POR UMA VISÃO EPISTEMOLÓGICA AMBIENTAL INTERDISCIPLINAR



Camila de Freitas Vieira – UFMS/IFMS1

André Kioshi da Silva Nakamura – IFMS2

Manoel Garcia de Oliveira – UFMS3

Ângela Maria Zanon – UFMS4

Suzete Rosana de Castro Wiziack – UFMS5



Assistente Social, Mestre em Estudo de Linguagens e Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail: camilabfreitasv@gmail.com.

2 Biólogo, Mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS), aluno especial do PPEC. E-mail: andre.nakamura@ifms.edu.br.

3 Químico, Mestre em Ciência Tecnologia Ambiental. Doutorando no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. E-mail: manoelquimica12@gmail.com.

4 Bióloga. Doutora em Ciências Biológicas (Zoologia), Professora do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - PPEC/UFMS. E-mail: zanon.ufms@gmail.com.



5 Bióloga. Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - PPEC/UFMS. E-mail: suzetew@gmail.com.

Resumo: O presente estudo tem como objetivo estabelecer reflexões sobre a interdisciplinaridade como uma prática da educação ambiental que favorece o questionamento dos paradigmas estabelecidos pela racionalidade econômica. A educação ambiental é discutida sob a ótica de uma concepção educativa crítica que busca a ressignificação e uma aproximação da natureza por meio de um olhar emancipatório em relação aos processos de construção de conhecimentos. Comprometida com a transformação e o desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões, a educação ambiental interdisciplinar postula que os conflitos socioambientais só poderão ser resolvidos a partir de um novo pensamento e de novas ações na relação entre a sociedade e a natureza, de forma a entender que a questões ambientais são parte da vida em sociedade. Para isso, tomamos como base da reflexão, a racionalidade ambiental proposta pelo teórico Enrique Leff (2002). 

Palavras-chave: Educação ambiental. Interdisciplinaridade. Epistemologia. Diálogo de saberes.



Abstract: The present study aims to establish reflections on interdisciplinarity as an environmental education practice that favors the questioning of the paradigms established by economic rationality. Environmental education is discussed from the perspective of a critical educational conception that seeks resignification and an approximation of nature through an emancipatory look in relation to the processes of knowledge construction. Committed to transformation and human development in its multiple dimensions, interdisciplinary environmental education postulates that socio-environmental conflicts can only be resolved based on new thinking and new actions in the relationship between society and nature, in order to understand that environmental issues are part of life in society. For this, we take as a basis for reflection, the environmental rationality proposed by the theorist Enrique Leff (2002).

Key-words: Environmental Education. Interdisciplinarity. Epistemology. Dialogue of knowledge.



1.Introdução

Em decorrência do avanço da globalização, a problemática ambiental com suas perceptíveis crises socioambientais, cada vez mais, tem feito parte das preocupações presentes nos mais variados setores da sociedade, que veem a vida humana e a de outras espécies concretamente ameaçadas pela degradação dos ambientes expostos à contaminação dos recursos hídricos, dos solos e do ar, ao retorno de doenças anteriormente consideradas dizimadas e à perda da qualidade de vida.

A educação ambiental é um tema importante e fundamental para rever a relação entre o humano e a natureza e visa contribuir para a construção de sociedade sustentável, socialmente justa e ambientalmente equilibrada. Com isso, os aspectos sociais que permeiam a sobrevivência dos indivíduos no planeta, exigem que os educadores ambientais coloquem em pauta o modo de vida da sociedade atual, uma vez que suas atitudes refletem diretamente na permanência e na qualidade de vida de todos os organismos, inclusive dos seres humanos. Conforme Tozzoni – Reis (2003, p. 05) “A educação Ambiental analisada em sua dimensão pedagógica, exige reflexões acerca da problemática e também acerca da educação”.

Entretanto, no que tange aos problemas ambientais, eles têm sido vistos sob um olhar antropocêntrico, em detrimento de questões sociais e ambientais. Loureiro (2014) mostra que, desde a década de 1960, o debate ambiental levanta algumas questões, tais como:

[...] o que é preciso produzir e consumir para sermos felizes? Qual é o meu direito em satisfazer certas necessidades culturais e simbólicas quando isso pode afetar a vida de outro? Qual é o direito que tenho de ver as demais espécies estritamente de modo utilitário? As outras espécies possuem direitos? Qual é o sentido da existência humana no planeta? Como produzir respeitando os ciclos naturais e satisfazendo as necessidades vitais humanas? (LOUREIRO, 2014 p.17-18)

Longe de figurarem enquanto perguntas retóricas, o que a sequência de interrogações do autor nos revela, é a importância de desestabilizar ideias comuns que culturalmente permeiam o modo como a sociedade tem utilizado os recursos naturais e os espaços naturais ou construídos. Assim, a forma como a sociedade se relaciona com a natureza e os organismos está no cerne dessa reflexão, na qual encontramos um terreno fecundo para um estudo interdisciplinar acerca dos processos de conscientização e de ações necessárias, a fim de se alcançar alternativas de sobrevivência humana mais sustentáveis.

