A NATUREZA SOMOS NÓS”, SERÁ?



Cláudia Mariza Mattos Brandãoi



RESUMO: O artigo tem por objetivo refletir sobre as questões ambientais associadas a um modo de ser contemporâneo, com base em algumas imagens em circulação, tanto no espaço urbano como nas redes sociais. Nesse sentido, prioriza-se o foco nas características de uma sociedade digital, com base nas ideias de Byung-ChulHan.



É possível negar que a pressa e o imediatismo são características marcantes da contemporaneidade? Acredito que não. Se alguém não concorda, sugiro parar uns segundos e analisar a velocidade vertiginosa que envolve a todos nós cotidianamente.

Vivemos apressados, com passos compassados pelo relógio. Muitas vezes corremos desnorteados de um lado para outro, para não perder “a hora”. Dentro dos meios de transporte, nem sempre sentados, continuamos “correndo” mentalmente, analisando tudo o que precisa ser feito, o que não conseguimos realizar naquele dia ou programando o próximo. E nesse labirinto dinâmico, muitas vezes indo e vindo para os mesmos lugares, refazemos um circuito automatizado.

A esse panorama acelerado soma-se uma desfuncionalidade conectiva entre as pessoas. Nas mídias abundam notícias sobre a violência de muitas delas, cujas vidas parecem sem rumo, sem sentido. Outras transitam assim como se fossem zumbis, conectadas por seus smartphones a um mundo virtual, acelerado, superficial e volátil, apartadas dos seus contextos vivenciais e das reais necessidades do dia a dia das populações:

Os indivíduos digitais se formam ocasionalmente em aglomerados como, por exemplo, em SmartMobs. Os seus paradigmas coletivos de movimento são, porém, como dos animais que formam enxames, muito efêmeros e instáveis. A volatilidade se destaca. (HAN, 2018, p. 30).

As rápidas transformações estruturais iniciadas em meados do século XX, ocasionadas pelo desenvolvimento econômico e tecnológico em curso após a Segunda Grande Guerra, deram origem a um novo período geológico, o Antropoceno, que impõe à Terra drásticas transformações resultantes das atividades humanas. O termo, cunhado na década de 1980 pelo ecólogo americano Eugene Stoermer, ilustra o impacto da nossa presença sobre o planeta, encerrando a etapa do Holoceno, que começou há quase 12.000 anos atrás. A nova era geológica tem como características estruturais o crescimento exacerbado de um sistema econômico e financeiro global, o desenvolvimento tecnológico e uma conjuntura ecológica que acena para o colapso do círculo da vida.

Se a “A natureza não faz nada em vão”, frase de Aristóteles orientadora dessa edição da revista, podemos entender os extremos climáticos e suas consequências nefastas como uma “resposta”/reação a comportamentos humanos destrutivos, característicos do Antropoceno. Tais comportamentos não são novos e estão atrelados a um peculiar modo de ser e viver em comunidade, a cada dia mais apartado do ritmo da vida natural.

Esse cenário, que muitas vezes nos parece catastrófico, é o pano de fundo para uma dinâmica cotidiana, a qual me referi no início do texto. Sendo assim, constatar essa situação possibilita avaliar o desrespeito humano com relação ao meio ambiente e suas especificidades. Se vivemos vertiginosamente e “deveríamos considerar o tempo como aquele que conduz o homem, e não o homem como criador do tempo”, como propõe Prigogine (INDIJ, 2014, p. 129),a substituição da velocidade pela lentidão pode ser considerada como um requisito fundamental para observações atentas, respeitosas, para reflexões críticas sobre nossas escolhas, evitando que os fatos nos “conduzam a reboque”:

Respeito significa literalmente olhar para trás. Ele é um olhar de volta. No trato respeitoso com os outros, controlamos o nosso observar curioso. O respeito pressupõe um olhar distanciado, um pathos da distância, característico do espetáculo. O verbo latino spectare, ao qual espetáculo remonta, é um olhar voyerístico, ao qual falta a consideração distanciada, o respeito (respectare). A distância distingue o respectare do spectare. Uma sociedade sem respeito, sem pathos da distância, leva à sociedade do escândalo(HAN, 2018, p. 10).

O processo da pausa reflexiva implica a contemplação e a percepção dos detalhes, e potencialmente pode viabilizar a recriação dos modos de estar e pensar o mundo ao redor. E essa não é uma discussão nova, inclusive, ela é muito presente nas minhas redes sociaisii. Entretanto, a comunicação via redes sociais é muito rápida e, na maioria das vezes, se efetiva através de imagens.

Considerando que percepção exige envolvimento, e que muitas pessoas pensam que não têm tempo para isso, questiono: será que as imagens compartilhadas são entendidas/lidas em suas sínteses metafóricas? Provavelmente não, por mais explícitas que sejam, pois “também o entendimento pressupõe um olhar distanciado” (HAN, 2018, p. 12).

Há alguns dias, caminhando pela rua, visualizei um pixo (Figura 1) que me fez pensar sobre as questões problematizadas por Byung-ChulHan, no seu livro “No enxame: Perspectivas do digital” (2018).



