PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE ROLIM DE MOURA (RO) SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS



Maria Antonia Fernandes Nabarro de Oliveira Benati, Doutoranda em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade de Rondônia-UNIR; Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté-UNITAU. Especialista em Gestão Empresarial pela Faculdade de Rolim de Moura-FAROL. Graduada em Administração pelo Centro Universitário de Votuporanga-CEUV- Professora de Ensino Superior na Faculdade São Paulo-FSP

E-mail: ma.benati@gmail.com



Artur de Souza Moret, Doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas; possui graduação em Física pela Universidade Federal Fluminense, mestrado em Ensino de Ciências (Modalidade Física e Química) pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Fundação Universidade Federal de Rondônia, em níveis de Mestrado e Doutorado. Tem experiência na área de planejamento em Energia Elétrica, com ênfase em Geração da Energia Elétrica com biomassa locais, atuando principalmente nos seguintes temas: geração descentralizada, fontes renováveis, energias alternativas, planejamento de sistemas descentralizados de energia elétrica, eficiência energética, cadeias produtivas de biomassa energéticas.



Emanuel Fernando Maia de Souza, Doutorado em Fitotecnia (Produção Vegetal) pela Universidade Federal de Viçosa. Formação em agronomia. Professor Associado I na Universidade Federal de Rondônia, e atua como docente nos cursos de graduação em Agronomia e Engenharia Florestal em Rolim de Moura. Orientador de mestrado e doutorado do curso de pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (www.pgdra.unir.br) e orientador do mestrado em Ciências Ambientais (www.pgca.unir.br). Líder do grupo de pesquisa em Produção Vegetal na Amazônia Ocidental. No campo de desenvolvimento científico e tecnológico, trabalha com foco em agroecologia, conservação da natureza e desenvolvimento regional nos seguintes temas: Sistemas Agroflorestais e Uso Múltiplo da Floresta.



RESUMO

O objetivo desse estudo é avaliar a incidência territorial de políticas públicas em termos de seus impactos em economias fortemente caracterizadas por atividades rurais e com contingente de agricultores familiares. Trata-se de uma pesquisa de campo realizada com 150 agricultores familiares do município de Rolim de Moura (RO) entre os meses de outubro e novembro de 2019, por meio de instrumento de pesquisa classificado como Índice de Condições de Vida (ICV). Apurou-se com o presente estudo que há políticas públicas voltadas para a agricultura familiar no município de Rolim de Moura (RO) que buscam fomentar a economia, porém são insuficientes para impactar positivamente a condição de vida dos agricultores familiares.



Palavras-Chave: Desenvolvimento Regional. Agricultura Familiar. Políticas Públicas.



ABSTRACT

The objective of this study is to assess the territorial incidence of public policies in terms of their impacts on economies strongly characterized by rural activities and with a contingent of family farmers. This is a field survey carried out with 150 family farmers in the municipality of Rolim de Moura (RO) between the months of October and November 2019, using a research instrument classified as the Living Conditions Index (ICV). It was found with this study that there are public policies aimed at family farming in the municipality of Rolim de Moura (RO) that seek to foster the economy, but are insufficient to positively impact the living conditions of family farmers.



Keywords: Regional Development. Family farming. Public policy.



1. INTRODUÇÃO

Estudos censitários e o processo de formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar (Lei no. 11.326 de 2006) demonstram a agricultura familiar como fomentadora do desenvolvimento regional por meio dos avanços no meio rural (MEDINA; NOVAES, 2014). O Censo Agropecuário 2017 permitiu identificar a contribuição econômica nas diferentes regiões do país destacando a capacidade produtiva da agricultura familiar ao apontar a produção agrícola e não agrícola.

