A AULA DE CAMPO NA CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS CULTURAIS, DE TOPOFILIA E DO ETHOS SOCIOAMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA DE PERCEPÇÃO EM ALDEIA VELHA-RJ.



THE OUTDOOR CLASS IN THE CONSTRUCTION OF CULTURAL MEANINGS, TOPOPHILIA AND SOCIO-ENVIRONMENTAL ETHOS: AN EXPERIENCE OF PERCEPTION IN ALDEIA VELHA-RJ



Cezar Augusto Rufino de Santa Ana¹, Lohan Galvão Boucinha², Luiz Gustavo Tavarez³, Ruan das Flores Azevedo4

¹ Mestre em Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais e Conservação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. PPG-CiAC/UFRJ. Diretor Pedagógico do Colégio Mosaico. e-mail: ceo@cpumosaico.com.br

² Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ. Professor e Coordenador do Ensino de Ciências do Colégio Mosaico. e-mail: lohan@cpumosaico.com.br

³ Licenciado em Geografia pela Universidade Gama Filho. Professor de Geografia do Colégio Mosaico. e-mail: gustavo@cpumosaico.com.br

4 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Natureza da Universidade Federal Fluminense. Professor de Biologia do Colégio Mosaico. e-mail: ruan@cpumosaico.com.br



Resumo: Esta pesquisa tem como fonte basilar de informação a aula de campo realizada em Aldeia Velha, um povoado do município de Silva Jardim, no Rio de Janeiro, localizado às margens do Rio Aldeia Velha, pelo Núcleo de Educação Ambiental Mosaico (NEAMO), grupo de estudos ambientais constituído por professores e estudantes do Colégio & Pré-universitário Mosaico, instituição de ensino localizada em Rio das Ostras, RJ. Além disso, o trabalho amplia aspectos investigados na dissertação de mestrado intitulada “O lugar como aquarela de natureza e cultura”, um estudo sobre as relações topoafetivas de pescadores artesanais da Boca da Barra, em Rio das Ostras, RJ, defendida em 2014, no Núcleo de Desenvolvimento Socioambiental de Macaé -NUPEM/UFRJ. O propósito central do presente estudo é investigar a construção de significados topofílicos e a construção de um ethos socioambiental, a partir de uma vivência in loco, termo a ser compreendido em nossa investigação como “experiência”. No campo conceitual, trouxemos à tona considerações que aproximam estudos da Percepção Ambiental com a Educação Ambiental. Nossa discussão se amplia com os pressupostos da Geografia Humanística, especialmente em Yi Fu Tuan, sobretudo, no entendimento de que, a partir do que é percebido as pessoas constroem valores (significados) em consonância com suas visões de mundo e experiências vividas. Para fins de interpretações conclusivas utilizamos concepções do interacionismo simbólico, em especial, a relação sujeito e mundo no pensamento de Merleau-Ponty. De maneira excepcional, ao optarmos pela categorização em uma das fontes de levantamento de informações, utilizamos princípios da análise de conteúdo.

Palavras-chave: Aula de campo; Educação Ambiental; Percepção Ambiental.

Abstract: This search is based on an outdoor class held in Aldeia Velha, a village in the municipality of Silva Jardim in Rio de Janeiro, located on the banks of the Aldeia Velha river, by the Mosaico Environmental Education Center (NEAMO, in Portuguese) a group of environmental study composed by teachers and students of Colégio & Pré-universitário Mosaico, an educational institution located in Rio das Ostras, RJ. In addition, this study extends aspects investigated in the Master dissertation “The Place as Watercolor of Nature and Culture”, a study about the affectivity in the fishermen from Boca da Barra in Rio das Ostras, RJ, defended in 2014 at NUPEM/UFRJ (the Center of Socio-environmental Development of Macaé). The central purpose of the study is to investigate the topophilic meanings and the construction of a socio-environmental ethos, based on an in loco livingness, a term to be understood in our investigation as “experience”. In the conceptual field, we brought up considerations which approach studies of Environmental Perception with Environmental Education. Our discussion expands with the assumptions of Humanistic Geography, especially in Yi Fu Tuan, mainly in the understanding that, from what is perceived, people construct values (meanings) in line with their worldviews and lived experiences. For purposes of conclusive interpretations, we used conceptions of symbolic interactionism, especially the subject-world relation in Merleau-Ponty's thought. In an exceptional way, when we choose to categorize one of the sources of information collection, we used principles of content analysis.