Figura 1: Cláudia Brandão, A natureza somos nós, fotografia, 2020.

É certo que somos parte integrante da natureza, de que como espécie compomos o círculo da vida, mas será que efetivamente somos a natureza? Seremos a natureza ou construtores de uma natureza, muito diferente da ideia associada à sua definição de conjunto dos elementos do mundo natural?

Essa fotografia me fez lembrar de outra (Figura 2), que registrei num lugar próximo ao primeiro, há um ano. A princípio o dito “Fumódromo” me pareceu um deboche, mas hoje, analisando melhor, vejo que expressa uma postura maldosa e nociva, considerando o seu “convite” a poluir o ambiente.



Figura 2: Cláudia Brandão, Fumódromo, fotografia, 2019.

O contraditório comportamento humano expresso pelas imagens apresentadas, reforça a pertinência de uma “Educação Ambiental para o respeito à vida”, tema escolhido para essa edição. Respeito à vida é fundamental, e para isso creio que deveríamos começar desacelerando as passadas, e observando atentamente o ambiente circundante e suas manifestações.

Estamos enredados na cultura da pressa e do imediatismo, da falta de paciência, vivendo num constante estado de estimulação excessiva e hiperatividade, correndo feito “barata tonta” sem perceber o entorno, sem prestar atenção às imagens para além de suas formas visíveis. Sendo assim, urge aprender a desacelerar. E esse exercício pode começar com o acionamento de um estado de atenção contemplativo, que possibilite a percepção da capacidade das imagens de “falarem” de algo apresentando outra coisa, ou seja, de discutirem um tema específico através de símbolos.

Numa rápida busca no facebook, eu encontrei uma imagem (Figura 3) diretamente relacionada à reflexão aqui proposta:

Figura 3: Anônimo, postada no facebook, 2020.

Essa é uma clara alusão à “pegada humana” sobre o planeta, à nossa capacidade de gerar lixo numa quantidade tão absurda, que fez com que inaugurássemos uma outra era geológica, o Antropoceno. Ou seja, passados milhares de anos escavações trarão à flor da terra as nossas “marcas”, os nossos dejetos.

A Figura 3 estabelece uma relação simbólica com o tema, provavelmente para estimular a reflexão sobre a responsabilidade de cada ser humano acerca da manutenção da vida saudável do próprio planeta. Entretanto, permanece a questão: Essa imagem produz impacto sobre as pessoas ou ela é somente visualizada, como as tantas outras que se sucedem em nossas timeline?

É certo que damos sentido ao mundo através da linguagem, que nos permite partilhar significados através do diálogo. Nesse sentido, cabe destacar que:

Na linguagem utilizamos sinais e símbolos – podendo ser sons, palavras escritas, imagens produzidas eletronicamente, notas musicais, até objetos – que significam ou representam para outras pessoas nossos conceitos, ideias e sentimentos (HALL, In: HALL, 1997, p. 1).

Sobre o assunto Han (2018, p. 54)adverte:

As imagens tornadas consumíveis destroem a semântica e a poética especiais da imagem, que é mais do que uma mera reprodução do real. As imagens são domesticadas ao serem tornadas consumíveis. Essa domesticação das imagens leva (...) ao desaparecimento. Assim, elas são retiradas de sua verdade.

Considerando a domesticação das imagens destacada pelo autor, é possível avaliar que as imagens nem sempre produzem significados sobre as pessoas. Ler imagens, entendê-las para além do visível, é um processo que precisa ser ensinado, que exige tempo e reflexão para superar as recepções voláteis.

A natureza, o espaço em que vivemos, existe independente das atividades humanas. Nós não somos a natureza, nós fazemos parte dela e, diferente de outras espécies, a humana busca adequá-la as suas necessidades. Portanto, nós, humanos, precisamos urgentemente ser educados para respeitar a vida ou pereceremos, diferente da natureza que sem a nossa presença provavelmente retornará à vida plena.



Referências:



HALL, Stuart. The WorkofRepresentation. In: HALL, Stuart (Org.). Representation: Cultural RepresentationsandSignifyingPractices. Sage/Open University: London/Thousand Oaks/New Delhi, 1997.

HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.

INDIJ, Guido (Ed.). Sobre elTiempo. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: La Marca Editora, 2014.



iDoutora em Educação, mestre em Educação Ambiental, professora do curso de Artes Visuais – Licenciatura e do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Artes Visuais, do Centro de Artes, da Universidade Federal de Pelotas. É coordenadora do PhotoGraphein - Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação (UFPel/CNPq). attos@vetorial.net

iiCabe lembrar que as redes sociais se movimentam segundo a determinação de algoritmos, ou seja, nada do que aparece em nosso feed de notícias é obra do acaso, tudo resulta de uma avaliação prévia sobre os interesses pessoais de cada um, a partir das nossas interações. No âmbito da informática, algoritmo é o “conjunto das regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas”, segundo definição do Google.