Porém, apesar do conhecimento acerca da importância da agricultura familiar, as condições de vida dos agricultores são pouco conhecidas, embora mereçam atenção especial como indicador de potencial de desenvolvimento local e norteador para a elaboração e análise da eficiência de políticas públicas voltadas para o setor. A percepção dos agricultores demonstra a perspectiva local para questões essenciais ao desenvolvimento (CONTERATO et al., 2012). Outro aspecto fundamental é a percepção dos agricultores familiares sobre as condições de sua subsistência, inserção social e inserção comercial. A contraposição desses dados traz indicadores subjetivos, mas essenciais para a compreensão da qualidade de vida das famílias de agricultores familiares.

O objetivo desse estudo é avaliar a incidência territorial de políticas públicas em termos de seus impactos em economias fortemente caracterizadas por atividades rurais e com contingente de agricultores familiares sobre: a) condições de produção nas propriedades familiares; b) a percepção sobre sua subsistência, inserção nos mercados e relações sociais; c) o acesso e o apoio das políticas públicas ao setor.

Para tanto, o trabalho foi estruturado em três seções. Na primeira seção, o texto aborda os conceitos de desenvolvimento, o panorama das políticas nacionais para o desenvolvimento regional, e desenvolvimento regional e agricultura familiar; na segunda seção a metodologia utilizada para coleta e tratamento de dados é descrita; na terceira seção a discussão dos resultados traz uma análise sobre o perfil dos agricultores familiares entrevistados, as condições de produção e a percepção sobre as políticas públicas. Na última seção, as considerações finais apresentam o contexto da percepção dos agricultores familiares sobre sua condição de vida.



2. CONCEITOS SOBRE DESENVOLVIMENTO



O desenvolvimento econômico emerge do processo de acumulação de capital e de aumento de produtividade que acarreta o crescimento da renda e a melhora da qualidade de vida dos habitantes. O autor justifica que a condição para determinar a maior ou menor rapidez do desenvolvimento capitalista é, a existência ou não de uma estratégia nacional de desenvolvimento, e a qualidade dessa estratégia — da coesão da nação e do acerto das instituições criadas e das políticas adotadas (BRESSER-PEREIRA, 2006).

Diniz (2009), ao discorrer sobre a visão de Celso Furtado sobre o desenvolvimento, propõe que a ideia do desenvolvimento constitui-se com a racionalidade que se define pelo objetivo econômico do lucro, e pela definição da acumulação de capital como meio de atingi-lo. Num segundo momento, a racionalidade se expressa com a aceleração do progresso e torna sistemática a incorporação de novas tecnologias e o consequente aumento da produtividade.

Schumpeter (1961) afirma que à medida que as inovações tecnológicas ou as modificações introduzidas nos produtos antigos são absorvidas pelo mercado e seu consumo se generaliza, a taxa de crescimento da economia diminui e tem início um processo recessivo com a redução dos investimentos e a baixa da oferta de emprego.

O desenvolvimento econômico é o resultado de uma estratégia nacional, que procura combinar escassos recursos disponíveis e instituições, motivando e orientando os agentes econômicos a investir e inovar. Para que haja desenvolvimento econômico é essencial que o estado seja forte, ou seja, que tenha legitimidade política e capacidade para cobrar impostos e impor a lei (LANGONI, 2005).

No processo de desenvolvimento econômico há o objetivo da melhoria do padrão de vida da população, porém o objetivo do bem-estar não significa uma distribuição de renda mais igual. Para Bresser-Pereira (2006, p. 207):



O desenvolvimento econômico implica melhoria dos padrões médios de vida da população, seja porque o aumento da renda acaba beneficiando também os mais pobres, seja porque, nas democracias, essa é uma forma de legitimação do sistema político, mas daí não se pode deduzir que o desenvolvimento vise em termos práticos a constituição de uma sociedade mais igualitária (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 207).



Assim, o desenvolvimento pressupõe uma estratégia nacional, que, por sua vez, pressupõe a existência de uma nação, dos políticos e empresários que orientam e executam, com a participação em graus variados dos trabalhadores.



