PLANTAS INDICADORAS DE QUALIDADE AMBIENTAL EM AGROECOSSISTEMAS FAMILIARES DE COMUNIDADE DO ALTO SOLIMÕES, AMAZONAS



Anna Caroline dos Santos Moura1, Daniel Felipe de Oliveira Gentil2



1Mestre em Ciências Ambientais, docente da Secretaria de Estado de Educação e Desporto do Amazonas, SEDUC/AM, e-mail: anna.pce@gmail.com

2Doutor em Agronomia, docente da Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Amazonas, e-mail: dfgentil@ufam.edu.br



RESUMO

As plantas podem responder às alterações que ocorrem no meio em que vivem e, por isso, vem sendo usadas como indicadoras de qualidade ambiental. Levando isso em consideração, o presente estudo teve como objetivo verificar o saber dos moradores em relação a plantas indicadoras e identificar essas plantas nos agroecossistemas familiares da Comunidade de Santa Rita, Benjamin Constant, Amazonas. O método utilizado foi o estudo de caso único, abrangendo 20 famílias. As técnicas de obtenção de dados foram: formulário de entrevista, observação direta, diário de campo, análise de discurso, reunião com grupo focal, turnê-guiada e coleta botânica. O valor de consenso de uso (UCs), o nível de fidelidade (FL) e a prioridade de ordenamento (ROP) foram calculados na análise quantitativa das plantas indicadoras. Segundo os moradores, a qualidade do solo pode ser evidenciada por meio de respostas de plantas cultivadas ou espontâneas quanto à fertilidade, como a mandioca/macaxeira (Manihot esculenta) que pode indicar tanto “terra boa” como “terra fraca”. Os atributos da água correspondem essencialmente a sua aptidão ao consumo humano, estando “boa” pela presença de mureru (Pistia stratiotes) ou “ruim” pela proximidade de árvores de assacu (Hura crepitans). A qualidade da fauna pode ser revelada pela “presença de peixes”, que são atraídos pela frutificação do cipó mata-fome (Paullinia sp.) e da seringa (Hevea brasiliensis). O cedro (Cedrela odorata), como indicador de “mata virgem”, reflete a qualidade da vegetação nativa. Em face do exposto, ficou patente que os moradores de Santa Rita conhecem o meio em que vivem e procuram conservar o ambiente em seus agroecossistemas familiares.



Palavras-chave: Etnobiologia; saber local; percepção ambiental.



ABSTRACT

Plants can respond to changes that occur in the environment in which they live and, therefore, have been used as indicators of environmental quality. Taking this into account, the present study aimed to verify the knowledge of residents in relation to indicator plants and to identify these plants in the family agroecosystems of the Community of Santa Rita, Benjamin Constant, Amazonas. The method used was a single case study, covering 20 families. The techniques for obtaining data were: interview form, direct observation, field diary, discourse analysis, meeting with focus group, guided tour and botanical collection. The use consensus value (UCs), fidelity level (FL) and ranking order priority (ROP) were calculated in the quantitative analysis of the indicator plants. According to residents, the quality of the soil can be evidenced by responses from cultivated or spontaneous plants regarding fertility, such Manihot esculenta, which can indicate both “good soil” and “weak soil”. The attributes of water correspond essentially to its aptitude for human consumption, being "good" by the presence of Pistia stratiotes or "bad" by the proximity of Hura crepitans. The quality of the fauna can be revealed by the “presence of fish”, which are attracted by the fruiting of the Paullinia sp. and Hevea brasiliensis. The Cedrela odorata, as an indicator of “virgin forest”, reflects the quality of native vegetation. In view of the above, it was clear that the residents of Santa Rita know the environment in which they live and seek to conserve the environment in their family agro-ecosystems.



Keywords: Ethnobiology; local knowledge; environmental perception.



INTRODUÇÃO

A qualidade do ambiente pode ser mensurada por meio de indicadores — variáveis qualitativas ou quantitativas que podem ser analisadas, tratando fundamentalmente de informações que permitem o acompanhamento dinâmico da realidade (ARAÚJO e MONTEIRO, 2007; PNIA, 2014). Entre os indicadores ambientais estão os biológicos, que são organismos vivos cujas funções vitais se correlacionam estreitamente a determinados fatores ambientais (BASTOS et al., 2006; ARAÚJO e MONTEIRO, 2007).

Os indicadores biológicos, também denominados bioindicadores, são fontes de reações a fatores bióticos e abióticos, relacionados a alterações ecológicas do ambiente (HAHN-VONHESSBERG et al., 2009; PARMAR et al., 2016). Ou seja, informam sobre ocorrência de mudanças ambientais por meio de microrganismos, animais ou vegetais, passíveis de modificações em suas funções vitais ou composição química, sendo uma técnica acessível, de baixo custo e de fácil execução (ZABEH et al., 2005; NUNES e VIDAL, 2009).

As plantas podem responder às alterações que ocorrem no ambiente em que vivem. Quando essas mudanças excedem o alcance de sua adaptação ou se tornam limitantes a sua sobrevivência, elas desenvolvem mecanismos de respostas e expressam anormalidades morfológicas, podendo ser usados como indicadores de riscos ambientais (JOANNA, 2006).

