EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA NA ESCOLA: O CALOR DA PANELA DE PRESSÃO NA ECONOMIA DO GÁS DE COZINHA
Gustavo Krysnamurthy Linhares Brandão 1, Raphael Alves Feitosa2, Raquel Crosara Maia Leite3, Viviane Alves de Oliveira Feitosa4
1Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Ensino de Ciências (Gepenci) da Universidade Federal do Ceará.
2Departamento de Biologia, Universidade Federal do Ceará
3Departamento de Teoria e Prática do Ensino, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará
4Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, Mestranda do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática (PGECM) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.
Resumo
Este trabalho foi desenvolvido por trabalho com narrativas, na qual se extrai e reflete sobre experiências diretas que ocorreram na escola básica, haja vista que entre os autores do presente artigo encontram-se um educador que participou diretamente da intervenção na escola. Os resultados expostos na narrativa evidenciam que a proposta de articulação entre a Pedagogia Histórico Crítica e as ações em prol da Educação Ambiental, permitiram o desenvolvimento de práticas investigativas que potencializaram a compressão dos estudantes envolvidos sobre a problemática ambiental, sendo bem aceito pelos professores e os demais estudantes da escola.
Palavras-chave: Educação ambiental; educação crítica; pedagogia histórico-crítica.
CRITICAL ENVIRONMENTAL EDUCATION AT SCHOOL: THE HEAT OF THE PRESSURE COOKER IN THE ECONOMY OF KITCHEN GAS
Abstract
This papper has been developed with narratives, in which it is extracted and reflected on direct experiences that occurred in the basic school, since the authors of the present article find an educator who participated directly in the intervention in the school. The results presented in the narrative show that the proposal of articulation between the Historical Critical Pedagogy and the actions in support of Environmental Education allowed the development of investigative practices that increased the compression of the students involved on the environmental problem, has being well accepted by teachers and other school students.
Keywords: Environmental education; critical education; historical-critical pedagogy.
Introdução
A educação ambiental é um tema de fundamental importância para a sociedade. Dentro das escolas, o tema possui caráter não-disciplinar e ampla abrangência nos currículos, possuindo diversas concepções e vasta diversidade teórico-metodológica (HART et al., 2018). No que diz respeito ao processo educativo nacional, no artigo segundo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental conta que a Educação Ambiental é
[...] uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental. (BRASIL, 2012).
Diante dessa amplitude do tema aqui em análise, Feitosa e Abilio (2015) destacam que educação ambiental, grosso modo, pode ser compreendida diante de duas linhas de desenvolvimento: uma não-crítica, a qual agrupa as conotações naturalísticas do tema; e uma crítica, a qual visa integrar de maneira relacional os meios social, natural e cultural dos ambientes naturais e urbanos. Para a exposição e o desenvolvimento da narrativa do presente artigo, iremos recorrer a supra indicada segunda linha.
Dito isso, pode-se indicar que, após a segunda Guerra mundial, os avanços científicos e tecnológicos estão intimamente relacionados com a problemática ambiental, comenta Borhein (2002). Acrescenta que a riqueza do que se vem fazendo com a ciência, deixa-se alimentar pela presença de uma criatividade humana levando-se a pergunta e naquilo que cabe ao homem inventar a partir dela (MÉSZÁROS, 2005; SAVIANI, 2011).
A falta de políticas públicas que abram espaço para uma articulação entre ensino e pesquisa dentre das escolas de educação básica, possibilitando nossas alternativa metodológicas ao ensino e a aprendizagem, é real em nosso país (SAVIANI, 1989). Pedro Demo (2008) é um crítico dessa lacuna e defensor da implantação da pesquisa no ambiente escolar. Acrescenta que se deve agarrar a teoria-prática advinda da pesquisa como princípio educativo e fazer delas um trampolim para a própria autonomia dos atores escolares – estudantes e educadores. Para Demo (2008) o objetivo maior s educação não deve ser atrelar uma ação-reflexão única, mas alimentar as chances de autoria e autonomia do ambiente escolar, facilitando a aprendizagem do aluno e o trabalho docente dos professores.
