COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO: CRIAÇÃO, ESTRUTURA E AÇÃO



Sofia Oliveira de Barros Correia¹, Cláudio Jorge Moura Castilho²

  1. Aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Email: sofiabarroscorreia@gmail.com. 2. Orientador e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Pernambuco. Email: claudiocastilho44@gmail.com.



RESUMO

A partir desta revisão de literatura, pretende-se chegar à produção de sentidos que fortaleçam linguisticamente a ideia de que, com o agravamento de uma crise hídrica, nos mais diversos contextos histórico-territoriais, mais do que nunca, é prudente repensar a democracia como movimento imprescindível no sentido de favorecer o estabelecimento de novas relações para a superação das adversidades. Neste sentido, o estudo da criação, estrutura e ação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) como instituição que tem por missão a gestão pública e participativa da água, imbricada em um contexto histórico-territorial de ação político-social oligárquico, foi realizado, também, com intuito de produzir conhecimento sobre o desenvolvimento dos processos democráticos no Brasil. Portanto, objetiva-se contextualizar os processos de criação e ação do CBHSF; abordar de forma concisa e clara a estrutura do Comitê e apontar fragilidades tanto da presente pesquisa bibliográfica como dos instrumentos e instituição estudados.

Palavras-chave: Crise Hídrica; Democracia; Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.



ABSTRACT

From this literature revision, we aim to producing, in a linguistical way, senses that strengthen the idea that, with the worsening of a hydro crisis in the most diverse historical and territorial context, more than ever, is prudent to rethink the democracy process as an indispensable movement to promoting the establishment of new relationships to overcome adversities. In this sense, the study of the creation, structure and action of the São Francisco River Watershed Committee (CBHSF) as an institution, which has a public and participatory mission in terms of water management, imbriced by a historical-territorial context of social-political oligarchic action, was realized, too, with aims to do a knowledge production about the development of democratic process in Brazil. Therefore, it aims to contextualizing the processes of creation and action of the CBHSF; define concisely and clearly the structure of the Committee as well as to pointing out weaknesses in both this bibliographical research and the instruments and institution studied.

Key words: Water Crisis; Democracy; São Francisco River Watershed Committee.



INTRODUÇÃO

A gestão da água tornou-se discussão e objetivo global de ação dos governos, como forma de resposta às significativas pressões populacionais, políticas, econômicas e ambientais em torno da incerteza e vulnerabilidade que envolve os usos da água no âmbito dos seus limites, assim como a demanda, nos processos de decisão, incorporação das interações ambientais, econômicas e sociais (ALMEIDA, 2011).

Ademais, não se pode deixar de levar em conta as pressões sociais decorrentes do processo de autoconsciência da importância de se usar a água como um bem e não como um mero recurso econômico, no contexto das ameaças inerentes aos imperativos da lógica da racionalidade técnico-instrumental capitalista, a qual vem exercendo cada vez mais poder nas ações e consciência das pessoas desde, sobretudo, o século XIX.

Assume-se aqui o agravamento de uma crise hídrica num contexto histórico-territorial em que se deve, mais do que nunca, repensar a democracia como movimento imprescindível no sentido de favorecer o estabelecimento de novas relações para a superação do problema ora identificado. E isto como um círculo virtuoso pelo qual os governantes devem realmente depender dos cidadãos para a elaboração de soluções efetivas para a crise. Na verdade, a democracia produz cidadãos os quais, por sua vez, produzem a democracia, além de um possível estado de sensibilidade para as ambiguidades, para a transcendência das contradições e para os processos complexos que compõem a realidade (MORIN; VIVERET, 2013).

Neste sentido, propõe-se a produção de sentidos que fortaleçam linguisticamente a ideia anteriormente abordada por meio do estudo da criação, estrutura e ação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), visando ao alcance dos objetivos que veem norteando a revisão da literatura, integrada à pesquisa de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente sobre as “Territorialidades discursivas e o acesso à água na Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco”, ora em andamento: contextualizar os processos de criação e ação do CBHSF; abordar de forma concisa e clara a estrutura do Comitê e apontar as fragilidades da democracia vivenciada pela instituição estudada.

O CBHSF, considerado um símbolo de gestão participativa, que vem se fortalecendo como instituição pública, ainda não consegue cumprir a contento com sua missão, apesar de possuir garantias para agir de forma autônoma e com maior alcance de ação. O que se deve, sobretudo, ao conjunto das adversidades no âmbito das quais as discussões se dão, tanto de ordem sociocultural quanto política.

No entanto, o sentido que daremos à revisão do tema proposto visa, mormente, ao encorajamento da persistência no que diz respeito à resistência existente no âmbito dos processos participativos e democráticos de discussão que acontecem no CBHSF como um espaço público cuja missão refere-se, concomitantemente, à sua dimensão pedagógica para uma gestão efetivamente diferente da atual.

CAMINHO METODOLÓGICO



Para a elaboração deste artigo, foram vivenciados linguisticamente dois métodos, o método de abordagem e o de procedimentos, tal como denominam Marconi e Lakatos (2003). O primeiro refere-se àquele que se acha vinculado ao olhar dos autores sobre a linguagem, a construção do conhecimento e os processos socioculturais no contexto histórico-territorial no qual os fenômenos estudados acontecem; enquanto que o método de procedimentos refere-se per se ao conjunto das técnicas de pesquisa, à forma de obtenção e à sistematização dos conhecimentos apreendidos no decorrer da pesquisa.

Ainda no que diz respeito ao método de abordagem demos ênfase ao método dialético, o qual está atrelado às leis da dialética as quais, para Engels (1979), partindo da reformulação da concepção de Hegel, não podem ser impostas à natureza e à história; devendo-se, assim, fazer o inverso, ou seja, partir da observação da natureza para as ideias. No âmbito desta perspectiva, levamos em conta as seguintes leis: a da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa; a da interpenetração dos contrários e a da negação da negação.