2.1 PANORAMA DAS POLÍTICAS NACIONAIS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL



Em praticamente todos os sistemas e regiões os agricultores enfrentam problemas associados à disponibilidade de capital de giro e recursos para investimentos. Apesar da estratégia de combinar atividades com prazos de maturação e fluxos de despesas e receitas diferentes visando reduzir o risco e a dependência de capital de giro de terceiros, é equivocada a visão da produção familiar como autosuficiente e totalmente avessa ao risco envolvido nas operações financeiras (DELGADO; CONCEIÇÃO; OLIVEIRA, 2005).

Schneider (2005) afirma que as políticas públicas e os programas de incentivo à agricultura familiar devem estimular o desenvolvimento da pluriatividade e consequentemente do território, pelo fato de se apresentarem como alternativa para solucionar um conjunto das populações urbanas e rurais.

Na prática, a maioria dos produtores necessita de recursos de terceiros para operar suas unidades de maneira mais eficaz, rentável e sustentável. A ausência desses recursos, seja pela insuficiência da oferta de crédito, seja por causa das condições contratuais inadequadas, impõe sérias restrições ao funcionamento da agricultura familiar mais moderna e, principalmente, a sua capacidade de manter-se competitiva em um mercado cada vez mais agressivo e exigente (ABRAMOVAY, 2006).

O governo, por meio das políticas públicas e programas de incentivo à agricultura familiar, atribui à agricultura o papel de promotora do desenvolvimento econômico nacional e na melhoria das condições de vida da população (CARNEIRO, 2013).

Gomes et al (2014, p. 64) afirmam que a agricultura familiar é valorizada como “segmento gerador de emprego e renda de modo a estabelecer um padrão de desenvolvimento sustentável”. Assim, na ótica de Carneiro (2013),



a adoção de políticas públicas e programas de incentivo à agricultura familiar torna-se uma medida governamental ao atacar grande parte dos problemas sociais urbanos derivados do desemprego rural e da migração descontrolada na direção campo-cidade (CARNEIRO, 2013, p. 74).



Graeub et al (2016) afirmam que a força da agricultura familiar submetem-se a aspectos que incentivem a sua sobrevivência no meio rural, como, por exemplo, as possibilidades da produção rural local e de suas práticas relacionadas aos métodos de transformação e comercialização. Lima (2011) afirma que tratam-se, em grande parte, de estratégias de sobrevivência praticadas pelos agricultores, que submetem-se a imprecindíveis relações com o comércio local e mercados externos.

Ribeiro (2015, p. 407) afirma que “construir um novo conhecimento, que se transformará ao longo do tempo num novo paradigma, é a condição básica para efetuar ‘intervenções territoriais’ inteligentes, seja no nível das regiões específicas, seja no nível nacional”. Para Muniz e Carvalho (2007), a criação e implantação de políticas públicas e programas de incentivo à agricultura familiar tendem a amenizar esse fenômeno e promover o fomento da economia das regiões.



2.2 DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRICULTURA FAMILIAR



A agricultura familiar caracteriza-se pela relação entre terra, trabalho e família (NAVES; MENDES, 2015). A atividade dos agricultores familiares é empreendida pela família e quando necessário são admitidos trabalhadores provisórios. Wanderley (2013) caracteriza os agricultores familiares pelas relações de solidariedade entre parentes, amigos e vizinhos. Assim, a unidade de produção familiar pode ser interpretada como uma forte conexão entre terra, trabalho e família.

Na perspectiva de Abramovay (2012) o conceito de agricultura familiar destaca três características básicas: a) os membros estão relacionados por grau de parentesco; b) a propriedade é determinada com controle gerencial; e c) o controle é herdado de geração em geração. O autor analisa que:



A agricultura familiar possui relações fundadas nos laços de parentesco e de vizinhança e as relações de parentesco ou mesmo a solidariedade dos vizinhos demonstra que os produtores ajudam uns aos outros. É importante destacar que esse tipo de relação está desprovida de qualquer lógica capitalista, isto é, o produtor que recebeu o auxílio retribui em outra oportunidade o serviço prestado (ABRAMOVAY, 2012, p. 18).



