VISÃO DE SUSTENTABILIDADE EM EDUCAÇÃO. UMA EXPERIÊNCIA NO SUL DO BRASIL

Elenice de Freitas Sais1, Geraldo Milioli2

1Professora do departamento de Psicologia, Universidade do Extremo Sul Catarinense

2Professor do programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Universidade do Extremo Sul Catarinense



Resumo: Pensar em uma sociedade mais justa, com habilidades de responder aos fenômenos complexos que permeiam a vida na contemporaneidade, sem dúvida, perpassa também por se repensar o papel da escola, e os modelos educacionais vigentes. Uma das temáticas complexas na atualidade, trata de preparar as futuras gerações para uma vida mais sustentável. O objetivo deste artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa realizada em uma escola no sul do Brasil, quanto as suas contribuições a uma educação e sociedade mais sustentáveis. Como resultados, pode-se apontar que, a sustentabilidade é o eixo norteador mais importante da proposta pedagógica da escola, que busca, educar imersa numa cultura de sustentabilidade, buscando apoiar-se na visão dos povos tradicionais, principalmente os indígenas, por considerar que estes, tem um olhar mais conectado com a Terra, historicamente, viveram em equilíbrio e de forma harmoniosa e respeitosa com a natureza.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Educação; Transdisciplinaridade; Formação Integral.

Abstract: Thinking about a more just society with the skills to respond to the complex phenomena that permeate contemporary life undoubtedly also involves rethinking the role of the school and the current educational models. One of the complex issues nowadays is to prepare future generations for a more sustainable life. The objective of this article is to present the results of research carried out in a school in the south of Brazil, regarding their contributions to a more sustainable education and society. As results, it can be pointed out that sustainability is the most central guiding axis of the pedagogical proposal of the school. The school seeks to educate immersed in a culture of sustainability, relying on the vision of traditional peoples, primarily indigenous people. The proposal of the school considers that these people have a more connected look with the Earth and, historically, lived in balance and harmoniously and respectfully with nature.

Keywords: Sustainability; Education; Transdisciplinary; Integral Formation.



Introdução

Em nossa sociedade temos a escola como importante instituição formadora de cidadãos, desta forma, refletir sobre como esta tem cumprido seu papel na atualidade, torna-se ponto importante, quando se adentra a temática da sustentabilidade.

Assim, o presente artigo apresentará os resultados de uma pesquisa sobre as contribuições de uma escola, localizada no sul do Brasil, sobre como esta trabalha e constrói no seu dia a dia a visão de sustentabilidade.

O campo da educação foi escolhido para a investigação da temática da sustentabilidade, devido a leituras realizadas em respeitáveis órgãos mundiais como ONU e a UNESCO, dentre outros, que reconhecem a escola, como uma instituição importante a somar forças para as mudanças necessárias diante das problemáticas ambientais e sociais que a nossa sociedade vem enfrentando. Isto posto, acredita-se que a educação está intimamente relacionada com a construção do mundo em que se vive, e que é necessário compreender o seu papel na atualidade diante do compromisso de construir conhecimentos e de formar as futuras gerações.

Assim, conhecer e estudar modelos de educação preocupados com a temática da sustentabilidade são de grande relevância. A educação também assumiria um papel estruturador e fortaleceria os debates e discussões das relações entre: ser humano, sociedade, natureza e sustentabilidade, que até então pouco se tem encontrado descrito na área ambiental, trazendo a escola para o centro desta discussão, como sendo um espaço privilegiado para se pensar e, outrossim, construir respostas ao quadro de crises e insustentabilidade para com o planeta e o crescimento mais sustentável da sociedade.

Educação e a visão transdisciplinar

A intenção de diálogo entre as ciências e a busca de multirreferencialidades apresentado pela visão transdisciplinar, parece ir ao encontro da busca de compreensão e de possíveis intervenções para o enfrentamento dos desafios contemporâneos enfrentados pela humanidade.