Keywords: outdoor class; environmental education; environmental perception.

INTRODUÇÃO

Nosso estudo assenta-se na aula de campo realizada pelo do Núcleo de Educação Ambiental Mosaico (NEAMO) em Aldeia Velha, povoado localizado em Silva Jardim, município das Baixadas Litorâneas, mesorregião do estado do Rio de Janeiro. O NEAMO é um núcleo constituído por livre adesão de professores e estudantes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio do Colégio Mosaico, instituição de ensino localizada no município de Rio das Ostras, RJ. O núcleo tem como propósito oportunizar vivências ambientais, através de aulas de campo e, a partir dessas vivências, promover reflexões que permitam proposições metodológicas e ações sociais interligadas à Educação Ambiental e a outros componentes da matriz curricular.

De modo estrito, objetivamos analítica e interpretativamente investigar o processo de construção de significados topofílicos e o desenvolvimento de uma consciência/ethos ambiental, a partir do contato com o espaço/lugar investigado/vivido.

O estudo baseia-se em pressupostos da Fenomenologia assimilados aos estudos da percepção ambiental. A abordagem de Educação Ambiental proposta é a que se contrapõe a uma prática educativa mecanicista que estabelece uma radical separação entre homem e natureza. Concomitante a esse posicionamento, buscamos uma práxis social capaz de promover pela vivência e pela reflexão, um/a ethos/consciência ambiental permeado de afetos positivos no enfrentamento aos sérios problemas da crise socioambiental moderna.

De cunho qualitativo, as conclusões obtidas advêm de uma perspectiva interacionista simbólica, compreendendo-a como a possibilidade de os indivíduos, mediados pela interação, interpretarem objetos e pessoas e conduzirem seus comportamentos.

MARCOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

Nossa compreensão de aula de campo, embora não despreze, vai além de entendê-la em si mesma como um recurso didático. Nesse mesmo sentido, conhecimento não pode ser visto de forma limitada, isto é, enclausurado no que está descrito nas matrizes curriculares. Corroboramos com Lima e Assis (2005, p. 112), na compreensão de que “o trabalho de campo se configura como um recurso para o aluno compreender o lugar e o mundo, articulando a teoria à prática, através da observação e da análise do espaço vivido e concebido”. Tomado por aspectos mais expansivos, a aula de campo representa a possibilidade de conexão com a realidade, sobretudo porque dá visibilidade ao cotidiano. É a mediação que dá aos estudantes a possibilidade de refletir sobre categorias fundamentais à própria compreensão de seu “estar no mundo” e na sua compreensão como um ser social, um “eu no mundo”. Mais do que isso, possibilita compreender, a partir de uma sistematização teórica, as teias de interação das quais faz parte. Em suma, é um momento privilegiado de contextualização e de perceber a existência de fenômenos nos domínios naturais e culturais e, principalmente, refletir que os conceitos natureza e cultura se superpõem. Para Yi Fu Tuan (1980, p.68), é importante entender que as atitudes e as preferências de um grupo social exigem o conhecimento da história cultural e das experiências desse grupo no contexto de seu ambiente físico: “Em nenhum dos casos é possível distinguir nitidamente entre os fatores culturais e o papel do meio ambiente físico. Os conceitos cultura e meio ambiente se superpõem do mesmo modo que os conceitos homem e natureza”.

Assim, o processo de percepção é influenciado pelos filtros culturais de cada grupo social. Contudo, se por um lado há variações perceptivas que precisam ser compreendidas no seio de cada grupo quando se pretende propor reorganização de um pensar ambiental, por outro, em se tratando de mediação, é possível pensar em estratégias que levem a essas mesmas reflexões quando se tem um entendimento dos paradigmas culturais de um determinado grupo com o qual se realizará uma atividade de campo captadora de percepções ambientais.