Prodanov e Freitas (2013) esclarecem que o método dialético de abordagem tem como lastro o princípio de que a natureza se transforma constantemente e que a contradição é inerente aos fenômenos, os quais, por sua vez, são vistos como processos interdependentes e complexos. Ou seja, o pesquisador que se propõe a conhecer determinado fenômeno ou objeto de pesquisa – no nosso caso, o CBHSF –, precisa estar disposto a explorá-lo em seus diversos aspectos de manifestação, levando em conta as relações estabelecidas com outros processos e as influências que exercem entre si. Tais processos devem estar situados em um contexto histórico-territorial, no âmbito da dinâmica social, e o pesquisador não precisa se preocupar em esgotar as discussões ou estabelecer sua análise como um conhecimento absoluto, inquestionável, já que os pensamentos, a linguagem, os conhecimentos, o ambiente e a sociedade estão em permanente transformação sob a perspectiva dialética.

Diante do exposto, o método histórico de procedimento alinha-se ao método de abordagem explicitado acima, principalmente, por considerar de extrema importância a investigação do passado das instituições, seus contextos socioculturais de criação e de desenvolvimento para a compreensão da condição atual e função social das instituições (MARCONI, LAKATOS, 2013).

No entanto, tal método pode induzir o pesquisador à criação de um tempo linear para a elaboração de seu discurso. Neste momento, é preciso sobrepor o método dialético ao método histórico, a fim de que não ocorra negligência em termos de particularidades de acontecimentos inerentes à ordem linear vigente, assim como aos limites disciplinares da produção e ensino das ciências. Buscamos, então, realizar uma reflexão efetivamente interdisciplinar a fim de nos aproximarmos da complexidade da realidade ligada ao funcionamento do CBHSF.

A revisão da literatura em tela foi realizada a partir de documentos oficiais, matérias e artigos sobre o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Ao mesmo tempo, utilizou-se de outro procedimento que julgamos importante, isto é, o das observações das reuniões junto à Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, trabalho de campo para produção da pesquisa visando à tese dos autores pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Pernambuco.



RESULTADOS E DISCUSSÃO

Criação

Ao pensar o contexto de criação do CBHSF, faz-se pertinente lembrar que “[...] as relações de poder estabelecidas e cultivadas historicamente, as quais delinearam o formato oligárquico do ‘governar’ brasileiro, são responsáveis por grandes desafios à governança ambiental, quanto à participação social e quanto ao interesse público” (CORREIA, 2016, p.334).

Antecede-se à ação do CBHSF, aquela relativa ao Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH), a qual, a partir de 1978, já se colocava como finalidade central

[...] classificar os cursos d’água em classes segundo os usos preponderantes; realizar estudos integrados e acompanhar a utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios de domínio da União, no sentido de promover o aproveitamento múltiplo de cada uma e minimizar os impactos ambientais nas bacias hidrográficas (MASCARENHAS, 2008, p.153).

O Comitê, apesar de assumir um caráter predominantemente consultivo, deu origem a um processo preliminar de concepção de gestão integrada de bacias, ainda que não se tenha avançado em termos de práticas efetivas de participação da população. A formação do CEEIBH, na década de 1980, foi responsável pela produção de documentos importantes sobre a Bacia: o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco e a Avaliação Preliminar sobre a situação dos Usos Múltiplos da Água e do Solo.

A organização foi, paulatinamente, ganhando apoio público, tendo-se ramificado em cinco sub-comitês de afluentes: Bacia do Rio Verde Grande; Bacia do rio Pará/Itapecirica; Borda do Lago Três Marias; bacia do Rio Verde/Mirorós; e Bacia do Rio Parnamirim. Apesar das limitações político-administrativas, o CEEIBH, após a publicação da Lei nº 9344, impulsionou uma mobilização de grande dimensão político-social, com a participação de 6 mil pessoas que representavam o poder público, os principais usuários da água da bacia e a sociedade civil organizada, para a adequação do Comitê aos requisitos previstos por lei, exercendo pressão social para a criação do CBHSF (MASCARENHAS, 2008).

O CBHSF foi, portanto, instituído como fórum deliberativo para a gestão pública das águas do rio São Francisco, no ano de 2001. Seu decreto de criação foi diretamente vinculado à Lei nº 9.433/1997, sobre a Política Nacional dos Recursos Hídricos, sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, e à Lei nº 9.984/2000 de criação da Agência Nacional das Águas.

Seguindo um modelo neoliberal de governo, de privatização, como também de enfraquecimento das forças estatais no mercado e nas relações político-sociais, o governo da época institucionaliza, pelo menos ao nível do discurso, um processo contraditório de gestão participativa, descentralizada e integrada das bacias hidrográficas brasileiras.

Para Sader (1999), o final do século XX, no Brasil, é marcado por uma grande crise econômica e pela consolidação da ideologia neoliberal da modernidade tecnocrática, a qual sobrepunha a concepção de oportunidade à de justiça social e consolidava a era do consumismo, do individualismo, em detrimento dos princípios comunitários, solidários e éticos presentes, em certa medida, quando da elaboração dos documentos legais.

Outro ponto importante a ser considerado nesta discussão refere-se ao da legitimação legal do deslocamento do conceito da água como bem comum e público, restringindo-o à sua dimensão econômica: como recurso hídrico. Este conceito é bem definido nas leis supracitadas, sustentado por um aparato jurídico, científico e político, que institui a cobrança pelo seu uso como a mais importante ferramenta de gestão hídrica, passando por cima dos princípios supracitados.

Também não se pode deixar de considerar o contexto da demanda internacional, que exerceu pressão nesta fase da história do Brasil, sob o manto das questões do Desenvolvimento Sustentável e da Governança Ambiental, propostas por instituições como o Banco Mundial. Sobre esta questão, Wolkmmer e Pimmel (2013) denunciam a consolidação de uma visão reducionista hegemônica da água.