Carneiro (2013) conclui que os agricultores familiares apresentam dificuldades de agregar-se aos mercados e isso intensificou as dificuldades do pequeno produtor nas concepções econômicas e organizacionais, dado que a modernização do campo acarretou alterações no próprio grupo familiar.

Mateus (2015) afirma que a produção agrícola brasileira foi classificada sob dois modelos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (2000): o familiar e o patronal.

Essa classificação tem como finalidade estabelecer diretrizes para ações de políticas públicas que resultem no desenvolvimento rural e na integração dos produtores familiares ao mercado. Na definição de Grisa e Schneider (2014), as políticas públicas são um conjunto de ações do governo para produzir efeitos em áreas específicas e compõem os estudos governamentais à luz de grandes questões públicas.

Para Souza (2006):



As políticas públicas guiam nosso olhar para o locus onde os embates em torno de interesses, preferências e idéias se desenvolvem, isto é, os governos. Apesar de optar por abordagens diferentes, as definições de políticas públicas assumem, em geral, uma visão holística do tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores (SOUZA, 2006, p. 25).



Abramovay (2006) assegurou que a valorização da agricultura familiar no país foi marcada a partir de três planos distintos. O primeiro diz respeito ao plano intelectual, devido ao despontamento de estudos e pesquisas que permitiram estratificar e capturar toda a heterogeneidade da agricultura familiar no país e avaliar a sua importância socioeconômica.

O segundo plano, fortalecido com o lançamento do Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e da intensificação, na década de 1990, dos projetos de assentamento da reforma agrária, é o das políticas públicas, responsáveis pela geração de novas ocupações e negócios às famílias do campo.

Por último, no plano social, a agricultura familiar equivale a um conjunto de forças organizadas, cuja principal missão é a afirmação da viabilidade econômica da produção familiar, e, posteriormente, sua consolidação como seguimento relevante para a economia (MATEUS, 2015).

Quanto à participação da agricultura familiar na economia brasileira, Guilhoto et. al. (2007) apontaram que a produção familiar não somente é um fator de desaceleração do fenômeno do êxodo rural e fonte de recursos para famílias de rendas menores, como também possui importante contribuição para a geração de riquezas no país. Os resultados dos estudos dos autores mostraram que mesmo com todo aspecto heterogêneo, a agricultura familiar é responsável por uma parcela significativa de todo o produto agropecuário brasileiro, inclusive com seu inter-relacionamento com outros segmentos importantes na economia.

De acordo com os dados do último Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, existem atualmente 15 milhões de pessoas ocupadas com atividades rurais no Brasil, em 5 milhões de estabelecimentos agropecuários, perfazendo 351 milhões de hectares; desses apenas 18% estão ocupados por lavouras e 45% são ocupados por pastagens.

Baeninger (2016) estima que a população residente em domicílios rurais no Brasil seja 16,3% do total. A região Nordeste concentra 47,9% da população rural do país, justamente a região com os maiores índices de pobreza, enquanto as outras quatro regiões dispõem os 52,1% restantes.

Em termos de acesso à educação, a população rural também apresenta significativo índice de analfabetismo: entre pessoas com mais de 15 anos no meio rural é de 15,5% declararam ser analfabetos. Além disso, 43% dos responsáveis pelos domicílios rurais afirmaram não ter o ensino fundamental completo.

Dentre os fatos relevantes para o meio rural, destaca-se a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar em 1996, o Plano Safra Familiar em 2003 e a homologação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais pela Lei 11.326/2006, também conhecida como Lei da Agricultura Familiar, que estabeleceu “conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à Agricultura Familiar” (Art. 1º).

No artigo 3º a Lei estabeleceu também que:



[...] considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I) não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II) utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III) tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (BRASIl, 2006, Art. 3º).