Para Del Rio (1996, p.3), a percepção é “o processo mental de interação do indivíduo com o meio ambiente que se dá através de mecanismos perceptivos propriamente ditos e, principalmente, cognitivos”. Nosso estudo, portanto, interliga a percepção à construção/atribuição de valores topoafetivos – positivos ou topofílicos; negativos ou topofóbicos. Nessa interligação é importante compreender o papel dos filtros culturais, pois esses são responsáveis pela articulação entre aquilo que será entendido como recurso natural, a partir de uma contemplação do que rodeia o lugar contemplado. Diante disso, é fundamental compreender que o conceito de lugar estabelecido em nosso trabalho corrobora com Yi Fu Tuan que propõe o estudo do espaço através da noção de espaço vivido, cujos referenciais remetem a valores subjetivos, baseados na vivência e na experiência. Na visão de Tuan e da Geografia Humanística, os interesses distintamente humanos são responsáveis pela transformação de um espaço em lugar. Nesse sentido, a experiência, a ligação emocional aos objetos físicos, além dos símbolos e conceitos que foram criados como marcas identitárias do lugar, são exemplos de interesses humanos. Destarte, nossa pesquisa fixa-se no lugar antropológico, criador do que é socialmente orgânico, humanizado e identitário, através das marcas de uma coletividade. Compreendemos o lugar como a soma do meio ambiente (físico, natural e humanizado) aos significados nele constituídos. Mais especificamente, pesquisamos a construção de um meio ambiente por meio dos significados a ele atribuídos por um grupo social. O que torna, pois, um espaço em lugar e um lugar diferente do outro, não são apenas os elementos da natureza, como vegetação, clima e relevo, mas o modus vivendi das pessoas que o habitam, ou seja, a relação das pessoas com a natureza e a cultura que se diferencia de lugar para lugar.

A despeito da multiplicidade de considerações em torno do que se entende por lugar, pode-se ainda apresentá-lo sobre uma visão em que a essencialidade sobrepõe-se à materialidade, ou vice-versa; pode-se também discorrer sobre a não menos múltipla interpretação do que seja “estar no mundo”, já que “mundo está um pouco no interior de todos os lugares” (HISSA; CORGOSINHO, 2006, p.8)

Para Rodrigues (2007, p.23):

Teóricos da linha humanista [...] observam que o lugar difere do espaço geográfico cartesiano, sendo eivado de significados e valores inseparáveis da experiência daqueles que o habitam, assim como dos seus pensamentos e sentimentos. O lugar é pleno de significados, condição da própria existência, foco de vinculação emocional para os seres humanos, contexto das nossas ações e fonte da nossa identidade.

Essa concepção de lugar rompe com as diretrizes de uma ciência positivista e quantificadora e volta-se àquela que vive o mundo através de um olhar existencial. Gonçalves (2010, p. 17) afirma que “assim como Tuan, muitos teóricos viram no humanismo uma forma de lutar contra o encarceramento da imaginação, a desvalorização das aspirações criativas e anulação dos sentimentos na ciência geográfica”.

Em nossa concepção, o conceito de lugar é caracterizado por valorizar as relações de afetividade desenvolvidas pelos indivíduos e grupos sociais ao seu ambiente. Assim é que para compreendê-lo de forma mais abrangente recorreu-se às filosofias do significado – fenomenologia, existencialismo, idealismo e hermenêutica – que em essência encontram na subjetividade humana as interpretações para suas atitudes perante o mundo (MELLO, 1990; HOLZER, 1997). Consoante essa corrente, o lugar é produto da experiência humana. Para Relph (1979, p.156), “Lugar significa muito mais do que o sentido geográfico de localização. Não se refere a objetos e atributos das localizações, mas a tipos de experiência e envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e segurança”. Analogamente, Tuan (1983, p.14) afirma que “lugar é um centro de significados construídos pela experiência”. Aborda-se, pois, os referenciais afetivos desenvolvidos ao longo da convivência com o lugar e com o outro. Para Buttimer (1985, p.228), “lugar é o somatório das dimensões simbólicas, emocionais, culturais, políticas e biológicas”.

O termo topoafetividade foi um neologismo que criamos, considerando que ele abarca duas expressões afetivas que os grupos sociais podem ter em relação aos lugares: a topofilia e a topofobia que, embora antônimos, coexistem na abrangência da topoafetividade. Topofilia e topofobia são neologismos construídos por Tuan (1980; 2006) para quem (1980, p.135) “A topofilia é um neologismo, útil quando pode ser definida em um sentido mais amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material”. Logo, valores culturais e elementos da paisagem se vinculam no conceito de topofilia em uma formulação ampla que estabelece a relação entre memória, paisagem e cultura. Em contrapartida, Tuan (2006), sugere o termo topofobia, uma derivação do original topofilia, no intuito de retratar seu oposto. Enquanto a topofilia representa a expressividade de afetos positivos aos lugares, a topofobia representa o inverso.