Notadamente, a educação ambiental é vista como elemento de caráter não-disciplinar, seja numa abordagem inter ou transdisciplinar (BORHEIN, 2002; FEITOSA; ABILIO, 2015). São vários os temas curriculares que podem ser concatenados com a educação ambiental.
O presente trabalho tem como objetivo analisar narrativas de experiências advindas de educadores de uma escola pública da rede municipal e ensino na cidade de Fortaleza, Ceará, que desenvolveram atividades de ensino-pesquisa com a utilização do calor da panela de pressão no cozimento dos alimentos como mote gerador de uma discussão ligada à educação ambiental crítica.
O conteúdo escolar calor é um dos temas explorados nas aulas de ciência da natureza na educação básica. Contudo, apesar de sua difusão ser reconhecida (AMORIM; DIAS; SOARES, 2015), ainda são escassas as propostas que vinculam esse tema ao campo ambiental. Destarte, os educadores possuem limitações para desenvolver ações-reflexões de caráter prático e contextualizado sobre o tema calor, sendo o assunto muitas vezes restrito a estratégias de memorização de fórmulas físico-matemáticas e a resolução de exercícios de cálculo (AGUIAR JUNIOR, 1999).
Analisando a pertinência do tema para a educação, Amorim, Dias e Soares (2015) destacam que, muitas vezes, não sabemos utilizar de maneira correta as trocas de energia térmicas, em especial a produção de calor em residências e indústrias, e acabamos por desperdiçá-las. Do ponto de vista conceitual, Aguiar Junior (1999) destaca que o calor poder ser compreendido como sendo um tipo de energia térmica que é transmutada de um corpo com maior para outro com menor temperatura.
Dito isso, destacamos que as fontes de calor são elementos capazes de aumentar a temperatura em outros corpos e muitos estão presentes no cotidiano, como, por exemplo, o fogão, o forno e a lareira. Assim sendo, a transmissão de calor pode ocorrer através da condução (quando o calor passa de molécula a molécula do material), da convecção (transferência de calor em um fluído que ocorre em virtude de um deslocamento de massa do próprio fluido) e da radiação (transmissão de calor por meio de ondas eletromagnéticas).
Até aqui, buscamos debater um pouco sobre a importância de se aprender sobre o meio ambiente através da pesquisa introduzida na escola e da relevância de ações-reflexões sobre o tema calor dentro do campo do ensino de ciências da natureza. A partir de então, a seguir, faremos um apanhado dos principais referenciais utilizados para a elaboração e das ações aqui narradas, focalizando no a utilização do calor para cozinhar os alimentos, economizando gás e contribuindo para a preservação do ambiente.
Educação Ambiental Crítica
A Reprodução social também se encontra na complexidade educacional, pois a sociedade de classes na atual conjuntura sob o escudo do capital reproduz suas relações sociais alienadas. No período de crise do capitalismo, Segundo Mészáros (2005), a função da escola foi redefinida como um organismo que continue a manter seu desenvolvimento dentro de uma lógica mais perversa e sem incitar a classe trabalhadora à ação revolucionária, propondo assim uma educação capaz de pacificação dos homens e de resolução de seus problemas.
A educação institucionalizada, especialmente, nos últimos cento e cinquenta anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas também o de gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhum tipo de alternativa à gestão da sociedade [...]. (MÉSZÁROS, 2005, p. 36)
Nesse contexto, encontramos numa reportagem na Gazeta do Povo (2017) denunciando que no Brasil, de alguns anos para cá, percebemos uma crise estrutural do capitalismo nas suas diferentes esferas: política, econômica, fiscal, previdenciária, instituições e até crise moral. Nessa espiral de crises sem fim, toda a agenda nacional parece estar reduzida, restrita a buscar soluções para sairmos o mais rápido possível do buraco ou, ao menos, pararmos de cair. Ainda de acordo com a Gazeta do Povo (2017) medidas foram tomadas para a recuperação econômica sacrificando o sacrifício do desenvolvimento futuro. Um exemplo disso pode ser encontrado nas áreas de educação, ciência e tecnologia.