Gehlen (2004) explica que as transformações operadas pelas políticas públicas geram impactos que induzem à reelaboração de conceitos, como o de identidade sociocultural, que inclui a noção e o ‘lugar’ do trabalho e o de cidadania, que inclui as relações de trabalho e com o meio ambiente.

Schneider e Cassol (2014) afirmam que tal processo introduz ou altera, na ótica dos produtores, os conceitos de trabalho e de competitividade nos seus aspectos de qualidade e de produtividade, cujos impactos interferem na reelaboração da identidade socioprofissional. Essas transformações causadas pelas políticas mostram-se insuficientes quando considerados que cerca de 12% da população rural vivem em condições abaixo da chamada ‘linha de pobreza’.

Acerca da população rural que vive na linha da pobreza, Nascimento (2005) defende que esse cenário somente será mudado a partir do fortalecimento da pluriatividade, e acredita que esse crescimento ocorrerá apenas com o aumento do investimento em políticas públicas e programas de apoio à agricultura familiar.



3. MÉTODO



Momento 1:

Com metodologia exploratório-descritiva, a revisão de literatura sobre os temas: desenvolvimento; políticas para o desenvolvimento regional, e desenvolvimento regional e agricultura familiar foi realizada entre os meses de outubro e novembro de 2019 e utilizou artigos científicos publicados em conceituadas plataformas digitais.



Momento 2:

A pesquisa de campo ocorreu entre os dias 01 e 19/11/2019 por meio de questionário sobre a percepção dos agricultores familiares moradores no município de Rolim de Moura (RO) afim de compreender suas percepções acerca de suas condições de vida e dos impactos das políticas públicas nessa condição.

Foram entrevistados 150 pessoas em domicílios de agricultores familiares, identificados de acordo com a Lei 11.326, cujos requisitos são: possuir menos de quatro módulos fiscais, possuir trabalho principalmente da família, ter renda da família proveniente principalmente da produção, ser um estabelecimento administrado pela família e possuir até dois empregados permanentes.

O instrumento de pesquisa utilizado é um questionário-padrão chamado de Índices de Condições de Vida (ICV) com 24 perguntas (WALTER, 2011). A maioria das questões busca compreender a percepção dos agricultores com o uso de uma escala qualitativa com os níveis ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo.

Os indicadores apontados nas questões tratam da percepção dos agricultores sobre questões chave, como condições e produtividade da área, condições de mão de obra, escolaridade, infraestrutura, acesso a programas de governo e inserção social.



Momento 3:

Os dados coletados foram analisados utilizando-se o software PSPP-GNU Project. Para melhor compreensão dos resultados, foram elaboradas figuras afim de identificar a percepção dos agricultores sobre desenvolvimento e as políticas públicas em relação à condição de vida, considerando-se as respostas boas e ótimas (respostas 4 e 5) como visão positiva acerca dos pontos chaves dessa pesquisa.

Os indicadores apresentados nas questões abordam a percepção dos agricultores familiares sobre produtividade da área, condições de mão de obra, escolaridade, infraestrutura, acesso a mercados, assistência técnica, programas de governo e inserção social. Os indicadores demonstram a percepção dos indivíduos acerca do desenvolvimento por meio de múltiplas dimensões em função de disseminadas críticas à insuficiência das análises unidimensionais (CONTERATO et al, 2012).

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS



A análise das condições dos agricultores familiares sobre a produção, observou-se os seguintes indicadores: área de produção, características da mão de obra familiar, escolaridade e infraestrutura.

Acerca da renda dos agricultores familiares, identificou-se que os chefes de família, em sua grande maioria, são residentes na propriedade rural (Figura 1); porém quando perguntados sobre o trabalho dispendido na propriedade, 75,3% responderam que os filhos dos agricultores familiares trabalham fora da propriedade rural.

Essas informações corroboram com os estudos acerca do êxodo rural das últimas décadas e da falta de opções de trabalho do campo, já que as atividades agrícolas foram modernizadas.