O que chamamos de ethos ambiental ou consciência ambiental deve ser compreendido nos pressupostos desta pesquisa como o resultado de toda ação humana que afeta positivamente o ambiente natural, elaborada a partir de atitudes e valores construídos e elaborados em uma práxis social promovida na vivência ambiental e na reflexão. Ao falarmos nessa práxis social, ratificamos a indissociabilidade entre cultura e natureza. Assim, explica-se nossa preferência pelas terminologias ethos socioambiental e práxis socioambiental por entendermos que representam as interações existentes nas relações entre o homem e natureza na composição do nosso processo histórico-cultural.

Edgar Morin (2000, p. 111), ao falar da consciência da Terra-Pátria remete à ideia de uma consciência planetária a ser construída através da mobilização educacional. Na base dessa consciência estaria, entre os homens, uma compreensão comum de futuro capaz de promover mudanças paradigmáticas que levassem a ações mais sustentáveis. Para o sociólogo, a consciência planetária aviva questões ambientais. Corroborando a esse pensamento, retomamos à importância dos significados percebidos e construídos na vivência socioambiental. Corroboramos ainda que o espaço escolar é fundamental para essas construções na interface lugar-mundo, nas quais autonomias se ampliam para atuarem de forma afetivamente positiva no local e planetariamente. Entendemos a escola como espaço privilegiado à promoção da ruptura da autoimagem na qual o homem, ao se colocar como o centro absoluto das coisas, por sua própria razão entende a natureza e o próprio mundo como um objeto à mercê de sua exploração. Isso o leva à compreensão minimizada do ambiente como fora de nós, excluindo-se assim valores importantes. Ao pensar o ambiente fora dele, o homem exclui as relações humanas, ou seja, não compreende como socioambiental o que se cria entre as pessoas. Portanto, há uma ideia reduzida de que a natureza e o homem agem por si, sendo absolutamente distintos. Nesse prisma, o ethos socioambiental é interligado à responsabilidade existencial, saberes perfeitamente possíveis de habitarem o campo de conhecimento escolar.

Ainda no viés da escola, realçamos o crônico problema da fragmentação e enxergamos na aula de campo uma possibilidade de ruptura com esse ranço. Ao falar sobre o conhecimento pertinente como um dos sete saberes necessários à educação do futuro, Morin (2000) adverte acerca da necessidade de rearticulação das disciplinas em outros contextos, numa explícita contrariedade à ideia de fragmentação disciplinar. Nesse sentido, a aula de campo é fundamental como possibilidade de articular e organizar a percepção e a concepção do contexto que aliás, precisa ser realçado, uma vez que nele estão articuladas as questões do mundo, um espaço global e complexo. Se por um lado as realidades são cada vez mais multidisciplinares, mais inadequada será a divisão dos saberes em compartimentos estanques.

Partindo desses referenciais, acreditamos que uma aula de campo é potencialmente capaz de promover reflexões que tragam à tona de forma interligada, por exemplo, questões da Ecologia, da Biologia, da Antropologia, da Filosofia e tantas outras, num feixe capaz de unir saberes que podem levar a reflexões iniciadas na parte e que caminharão para o todo. Denominamos isso de práxis da vivência, uma experiência que passa da inicial apreciação estética para promover a construção de significados, a partir da articulação de saberes. Essa práxis é capaz de transformar espaços indiferenciados em lugares dotados de afetos positivos. A aula de campo, possibilita a reaprendizagem de nossa própria condição humana, ou seja, uma espécie de lembrança de que somos além de culturais, físicos, psíquicos, míticos, imaginários...

Assim como Ferrara (1993), interligamos a percepção ambiental à linguagem sendo essa, realizada através de uma leitura semiótica dos signos, responsável pela revelação expressiva dos usos e dos hábitos de um lugar. A linguagem explica a imagem de um lugar construída na percepção. A revelação dessa imagem está contida na produção discursiva das pessoas e a aula de campo é capaz de atuar na construção dessa imagem vivida/percebida.