Com isso, políticas públicas sempre são afetadas nas crises produzidas pelo sistema capitalista. E a escola não se encontra distante de tal realidade, como vimos nos pensamentos acima. E é nesse sentido crítico que conecta os campos natural, social e político que emerge a Educação Ambiental Crítica (FEITOSA; ABILIO, 2015)
No Brasil, a história da educação ambiental possui uma trajetória que fornece elementos para mostrar que apesar de todas as barreiras, a iniciação ao pensamento científico é pertinente para uma compreensão ampla do ambiente que nos cerca (BORHEIN, 2002).
Desta feita, defende-se a ideia central de que a educação ambiental deve ser inserida na escola através de realidade cientifica, conectada com uma visão crítica de sociedade, sendo a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) uma perspectiva educativa coadunada com a Educação Ambiental Crítica relevante para o desenvolvimento de uma práxis ambiental nas escolas públicas (FEITOSA; ABILIO, 2015). É a respeito dessa visão que iremos explorar a seguir.
A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC)
Como elemento articulador da visão crítica exposta acima, percorremos os campo de uma práxis que busque enfatizar tal conotação dentro do trabalho docente na escola. Assim, buscamos nos alinhar a PHC proposta por Saviani (2005) e pesquisada por outros investigadores (FEITOSA; ABILIO, 2015; GERALDO, 2009; SANTOS, 2012).
A Pedagogia Histórico-Critica enquanto movimento pedagógico nasceu na década de 1970 como resposta as necessidades conhecida entre os educadores brasileiros de superação das teorias vigentes. Seu mentor, Saviani (2005), buscava alternativa a uma pedagogia dominante que se expressava no cenário educativo da época, uma crítica a pedagogia oficial. Diante das claras contradições que marcavam as relações sociais brasileira, Saviani indicou caminhos para resolver os problemas existentes, admoestando que era necessário transformar as relações humanas e partir com essa lógica de opressão, que são orgânicas e não apenas conjunturais, pois compreendiam que só através da revolução cultural poderia mudar as bases da sociedade.
Neste sentido a PHC tinha um caráter revolucionário, se nutriu da ideologia de esquerda e teve influência da filosofia marxista, portando um caráter do materialismo histórico e dialético, que procura esclarecer que todo acontecimento são causados a partir da prática social humana. Dessa forma, os conhecimentos científicos produzidos pela humanidade ao longo do tempo, a linguagem, as relações sociais, são entendidos como empreendimentos históricos, contextualizados e definidos pelas finalidades e necessidades humanas e portam em si as marcas do tempo, do lugar e das intenções de quem os geraram.
Numa análise social da educação brasileira, nota-se que a mesma sofre influência de políticas internacionais ditadas pelo sistema capitalista. Em contra partida, Saviani (2005, 2010, 2011) defende um político-estratégico baseado na luta socialista, em que a educação se encontre no centro do desenvolvimento. Saviani (2010) busca mostrar que se apoiou na análise dialética e materialista feita por Marx, identificando a unidade entre produção, distribuição, troca e consumo no processo de produção social enquanto totalidade orgânica. Ele ainda acrescenta que “[...] cabe entender a educação como um bem de produção, e não apenas um bem de consumo” (SAVIANI, 2010, p. 260).
O autor ainda diz que o saber escolar deve ser explicitado às massas e vinculado à educação, abrindo espaço para a luta socialista, e argumenta que desta forma “[...] estaremos solapando a própria base do sistema capitalista, uma vez que, socializando o conhecimento, que é uma força produtiva, um meio de produção, estaremos contrariando o princípio da apropriação privada dos meios de produção” (SAVIANI, 2011, p. 199). Com isso, ele deixa claro que a educação como determinante para o desenvolvimento da produção e da economia brasileiras, além de significar um instrumento estratégico na luta pela superação do capitalismo e construção do socialismo.
Seguindo a conotação crítica da Pedagogia Histórico-Crítica, alguns autores defendem a sua utilização nos campos do ensino de ciências (GERALDO, 2009; SANTOS, 2012) e da educação ambiental (FEITOSA; ABILIO, 2015). Na intervenção aqui analisada e narrada, utilizamos a didática da Pedagogia Histórico-Crítica como elemento basilar para a práxis desenvolvida na escola pública.
Isso exposto, a seguir, apresentados os aspectos metodológicos que foram empregados na presente investigação.