Figura 1 – Situação da força de trabalho nos domicílios familiares com produção



A modernização não ocorreu somente nas atividades agrícolas, a Figura 2 apresenta a infraestrutura doméstica nos domicílios familiares, onde é possível analisar que todas as propriedades participantes deste estudo possuem energia elétrica e água; observa-se também o acesso das famílias aos meios de comunicação (85,3% dos domicílios possuem computador e 64% dos entrevistados afirmam ter computadores).

O programa social Luz para Todos é coordenado pela Ministério de Minas e Energia e foi criado em 2003 e financiado pelo Governo Federal com o objetivo de levar energia elétrica às regiões ou domicílios rurais.

O acesso à infraestrutura básica como água tratada e energia elétrica é importante para melhorar não só o bem estar das famílias mas também para oferecer melhores condições para produção.

Figura 2 – Infraestrutura doméstica nos domicílios familiares



Referente à área, considerando a situação da área utilizada para a produção (tamanho e possibilidade de aproveitamento), 77% do total de domicílios familiares consideraram a condição boa e ótima da área utilizada para produção. Também foi positiva a percepção sobre o resultado da produção considerando a área utilizada para 93,3% dos domicílios.

Quanto a mão de obra familiar, 72,6% dos domicílios familiares consideram a condição da mão de obra suficiente, corroborando com os resultados acerca da permanência na propriedade rural demonstrada na Figura 1.

Quanto à escolaridade, 57,3% considera a condição favorável, em contrapartida há uma baixa taxa de escolaridade dos adultos e resultados medianos sobre a alfabetização de jovens: 88,7% dos jovens com mais de 15 anos alfabetizados; 96% dos adolescentes em idade escolar matriculados; e, 53% dos adultos com ensino fundamental completo. A presença na escola pode garantir melhores oportunidades de trabalho e, consequentemente, melhores condições de vida. Banerjee e Duflo (2011) afirmam que os estudos abordam sobre a presença massiva na escola é uma tendência mundial, embora esse dado não esteja relacionado a índices favoráveis de aprendizado.



Figura 3 – Percepção dos agricultores familiares sobre as condições de produção no domicílio



Sobre a percepção dos agricultores familiares em relação aos indicadores de mercado (Figura 4), destaca-se a afirmação dos agricultores familiares sobre as condições para ir até o mercado em que 81,3% consideram a condição boa ou ótima. A análise sobre a atuação dos atravessadores é reforçada pela condição favorável à venda de produtos onde 65,2% afirmam estar satisfeitos. A presença de intermediários é considerada positiva pelos agricultores que ainda conta com o acesso a feiras livres. Wiggins et al (2006) afirma que os problemas no mercado das áreas rurais são prioritários as políticas públicas de comercialização em favor dos agricultores familiares principalmente com vistas a conectar oferta e demanda.

Referente à renda dos agricultores familiares, observa-se que 25,2% provém do recebimento de aposentadorias pagas aos moradores do domicílio e 23,3% da renda advém da produção agropecuária. De acordo com o nível de respostas, subentende-se que a renda proveniente da aposentadoria citada pelos agricultores familiares é paga à parcela de agricultores que residem na propriedade rural, já que os filhos dos produtores trabalham na zona urbana, de acordo com o exposto na Figura 1, onde se aborda as características da força de trabalho.

Figura 4 – Percepção dos agricultores familiares em relação aos indicadores de mercado

Os agricultores familiares mostram-se satisfeitos com a condição de subsistência quando perguntados sobre a alimentação e moradia, em que 64% considera a condição de alimentação como ótima e 66% considera a condição da moradia como ótima. Porém, quando perguntados sobre a condição da saúde, mostram-se insatisfeitos como demostrado na Figura 6 em que 53,3% considera a condição péssima e 37,7% considera a condição ruim. O município de Rolim de Moura tem um hospital público e é responsável por atender a população de Rolim de Moura e da região da Zona da Mata que abrange sete municípios menores que não possuem estrutura ideal para atendimento da população.