As plantas podem ser usadas para indicar a qualidade do ar, da água e do solo. Plantas indicadoras de baixa qualidade do ar manifestam sintomas visuais, principalmente por meio da perda da coloração verde das folhas; por exemplo, Sorghum bicolor (L.) Moench é uma espécie que apresenta sensibilidade ao herbicida clomazone na fase de vapor (SCHREIBER et al., 2013). Na Amazônia, macrófitas aquáticas podem indicar a qualidade da água, pois algumas se desenvolvem em grande quantidade em rios ricos em nutrientes e com pH neutro; porém, em águas com poucos nutrientes e ácidas, a riqueza populacional é menor, como em Pistia stratiotes L. e Salvinia auriculata Aubl. (LOPES et al., 2015). A qualidade do solo pode ser indicada por plantas mais adaptadas a determinadas condições (umidade, temperatura, pH, salinidade e fertilidade), como as espécies espontâneas Portulaca oleracea L. e Commelina erecta L., que denotam solos férteis (COSTA et al., 2011; TAMIOZZO et al., 2012; JUNQUEIRA et al., 2013).

Além de indicar a qualidade ambiental de agroecossistemas, as plantas podem representar os diferentes ecossistemas amazônicos com base no saber dos habitantes da localidade, pois a população ribeirinha que vive nas áreas de várzea possui um vasto conhecimento acumulado quanto ao uso de espécies vegetais encontradas nesses ambientes (SANTOS e FERREIRA, 2012).

O saber local leva em conta a experiência de um grupo adquirida no seu cotidiano. Este saber é útil para a sobrevivência dos seres humanos frente às adversidades impostas pelo ambiente (SILVA e MELO NETO, 2015). É transmitido de geração em geração por meio de linguagem falada, gestos e atitudes, sendo também transformado à medida que sofrem influências externas e internas (GONDIM e MÓL, 2008). Portanto, é preciso valorizar esse saber local, pois quando esse conhecimento é perdido, se torna irrecuperável.

Diante do exposto, pretende-se compartilhar o conhecimento sobre plantas indicadoras dos agroecossistemas familiares da Comunidade de Santa Rita, Benjamin Constant, Amazonas. Os objetivos deste trabalho foram: verificar o saber dos moradores em relação a plantas indicadoras de qualidade ambiental nos agroecossistemas familiares; e identificar as plantas indicadoras de qualidade ambiental na comunidade.



METODOLOGIA

O estudo foi realizado na localidade denominada Comunidade de Santa Rita, situada à margem direita do Rio Solimões e distante 5,3 Km da sede do município de Benjamin Constant, Amazonas, com população de 200 pessoas distribuídas em 32 famílias, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Saúde, realizado em janeiro de 2018.

O município localiza-se na microrregião do Alto Solimões, mesorregião do sudoeste do Amazonas, fazendo fronteira com Colômbia e Peru. Tem população estimada em 42.948 habitantes, com espaço territorial de 8.695,392 km² (IBGE, 2020). Nessa microrregião e ao longo do Rio Solimões, destacam-se duas principais unidades geomorfológicas: terra firme – áreas que não sofrem inundações; e várzeas – planícies aluviais que margeiam os rios de águas brancas e sujeitas a inundações sazonais, recebendo sedimentos que as fertilizam, apresentando altos teores de silte e areia fina, e elevados valores de capacidade de troca de cátions e de cátions trocáveis, Ca2+, Mg2+ e, em alguns casos, Na+ e Al3+ (LIMA et al., 2006).

É importante enfatizar que os moradores de Santa Rita possuem suas moradias e roças (cultivos temporários) no ambiente de várzea, sujeitas às mudanças ocasionadas pelo regime fluvial ao longo do ano, com quatro estações que regulam o calendário agrícola: a enchente (subida das águas), a cheia (nível máximo das águas), a vazante (descida das águas) e a seca (nível mais baixo das águas). Há também ambiente de terra firme, onde estão as casas de farinha, os sítios de árvores frutíferas e parte da vegetação nativa.

A pesquisa de campo foi realizada semanalmente entre dezembro de 2017 e março de 2018. O contato inicial na localidade ocorreu por meio dos representantes reconhecidos pelos moradores — presidente e vice-presidente da comunidade, sendo que o segundo atua também como agente de saúde. Como observância aos critérios éticos para pesquisa com seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), obtendo parecer de aprovação N°. 2.485.495 e registro CAAE N°. 79980817.1.0000.5020.

A amostragem foi a não probabilística nominada “bola de neve”, que utiliza cadeias de referência, na qual cada participante é indicado pelo anterior (VINUTO, 2014). O tamanho da amostra foi definido a partir da “saturação”, quando os dados obtidos passaram a apresentar repetição, tornando irrelevante persistir na coleta (FONTANELLA et al., 2008), o que ocorreu ao totalizar 20 famílias, sendo elas de composição nuclear e extensas (NODA et al., 2007). Não foi possível realizar entrevistas individuais, pois ao adentrar nas residências, sempre havia vários integrantes das famílias, sendo facultada a participação de todos os presentes.