Procedimentos Metodológicos da Investigação
A coeva pesquisa tem como fundamento basilar a pesquisa qualitativa, caracterizada pela ausência de análises estatísticas, enfocando aspectos mais densos e objetivos/subjetivos do tema estudado (SILVERMANN, 2009).
Dentre a diversidade de pesquisa que se enquadram dentro das de caráter qualitativo, utilizamos aqui o trabalho com narrativas (LIMA; GERALDI; GERALDI, 2015). Nele, extraímos e refletivos sobre experiências diretas que ocorreram na escola básica, haja vista que entre os autores do presente artigo encontram-se um educador que participou diretamente da intervenção na escola.
O uso de narrativas tem se constituído no cenário educacional de pesquisas qualitativas como uma das opções metodológicas. É, por natureza, carregada de significados e características próprias, permitindo-nos entender como seus sujeitos compreendem as ações desenvolvidas. De maneira mais direta, fizemos uso de narrativas de experiências planejadas para a pesquisa, a qual se caracteriza por haver uma experiência significativa dentro do contexto escolar feita pelos professores-pesquisadores-narradores, e estes a toma como objeto de compreensão (LIMA; GERALDI; GERALDI, 2015).
A narrativa foi organizada numa escola da rede municipal de ensino da Cidade de Fortaleza, subordinada à Secretaria Executiva Regional I e funciona nos turnos da manhã, da tarde e da noite, com tais modalidades de ensino: Básico Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA) I e II. Nesta instituição, atualmente, os 568 alunos estão matriculados da seguinte maneira: 455 nas séries finais do Básico Fundamental (6º ao 9º ano), 24 no EJA I e 112 no EJA II. Já em termos de profissionais, a Escola conta com 40 profissionais do magistério, 15 funcionários-educadores e 4 gestores.
Em relação à infraestrutura, a escola encontra-se assim dividida: uma biblioteca, uma sala de informática, oito banheiros, um refeitório, quatorze salas de aula, um sala de vídeo, doze computadores, uma sala de direção, um laboratório de ciências, uma sala de atendimento educacional especializado, uma secretaria, uma sala de professores, um parque infantil, um pátio interno, um almoxarifado e uma quadra de esportes.
Para efetivar a pesquisa, o professor de ciências da natureza escolheu uma de suas equipes orientadas para a Feira de Ciência, Cultura e Arte de Fortaleza para conduzir os trabalhos planejados. Seis alunas foram responsáveis por pesquisar informações a respeito dos temas (calor, problemática ambiental, educação ambiental, energia, etc.) dentro do prazo de duas semanas. Foram quatro reuniões de planejamento com os envolvidos, totalizando quatro horas de atividades de idealização. Por fim, foi proposto a apresentação do trabalho do grupo como mecanismo de culminância do processo, a qual divulgou o resultado dos trabalhos para os demais estudantes da escola. As ações que culminaram com a Feira de Ciências duraram cerca de um mês, iniciando-se na metade de agosto e finalizando na metade de setembro de 2017.
Resultados & Discussão
A proposta de pesquisa iniciou como meio de análise da prática social advinda da didática da PHC (FEITOSA; ABILIO, 2015; GERALDO, 2009; SANTOS, 2012), com a análise de um vídeo exposto no aplicativo YouTube, no qual continha uma dona de casa explicando uma técnica de como cozinhar arroz e feijão economizando gás butano através do calor e da pressão (Vídeo disponível no endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=6ps4L5GrFiI>. Acesso em 14 abr. 2019.).
O vídeo foi exposto pelo professor de ciências da escola para o grupo de alunos envolvido. A estratégia foi interessante para divulgar o tema através da feira de ciências, para incentivar os estudantes da escola a buscar informações que ajudem na preservação ambiental e levarem os alunos a perceber que as cozinheiras da rede escolar da Prefeitura de Fortaleza não recebem cursos que utilizem técnicas parecidas para manutenção de um meio ambiente saudável. Assim, o mesmo também serviu como estratégia de problematização, passo seguinte da didática da PHC (FEITOSA; ABILIO, 2015; GERALDO, 2009; SANTOS, 2012).