A afirmação de a água ser um bem de valor econômico e passível de cobrança foi uma das recomendações da Agenda 21, e tem como alvo aqueles que utilizam a água na produção de bens e serviços. Embora a dimensão econômico-produtiva da água seja estrategicamente fundamental para sustentabilidade do desenvolvimento, não se pode esquecer de que a água é acima de tudo um recurso natural, pois, infelizmente, tem prevalecido uma visão reducionista (p.173-174).

De acordo com Portilho (2010), a partir da década de 1990, dá-se a emergência internacional de um discurso político sobre consumo, resultante do deslocamento da preocupação com a produção e crescimento populacional, que surgira na década de 1970, para o consumo como fim único e suficiente. A autora argumenta que este processo provoca a despolitização dos indivíduos, que ao invés de se tornarem cidadãos, são reduzidos à condição de consumidores e se reconhecem como tal, perdendo a consciência sobre o seu direito ao acesso à água como um bem comum a todos os brasileiros. Para além da concepção materialista de bem, ela é constituinte de seus corpos, ela é o próprio ser humano e o mundo que o cerca.

Assim, os problemas ambientais passaram a ser abordados para buscar soluções somente a partir do combate a certos tipos de consumo e assumindo um genérico, vazio e normativo “consumo consciente”.

A glorificação do consumo se acompanha da diminuição gradativa de outras sensibilidades, como a noção de individualidade que, aliás, constitui um dos alicerces da cidadania. Enquanto constrói e alimenta um individualismo feroz e sem fronteiras, o consumo contribui ao aniquilamento da personalidade, sem a qual o homem não se reconhece como distinto, a partir da igualdade entre todos (SANTOS, 1987, p. 35).

De fato, o consumo penetra em todas as dimensões da vida dos homens e das mulheres nos seus ambientes vividos, destruindo tudo o que é mais humano.

Neste sentido, quando se considera a Lei nº 9433/97, ao mesmo tempo que se dá ênfase ao valor econômico da água, também, impõe-se limite a este conceito, em seu artigo 15. Isto é, define-se certo limite à concepção financeira da água, apresentando seus usos múltiplos e as prioridades de uso, apenas em momentos de escassez: o consumo humano e a dessedentação animal.

Portanto, o que é dominante, na dimensão discursiva do documento oficial, é o conceito de água como um recurso a ser consumido e vendido, assim como qualquer material produzido artificialmente, por determinada indústria, ou seja, alguns podem ter acesso a ele ou não, assim como os valores de identidade, culturais, espirituais são sufocados neste discurso. “A Lei das Águas”, como é conhecida a lei supracitada, negligencia a importância ecossistêmica da água e seu caráter essencial para a sobrevivência de qualquer ser vivo.

O processo de criação do CBHSF está relacionado intimamente a uma conjuntura global de intensificação de políticas neoliberais e de fortalecimento de discursos que vinculam consumo e meio ambiente, reduzindo os bens ecossistêmicos a produtos sujeitos a consumo e descarte por aqueles que têm poder aquisitivo para adquiri-los.

Ao mesmo tempo, é possível reconhecer que coexistem movimentos de pressão social com potencial de produção, talvez, de diversos discursos em um espaço participativo de gestão hídrica. No entanto, são necessários estudos de campo de caráter linguístico, nestes espaços, para a caracterização adequada e aprofundada do acontecer histórico destes processos.



Estrutura

De acordo com a Agência Nacional das Águas (2016), a região Hidrográfica do São Francisco abrange 507 municípios e perpassa seis estados do Brasil: Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal.

A bacia é dividida, estrategicamente, em quatro regiões fisiográficas: Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco. Essa divisão leva em conta o curso do rio e a variação de altitude ao longo de seu percurso. O Alto São Francisco está localizado em Minas Gerais; o Médio na Bahia, Goiás e Distrito Federal; o Submédio nos estados Bahia e Pernambuco e o Baixo São Francisco nos estados Alagoas e de Sergipe. O intuito de subdividir a bacia em quatro regiões fisiográficas foi, notadamente, o de facilitar o seu planejamento a fim de efetivar a gestão dos recursos hídricos, além de aproximar-se das diversas populações e ecossistemas que compõem a bacia.

E esta tentativa de aproximação da realidade, ainda que não tenha cumprido com sua principal meta, faz-se relevante em qualquer experiência de gestão pública. Isto na medida em que

[...] a proximidade que [nos] interessa [...] não se limita a uma mera definição de distâncias; ela tem que ver com a contiguidade física entre pessoas numa mesma extensão, num mesmo conjunto de pontos contínuos, vivendo com a intensidade de suas inter-relações. Não são apenas as relações econômicas que devem ser apreendidas numa análise da situação de vizinhança, mas a totalidade das relações. É assim que a proximidade [...] ‘pode criar solidariedade, laços e desse modo a identidade’. (SANTOS, 1997, p. 255)

Levando em conta a dimensão e complexidade dos ambientes que compõem a Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, o Comitê deveria refletir sobre a perspectiva de concretizar a intenção acima ressaltada. Com efeito, o CBHSF foi idealizado com a composição de sessenta e dois membros titulares que a representassem: cinco pertencem à União (Ministérios do Meio Ambiente, da Integração Nacional, do Planejamento, das Minas e Energia e da FUNAI); seis membros representam os estados federados (um para cada estado), o Distrito Federal é representado por um titular; os Municípios por oito representantes (três de Minas Gerais; dois para a Bahia e um para cada estado nos casos de Pernambuco, Alagoas e Sergipe).

Os representantes dos usuários são distribuídos em categorias: dos vinte e quatro, seis representam o abastecimento urbano (dois para Minas e um para cada estado de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe); cinco representam a indústria, sendo três para Minas Gerais, um para Pernambuco e um para a Bahia; irrigação e uso agropecuário têm seis representantes, dois para Minas Gerais, dois para Bahia, um para Pernambuco e um para Sergipe.

No que concerne ao setor hidroviário, este acha-se representado por apenas um titular do estado da Bahia e a pesca, o turismo e o lazer, considerados como uma só categoria, com quatro representantes de Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Pernambuco. Por fim, dois representantes são reservados às concessionárias e autorizadas de geração hidrelétrica.