No Brasil, em Fortaleza-Ceará, no ano de 2010, durante a Conferência Internacional sobre os Sete Saberes necessários à Educação do Presente, promovida pela UNESCO e pela Universidade Estadual do Ceará é elaborada a Carta de Fortaleza. Conferência esta realizada em comemoração aos 10 anos de lançamento da obra de Edgar Morin (2000), “Os sete saberes necessários a educação do futuro”, é firmado um compromisso com a formação das futuras gerações, procurando parcerias com instituições de ensino públicas e privadas, formais e não formais no nosso país, por reconhecer-se na Escola o local ideal de formação das futuras gerações. Este documento traz o compromisso de apoio a práticas de educação transformadoras, as quais teriam como características fundamentais a promoção da construção de conhecimentos transdisciplinares considerando as relações indivíduo – sociedade – natureza (MORAES; ALMEIDA, 2012).

A discussão da relevância da visão transdisciplinar em educação se dá, pelos princípios em que esta se alicerça e que a definem, como a importância do olhar e a postura respeitosa entre os diferentes conhecimentos como premissa fundamental. Assim sendo, não existe saber mais importante do que outro, disciplina mais importante que a outra, o olhar transdisciplinar convida a deixar o individual e olhar para o coletivo, pois tudo se torna importante de ser conhecido e reconhecido, podendo-se dizer que tanto o social, quanto o cultural e o individual têm importância.

[...] A Transdisciplinaridade é uma nova atitude, é a assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido da capacidade de articular a multirreferencialidade e a multidimensionalidade do ser humano e do mundo. Ela implica numa postura sensível, intelectual e transcendental perante si mesmo e perante o mundo [...] (SOMMERMAN; MELLO; BARROS, 2002, p. 10).

É uma visão que se insurge questionando o pensamento mecanicista e reducionista do paradigma cartesiano-newtoniano, o qual dominou a construção de um pensamento hegemônico que gerou uma forma dicotômica de conhecer, e de compreender, gerando um racionalismo científico. Esta forma de conhecer fragmentada e fragmentadora, afastou e tem limitado a capacidade humana de olhar a totalidade e complexidade dos fatos que envolvem a vida, criando um universo de conhecimentos cada vez mais especializados e com visão cada vez mais estreita. “A simplificação do mundo é o corolário dessa visão banal e fragmentada que nos afasta da complexidade do conhecimento” (ABREU JÚNIOR, 1996, p. 29).

Neste sentido, a comunicação e o diálogo entre as ciências e disciplinas seria o próprio Trans (entre, através e além), da palavra transdisciplinaridade, que para Morin (2005) possibilitaria o surgimento de um pensamento capaz de distinguir e de unir e não de somente isolar e separar, sendo por este considerado o pensamento complexo.

No mundo atual o pensamento complexo é cada vez mais necessário diante do enfrentamento das problemáticas apresentadas, pois nossos maiores desafios em busca de um mundo melhor para todos, ultrapassam as linhas e fronteiras territoriais. Como bem lembra Morin (2005, p.13), os desafios e problemas e a resposta a estes, estão cada vez mais: “[...] polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários”.

Cientes desta realidade, foi no ano de 1996, então publicado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) com autoria de Jacques Delors os quatro pilares necessários a educação do futuro no século XXI, a saber: Aprender a conhecer. Aprender a fazer. Aprender a viver juntos. Aprender a ser. Junto aos quatro pilares somam-se outros dois pilares complementares: Aprender a participar e aprender a antecipar.

Com a leitura dos pilares ficam claros os propósitos da educação transdisciplinar, que seriam de forma geral, construir uma educação que busque a formação integral do ser humano, que contemple questões éticas como: responsabilidade, respeito, compromisso. Uma educação também que resgate e dê valor a intuição, a sensibilidade, ao imaginário, ao corpo. A partir destes pilares, os signatários do documento, colocam que a lógica e a metodologia apresentadas pela visão transdisciplinar ofertam a base para a compreensão ontológica da sustentabilidade. Quando nos seus princípios, fica muito claro a visão da não-separatividade e por consequência da interdependência entre todas as coisas. Assim, educar a criança como um todo levaria espontaneamente a esta criança olhar o mundo como um todo.