O método utilizado foi o estudo de caso único, que visa estudar um conjunto contemporâneo de acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle, fazendo uma análise qualitativa dos dados e permitindo, de igual maneira, que seja realizada uma análise quantitativa (YIN, 2015). As técnicas de obtenção de dados foram: formulário de entrevista; observação direta; diário de campo; análise de discurso; reunião com grupo focal; turnê-guiada; e coleta botânica (ALBUQUERQUE et al., 2010).

Os dados das entrevistas, observações diretas, anotações do diário de campo e análise dos discursos contribuíram para a formulação de etnocategorias e de conceitos apresentados neste trabalho. Nas reuniões com grupos focais, compostos por adultos (homens e mulheres) que participaram das etapas anteriores, foram validados os dados das entrevistas, observações diretas e anotações do diário de campo.

Após as reuniões com grupos focais, foram realizadas as turnês-guiadas com os moradores pelos agroecossistemas familiares e áreas de mata da comunidade, aplicando concomitantemente as técnicas de anotações em diário de campo e coletas botânicas. O material vegetal coletado foi montado em exsicatas, visando posterior herborização e identificação botânica, contando com o auxílio de especialistas do Instituto de Natureza e Cultura (INC) da UFAM.

Na análise quantitativa das plantas indicadoras, foram utilizadas as equações abaixo:

UCs = (2 ns n-1) – 1, onde:

ns = número de informantes que usam a espécie s.

n = número total de informantes.



FL = (Ip 100) Iu-1, onde:

Ip = número de informantes que sugerem o uso de uma determinada espécie para um uso principal. No caso deste estudo, o uso principal foi o emprego da espécie como indicadora.

Iu = número total de informantes que citaram a espécie para qualquer uso.



ROP = FL x RP, onde:

FL = nível de fidelidade.

RP = popularidade relativa, sendo a razão do número de informantes que citaram uma dada espécie pelo número de informantes que citaram a espécie mais citada.



RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os moradores da Comunidade de Santa Rita relacionaram 78 espécies vegetais, que foram agrupadas em seis etnocategorias de qualidade ambiental, conforme a característica que representavam. As etnocategorias foram elaboradas na tentativa de agrupar as informações semelhantes, embora expressadas de formas diferentes nos discursos, sendo: terra boa, terra fraca, água boa, água ruim, presença de peixes e mata virgem.

Em relação às plantas indicadoras de terra boa (Tabela 1), o entendimento envolveu exigências quanto à fertilidade do solo para o cultivo dessas espécies, como abacate (Persea americana Mill.), abacaxi [Ananas comosus (L.) Merr.], açaí (Euterpe oleracea Mart.), banana (Musa spp.), batata ou cará-roxo (Dioscorea trifida L.f.), cacau (Theobroma cacao L.), café (Coffea canephora Pierre ex A.Froehner), cajá (Spondias mombin Jacq.), caju (Anacardium occidentale L.), cana (Saccharum officinarum L.), coco (Cocos nucifera L.), cubiu (Solanum sessiliflorum M.F.Dun.), cuia (Crescentia cujete L.), cupuaçu [Theobroma grandiflorum (Willd. ex Sprengel) Schumann], goiaba (Psidium guajava L.), graviola (Annona muricata L.), jambo [Syzygium jambos (L.) Alston], limão [Citrus latifolia (Tanaka ex Yu.Tanaka) Tanaka], mamão (Carica papaya L.), mandioca/macaxeira (Manihot esculenta Crantz), mapati (Pourouma cecropiifolia Mart.), maxixe (Cucumis anguria L.) e tomate (Solanum lycopersicum L.).

Em Santa Rita, existem plantas que inicialmente são cultivadas pelos moradores e depois passam a ter ocorrência espontânea, como caapeba (Piper peltatum L.), castanha-de-galinha (Couroupita guianensis Aubl.), cravo-de-defunto (Tagetes erecta L.), jambu [Acmella oleracea (L.) R.K.Jansen], mastruz (Chenopodium ambrosioides Hance) e mucuracaá (Petiveria alliacea L.). Por isso, são utilizadas como indicadoras de terra boa. As espécies caapeba, cravo-de-defunto, jambu, matruz e mucuracaá são usadas na elaboração de xaropes, chás e banhos para tratar diferentes tipos de enfermidades. A castanha-de-galinha é consumida somente por dois entrevistados, sendo geralmente empregada na alimentação de aves.

Algumas plantas de ocorrência exclusivamente espontânea também são indicadoras de terra boa, como embaúba-branca (Cecropia concolor Willd.), jurema (Mimosa sp.), lacre-branco [Vismia cayennensis (Jacq.) Persoon] e mata-pasto [Senna alata (L.) Roxb.]. Segundo os moradores, a embaúba-branca e o lacre-branco germinam em áreas de pousio e, quando as árvores estão grandes e viçosas, indicam que as mesmas poderão ser usadas novamente para cultivos. A jurema e mata-pasto nascem na várzea após a descida das águas, indicando que a terra está fértil.

As plantas cultivadas podem indicar terra fraca (Tabela 1), por meio de sintomas de deficiências nutricionais e/ou declínio produtivo, com o passar dos anos de cultivo na mesma área, como abacaxi, banana, mandioca/macaxeira e manga (Mangifera indica L.). Os moradores da comunidade destacaram que essas manifestações evidenciam as alterações que estão ocorrendo naquele ambiente.