As entidades civis de recursos hídricos são contempladas com 16 representantes, dois para consórcios e associações intermunicipais ou de usuários originários de Minas Gerais e Bahia; cinco das instituições técnicas de ensino e pesquisa dos estados de Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe; oito representantes para as organizações não governamentais, sendo quatro para o estado Minas Gerais e a Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe são representados por um membro para cada estado.

Finalmente, os povos indígenas têm direito a apenas dois representantes e as comunidades quilombolas a um só representante, todos eleitos no âmbito da bacia (CBHSF, 2007). Não foram divulgados os critérios para a delimitação dessa representação que, claramente, não considera a diversidade de povos e suas especificidades territoriais. Este contexto representativo significa uma grande fragilidade no que diz respeito à diversidade discursiva no ambiente de negociações do Comitê, visto que um ou dois representantes não possuem a vivência ideal do território de cada povo para uma representação que reflita, efetivamente, os olhares, os discursos, as necessidades e anseios das populações indígenas e quilombolas do Submédio São Francisco diante da conjuntura de acesso e uso da água na região.

Outra fragilidade da representação é congregar pescadores tradicionais àqueles da pesca industrial, modos distintos, em essência, de relação com o rio, assim como a ocultação de outras comunidades tradicionais ribeirinhas do São Francisco.

O estado de Goiás, que representa 5% da bacia, tem representação mínima neste Comitê. Porém, não são justificadas a distribuição e proporção dos representantes por setores, categorias ou estados no Regimento Interno do Comitê. Também não foi encontrado outro documento oficial ou artigo científico que possuísse tal informação ou que discutisse de forma crítica tal conformação visivelmente desigual, apenas informações de que ela tenha sido decidida por meio de plenárias estaduais coordenadas pela diretoria provisória do CBHSF, no momento de sua criação (MASCARENHAS, 2008).

A composição do CBHSF se reflete diretamente nos discursos, dando poder aos que possuem uma maior representatividade, tanto pela quantidade de votos como pela força discursiva potencial que uma maior quantidade de pessoas defendendo uma mesma causa pode gerar, em hipótese, já que na prática os membros de um mesmo estado podem estar em conflito.

A estrutura organizacional do CBHSF compreende o Plenário, a Diretoria Colegiada-DIREC (presidente, vice, secretário e coordenadores das CCR), a Diretoria Executiva (presidente, vice e secretário), Câmaras Técnicas e Câmaras Consultivas Regionais para o Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco, as quais, por sua vez, são responsáveis pela organização dos Comitês de Afluentes, somando um total de dezoito comitês de articulação local na Bacia.

O Comitê ainda conta com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) que é um órgão colegiado do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e com a Agência Nacional da Água (ANA), a qual, por sua vez, é responsável pelas outorgas, cobranças pelo uso da água e repasse dos valores às instituições responsáveis pela realização dos projetos do CBHSF, assim como dos demais Comitês nacionais.

As ações implementadas por meio dos recursos arrecadados a partir da cobrança pelo uso da água do rio São Francisco são realizadas desde o ano de 2010 pela Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas (AGB Peixe Vivo). Selecionada, a partir de processo interno, por uma comissão de julgamento composta por membros do comitê, a instituição passa a exercer a função de Agência das Águas da Bacia do São Francisco (CBHSF, 2017).

De forma sucinta, concluímos que a estrutura do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco possui abrangência nacional, regional e local, formada pelo próprio CBHSF, pelas Câmaras Consultivas Regionais e pelos Comitês Afluentes, respectivamente, com vistas, em princípio, a democratizar a gestão das águas. No entanto, a estrutura, na ausência de uma análise qualitativa, logo remete à disparidade representativa, principalmente, no que tange às populações tradicionais brasileiras, bem como aos pequenos agricultores.



Ação

O CBHSF tem como atribuições legais a promoção de debates diversos, relacionados às questões consideradas relevantes para seus membros e para a Bacia como um todo; a articulação das entidades de interesse, visando à gestão da Bacia; a gestão dos conflitos de diversas ordens; a aprovação e o acompanhamento da execução de planos de saneamento, de revitalização hidroambiental, dentre outros problemas eleitos fundamentais pelos seus membros para a adequada gestão hídrica na Bacia; além do estabelecimento de critérios para a valoração dos recursos hídricos, no intuito de regular os usos das águas do rio São Francisco.

As plenárias ordinárias do Comitê ocorrem duas vezes ao ano, em locais distribuídos pela Bacia e pré-definidos em votação pelo plenário, com plenárias extraordinárias a ocorrer, quando necessário. As reuniões são públicas e deveriam ser amplamente divulgadas, assim como as pautas de demanda de seus membros.

O CBHSF dispõe de Câmaras Técnicas para avaliação dos planos, projetos e programas idealizados pelos seus membros, além da ANA e da AGB Peixe Vivo, que analisam principalmente a viabilidade dos mesmos.

Esta seção do artigo foi elaborada por meio da consulta às atas de plenárias ordinárias do CBHSF, no período de 2002-2016. A busca foi por tirar conclusões sobre as ações do Comitê em questão, eximindo-se de interpretações de outros pesquisadores sobre os acontecimentos relatados nos documentos revisados.

No ano de 2002, participaram da plenária 60 membros titulares e 60 suplentes, contando com a presença dominante de membros do poder público, sediada no Distrito Federal. A ata relata discursos com indicações constantes da Lei nº 2433 e do Regimento Interno do Comitê, no sentido de fortalecer as atribuições e a composição do Comitê, dando ênfase à cobrança pelo uso da água.

Em 2003, a segunda plenária do CBHSF ocorreu em Penedo. Na ata desta reunião, os discursos, predominantemente de membros do poder público, voltaram-se para o sentimento de esperança e expectativa diante da criação do Comitê e de seu potencial de ação. Decorre desta reunião a posição oficial do Comitê diante da transposição do rio São Francisco, por meio da Deliberação n°6, fortalecendo o que foi registrado na “DECLARAÇÃO DE PENEDO”, a qual foi entregue ao Vice-Presidente da República.