Concordamos com Morin que, como humanidade, precisamos de um pensamento complexo, ecologizado, capaz de relacionar, de contextualizar, de contextualizar e religar diferentes saberes ou dimensões da vida. Precisamos de mentes mais abertas, de escutas mais sensíveis, de pessoas responsáveis [...] Isto é fundamental para que possamos desenvolver pensamentos, sentimentos e ações mais congruentes e coerentes com as atuais necessidades humanas e consolidar uma nova política de civilização baseada na sustentabilidade, na justiça, na solidariedade, na paz e na democracia (MORAES; ALMEIDA, 2012, p. 248).

Observa-se nos quatro pilares necessários a educação do futuro no século XXI, e nos sete saberes necessários a educação do futuro, a oferta de uma consistente metodologia transdisciplinar, para se pensar uma pedagogia transdisciplinar e também em práticas transdisciplinares, as quais acreditamos.

Visão de sustentabilidade e educação

A visão de sustentabilidade apontada por Leff (2001) requer mudanças e reorientações na educação, para que esta possa também contribuir com seu importante papel na sedimentação do avanço rumo à democracia ambiental e à construção de saberes democráticos, para que possa internalizar os valores ambientais, e não apenas, reproduzir conteúdos pontuais relacionados ao meio ambiente. Significa resgatar os valores culturais da sociedade, direcionando desta forma a educação, para que se construam pontes entre os elos perdidos entre cultura, sociedade e natureza, estabelecendo-se uma consciência para a verdadeira apropriação do valor que a natureza representa em nossas vidas. Não somente pensando nesta com fins econômicos ou lucrativos, mas, sim:

[…] para que as populações possam apropriar-se de seu ambiente como uma fonte de riqueza econômica, de prazer estético e de novos sentidos de civilização; de um mundo onde todos os indivíduos, as comunidades e as nações vivam irmanados em laços de solidariedade e harmonia com a natureza (LEFF, 2001, p. 252).

Assim, pensar em uma educação crítica e reflexiva auxiliará na construção de uma nova ética e racionalidade que venha a questionar o modelo de sociedade e de construção de conhecimentos, os quais devem estar alinhados com a subjetividade humana, com valores culturais e assim vir a superar os impasses e crises instaurados em nossa sociedade, sobretudo os que dizem respeito à relação do ser humano com a natureza.

A capacidade de reflexão e crítica abordadas por Leff (2001) apontam para um caminho de verdadeira construção da cidadania que deve estar pautado, a partir do conhecimento e da valorização das subjetividades humanas, da subjetividade de lugar e culturas próprias. Desta forma, ver crescer uma sustentabilidade que se ancora, se alimenta e se retroalimenta de acordo com as necessidades particulares e locais. Levando em conta que, o saber ambiental, apresenta elementos, a serem considerados e compreendidos, do tempo histórico em que se vive, identidades culturais, tradições filosóficas, tecnologização da vida, economização da natureza, diálogo de saberes, importância da subjetividade humana na leitura da sua relação com a natureza e meio ambiente, dentre outros.

Uma educação que preconize a visão da sustentabilidade, é aquela que questiona a criação no ser humano de uma racionalidade de dissociação, distanciamento da natureza, na qual razão e sentimentos encontram-se separados. Por conseguinte, a relação que se estabelecerá, será do trato com a natureza, como se esta fosse uma externalidade, que pode ser explorada, aparentemente perdendo a noção de sua importância, sua finitude e suas inter-relações. Leff (2001) convida a compreensão da necessidade de construção de uma nova racionalidade humana, uma racionalidade social, para que se possa estabelecer assim, um desenvolvimento sustentável das sociedades.