Uma planta indicadora de terra fraca, inicialmente cultivada e com ocorrência espontânea posterior, é o pião-roxo (Jatropha gossypiifolia L.), que é empregado na elaboração de banhos e emplastos medicinais. As espécies balseira ou pau-de-balsa [Ochroma pyramidale (Cav.) Urban], capim barba-de-bode (Cyperus esculentus L.), capim murim (Paspalum fasciculatum Willd. ex Flüggé), capim navalha (Paspalum virgatum L.), capim pacoã (Paspalum conjugatum P.J.Bergius) e carrapicho (Triumfetta sp.) germinam espontaneamente em terra firme, quando a terra está pobre em nutrientes.



Tabela 1 – Espécies indicadoras de qualidade ambiental e valor de consenso de uso (UCs), conforme moradores da Comunidade de Santa Rita, Benjamin Constant, AM.

Nomes vulgares

Etnocategorias de qualidade ambiental

UCs

Abacate, abacaxi, açaí, banana, batata, cana, castanha-de-galinha, cravo-de-defunto, coco, cubiu, cupuaçu, mamão, mapati, mata-pasto

Terra boa

0,10

Cajá, caju, jambo, embaúba-branca, lacre-branco, limão, mastruz, maxixe, mucuracaá e tomate

Terra boa

0,42

Caapeba, cacau, café, cuia, goiaba, graviola, jambu, jurema e mandioca/macaxeira

Terra boa

0,52

Abacaxi, bauceira, capim barba-de-bode, capim murim, capim navalha, capim pacoã, carrapicho e pião-roxo

Terra fraca

0,10

Banana e manga

Terra fraca

0,21

Mandioca/macaxeira

Terra fraca

1,00

Mureru

Água boa

0,42

Assacu

Água ruim

0,84

Marirana e tâmara

Presença de peixes

0,10

Caferana, piriquiteira e velame

Presença de peixes

0,31

Anelina

Presença de peixes

0,42

Camu-camu

Presença de peixes

0,52

Mata-fome

Presença de peixes

0,63

Seringa

Presença de peixes

0,95

Abiorana, angelim, buriti, cumaru, cupuaçu, ingá, macambo, marirana, maubarana, mulateiro, munguba, murapiranga, pupunha, seringa, tucumã e ucuúba

Mata virgem

0,10

Abacatirana, bacaba e capinuri

Mata virgem

0,21

Açaí, castanha-do-pará, copaíba, matá-matá e sumaúma

Mata virgem

0,31

Castanha-de-paca, cupiúba e louro

Mata virgem

0,42

Jacareúba

Mata virgem

0,52

Andiroba

Mata virgem

0,73

Cedro

Mata virgem

1,00



Morán (1977), apud Morán (1990), realizou trabalho na Transamazônica com plantas indicadoras de terra boa e de terra fraca, sendo as espécies de terra boa: pau-d’arco ou ipê-amarelo [Handroanthus serratifolius (Vahl) S.O.Grose], pau-d’arco ou ipê-roxo (Tabebuia sp.), faveira (Piptadenia sp.), mororó (Bauhinia sp.), maxarimbé (Emmotum sp.), babaçu (Attalea speciosa Mart.) e açaí (Euterpe oleracea). As indicadoras de terra fraca: acapu (Vouacapoua americana Aubl.), jarana [Lecythis lurida (Miers) S.A.Mori], sumaúma [Ceiba pentandra (L.) Gaertn.], melancieira (Alexa grandiflora Ducke), sapucaia (Lecythis pisonis Cambess.), piqui (Caryocar microcarpum Ducke), caju-açu (Anacardium giganteum Hancock ex Engl.) e massaranduba [Manilkara huberi (Ducke) Standl.]. Ao observar as espécies citadas pelos informantes de Santa Rita como indicadoras de terra boa, a única que consta no estudo realizado por Morán é o açaí.

Santos (2006), em pesquisa com agricultores da localidade São João do Município de Marapanim-PA, constatou como espécies indicadoras de terra boa: embaúba (Cecropia palmata Willd.), lacre [Vismia guianensis (Aubl.) DC.], ingá (Inga sp.), jurubeba (Solanum crinitum Lam.), maravuvuia/marmeleiro (Croton matourensis Aubl.), caferana/cafezinho (Lacistema pubescens Mart.), tapiririca (Tapirira guianensis Aubl.), sapucaia (Lecythis pisonis), maria-mole (Senna alata), maria-preta [Varronia multispicata (Cham.) A. Borhidi], loro/louro [Ocotea glomerata (Nees) Mez] e jarana (Lecythis lurida). As indicadoras de terra fraca: vassourinha-de-botão [Myrciaria tenella (DC.) O. Berg], capim estrepe (Imperata brasiliensis Trin.), palheira [Attalea maripa (Aubl.) Mart.], murta [Plinia rivularis (Camb.) A. D. Rotman], aracapuri (Pouteria sp.), sororoca [Myrcia sylvatica (G. Meyer) DC.] e mandioca (Manihot sp.). Ao comparar as espécies citadas em São João de Marapanim com as mencionadas pelos agricultores de Santa Rita de Benjamin Constant, pode-se notar que as indicadoras de terra boa embaúba e lacre se assemelham, em nível de gênero, à embaúba-branca (Cecropia concolor) e ao lacre-branco (Vismia cayennensis), respectivamente, sendo que a maria-mole ou mata-pasto (Senna alata) foi comum às duas comunidades. Em relação à terra fraca, somente a mandioca/macaxeira foi semelhante.