Tuan (1980) entende a percepção como resposta aos estímulos externos e ao mesmo tempo vê nessa resposta a utilização de um filtro intencional capaz de registrar ou bloquear certos fenômenos. É, portanto, a articulação entre o percebido e o valorado/significado que tem origem e é construído e modificado na visão de mundo, ou seja, na cultura. Essa é a importância que damos à experiência possibilitada em uma aula de campo. Ainda que menos para construir visões de mundo, mas para promover reflexões e atitudes afloradas na visão de mundo de um grupo social.

Neste contexto, afirmamos a aula de campo como ação de extrema importância ao alcance de uma Educação Ambiental interligada às questões sociais, uma educação efetivamente socioambiental, adequada ao pensar e construção coletivos. Para além das diversas nomenclaturas e abordagens que podem traduzir a pluralidade de correntes, em nossa concepção a Educação Ambiental não pode fechar os olhos aos aspectos culturais de quem habita os lugares, mas propor um processo permanentemente dialógico e reflexivo sobre a interdependência entre cultura e natureza.

Consideramos de extrema pertinência a definição da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9795/1999, Art 1º.) ao expor que:

"Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade." 

Ou ainda nos marcos legais o que está prescrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (2012, Art. 2°) ao afirmar que

A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental.”

De passagem, ao mostrarmos que o olhar dos marcos legais de nossa educação reconhece e explicita o caráter essencialmente social da Educação Ambiental, ainda que que não seja objeto estrito deste estudo e, portanto, sem abrir uma discussão sobre o espaço da Educação Ambiental na recém estabelecida Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é fundamental que se mantenha a perspectiva social.

Em síntese, acreditamos em um olhar relacional entre Educação, Meio Ambiente e Sociedade. Aliado a isso, o vivenciar dos lugares, através da aula de campo, concomitante ao levantamento de questões oportunas diante da tensão da sociedade contemporânea, pode promover por meio da percepção novos significados aos estudantes.

CARACTERIZAÇÃO DA METODOLOGIA DA PESQUISA

O trabalho de levantamento de informações foi feito a partir de entrevistas semiestruturadas realizadas com os estudantes antes e após a aula de campo. Além disso, foram feitas conversações e observações de campo. As entrevistas foram organizadas apoiadas no processo e nos princípios de categorização fundamentados na análise de conteúdo. Assim sendo, estabelecemos as seguintes categorias: Educação Ambiental; consciência ambiental; topoafetividade e lugares conhecidos e desconhecidos; experiência e construções topoafetivas; o sentimento em relação a um lugar; experiências anteriores; Significados: A Aldeia Velha imagética àqueles que nunca tinham ido lá e a Aldeia Velha de memória àqueles que já estiveram lá; Sentimento, desejo, definição de preservação socioambiental; Relações humanas; Relações de trabalho. Ao levantarmos elementos para interpretação, a partir da comparação entre as entrevistas, nos atemos inicialmente ao modo como os estudantes percebiam a realidade em torno deles e como agiam em relação àquilo que percebiam. Nesse aspecto, objetivamos investigar os sentidos que os estudantes dão aos objetos, pessoas e símbolos no universo empírico e como as respostas às categorias escolhidas e surgidas constroem o mundo social desses atores.

Frisamos que metodologicamente partimos do pressuposto de que nosso objeto de pesquisa está centrado na natureza social, o que significa ratificar o caráter dinâmico e social das ações das pessoas. Relacionamos, portanto, os relatos às experiências vivenciadas pelos estudantes. O cerne de nossa análise propulsora do caminho interpretativo foram os contatos interacionais estabelecidos entre os estudantes. Desta maneira, partindo das concepções compreendidas antes da aula de campo, caminhando nas ações interativas geradoras das percepções sobre o lugar, chegamos aos subsídios de interpretações sobre a construção de significados que possibilitassem que Aldeia Velha deixasse de ser um espaço indiferenciado para ser um lugar vivido e afetado.