Importante contextualizar que a primeira vez que se mencionou o termo desenvolvimento sustentável foi em 1979, em uma Assembleia Geral das Nações Unidas, onde se mencionou que o mesmo seria: “[...] um processo integral que inclui: dimensões culturais, éticas, políticas, sociais, ambientais e não só econômicas” (GADOTTI, 2003, p. 57).

Desde então o diálogo entre sociedade, desenvolvimento e sustentabilidade tem tomado corpo, tornando-se urgente associar ao desenvolvimento da sociedade o termo sustentabilidade, que para Gadotti, representaria um equilíbrio do ser humano consigo mesmo e por consequência com o planeta. Pensar nesta sociedade implicaria também pensar em uma educação para o futuro. “A sustentabilidade que defendemos refere-se ao próprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos, como seres de sentido e doadores de sentidos de tudo o que nos cerca” (GADOTTI, 2003, p. 35).

Uma sociedade sustentável seria aquela que é capaz de crescer e atender suas necessidades sem comprometer a natureza e sem lesar as gerações futuras. Compreender o planeta como a nossa casa, e a Terra como o nosso endereço comum enquanto humanidade. Não se pode mais separar as questões sociais das ambientais. Para tanto, se precisa de uma ecoformação, ou como Gadotti coloca, de uma Pedagogia da Terra, que teria a sustentabilidade como um princípio reorientador da educação, dos currículos, dos objetivos e dos métodos.

Esta pedagogia pretende contribuir para o surgimento de uma consciência e cidadania planetária e para que possamos pensar em uma sociedade mundial. Cidadania esta que, deve ser constituída desde a infância, com a noção de direitos e deveres para com o planeta que vivemos. Não de forma restrita ao local que moramos, mas gerando a compreensão de que este apenas compõe uma pequena parcela de um todo muito maior.

Para tanto, a escola torna-se um palco importante, para também se construir esta compreensão, desenvolver atitudes e habilidades na busca por juntar, como já supracitado, os elos rompidos entre: homem, sociedade e natureza. Saindo da dicotomia apregoada pelo modelo mecanicista e fragmentador de ensinar e aprender, que por muito tempo tem levado as gerações a não compreensão do nosso planeta como única comunidade, nossa morada, da Terra como uma mãe ou um organismo vivo e nossa enquanto seres humanos, todos filhos desta.

Uma educação que preconize a sustentabilidade é aquela comprometida em educar não de forma estanque ou fechada, realmente é um movimento que não combina com a vida. Também, não é um sistema fechado, que compreende, como fundamentais as premissas da liberdade, relações baseadas na dialogicidade, pensamento crítico, método de aprendizagem a partir do cotidiano vivencial.

A visão de sustentabilidade na Escola Caminho do Meio

A Escola Caminho do Meio situada na cidade de Viamão - RS, foi construída no meio de um bosque, dentro de uma comunidade. Por encontrar-se dentro de um bosque, cercada de uma natureza, que ainda comporta boa área de mata nativa preservada, naturalmente convida ao contato e a contemplação da mesma. A escola encontra-se num lugar privilegiado, onde o olhar sempre está mirando a natureza, e esta cerca toda a escola, inclusive o verde cobre os telhados das salas de aula.

É neste cenário, que há onze anos, foi construída uma escola com uma proposta pedagógica, ainda em construção, que tem em seu eixo pedagógico cinco princípios norteadores a saber: Integralidade, diversidade, conhecimento, sustentabilidade e criatividade. Neste artigo vamos nos deter as percepções levantas pela pesquisadora quanto ao eixo da sustentabilidade, dentro da Pedagogia da Mandala, nome dado a pedagogia da escola, pela equipe pedagógica e de professores.

Os participantes do estudo receberam o pseudônimo de árvores: Faia, Plátano, Cipreste Marrom, Castanheira, Cipreste Verde, Aveleira e Olmo.