Em seguida, os envolvidos iniciaram a preparação de material para uma Feira de Ciência, Cultura e Arte de Fortaleza, iniciativa da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) em parceria com um setor da Universidade Federal do Ceará, a Seara da Ciência, cujo objetivo foi o de proporcionar e incentivar a pesquisa na rede escolar básica. Assim, conta com uma programação que integrava a política educacional da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), trouxe como premissa o desenvolvimento de ações educacionais que possibilitem a apropriação de conhecimentos e valores. Essa atividade municipal conta com a destinada a estudantes do 5º ao 9ª ano e da EJA (FORTALEZA, 2017).
Antes das inscrições da Feira de Ciência, o professor da matéria reuniu suas equipes para propor temas em que as experiências realizadas sirvam de orientação para a mudança de postura em relação à maneira da utilização do calor na economia do gás da escola.
Em relação à equipe cujo tema é a utilização do calor da panela de pressão para o preparo de alimentos, o professor de ciência realizou sua primeira reunião com as seis alunas, em agosto de 2017, para planejarem em conjunto o trabalho que seria apresentado na Feira de Ciências da escola do ano de 2017.
Partindo da prática social dos próprios alunos, foi acordado que os ingredientes escolhidos para o preparo do experimento foram: arroz, feijão, macarrão, alho, sal, óleo, cheiro verde, cebola e colorau. Cada estudante ficou de pesquisar o modo de fazer dos alimentos para reunirem-se e prepará-los, a fim de aprenderem a utilizar o calor e economizar gás de cozinha. Com isso, problematizou-se uma crítica a PMF, pois esta deveria proporcionar cursos de formação as cozinheiras a fim de planejarem melhor o funcionamento da cozinha e minimizar os gastos das verbas públicas, haja vista que ficou constato na escola que tal prática não ocorre na capital alencarina.
Numa segunda reunião, em outubro, a equipe se reuniu novamente sem nenhum retorno do que pesquisaram. “Pois a dificuldade da pesquisa se deu por falta de uma cultura investigativa, algo que não há na escola”, argumentou o professor. Tal constatação vai ao encontro das críticas de Demo (2008) e de Saviani, (1989). “É preciso se criar uma lógica que possibilite o aluno a ter noções básicas de pesquisa para estes produzirem conhecimento e libertarem-se da cultura capitalista”, acrescentou o educador.
Assim, o professor tornou a orientar as alunas, onde cada uma ficou responsável por buscar informações sobre o cozimento dos alunos por parte do calor da panela de pressão, e sugeriu que o grupo assistisse vídeos na internet com orientações sobre o modo de fazer. Esse mecanismo foi encarado pelo grupo como o início do processo de instrumentalização, advindo da proposta da didática da PHC (FEITOSA; ABILIO, 2015; GERALDO, 2009; SANTOS, 2012).
No encontro seguinte, em seu horário de planejamento, o professor convocou o grupo para o preparo do feijão e arroz, já que o macarrão não foi encontrado nenhuma informação sobre o preparo de tal alimento. Os estudantes dirigiram-se à cozinha da escola e juntos com as cozinheiras começaram o colocar em prática o que pesquisaram. Parte do grupo ficou responsável por fazer o feijão e outra do arroz.
Nesta etapa o grupo passou a gravar um vídeo da prática proposta, no qual uma aluna ia mostrando o modo de fazer: “primeiro iremos colocar óleo, alho e sal a gosto na panela de pressão e dourar o alho. Depois colocaremos uma xícara de arroz para refolgar no óleo com alho e em seguida colocar três xícaras de água”. Daí a aluna continuou a gravação e a outra deu continuidade na explicação: “iremos então tampar a panela de pressão e esperar chiar - o vapor começar a sair da tampa. Quando começar a chiar, contaremos um minuto e dez segundos e desligar o fogo, daí o próprio calor da panela cozinhará o arroz. Iremos esperar até que não haja mais pressão dentro da panela para depois abri-la”. O vídeo serviria para ser apresentado aos demais estudantes da escola, mostrando todo o processo de utilização da técnica.