Plantas indicadoras de qualidade ambiental são aquelas que respondem às mudanças do ambiente por meio do crescimento, capacidade de reprodução, abundância, declínio, desaparecimento ou ausência, sendo usadas como ferramentas muito sensíveis para predição e reconhecimento de estresses ambientais (PARMAR et al., 2016).

Para a maioria dos informantes de Santa Rita, a mandioca/macaxeira pode indicar terra boa (UCs = 0,52), como também terra fraca (UCs = 1,00). É provável que os maiores valores de consenso de uso (UCs) obtidos estejam relacionados ao fato da macaxeira/mandioca ser componente importante na dieta alimentar dos moradores. Quando a terra está boa, a mandioca/macaxeira se desenvolve bem, tendo como resultado raízes maiores e mais grossas, com boa colheita e melhor rendimento na produção de seus derivados. Por outro lado, quando a terra está fraca, ela fica “mirrada”, com folhas amareladas, raízes menores e rendimento mais baixo. Isto pode ser verificado no discurso de A.S.B. (42 anos): “Quando a terra é boa, a mandioca cresce bonita. Se a mandioca dá bonita, rende na farinha. Quando a mandioca estraga, é porque a terra está fraca, cansada. É a mandioca que mostra que a terra está fraca”.

Na Comunidade, a qualidade da água é normalmente observada pela cor e pelo cheiro. No período de seca, não se consome a água procedente do rio por ficar muito barrenta e nem a do igarapé, pois fica “parada”, com coloração escura e cheiro forte de decomposição, devido às folhas que caem das árvores e de outros restos vegetais. Neste período, os moradores somente têm acesso à água das chuvas, que também ficam escassas. O relato de D.M.M. (58 anos) informa sobre a qualidade da água disponível na comunidade: “Água aqui já foi farta. Agora a gente puxa do rio com a bomba-sapo ou então pega da chuva. Quando não chove, a gente põe cloro na água para tratar e tomar. Só assim dá para usar. Quando o rio seca, as plantas morrem e deixam a água ruim. Eu sei que a água está boa para beber pela cor e pelo cheiro”.

No entendimento dos moradores, a planta que indica água boa é o mureru (Pistia stratiotes) (UCs = 0,42) (Tabela 1). Eles relataram que o mureru cresce em lagos e igarapés que têm água limpa e contribui com a purificação do ambiente onde ocorre. O mureru faz parte do grupo das macrófitas aquáticas, que absorvem e estocam nutrientes e metais em suspensão, principalmente em suas raízes (ESTEVES e CAMARGO, 1986). Em estudos realizados por foram constatadas acentuadas reduções de nutrientes, matéria orgânica e inorgânica, metais pesados e bactérias de poluição fecal, após a passagem de efluentes por área com macrófitas [P. stratiotes, Eichhornia crassipes (Mart.) Solms e Typha sp.] (OTTOSON et al., 2005; ALMEIDA e ALMEIDA, 2006; PINTO et al., 2009; SANTOS e CAMARGO, 2015; ASSUNÇÃO et al., 2017).

O assacu (Hura crepitans L.) foi mencionado como planta indicadora de água ruim (UCs = 0,84) (Tabela 1), pois, quando suas folhas caem na água, ela se torna de coloração escura e sabor desagradável que “parece veneno”. Por isso, nos locais onde há essa árvore, eles não utilizam a água. Ademais, o látex liberado pela árvore causa irritação e coceira intensa, quando em contato com a pele. Segundo Lima et al. (1995), o assacu apresenta látex distribuído em toda planta, principalmente na casca. O contato com o látex provoca irritação na pele e no globo ocular. Quando ingerido, a sintomatologia mais comum é dor no estômago, diarreia e febre. Martins et al. (2005) ressaltaram que o látex puro quando aplicado em doses de 6g/50kg de peso do animal, aproximadamente, causa a morte.

Outra etnocategoria de qualidade ambiental destacada pelos moradores foi a presença de peixes (Tabela 1). Para eles, quando o rio, lago ou igarapé estão conservados, há diversidade de espécies e abundância de pescado, pois os peixes se alimentam de frutos/sementes de plantas localizadas nas margens dos cursos d’água. Além disso, frutos/sementes contribuem para identificar a presença ou ausência de peixes no local. O discurso de G.S.B. (46 anos) retrata esse contexto: “Plantas que indicam a presença de peixe, eu conheço a seringa e o taquari. No sol quente, todas estralam e caem; fica um monte de peixe embaixo comendo. Quando não tem peixe na água, ficam as frutas na água boiando, mas quando têm os peixes, pode jogar malhadeira que vem um monte”.