Observa-se na escola e no seu ambiente de entorno que se opera através de uma outra racionalidade, conforme Leff (2001) aponta como uma racionalidade social. A proposta das pessoas que vivem no entorno da escola, é viver de uma forma comunitária, todos são responsáveis por todos os espaços. Nisso já reside uma lógica diferenciada que também é considerado desenvolvimento sustentável. Conforme relata Aveleira: “as crianças vêem aqui, que onde as pessoas moram elas plantam árvores, plantam hortas, tem composteiras pra todos os lugares, então isto está pulsando”.

Esta racionalidade não é aquela que dissocia, e separa razão de sentimentos e ser humano da natureza e sim uma racionalidade que procura incluir todos os seres e ver o bem comum. Este tipo de racionalidade está muito presente no dia a dia da escola e na comunidade, materializada através de algumas intervenções nos espaços físicos e em práticas realizadas pelos professores junto aos alunos. Estas atividades geram reflexões e atitudes de cuidado diferenciadas com os espaços da escola, trazendo uma nova racionalidade e o aprendizado de que nossas ações são importantes na preservação do ambiente que vivemos. Segundo Cipreste Marrom: “Esta relação está sendo olhada o tempo inteiro pois a escola se encontra em um lugar privilegiado num bosque que é uma floresta, dentro de uma comunidade onde tem muitas áreas preservadas”.

Outro aspecto interessante, seria a relação que os professores e equipe pedagógica realizam, quando trazem a relação do cuidado com o ambiente, bem como nas relações entre as pessoas, associado aos processos de início, meio e fim. Neste sentido, conforme a professora do jardim, com as crianças menores a compreensão da sustentabilidade se dá através dos processos diários vivenciados. Os processos estariam relacionados com os ciclos que fazem parte da vida, das relações do homem como um todo. A fala de Cipreste Verde contextualiza esta visão:

No jardim, na educação infantil, também maternal, a sustentabilidade ela é trazida para as crianças na vivência dos processos, essencialmente são os processos, então assim, ela trata de questões da natureza, da relação com a natureza, do cuidado com o lixo. [...] esta noção de interdependência e da noção de processos, que as coisas têm início, meio e fim. Que as coisas nascem, se desenvolvem, morrem e se transformam assim, que elas não somem da vida. [...]daí, por exemplo, tem um professor ele foi embora e nunca mais apareceu, como? Daí a gente vai lá, vai saber, convida este professor um dia pra voltar. O que acontece? Sempre procurando trazer para as crianças esta noção de processo, este cuidado. [...]é quase como passar para as crianças que não é jogar o lixo fora, na verdade não existe o fora, não existe este fora e as crianças já em pequenos detalhes vão entendendo que todas as suas ações têm uma causalidade, todas as ações vão ter, e vai pra onde? E acontece o quê?

A fala de Cipreste Verde traz elementos riquíssimos e coloca a visão de inseparatividade de uma forma humana e compreensível para as crianças, através das próprias relações que estas estabelecem não só com as coisas, a natureza, mas antes de tudo, com o outro também. Mostrar e vivenciar esta sabedoria junto as crianças têm muita relação com o que Gadotti nos traz em sua pedagogia da Terra, quando nos fala da utopia da solidariedade e da compaixão.

Conforme Cipreste Verde, a visão de sustentabilidade apresentada, é trabalhada não como um conceito econômico, ou discurso ecológico, mas como uma condição humana também. Neste sentido a escola caminha também apoiando-se nos ensinamentos da permacultura.

Bem o nosso olhar, neste sentido está muito conectado com a permacultura que também traz estas frases: A relação consigo. A relação com o outro e a relação com o meio. Esta visão está super dentro do referencial pedagógico da escola e daí é como se a sustentabilidade, fosse este olhar pro universo (Faia).