Figura 5 – Renda dos domicílios familiares

Acerca da inserção social, observa-se que os agricultores familiares consideram sua condição como regular (37,3%) e boa (31,3%), podendo estar relacionada com o baixo acesso às políticas públicas. As organizações dos próprios agricultores muitas vezes também cumprem o papel de apoiar na inserção social como a atuação de cooperativas, associações, sindicatos e outros movimentos sociais conforme mencionado na Figura 7, quando os agricultores familiares consideram o apoio de instituições, cooperativas e associações positiva: 30,6% consideram boa e 24,6% julgam como ótima.

A avaliação dos programas de governo foi ruim, pois 29,3% consideram a condição péssima, 28% consideram a condição ruim e 24% consideram a condição regular. Neste sentido, percebe-se a insatisfação dos agricultores familiares sobre a participação do governo com as políticas públicas.

A mesma avaliação ruim é feita em relação ao crédito quando 34% dos agricultores afirmaram que a condição do crédito é péssima, 29,3% considera a condição ruim e 17,3% julga a condição de acesso ao crédito como regular. Há políticas públicas de crédito rural disponíveis como o PRONAF, que tem como objetivo o fortalecimento da agricultura familiar e atuação orientada a financiar ações conjuntas dos municípios e Estados, para eliminar gargalos que estão retardando ou impedindo o desenvolvimento rural em áreas onde predomina a presença de agricultores familiares (BUIANAIN, 1999), porém de acordo com a avaliação realizada pelos agricultores familiares considera-se que são insuficientes para garantir o apoio direto aos produtores rurais.



Figura 6 – Percepção dos agricultores familiares sobre os resultados da produção para a subsistência, inserção no mercado e vida social

Figura 7 – Percepção dos agricultores familiares brasileiros sobre o acesso a políticas públicas e o apoio das organizações locais

Quanto a assistência técnica os agricultores familiares consideram a atuação como sendo participativa e favorável, 30,6% considerou a condição boa e 24,6% julgou a condição como ótima. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER tem o papel de promover a extensão rural em Rondônia e é atuante no município.



5. CONSIDERAÇÕES FINAIS



Verificou-se, com o presente estudo, que em sua maioria os agricultores familiares, dependem da renda da propriedade rural para seu sustento. Quanto à produção constatou-se que os principais produtos cultivados nas propriedades de agricultura familiar do município de Rolim de Moura são café, mandioca, banana, milho, mamão e laranja, e destacando a pluriatividade das propriedades rurais percebeu-se que são produzidos queijos, produtos de panificação, mel, doces e compotas e peixes.

Quanto à característica econômica da propriedade rural, verificou-se que os agricultores familiares afirmam que ao menos uma das pessoas da família trabalha nas atividades da propriedade e os entrevistados têm ao menos um familiar que exerça outra atividade remunerada, evidenciando a dependência econômica dos agricultores familiares da propriedade rural, embora que os filhos dos agricultores não trabalham nas propriedades rurais. As condições de vida são boas em relação à moradia e alimentação e precária em relação à saúde.

Constatou-se que houve evolução na renda dos agricultores familiares, embora haja descontentamento em relação à condição de acesso ao crédito das políticas públicas. O mesmo descontentamento se dá em relação aos programas do governo.

Em relação ao sentido de pertencimento, o sentido relacional desses atores sociais está relacionado a fatores sentimentais, sociais e simbólicos, percebeu-se que os agricultores estão regularmente satisfeitos com a inserção social e com políticas públicas que envolvem associações, instituições e cooperativas. A agricultura familiar pode contribuir para o fomento da economia do município e criar possibilidades de desenvolvimento local por meio das relações de pertença dos atores sociais envolvidos na atividade agrícola.

Quanto ao objetivo deste estudo, constatou-se que há políticas públicas voltadas para a agricultura familiar no município de Rolim de Moura (RO) que buscam fomentar a economia, porém são insuficientes para impactar positivamente a condição de vida dos agricultores familiares.



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