A espécie mais citada pelos moradores foi a seringa [Hevea brasiliensis (Willd. ex A.Juss.) Müll.Arg.] (UCs = 0,95), que é consumida principalmente por peixes de grande porte, como o tambaqui [Colossoma macropomum (Cuvier, 1816)]. Além disso, outras plantas foram mencionadas como indicadoras de presença de peixes, como anelina (Picramnia sp.), caferana (Casearia sp.), camu-camu [Myrciaria dubia (Kunth) Mc Vaugh], marirana (Couepia subcordata Benth. ex Hook.fil.), mata-fome (Paullinia sp.), piriquiteira [Cochlospermum orinocense (Kunth) Steud.], tamara (Crataeva benthamii Eichler) e velame (Alchornea sp.). Os pescadores aproveitam o momento de alimentação dos peixes para realizar a pesca com mais facilidade.

Em trabalho realizado por Claro-Jr. et al. (2004) foi verificado que os alimentos de origem vegetal consumidos por peixes amazônicos foram sementes de embaúba (Cecropia sp.), munguba [Pseudobombax munguba (Mart. & Zucc.) Dugand], Vitex sp., Ilex sp. e Macrolobium sp., espécies típicas de floresta de várzea. Gomes et al. (2015) relacionaram nove espécies arbóreas da várzea e igapó para plantio na beira de corpos d’água (açudes, lagos e igarapés), que suportam inundação pela enchente anual, têm frutos ou sementes relativamente ricos em proteínas e são apreciados por tambaqui, matrinxã [Brycon cephalus (Günther, 1869)] e tartaruga [Podocnemis expansa (Schweigger, 1812)]: socoró (Mouriri guianensis Aubl.), puruí-preto (Duroia duckei Huber), taquari (Mabea taquari Aubl.), jenipapo (Genipa americana L.), murici-amarelo-do-igapó (Byrsonima sp.), capitari [Handroanthus barbatus (E.Mey.) Mattos], caçari-arbóreo (Myrciaria sp.), catoré (Crataeva tapia L.) e caimbé (Sorocea duckei Burger).

Para os moradores de Santa Rita, a conservação da mata virgem, contribui para o fornecimento de frutos utilizados na alimentação humana e animal, e madeira para a construção de moradias e meio de transporte (canoa). Desse modo, os moradores mantêm com a mata uma relação de interdependência, pois necessitam de seus recursos para a sua sobrevivência e, por isso, buscam a sua conservação. Lira e Chaves (2016) descrevem que nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, prevalece uma relação de respeito entre homem-natureza, tendo em vista que os ribeirinhos não dissociam o homem da natureza, o que permite o manejo do ambiente sem a degradação dos recursos naturais, possibilitando uma gestão sustentável dos recursos naturais a partir do etnoconhecimento.

Essa relação do homem com o ambiente foi observada a partir do contato com os informantes. Eles relataram que na comunidade há uma prática entre eles de que para cada árvore tirada da mata para qualquer finalidade, tem que ser plantada, no mínimo, uma da mesma espécie para que não acabe esse recurso. Na fala de J.N.B. (37 anos) é notória essa relação: “Mata virgem é uma terra que nunca ninguém usou e nunca plantou. As árvores estão grossas e grandes. Tem muitos animais para caçar e é mais fácil de caçar. Quando derruba as árvores tudo some; somem os animais e a gente fica sem madeira. Tem muitas frutas na mata que os animais vêm para comer e a gente também come. A gente sempre planta as árvores para não deixar acabar”.

Houve maior consenso entre os informantes sobre o cedro (Cedrela odorata Blanco) (UCs = 1,0) em ser indicador de mata virgem (Tabela 1). Além disso, juntamente com a mandioca/macaxeira, essa espécie recebeu o maior valor entre as citadas nas etnocategorias de qualidade ambiental. O cedro é utilizado na comunidade para a construção de moradias e canoas, sendo considerada madeira resistente e que está ficando difícil de ser encontrada.

Os moradores disseram que, no início da década de 2000, ocorreu um incêndio numa parte da mata da comunidade e que muitas árvores conseguiram sobreviver, porém outras morreram. Houve uma rápida recuperação da área afetada com o crescimento de novas árvores, a partir do início do período das chuvas. Essa recuperação da área degradada pode ser devido às sementes que ficaram no solo. Monaco et al. (2003) observaram que a regeneração de áreas desmatadas provêm de quatro fontes básicas: o rebroto de partes da planta restante, a regeneração avançada (banco de plântulas), o banco de sementes e a chuva de sementes (dispersão).

Como indicadoras de mata virgem, foram citadas também as espécies: abacatirana (Ocotea glomerata), abiorana [Pouteria caimito (Ruiz & Pav.) Radlk.], açaí (Euterpe oleracea), andiroba (Carapa guianensis Aubl.), angelim (Andira nitida Benth.), bacaba (Oenocarpus mapora H.Karst.), buriti (Mauritia flexuosa L.f.), capinuri [Pseudolmedia laevis (Ruiz & Pav.) Macbride], castanha-de-paca [Scleronema micranthum (Ducke) Ducke], castanha-do-pará (Bertholletia excelsa Bonpl.), copaíba (Copaifera langsdorffii Desf.), cumaru [Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.], cupiúba (Goupia glabra Aubl.), cupuaçu (Theobroma grandiflorum), ingá (Inga edulis Mart.), jacareúba (Calophyllum brasiliense Camb.), louro (Nectandra sp.), macambo (Theobroma bicolor Humb. & Bonpl.), marirana (Couepia subcordata), matá-matá [Eschweilera coriácea (DC.) S.A.Mori], maubarana (Vochysia máxima Ducke), mulateiro [Calycophyllum spruceanum (Benth.) Hook.f. ex K.Schum.], munguba (Pseudobombax munguba), murapiranga (Eperua schomburgkiana Benth.), pupunha (Bactris gasipaes Kunth), seringa (Hevea brasiliensis), sumaúma (Ceiba pentandra), tucumã (Astrocaryum aculeatum G.Mey.) e ucuúba [Virola surinamensis (Rolander) Warb.].