A busca pelo referencial dos povos tradicionais também aparece nas falas de todos os entrevistados como um caminho a conhecer e estudar, pois estes têm muito a ensinar sobre como viver em harmonia e respeito com a Terra e também em como desenvolver o espírito de devoção pela Terra. Que aqui compreende-se como desenvolver o amor e a compaixão pela Terra.

Então uma abordagem que também tem nos influenciado muito é a abordagem dos povos tradicionais, dos povos indígenas, pois quando eles falam se sujar a água vai ser mal pra nós, isto não é utilitário, eles conseguem entender que eles são inseparáveis, aquilo é muito arraigado neles. [...]as crianças elas ainda têm a experiência de integração e isto vai se perdendo com o nosso processo de socialização, que a nossa cultura tem esta marca de dissociar tudo né? (Plátano)

As falas de Aveleira e Faia, também corroboram com a fala de Plátano, quando nos colocam que:

Então a forma como os indígenas foram manejando a floresta possibilitaram ela ser a floresta, e a permacultura e a agrofloresta bebem desta fonte dos povos originais. Os indígenas também são nossa bibliografia de estudo porque a gente precisa se inspirar por este olhar que é bem mais conectado (Aveleira).

Então entra em educação ambiental experiência direta, entra contos, entra todo um trabalho do imaginário também, de gerar imagens internas que nutram essa sensação de conexão, o que é bem forte na pedagogia dos índios, o contar histórias, isto ser estruturador também. Então esta conexão da educação ambiental com a espiritualidade, a espiritualidade não em um sentido religioso, mas neste sentido de ver com profundidade, da sensação de estar ligado (Faia).

É pertinente a colaboração de Boff (2004) com esta visão, quando traz para a discussão a necessidade de um novo relacionamento do ser humano com a Terra, que seria o sentido de cidadania planetária, também mencionado por Gadotti na pedagogia da Terra. Seria poder olhar para a Terra como um organismo realmente vivo, onde os currículos deveriam ultrapassar a dicotomia entre o que é humano e o que não é humano. Boff nos faz refletir que precisamos educar o sentir e o pensar em uma compreensão holística dos processos que envolvem a vida. Para tanto ele cita que é necessário o ser humano desenvolver algumas capacidades que os povos tradicionais tão bem dominavam e deixavam-se orientar por estas. Dentre as capacidades citam-se algumas: capacidades de sentir, intuir, vibrar emocionalmente (emocionar); relacionar interconectar-se e auto-organizar-se; buscar causas e prever consequências; pensar holisticamente.

Já Morin, Silva e Sawaya (2000) nos falam sobre a importância de se ensinar a identidade terrena, como um dos ensinamentos importantes para a educação do futuro. Para que se compreenda esta identidade, necessita-se de um pensamento aberto e consciente de que talvez, para que possamos responder a algumas questões precisaremos de um pensamento policêntrico, ou seja, um pensamento que venha a ser construído pelas culturas do mundo. As diferentes culturas têm muito a dialogar e aprender uma com as outras. Importante seria celebrar estas diferenças e aprender através destas. Quem sabe poder chegar a construção de uma sabedoria de saber viver juntos, apesar das diferenças, o que Morin chama de simbiosofia. Reconhecer também que enquanto seres humanos, como o autor coloca, temos um destino comum e problemas comuns a serem resolvidos, dentre tantos, a ameaça ecológica e a degradação da vida planetária.

Plátano também traz uma fala muito interessante sobre a sustentabilidade ser um eixo importante para a escola, e que esta olha constantemente este eixo. Considerando inclusive este eixo ou princípio, o mais importante:

[...] mas a questão da sustentabilidade está na visão ampla da escola no momento que a gente tem preocupação que se retome esta relação com a natureza como uma coisa orgânica, que já foi em algum momento da humanidade, e que agora encontra-se perdida. De forma mais ampla, esse é o nosso diferencial a sustentabilidade de uma forma que vá entrar no coração das crianças, pois tem a ver com mundo interno, e a inseparatividade. O eixo da sustentabilidade está perpassando o tempo todo, a gente só separa, pra dar uma ênfase naquele lugar, pra fins didáticos mesmo, de como organizar o conhecimento, mas isto não significa que no primeiro bimestre eu não vou poder olhar pra isto. Sustentabilidade serve pra tudo! Eu tenho muita conexão com este eixo, pra mim não precisava dos outros eixos pois está tudo neste eixo (Plátano).