(INTER)AÇÕES NO CAMPO: NARRATIVAS DE PERCEPÇÕES E CONSTRUÇÕES DE SIGNIFICADOS

A atividade teve início no portal do distrito, próximo à rodovia BR-101, com um estudo do meio sobre as características físicas relacionadas ao relevo peculiar do local. Nesta atividade os integrantes do núcleo puderam realçar o sentido de observação, perceber os detalhes existentes na Serra do Mar e relacionar com os padrões de formação e divisão de duas bacias hidrográficas distintas (Macaé e São João). Os estudantes também puderam observar os efeitos das ações antrópicas no local em áreas particulares e contrastar com unidades de conservação protegidas por lei.

A segunda ação do núcleo ocorreu em um sistema agroflorestal onde nos foram cedidas mudas de espécies vegetais nativas do bioma Mata Atlântica. Após este momento, nos dirigimos à propriedade conhecida como “cachoeira das Andorinhas” onde foi servido à equipe um almoço ecológico com a culinária típica da região.

Na terceira ação, ainda na cachoeira das andorinhas, conhecemos as etapas do funcionamento de um sistema natural de tratamento de esgoto que corrobora com a proposta da propriedade de manter um uso sustentável e consciente do espaço. O sistema conta com um tanque de zona de raízes e filtro de pedras grossas, além de taiobas e bananeiras para que ocorra a purificação do efluente local.

Na quarta ação desenvolvida, os estudantes percorreram uma trilha interpretativa em um fragmento preservado de floresta nativa e puderam ter contato direto com o ambiente natural, com paradas e passagens estratégicas que estimularam a sensibilidade. Houve ainda intervenções dos professores e proprietário da área de estudo. A trilha interpretativa foi finalizada com um banho de cachoeira no rio Aldeia.

Figura 1 - Estudantes percorrendo uma trilha interpretativa em um fragmento preservado de floresta native

Figura 2 - Estudantes percorrendo uma trilha interpretativa em passagem estratégica de estímulo à sensibilidade

Figura 3 - Finalização da trilha interpretativa com banho de cachoeira no Rio Aldeia

Na quinta e última ação do NEAMO em Aldeia Velha, os integrantes realizaram um plantio em área de mata ciliar. Foram plantadas mudas de espécies arbóreas nativas de Mata Atlântica, região que sofre constantemente com problemas relacionados à erosão e assoreamento.

Figura 4 - Estudantes plantando mudas de espécies arbóreas nativas da Mata Atlântica

É importante salientar que as ações previstas na aula se ligam diretamente a aspectos naturais. Contudo, não menos importante é explicar que todas as etapas da atividade foram permeadas de apontamentos ligados ao ambiente cultural. Antes, durante e depois da aula de campo, através de proposição de conhecimento prévio e do contato direto, foram assentados determinantes sociais e culturais que pudessem contextualizar aos estudantes os fatores sociais da percepção. Isso se fez necessário em nossa pesquisa porque a contextualização dos fenômenos nos domínios naturais e culturais era de suma importância, uma vez que partimos da pressuposição de que não se pode especificar precisamente os fatores culturais e o meio ambiente físico. Retomamos Tuan (1980) para lembrar nosso alicerce humanístico para o qual os conceitos de cultura e meio ambiente, assim como homem e natureza se condensam.

Entendemos que todo ato perceptivo é um acontecimento social, na medida que estamos envoltos em modelos culturalmente aceitos, inclinados a perceber em consonância com padrões convencionais e na direção de aspectos dominantes da comunidade cultural.

INTERPRETAÇÕES

Ao possibilitar que os estudantes percebessem Aldeia Velha, vimos que suas impressões perceptivas dos fenômenos do lugar guiou um entrelaçamento entre sujeito e objeto. Isso valida o pensamento de Merleau-Ponty (1999) para quem o homem enquanto sujeito que percebe, age como um ser inserido no mundo e precisa estar próximo e relacionando-se com os objetos e os outros sujeitos atuantes na representação do espaço. Foi perceptível que o contato direto fez com que aos estudantes o espaço não fosse restringido ao campo visual, mas possibilitou questionamentos a respeito de fenômenos multiplicados no espaço vivido. Isso nos faz retomar Merleau-Ponty (1999, p.327-328) ao afirmar que “[...] O espaço não é ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível”.