Nesta Deliberação, o CBHSF faz observações sobre o projeto da transposição, dando um novo tom ao discurso sobre ela, alegando que não é a única alternativa para o semiárido setentrional no que tange ao abastecimento humano e animal, principalmente por requerer muitos questionamentos de ordem técnica, não dando um parecer claro sobre os impactos ambientais decorrentes do processo, muito menos sobre as demandas hídricas a serem atendias, que são crescentes, ou sobre a garantia de distribuição e uso democráticos, elementos, portanto, que justificassem todo o recurso dispendido. A transposição se configura, então, como parte de um discurso centrado, mais uma vez, na realização de grandes obras de engenharia hídrica, desconsiderando um olhar da complexidade da problemática do Semiárido.

Sobre a revitalização diz:

O CBHSF encara a Revitalização da Bacia do São Francisco como um valor em si mesmo e totalmente independente das eventuais medidas compensatórias que surgiriam de uma possível viabilização das obras da transposição. Além disso, pugna por um maior aclaramento do próprio conceito de “revitalização”, que deve ser entendido, acima de tudo, como revitalização do ecossistema, de tal forma que a recuperação ambiental da Bacia do São Francisco não seja absorvida e neutralizada no bojo de outra revitalização igualmente necessária, mas conceitualmente diferente, qual seja a revitalização socioeconômica da bacia (CBHSF, 2003, p.2).

O CBHSF ponderou ser prerrogativa e desafio urgente do Comitê junto à ANA quantificar antecipadamente todo o universo de demandas hídricas para abastecimento humano no contexto da bacia doadora e das bacias receptoras no Semiárido, anterior às decisões sobre outorgas para projetos de grande magnitude, a partir dos quais se previu a criação de agronegócios nos locais de destino das águas.

O Comitê sugeriu ao governo da época um Programa de Desenvolvimento Sustentável e Integrado do Semiárido Brasileiro que incorporasse a cultura de projetos de menor porte, a partir da quantificação e viabilização do potencial de captação de águas da chuva, além de outras fontes complementares mais baratas de aumento da oferta hídrica, acompanhada da articulação de ações sustentáveis de geração de renda que proporcionassem desenvolvimento e autonomia para a região.

A conclusão da deliberação foi feita fortalecendo que está provado, historicamente, que conduzir água de um local para outro não resolve a situação do Semiárido e que só se justificará uma obra “faraônica” caso fosse cumprida com máximo rigor a viabilidade técnica, a partir de um vislumbre positivo da relação custo/benefício, da sustentabilidade, além da garantia de usufruto democrático dos seus resultados, por meio de transparência na gestão, contando com a participação da sociedade, principalmente daquelas comunidades envolvidas diretamente no processo.

A segunda plenária, neste mesmo ano, ocorreu na cidade de São Roque de Minas e contou com membros do poder público, dos usuários e da sociedade de forma mais equilibrada. A reunião teve como ponto central de pauta o da eleição da Diretoria Executiva do Comitê, os demais temas debatidos foram aqueles referentes ao Regimento Interno e à integração dos quatro coordenadores das Câmaras Consultivas Regionais à Diretoria Colegiada. Em toda a reunião foi destacada a satisfação diante da eleição da chapa que, para aqueles que tiveram o poder da fala, representava os estados membros, as regiões fisiográficas, os setores usuários, poder público e sociedade civil: com dois representantes para Minas Gerais, dois para Bahia, um para Pernambuco, um para Alagoas e um para Sergipe, o que significou a posse de dois diretores do Alto, dois do Médio, um do Submédio e dois do Baixo São Francisco. Ainda em relação aos segmentos que compõem o CBHSF, três faziam parte do Poder Público, dois da Sociedade Civil e dois dos Usuários.

No ano de 2004, os principais assuntos tratados nas plenárias foram os relativos ao Plano Decenal dos Recursos Hídricos da Bacia do rio São Francisco, que foi aprovado e publicado; a transposição versus revitalização, a revisão de outorgas e possíveis fontes de arrecadação de recursos para a realização de ações na Bacia do rio São Francisco. É importante destacar que, nesta reunião, os representantes se dividiram em dois grupos discursivos, o que direcionava o Plano para a questão do uso da água e outro que focava a questão da revitalização da Bacia. O que nos pareceu é que a grande polêmica da plenária se consistiu na aprovação da transposição e os poucos representantes que não se mostravam contra, expressaram a necessidade de haver uma discussão mais ampla sobre este assunto. Foi muito sutil a reação dos membros a uma pressão exercida pelo Governo Federal e pelos representantes do poder público presentes para a aprovação da transposição do rio São Francisco.

No ano de 2005, os principais temas tratados nas plenárias foram os das eleições das Diretorias Executiva e Colegiada; e das alterações no Regimento Interno, com ênfase necessária em relação à representatividade das comunidades indígenas, principalmente quando se tratava da transposição do rio São Francisco. Quanto a este tema, os membros expressaram a frustração diante da conjuntura que caracterizou a transposição como uma ação autoritária do Governo Federal, da ANA, do IBAMA e dos Ministérios do Meio Ambiente e da Integração, influenciando, inclusive, no processo de revisão e de regularização das outorgas, como também no cadastro dos usuários para viabilizar o projeto, nesta ata foi possível atestar um discurso forte contra a transposição do rio.

Em relação à cobrança pelos usos da água, os representantes mostraram um discurso a favor para aqueles grandes usuários e preocupados com a ação dos irrigantes, para eles os maiores demandantes de água do rio.

A insatisfação dos membros do CBHSF em relação às atividades da ANA ficou mais evidente na última plenária deste mesmo ano, quando se questionaram os processos de outorga, a destinação dos recursos repassados do Comitê à Agência para a execução de seus projetos, o que desencadeou na necessidade de se ter um estudo sobre viabilidade de criação de uma Agência única para o CBHSF.