Segundo Morán (1990), “o uso de recursos pela população da Amazônia reflete não só sua adaptação à natureza, mas também esforços para superar limitações pela modificação ambiental”. Em Santa Rita, os moradores tentam conservar e enriquecer a “mata virgem”, com espécies que poderão ser usadas para finalidades diversas, como: a) alimentação humana: açaí, bacaba, buriti, castanha-do-pará, cupuaçu, ingá, macambo, marirana, pupunha e tucumã; b) alimentação animal: marirana e munguba; c) medicinal: andiroba, copaíba e mulateiro; e d) construção: abacatirana, abiorana, angelim, capinuri, castanha-de-paca, cedro, cumaru, cupiúba, jacareúba, louro, matá-matá, maubarana, murapiranga, seringa, sumaúma e ucuúba. Logo, os moradores procuram manejar a vegetação nativa de modo a promover qualidade ambiental.

A ocorrência de palmeiras na mata também indica processo de antropização, pois as palmeiras são indicadoras de sítios arqueológicos e/ou evidenciam a presença de humanos na área (MORÁN, 1990). As espécies desse grupo de plantas ainda têm importante contribuição na recolonização e sucessão natural de áreas antropizadas (SALOMÃO et al., 2007).

O nível de fidelidade (FL) e a prioridade de ordenamento (ROP) foram calculados para as 78 espécies botânicas citadas pelos moradores, dentro das seis etnocategorias de qualidade ambiental. Mas, somente foram apresentadas aquelas que obtiveram os maiores valores nesses índices, em cada etnocategoria (Tabela 2).



Tabela 2 – Nível de fidelidade (FL) e prioridade de ordenamento (ROP) para as espécies mais citadas como indicadoras de qualidade ambiental por moradores da Comunidade de Santa Rita, Benjamin Constant, AM.

Etnocategorias de qualidade ambiental

Espécies indicadoras

FL

ROP

Terra boa

Goiaba

86

78

Terra fraca

Capim murim

75

50

Água boa

Mureru

100

100

Água ruim

Assacu

100

100

Presença de peixes

Mata-fome

88

60

Mata virgem

Cedro

90

80



A goiaba (Psidium guajava) foi a principal indicadora de terra boa (Tabela 2). Para os moradores de Santa Rita, uma terra boa é solta, apresenta coloração escura e ocorrência espontânea de algumas plantas, como a goiaba, já que “a semente fica na terra” para geminar quando a terra firme fica em pousio ou após a enchente na várzea. Porém, relataram desconhecer como as sementes dessa e de outras espécies estão presentes naquele local, sendo levantadas suposições de que são trazidas por animais ou pela água do rio, ficando ali até a germinação. Esse etnoconhecimento está relacionado ao conceito de banco de sementes apresentado por Schorn et al. (2013), consistindo em todas as sementes viáveis mantidas no solo ou associadas à serrapilheira, podendo ser transitório, com sementes que germinam dentro de um ano após o início da dispersão, ou persistente, com sementes que permanecem no solo por mais de um ano. As sementes que constituem esse banco podem ser tanto as produzidas na área quanto aquelas transportadas de outros locais.

O capim murim (Paspalum fasciculatum) se destacou como indicador de terra fraca (Tabela 2). Essa espécie ocorre, principalmente, em ecossistema de várzea, sendo raramente encontrada na terra firme e, quando ocorre, é em locais próximos a cursos d’água. O discurso de A.S.B. (42 anos) descreveu o comportamento da planta: “O capim murim não morre na alagação. Quando a água sobe ele fica em baixo só os talos mesmo, parece que morreu, mas quando a água desce, as folhas aparecem de novo e ele fica verdinho”.

Com a subida do nível do rio, segundo Conserva e Piedade (2001), as folhas submersas do capim murim apodrecem e há formação de raízes adventícias como estratégia de adaptação ao período de enchente, retomando o seu crescimento após a descida das águas. Conserva e Piedade (2001) reiteraram que o capim murim é resistente a flutuações anuais do nível do rio, cujos talos possuem dormência e grande tolerância a anos subsequentes de inundação, com capacidade de suportar mudanças bruscas do ambiente e apresentando alta adaptabilidade ao ecossistema de várzea.

Os moradores observam a ocorrência dessa espécie em áreas utilizadas para roças, quando a terra está cansada. O capim murim tem crescimento rápido e se não houver um controle, toda área fica tomada por ele em pouco tempo. No estudo realizado por Galvão (2011), em quatro municípios do Amazonas, foi constatado que espécies do gênero Paspalum são indicadoras de degradação de pastagens, havendo aumento no seu crescimento nesses locais.