Enquanto o grupo esperava o arroz ficar pronto no canto da cozinha, o processo de fazer o feijão deu início com outra panela de pressão. Novamente, o grupo fez a gravação de um vídeo autoral, no qual uma aluna ia mostrando o modo de fazer: “primeiro iremos colocar duas xícaras de feijão (de molho de um dia para outro) na panela de pressão com três xícaras de água, tampar e levar ao fogo até que comece a chiar. Então contaremos três minutos e desligaremos o fogo”. Após seis minutos, o grupo esperou a pressão se reduzir e seguiram a abertura da panela, colocaram sal e tornaram a explicar na continuidade do vídeo. Disse uma das integrantes: “iremos continuar a segunda etapa colocando sal e repetindo o mesmo que fizemos, ou seja, colocar de volta ao fogo, com a tampa fechar a esperar chiar e depois contar três minutos e desligar novamente o fogo”.
Depois de todo o processo, o grupo abriu as panelas e se surpreenderam com o que viram: “deu certo, deu certo!” falava uma. “Gente nunca tinha feito arroz e conseguiu!” dizia outra. A comida produzida pelo grupo serviu de ingredientes para o almoço do grupo, no qual professor e estudantes comemoraram juntos o sucesso do experimento. Esse momento foi decisivo para a catarse do grupo, passo fundamental da didática da PHC (FEITOSA; ABILIO, 2015).
Em outro momento, o grupo dirigiu-se as cozinheiras da escola para questionar sobre a formação para atuação na cozinha da escola. Uma das cozinheiras relatou: “quase não temos formação, mas cobrança temos de mais”. Quando elas citaram a cobrança, referiram-se a visita de nutricionistas nas escolas públicas municipais. Segundo a diretora existe um nutricionista concursado por distrito (o município de Fortaleza é dividido em seis distritos de educação sob a orientação da SME) e outros nutricionistas terceirizados para acompanharem as cozinhas das escolas.
Outra informação foi colhida pelas alunas da funcionária responsável pelo depósito da merenda: “quando a nutricionista aparece, trata da limpeza da cozinha e do vestuário das cozinheiras”. Fortalecendo a crítica social das cozinheiras, elas destacaram a falta de preocupação da PMF de uma política de formação continua para que os funcionários cuidem da cozinha escolar de uma maneira sustentável, como por exemplo técnicas que economizem o gás de cozinha.
O trabalho de pesquisa do grupo foi apresentado na Feira de Ciências da escola e, em momento posterior, foi exibido na Feira de Ciência, Cultura e Arte de Fortaleza.
Considerações Finais
A presente investigação analisou narrativas de experiências desenvolvidas em uma escola pública da rede municipal de ensino da cidade de Fortaleza, Ceará. Com base da PHC, a atividade investigativa em torno do tema do calor da panela de pressão, proporcionou uma ponte entre o real e o aprendido, algo que foi além de estruturas de conteúdo científico, indo para algo significativo para o grupo, haja vista que o tema se ligou a prática social dos mesmos.
A principal tarefa da escola é ajudar o aluno a desenvolver a capacidade de construir relações e conexões através das novas metodologias do ensino de ciências (FEITOSA; ABILIO, 2015; GERALDO, 2009; SANTOS, 2012). Daí, a utilização do calor da panela de pressão para o aprendizado em ciências pode auxiliar na construção dessas relações e na crítica aos problemas sociais coligados a prática social do grupo envolvido.
A ação aqui narrada pode ser encarada como constante troca interdisciplinar, buscando não só na área de ciências da natureza e ambiental, mas nas ciências sociais, na economia e linguística, enfim, nas diversas áreas de construtos teóricos-práticos que ajudaram a melhor definir o objeto de trabalho.
Por fim, cabe a crítica de aos projetos e as políticas públicas para as redes de ensino enquanto aos cortes de verbas da educação, podendo surgir até questionamentos: como ficam projetos como as Feiras de Ciências no que diz respeito à aquisição de material para sua efetivação? Cabe aos professores bancarem financeiramente o projeto sacrificando seus próprios salários? O material a ser usado nos experimentos deve partir dos pais dos estudantes que já se encontram com suas vidas tão sofridas nos lares das comunidades escolares? Qual é o real apoio que o poder público vem implementando para potencializar as ações de pesquisa na escola básica?
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