No ano de 2006, o CBHSF persistiu no discurso pela revitalização, a partir do Plano de Revitalização do rio São Francisco, assim como na possibilidade de criação de uma Agência única para a outorga e cobrança pelo uso da água, além da necessidade de um Plano de Convivência com o Semiárido. Neste ano, além da não valorização, na prática, da representatividade indígena, foi questionada também a não valorização da representatividade Quilombola. Foi reivindicado o funcionamento da Câmara Técnica das Comunidades Tradicionais para a realização de estudos sobre tais comunidades e dos usos da água por elas praticados. Foi aprovada a alteração do Regimento Interno, estabelecendo dois titulares e dois suplentes, além das respectivas câmaras técnicas para as comunidades tradicionais.

Em 2007, as reuniões abordaram a Caravana Contra a Transposição; a viabilidade da Agência da Bacia do Rio São Francisco e os estudos sobre cobrança e vazão ecológica. Neste ano, apesar de ainda se tratar do tema e de ter havido mobilização, a transposição foi deixada de lado, com o intuito de fortalecer os caminhos para a concretização da revitalização do rio.

As plenárias do ano de 2008 não ocorreram ou não foram registradas no site do CBHSF. Enquanto isso, nas de 2009, o tema central e de extrema importância para a execução dos projetos do Comitê, com recursos da cobrança pela água, foi o da contratação de uma entidade delegatória contratada pela ANA. A seleção da agência se deu por meio da avaliação de uma comissão de julgamento eleita pelo próprio Comitê juntamente com a AIBA e a AGB Peixe Vivo.

A ata da primeira plenária, realizada no ano de 2010, no mês de agosto, foi elaborada com a logo da AGB Peixe Vivo, em que se discutiu a posse, o contrato de gestão da agência e uma possível agenda de trabalho a ser cumprida pela Associação, assim como a deliberação de critérios e prioridades relativas à cobrança pelo uso da água. Paralelamente, foi relatada a expectativa para a concretização da revitalização do rio a partir dessa cobrança. Foi aprovado, por unanimidade, o Plano de Aplicação dos recursos da cobrança pelo uso das águas na Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, referente ao exercício de 2011, que seria iniciada no primeiro dia do mês de julho de deste ano, por meio de boletos gerados pela ANA. De acordo com a ata o processo tem como base legal a Deliberação Nº 40, de 31 de outubro de 2008, que elenca os “Mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos na Bacia hidrográfica do rio São Francisco” (CBHSF, 2008, p.1).

Para a concretização da cobrança foi realizada uma campanha de Ratificação e Retificação dos usuários, em ambiente eletrônico da ANA, no CNARH-Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos, apresentada nesta reunião, em que 147 usuários puderam fazer as alterações de seus dados para a cobrança.

As reuniões do ano de 2011 versaram sobre o estudo de vazão ambiental, dos usos múltiplos e o possível impacto desta vazão nos usos humanos e pelos ecossistemas. A reunião foi composta, igualmente, pela divulgação dos projetos para cada região fisiográfica da Bacia, todas elas com demandas de conflitos, recuperação da Bacia do rio São Francisco e de financiamento para seus projetos.

No ano de 2012, foram discutidas diversas questões referentes ao funcionamento das CCR, principalmente da CCR do Alto São Francisco. Ademais, foram apresentados 22 Projetos de Recuperação Hidroambientais aprovados pelo Comitê: Rio Santana, Lagoa da Prata/MG; Rio São Pedro, Paracatu/MG; Recuperação manancial abastecimento (ardósia), Felixlândia e Pompéu/MG; Rio Canabrava, Pompéu/MG; Rio Bananeiras/Córrego Estiva, Conselheiro Lafaiete e Igarapé/MG; Rio Jatobá, Buritizeiro/MG; Córrego da Onça, Pirapora/MG; Rio das Pedras e Córrego Buriti, Guaraciama/MG; Rio Corrente, Cocos e Correntina, BA; Rio Grande, São Desidério/BA; Água Fria e Barreiro Grande, Serra do Ramalho/BA; Lagoa das Piranhas, Bom Jesus da Lapa/BA; Rio Salitre, Morro do Chapéu/BA; Rio Pajeú, Brejinho/PE; Riacho da Onça, Afogados da Ingazeira/PE; Rio Diogo, Ibimirim/PE; Rio Moxotó, Ibimirim/PE; Rio Jacaré, Propriá/SE; Rio Piauí, Bananeiras/AL; Nascentes dos rios Batinga, Boacica, Itiúba, Perucaba e Tibirí/AL e Riacho Mocambo, Curaçá/BA e o projeto do Riacho Santo Onofre, Paratinga/BA. Foram discutidos, ainda, o Plano de Aplicação Plurianual (PAP) para 2013-2015 e a implementação do Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

No ano de 2013, os assuntos tratados nas plenárias foram, sobretudo, os da elaboração de um novo Plano Decenal; do uso da água pelo setor hidrelétrico e dos impactos ambientais decorrentes; bem como os dos entraves internos com os quais o CBHSF vinha lidando nos últimos anos; da estiagem que atinge, principalmente, Médio e Submédio São Francisco; da redução de vazões constante, considerando que a redução aprovada foi de 1.100m3 para este ano e o monitoramento de peixes, já que a mortandade ficava cada vez mais frequente. Por fim, foi ponto de pauta a discussão sobre os critérios para o custeio de membros do Comitê com os recursos da cobrança pela água.

No ano de 2014, a atualização do Plano Decenal foi ponto central de pauta, o desejo dos membros era o de que o Plano não tivesse caráter apenas consultivo, mas que fosse posto em prática, já que o produzido para o período de 2004-2014 não foi concretizado. Tal atualização seria realizada por uma empresa contratada pela AGB Peixe Vivo, empresa portuguesa – NEMUS – escolhida por processo de licitação e com prazo de 18 meses para a conclusão dos trabalhos; a necessidade da criação e aplicação de Planos de Saneamento Básico em todas as regiões fisiográficas; o repasse dos recursos pela cobrança da água pela ANA para a AGB Peixe Vivo e o custeio da mesma foram avaliados em reunião por um grupo específico de acompanhamento destas atividades, assim como todas as atividades relacionadas a contratos de gestão do CBHSF.

