homogêneo e unidirecional”, logo, é importante enfatizar sua interdisciplinaridade. Esse tipo de jogo pode ser adaptado para qualquer lugar e ambiente, inserindo a prática para qualquer dimensão, lugar ou animal, se atentando a particularidade dos problemas sócio-ambientais, ou dos animais mais expressivos nas áreas. O jogo pode ser adaptado ou associado à localidade-tipo, com os animais de tal localidade ou público-alvo.
Agradecimentos
Luciana M. Costa e Elizabete C. Lourenço agradecem à FAPERJ e à CAPES pela Bolsa de Pós-Doutorado (PAPDRJ – Processo: E-26/101.399/2014 e E-26/202.158/2015, respectivamente); Priscila Stéfani Monteiro Alves agradece à CAPES pela Bolsa de Mestrado (Processo: 8882.182427/2018-01); Helena G. Bergallo agradece à FAPERJ (E-26/201.267/2014), ao CNPq (307781/2014-3) e o Prociência/UERJ pelas bolsas e auxílios à pesquisa. Agradecemos ao MCTIC e ao CNPq pelo financiamento a Rede PPBioMA (457458/2012-7); ao INEA pela permissão para as atividades; ao CEADS, Ecomuseu Ilha Grande, Museu do Meio Ambiente e Restaurante da Dona Tereza; aos Senhores Gelsom Rozentino e Valdir Martins pelo apoio. Agradecemos aos colaboradores do LEMA pelas dicas e sugestões durante a confecção do jogo, bem como durante as atividades teste no evento Mostra Lema: Veronica Parente, Thais Lopes, Chaenny Silva, Paula Diniz, Thiago dos Santos, Rodrigo Zucarato, Rodrigo Cunha e Maria Carlota Enrice.
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