A pedagogia da Mandala, construída pelos professores e equipe pedagógica da escola Caminho do Meio, conforme Senna (2015, on-line) falando sobre o princípio da sustentabilidade e do olhar a ser construído junto as crianças:

A inserção na natureza, a experiência do belo no mundo e o tempo da experimentação direta constituem-se como componentes importantes para o despontar de uma ética ambiental que surge como uma descoberta vivencial, livre e autônoma do próprio sujeito (CORNELL, 2005). Cabe à escola criar as condições que facilitem esse processo do aluno sobre si mesmo. [...] A educação em contato direto com a natureza procura respeitar seus ciclos e ritmos, alinhar o tempo humano com o tempo natural, harmonizando o cotidiano com o ritmo solar diário, conhecendo e vivenciando as estações do ano, os ciclos lunares e a associação sócio-histórica dos ciclos culturais com os ciclos naturais, visível nas festas anuais do calendário cultural brasileiro.

A visão de sustentabilidade na escola Caminho do Meio permeia praticamente todas as suas atividades desenvolvidas, sendo considerado o eixo mais importante pelos entrevistados. A sustentabilidade aparece quando se busca educar de forma integral a criança, onde existe a inseparatidade do mundo interno e externo, do dentro e do fora e destes com relação aos ciclos de vida.

Outra contribuição a discussão da sustentabilidade que a escola proporcionou, foi a de que ensinar a criança sobre o que é sustentabilidade não pode acontecer somente de forma teórica, não adianta educar para alguma coisa, se esta coisa não é vivenciada através do cotidiano. A sustentabilidade pulsa no cotidiano escolar. O educar para a sustentabilidade também ocorre na escola através da vivência dos processos naturais da vida, que ocorrem nas relações entre as pessoas e também da observação destes processos através da natureza.

Conforme Plátano, poder aprender a recuperar o olhar para a natureza como uma coisa orgânica (viva) que um dia a humanidade já teve, mas que hoje se perdeu: “[...] esta conexão da educação ambiental com a espiritualidade, a espiritualidade não em um sentido religioso, mas neste sentido de ver com profundidade, da sensação de estar ligado, enfim este sentimento de devoção”.

Parece surgir então, uma esperança, um caminho para o resgate do elo perdido, conforme Leff (2001) entre ser humano, sociedade e natureza. Este elo, seria o que nas falas dos entrevistados eles querem aprender com os povos tradicionais. Enquanto humanidade perdemos este elo, esta conexão, com o todo. O elo emocional, entre os índios e a Terra, foi o que desenvolveu o respeito e o sentimento de pertencer e não estar separado da natureza. O vínculo emocional é o único capaz de estabelecer o sentimento de deslumbramento, emoção e ternura.

Assim, a escola Caminho do Meio, propõe uma pedagogia viva e que relaciona as sabedorias a princípios, elementos da natureza, oferecendo uma experiência direta no seu dia a dia, da inseparatividade do ser humano da natureza, pois educa imersa em uma cultura de sustentabilidade. A sustentabilidade pulsa por todos os lados na escola, não se educa a criança para algo que está “lá fora”, ou para uma realidade que não exista, ou como colocam os entrevistados, para algo artificial. Se educa a criança na vivência direta desta com o real.