O projeto de transposição, com os trechos realizados e o seu desenvolvimento, foi apresentado neste período; a contaminação do rio por metais pesados identificada pelo INEMA-BA e a identificação de uma mancha de cianobactérias apontada pelo IBAMA eram preocupações do Comitê, foi sugerida a ampliação do monitoramento dos peixes na bacia. A mancha deveria ser monitorada pela CHESF, num intervalo de 72 / 72 horas.

Foi, também, apresentado cenário sobre mudanças climáticas na bacia para o período de 2015-2020. Entretanto, no ano de 2015, a ação mais consistente relatada em reunião foi a aplicação do PAP.

Na sequência a AGB Peixe Vivo faz sua apresentação sobre as ações executadas com recursos da cobrança pelo uso da água na Bacia Hidrográfica do rio São Francisco. Alberto Simon, diretor técnico da AGB Peixe Vivo explana sobre as principais atividades do Plano de Aplicação Plurianual-PAP. Fala sobre a realização das plenárias, reuniões das Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho, realização da Campanha em Defesa do rio São Francisco, Seminário Quilombola e Indígena. Elucida também sobre a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico, com o status de execução dos mesmos de cada município contemplado, projetos hidroambientais e fiscalização e gerenciamento desses projetos. Apresenta o valor investido, no exercício de 2014, de cada ação do PAP: Nas Ações de Gestão, foi de R$ 4,21 milhões, nas Ações de Planejamento, R$ 3,06 milhões e nas Ações Estruturais, R$ 6,63 milhões. Cita que a AGB Peixe Vivo deverá apresentar a CTPPP em agosto/setembro deste ano, a versão consolidada do PAP 2016-2018, após diretrizes e definições da Diretoria Colegiada do CBHSF e propostas das Câmaras Consultivas Regionais. Informa que o PAP 2016 –2018 deverá ser aprovado até a próxima reunião plenária em novembro de 2015 (CBHSF, 2015, p.4).

Nesta mesma reunião foi aprovada a renovação do contrato com a AGB Peixe Vivo para mais um prazo de seis anos. Por fim, foi aprovada Moção para Revitalização do rio.

No último ano de registro de ata, o de 2016, foi posto em pauta a realização do Pacto das Águas no contexto de crise hídrica em que um dos principais temas abordados foi o da diminuição da vazão do rio São Francisco como medida de segurança em período de estiagem prolongada e seca. Estudos foram solicitados para saber o impacto ambiental que ela gera. Um novo projeto de revitalização foi proposto: o Plano NOVO CHICO, o qual foi elaborado em cinco eixos de ação: Saneamento, Controle de Poluição e Obras Hídricas; Proteção e Uso Sustentável dos Recursos Hídricos; Economias Sustentáveis; Gestão e Educação Ambiental e Planejamento e Monitoramento.

Ademais, feito um balanço dos investimentos do Comitê nos últimos quatro anos e o anúncio de perspectivas futuras:

Explica sobre a execução financeira no período de 2012 a 2016, em que os principais investimentos foram: atualização do PRH SF (8,4%), Planos Municipais de Saneamento Básico (6,7%), Projetos Hidroambientais (32,4%), Apoio à FPI (3,6%), Comunicação (11,2%) e outros (37,8%). O total desembolsado, no período de 2012 a 2016, foi de setenta e oito milhões, setecentos e um mil e cento e dez reais. Detalha sobre a atualização do Plano de Recursos Hídricos da Bacia 2016–2025 e apresenta os cenários de demanda total, cuja tendência, independente do cenário considerado é de elevada pressão sobre os mananciais do São Francisco. Fala sobre o Pacto das Águas e Metas do Plano. Foram definidas 22 grandes metas que foram divididas em seis eixos: 1. Governança e mobilização social; 2. Qualidade da água e saneamento, 3. Quantidade da água e usos múltiplos, 4. Sustentabilidade hídrica do semiárido, 5. Biodiversidade e requalificação ambiental e 6. Uso da terra e segurança de barragens. Encerra falando sobre o orçamento estratégico (30,8 bilhões de reais) e o orçamento executivo, que dispõe o CBHSF (532,5 milhões de reais), em que haverá necessidade de mobilização de receita adicional à cobrança, devido ao déficit de financiamento 2016-2025 estimado em 258 milhões de reais (CBHSF, 2016, p. 5).

Portanto, os avanços ocorridos no âmbito da legislação atinente à gestão do uso das águas fluviais brasileiras, em direção ao controle dos impulsos destruidores inerentes aos imperativos da lógica técnico-instrumental capitalista, foram resultados do processo de conflitos discursivo-sociais desencadeados pela consciência da visível contradição dos interesses de classes em jogo. E isto, na medida em que as classes hegemônicas, para manterem seu poder, continuavam a utilizar-se também dos elementos da natureza como recursos econômicos para a geração e acumulação de riquezas para si próprias, propósito que sempre aparece mascarado por discursos segundo os quais o necessário crescimento econômico, embora seja concretizado através dessa lógica, é uma condição sine qua non para o desenvolvimento das regiões e do país.

Entretanto, como, em função da sua dinamicidade perpétua, a realidade histórico-territorial acha-se sempre em movimento em algum sentido, há momentos em que as ações hegemônicas são questionadas e mesmo negadas pelas classes sociais subalternas, exercendo pressão sobre as classes que se acham no poder.

Geralmente, é em momentos como este que muitas leis e muitos instrumentos legais são instituídos, visando a acalmar as tensões sociais em torno dos bens que são fundamentais à existência humana, como se deu no caso das águas do Brasil.