É bastante observável, com a compreensão advinda da comparação entre as entrevistas anteriores e posteriores à atividade de campo, que o comportamento dos estudantes ficou bem menos fundamentado em seus conhecimentos objetivos. Esse comportamento foi bastante encorpado pelas imagens subjetivas construídas nos espaços experienciados. A experiência vivida desenvolveu uma consciência através do contato com os objetos exteriores por intermédio da percepção. Em suma, ideias prévias sobre a natureza dos objetos foram substituídas pelas ideias construídas na relação natureza e consciência pautada na percepção aflorada em campo. Mas é importante observar que cada estudante apresentou especificidades nos processos de apreensão e avaliação do espaço. Também se evidenciou que o percurso dos estudantes de uma apreensão objetiva que separa sujeito e objeto para um olhar autorizado da aceitação da existência no lugar de subjetividade, simbolismo e sentimentos aconteceu gradativa e concomitantemente à experiência vivida em Aldeia Velha.

É como se os mapas cartográficos aos poucos dessem lugar aos mapas mentais, conforme Leoncini (2003), “Os mapas cartográficos fazem uma representação objetiva do espaço, enquanto os mapas mentais fazem uma representação subjetiva a partir da percepção que o homem elabora as imagens sobre esse espaço”.

A consciência transformada ou construída advém da relação entre o que foi vivido e o que foi percebido, tendo a natureza como palco de inserção do sujeito no espaço vivido. A transformação, portanto, resulta da consciência de si pelo sujeito em sua interação com o lugar, através da experiência física. Nesse complexo jogo, o mundo supostamente objetivo pensado pelo sujeito toma novas formas pelo mundo vivido pelo sujeito, corroborando mais uma vez ao pensamento de Merleau-Ponty (1999. P.14) de que “o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável”.

Atrelado aos objetivos de nossa investigação interpretamos que a subjetividade e a percepção dos fenômenos possibilitadas através da aula de campo proposta atuou na construção de significados. Nessa construção, àqueles que não tinham nenhuma relação com Aldeia Velha, o espaço indiferenciado passou a ser um lugar de afetos. E mesmo aos que já conheciam, quase todos ligados por uma lembrança estética e natural, houve a incorporação perceptiva de fatores sociais, até então ausentes. A experiência produziu significados e afetos positivos, portanto, topofílicos. A experiência in loco propiciou a construção de um ethos socioambiental antes não percebido. Para os estudantes, o contato com a subjetividade diante da realidade, observada através do vivido e percebido retirou o véu que esconde, pela lente da racionalidade moderna, o humanismo capaz de gerar valores ao espaço vivido. Esses sentimentos são construídos na percepção e nas práticas sociais.

A associação entre o que foi percebido e a simbologia dessa percepção com aspectos sociais produziu e modificou individual e coletivamente a relação afetiva com Aldeia Velha. Por outro lado, o autoconhecimento individual e as respostas às questões em torno das categorias ligadas às estruturas sociais mostraram diferentes ideias de determinações de poder no lugar, ao mesmo tempo que apresentaram traços comuns de percepção da coletividade, através de características comuns dos moradores do povoado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou nítido que a construção de um ethos socioambiental se deu pelas experiências vividas no meio ambiente pelos estudantes do NEAMO. Mais especificamente isso se deu pelo contato com os objetos relacionados ao mundo. Assim, é fundamental que sujeito e mundo não estejam separados. É fundamental que o sujeito se compreenda intimamente ligado às coisas (físicas, simbólicas) que estão e atuam no espaço percebido. O mundo vivido contém elementos constituintes que se reconfiguram na intersubjetividade e na interligação das pessoas com o meio ambiente.

Podemos dizer que a aula de campo pode ser importante na construção de uma consciência ambiental, inclusive, porque o mundo vivido não é demarcado, ou seja, está nos fluxos interacionais das pessoas em todos os sentidos. Isso posto, observamos que um espaço vivido de uma aula de campo pode ser uma rua, uma paisagem, ou em qualquer espaço de interações dentro de um espaço geográfico. Basta que se permita perceber para conceber as relações de intencionalidade que estruturam tempo e espaço.

A aula de campo é a pausa no movimento do tempo, tal qual o que permite olhar um lugar como um centro de significados. Mas há que se ater sobre os meios que a conduzirão, no sentido de atingir o que esperamos no que se refere à Educação Ambiental. Um ethos ambiental que não problematiza questões políticas, econômicas e sociais, pode reduzir ações indispensáveis a práticas paliativas e, muitas vezes, replicadoras de interesses escusos ou ingênuos.

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