Considerações finais

De forma geral a experiência de educação relacionada a sustentabilidade proposta pela escola Caminho do Meio, corrobora com a possibilidade anteriormente escrita, sobre a escola ter um papel fundamental nesta discussão, de busca de respostas e possibilidades de resolução ao quadro de insustentabilidade que o ser humano estabeleceu entre ele, a natureza e com o planeta.

Pode-se afirmar que estamos diante de uma pedagogia que caminha em sintonia com os modelos e as demandas socioambientais e sustentáveis do planeta. Desde o pensar da construção de uma pedagogia, que a equipe não considera que está pronta, fechada, que talvez não tenha um fim, e no dia a dia de suas atividades com as crianças, encontra consonância com muitas ideias, que apontam os princípios de uma educação transdisciplinar. Considera-se a proposta da escola como uma prática transformadora em educação. As práticas transformadoras em educação, a partir dos postulados de Edgar Morin, sugerem a construção de pedagogias baseadas na construção de conhecimentos transdisciplinares, considerando as relações indivíduo/sociedade/natureza. Gerando a construção de conhecimentos capazes de formar as habilidades para o enfrentamento dos desafios e crises contemporâneos.

A escola, na sua pedagogia, sugere a sustentabilidade extremamente relacionada com o princípio da integralidade e a sabedoria do acolhimento. Acolher, neste sentido, representaria compreender o outro da forma mais ampla possível, desenvolvendo a compreensão de que cada ser deve ser acolhido e respeitado a partir de sua subjetividade e características. Acolher e educar a criança na Escola Caminho do Meio, seria compreender a inseparatividade das dimensões: corporal, emocional (psíquica), mental (intelectual), sociocultural e espiritual. Parece um caminho para vencer a dicotomia eu/outro/natureza/sociedade. Um aprendizado considerado fundamental para respostas positivas da sociedade rumo a um crescimento sustentável para todos.

Surge aqui uma lógica importante na formação ética e social da criança, pois se o que acontece comigo não está separado do externo, tudo que acontece ao outro e ao mundo externo acontece a mim também. Parece surgir um horizonte ético, que Gadotti fala em sua Pedagogia da Terra, uma utopia da solidariedade e da compaixão.

Parece surgir uma esperança, e um caminho para o resgate do elo perdido, conforme Leff (2001), entre ser humano, sociedade e natureza. Este elo, seria o que nas falas dos entrevistados, eles querem aprender com os povos tradicionais, principalmente com os indígenas. O olhar destes povos para a vida e para a natureza.

Além do princípio da integralidade, da busca pelo conhecimento e sabedoria dos indígenas, em como estes viveram e ainda vivem com mais harmonia no meio ambiente, destaca-se também como contribuição a localização privilegiada da escola em um bosque, que fica dentro de uma comunidade que procura viver a sustentabilidade. Assim a sustentabilidade, pulsa por todos os lados e a criança é educada, conforme os entrevistados do estudo, para algo que é real e não para algo externo a esta, que se considera fundamental, nesta tomada de consciência e formação de um olhar lúcido, que somos a Terra.

Bibliografia

ABREU JUNIOR, Laerthe. Conhecimento Transdisciplinar: O Cenário Epistemológico da Complexidade. Piracicaba: Ed. Unimep, 1996.

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

GADOTTI, Moacyr. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2003.

LEFF, Enrique. Saber Ambiental: Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis. Ed. Vozes, 2001.

MORAES, Maria Cândida; ALMEIDA, Maria da Conceição. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Presente. Por uma Educação Transformadora. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012.

MORIN, Edgar; SILVA, Catarina Eleonora F. da; SAWAYA, Jeanne. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Ed. Cortez, 2000.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005.

SENNA, Carolina. Princípios para uma educação feliz – Sustentabilidade. Mandala Escola. 2015. Disponível em: http://minilink.es/42to. Acesso em: 05 fev. 2017.

SOMMERMAN, Américo; MELLO, Maria F.; BARROS, Vitória (Org.). Educação e Transdisciplinariedade II. São Paulo: TRIOM, 2002.