Na perspectiva acima colocada, as classes hegemônicas conseguem rever as suas ações, implementando estratégias – legislação com apelo à participação, abertura a propostas democráticas de ação, promessas de inclusão social, etc. – capazes de ludibriar as populações fazendo-as crer que elas estão conquistando o que querem. Porém, em que medida tais “conquistas” não são, na verdade, um mero estratagema do Poder visando à atenuação dos conflitos sociais no momento em que as classes subalternas ficam mais atentas a fim de retornar, posteriormente, o seu propósito fundamental?

E é de conhecimento de todos e de todas que a geração de valores constitui a regra geral que rege o comportamento dos agentes do capitalismo. A este propósito, segundo Harvey (2013, p. 256),

Onde quer que estejam, os capitalistas se comportam como capitalistas. Eles buscam a expansão do valor por meio da exploração, sem levar em conta as consequências sociais [e ambientais]. Eles superacumulam o capital e, no fim, criam as condições que conduzem à desvalorização dos capitais individuais e da força de trabalho durante a crise. Entretanto, isso acontece dentro de uma estrutura de desenvolvimento geográfico desigual produzido por mobilidades diferenciais de vários tipos de capital e força de trabalho, todos juntos dentro das restrições temporais impostas pelo processo de circulação do próprio capital.

O que, de fato, pode tornar-se uma resistência concreta a esta avidez, ligada à racionalidade técnico-instrumental capitalista, é a força social capaz de redirecionar o comportamento acima citado; mas, claro, com os pés no chão, ou seja, buscando construir alternativas efetivamente vinculadas ao que se pode fazer.

E, nesta perspectiva, por que razão não se retomam as pressões sociais que nortearam a institucionalização da legislação em torno, por exemplo, da gestão democrática das bacias hidrográficas dos nossos rios; desta vez, visando fazer valer as leis já existentes, respeitando as diversas vozes dos atores envolvidos em sua complexidade. Isto per se já constituiria um grande avanço.

Nota-se, portanto, que, entre avanços e recuos, pelo menos se começou a discutir e tentar fazer algo diferente do que se fazia antes, no que tange ao uso das águas, sob uma perspectiva deste elemento natural como um bem comum. Mas, se no caminho da concretização dos avanços pensados e praticados, ocorrem entraves, isto se deve à própria natureza do processo de formação territorial brasileiro, o qual, como pensou Castilho (2017), sempre atendeu, preponderantemente, os interesses da racionalidade técnico-instrumental capitalista, fazendo permanecer no tempo os grandes desafios a serem superados.



CONCLUSÕES

Em tom conclusivo, mesmo considerando as atas como descrições compostas por cortes intencionais realizados por aqueles que as redigem, levando em conta os limites da sua interpretação, em termos de falas durante as reuniões e o espaço-tempo para a escrita dos textos, é possível perceber a diversidade de discursos e a persistência dos membros no âmbito da construção do que se pode chamar de processos democráticos e participativos na gestão hídrica. Muito embora, a consolidação de tais processos ainda encontre muitos limites, sobretudo em função da especificidade da natureza da formação territorial do Brasil.

A partir da consideração do conteúdo das atas, entende-se que o processo de desenvolvimento do CBHSF é marcado por discussões constantes de seu Regimento Interno e pelo resgate dos princípios da Lei nº 9344, sem deixar de questioná-la em alguns pontos. A construção da autonomia do Comitê constitui um ponto de auto avaliação frequente, que tem impulsionado o acontecer histórico de processos importantes como o da contratação da AGB Peixe Vivo como a Agência de Águas própria da Bacia do rio São Francisco.

A cobrança pelo uso da água foi um fator de relevância para o seu fortalecimento, proporcionando maior autonomia ao Comitê, apesar de desvirtuar a sua função principal, que seria a de manutenção de funções vitais da Bacia e, consequentemente, de favorecer a garantia dos usos múltiplos da água, de forma justa e democrática, respeitando os ecossistemas que a compõem, além do maior poder atribuído à ANA, responsável pela cobrança e pelo repasse dos valores à AGB Peixe Vivo.

Embora a conjuntura internacional fortaleça a cobrança pelos usos da água, o CBHSF pondera sobre o tema, colocando a responsabilidade de uso preponderante nos irrigantes e no setor hidroelétrico. No entanto, o que ocorre é a manutenção da estrutura vigente de uso da água, não ficando claro no conteúdo das atas, talvez de propósito, os seus verdadeiros motivos, o que nos leva a inferir que esta estrutura de poder termina impondo limites ao CBHSF no que tange à sua ação de regulação, tendendo a voltar-se para os usos hegemônicos, o que reforça a ideia de que o discurso oficial dominante sobre a gestão da água do rio São Francisco se expressa materialmente na realidade político-social, moldando seu acesso e distribuição em um formato elitizado de concretização.

Considera-se, ainda, o uso humano e a dessedentação animal como prioridades, mas também é constante a reflexão sobre a demanda ecossistêmica de água, ou seja, sobre qual vazão seria necessária para que o rio São Francisco se mantenha vivo e biodiverso. É importante destacar a reflexão constante e a posição contra a transposição do Rio São Francisco por parte do Comitê, ao longo dos anos, bem como no que diz respeito à concretização da Revitalização do rio, mas é preciso enfatizar que a transposição continua recebendo financiamento e a revitalização é tão tímida que não é possível ver seus impactos no rio, cada vez mais assoreado e agonizante.

Por fim, o presente artigo consolida a importância do papel do CBHSF na história política e socioambiental do Brasil, além de um espaço de fortalecimento de discursos que destoam, em certa medida, daquele oficial, já que ao estudar a criação, estrutura e ação deste Comitê, acabamos por identificar inovações nas formas de gestão de bens públicos, nas relações sociopolíticas, na composição complexa da instituição, na organização das reuniões e nos discursos sobre a importância da água nos mais diversos contextos de uso, mesmo atestando os limites relevantes na sua ação. O cultivo das relações democráticas faz-se de extrema importância para atenuar as marcas históricas do governar oligárquico brasileiro, além do fortalecimento daqueles discursos em que seus interlocutores tentam resinificar o discurso oficial dominante no intuito de proteger o rio e de romper com as lógicas e relações de manutenção de poder vigentes.





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