O mureru (Pistia stratiotes) se sobressaiu como indicadora de água boa (Tabela 2). Conforme relatos dos moradores, quando há muito mureru em lagos ou igarapés, a água fica limpa e pode ser consumida. No estudo realizado por Coelho (2017), as macrófitas Eichhornia crassipes e P. stratiotes mostraram-se eficientes na redução da concentração de nitrogênio e fósforo, os principais responsáveis pela eutrofização da água. Ferreira (2014) também destacou que as macrófitas aquáticas (Salvinia sp. e P. stratiotes) têm sido empregadas para processos de remediação ambiental, pois são eficazes na remoção de substâncias toxicas do ambiente.

O assacu (Hura crepitans) foi considerado indicador de água ruim (Tabela 2). Os moradores citaram que, quando caem frutos, sementes, folhas ou látex na água, a mesma fica envenenada; por isso, eles não bebem água de locais onde há essa espécie nas proximidades. Estudos já constataram que o contato com o látex de assacu pode causar problemas oftalmológicos, edemas e morte, devido à grande quantidade da toxoalbumina creptina (LIMA et al., 1995; MARTINS et al., 2005).

A espécie considerada indicadora da presença de peixes é o mata-fome (Paullinia sp.) (Tabela 2), um cipó que nasce às margens de lagos e igarapés e produz frutos que servem de alimento para peixes, favorecendo a pesca. Os moradores de Santa Rita demonstraram em seus relatos conhecerem os peixes e os frutos/sementes dos quais eles se alimentam, como também o período de frutificação das espécies. Isso contribui para que as atividades de pesca obtenham melhores resultados. Esse aspecto também foi observado por Braga e Rebêlo (2014) sobre o conhecimento de pescadores relacionado ao período de “maior fartura”, que se estende desde a enchente (novembro) até o início da vazante (maio-junho), devido à grande quantidade de frutos e sementes encontrados na floresta inundada.

Os peixes amazônicos dispõem de significativa diversidade de alimentos que fazem parte de sua dieta. As florestas de igapó e de várzea contribuem com considerável biomassa de frutos e sementes, que são fontes naturais de nutrientes e energia para peixes. No estudo de Silva et al. (2003) foi observado que, pelo menos, 133 espécies vegetais produzem frutos e sementes consumidos por peixes durante a enchente dos rios.

A espécie que mais se destacou como indicadora de mata virgem foi o cedro (Cedrela odorata) (Tabela 2). Os moradores disseram que era muito abundante em áreas de mata da comunidade, mas que com a procura constante pela madeira, tem diminuído a sua disponibilidade. Nos últimos anos, para reduzir a escassez da espécie na mata da comunidade, os moradores têm adotado a prática de plantar uma muda para cada árvore derrubada. Porém, há aqueles que plantam mais de uma e os que não fazem a sua parte. Essa iniciativa realizada pelos moradores está relacionada ao manejo florestal sustentável que, segundo Carvalho (2017), contribui para manter o fluxo de bens e serviços e de espécies florestais que os garantem, reduzindo os impactos por sua exploração. De acordo com Noda et al. (2007), as formas de produção praticadas pelos agricultores tradicionais familiares apresentam níveis de sustentabilidade socioambiental e de suficiência alimentar evidenciadas pela capacidade de manter grande parte da exuberante biodiversidade e a integralidade dos ecossistemas.

Os agricultores familiares da Amazônia, baseados nas práxis da agricultura e no saber adquirido com os seus antepassados, conseguem distinguir espécies que são adaptadas aos ambientes de várzea e de terra firme. Muitas vezes, espécies cultivadas e espontâneas podem evidenciar a qualidade do ambiente e, assim, ser usadas como indicadoras.



CONCLUSÕES

Os moradores da Comunidade de Santa Rita conhecem o meio em que vivem e conseguem identificar alterações que ocorrem no ambiente, quer sejam favoráveis ou desfavoráveis, por meio de recursos disponíveis na própria natureza, como plantas cultivadas ou espontâneas.

As plantas indicadoras podem auxiliar na avaliação da qualidade do solo, da água, da fauna e da vegetação nativa na comunidade. Entre as 78 espécies vegetais citadas, algumas podem ser destacadas conforme as etnocategorias de qualidade ambiental: terra boa — embaúba-branca (Cecropia concolor), jurema (Mimosa sp.), lacre-branco (Vismia cayennensis) e mata-pasto (Senna alata); terra fraca — capim murim (Paspalum fasciculatum); água boa — mureru (Pistia stratiotes); água ruim — assacu (Hura crepitans); presença de peixes — mata-fome (Paullinia sp.) e seringa (Hevea brasiliensis); mata virgem — cedro (Cedrela odorata).

Os moradores de Santa Rita procuram conservar o ambiente em seus agroecossistemas familiares. Esse comportamento pode servir de motivação à realização de ações de etnoconservação na comunidade.



AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Nixon Franco Rabelo e a Thaisa Nogueira de Moura (INC/UFAM) pela colaboração nas coletas e identificações botânicas.



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