De acordo com Loureiro et al (2009, p. 104), “o ambiente se constitui como um território comum. Contudo, é um território conflituoso, pois nele estão envolvidas relações de uso e apropriação material e de concorrência e dominação por formas culturais de existência”. Pensar a tríade – território, apropriação e dominação – na direção dos alertas empreendidos pelos pesquisadores, é, então, compreender que a ideia do que é comum precisa ser tomada em uma acepção mais democrática e responsável, uma vez que medidas disciplinares ou punitivas já não têm surtido o valor necessário para uma mudança efetiva nas relações socioambientais. Ainda, segundo os mesmos autores, esse

[...] debate ambiental vem para se discutir os estilos de vida e a estrutura social em um planeta pela primeira vez visto como limitado. Ou seja, só é possível sustentar certo padrão de vida para alguns em detrimento do péssimo padrão de vida para outros e com base no uso abusivo da natureza. (LOUREIRO et al, 2009).

Diante das transformações na sociedade, proporcionadas pelo avanço tecnológico e pela ciência, emergem, por outro lado, novas formas nas relações políticas da vida social, na economia, na cultura, nos costumes e na relação do indivíduo consigo mesmo, com o outro e com o mundo.

Nesse contexto social, as informações acontecem numa velocidade extrema e sem limite de fronteira geográfica, em um completo sistema de globalização. Surgem novas formas de trabalho, novas maneiras de viver e conviver que influenciam a economia, a política e a organização das sociedades, que exigem respostas ágeis, flexíveis e mecanismos mais interativos e participativos, os quais dialoguem com os grupos sociais em permanente transformação. Assim, nesse novo contexto surge a necessidade de uso das tecnologias como condição ao acesso à informação e ao mercado de trabalho, sobretudo como uma forma de inclusão social (OLIVEIRA, 2018).

Para que um outro olhar em relação à questão ambiental seja difundido na sociedade, é importante que esse tema ou conteúdo, pela sua abrangência, seja abordado de forma interdisciplinar no ambiente escolar e acadêmico, de modo a permitir uma possível e efetiva mudança cultural nos indivíduos em relação a todos aspectos subjacentes ao tema. A educação ambiental interdisciplinar é apontada como proposta para desenvolver e estimular competências e habilidades que levarão os sujeitos envolvidos a se sentirem pertencentes aos espaços em que vivem.

Nesse processo, entra o papel dos educadores ambientais, que para Tozzoni – Reis (2001, p. 42), [...] têm o papel de mediar a interação dos sujeitos com seu meio natural e social; para exercerem esse papel, conhecimentos vivos e concretos tornam-se instrumentos educativos.

Segundo Leff (2012), o caráter técnico e pragmático do projeto interdisciplinar deve ser ressignificado por um saber holístico, produzido por diversos tipos de conhecimentos, já que a crise ambiental é uma crise do conhecimento. Deve-se buscar um pensamento que compreenda a complexidade, ou seja, um saber ambiental, que segundo Leff, poderá estabelecer uma nova relação entre o ser e o saber. Isso significa que é necessário um “diálogo de saberes, no contexto de uma ecologia política, em que o que está em jogo é a apropriação social da natureza e a construção de um futuro sustentável” (LEFF, 2012).

Uma alternativa para se repensar o papel do indivíduo frente às crises ambientais recorrentes, nas quais estamos todos inseridos, em decorrência da expropriação da natureza, visando à acumulação do capital, é perceber o quanto as tradicionais formas de consumo ocasionam o esgotamento dos bens naturais, em detrimento da preservação de aspectos sociais e ambientais, levando o planeta a uma crise civilizatória sem precedentes, conforme disposto por Leff (2002):

A problemática ambiental --- a poluição e a degradação do meio, a crise de recursos naturais, energéticos e de alimentos – surgiu nas últimas décadas do século XX como uma crise de civilização, questionando a racionalidade econômica e tecnológica dominante. (LEFF, 2012 P, 61)

Tal problemática impõe grandes desafios à sociedade moderna, que está à procura de alternativas para escapar ou minimizar essa catástrofe ambiental. Para Layrargues (2009),

A crise ambiental trouxe novos desafios para as sociedades modernas, exigindo uma alteração no rumo civilizatório, e, na tentativa de escapar da catástrofe ambiental, os sistemas sociais vêm se adaptando à nova realidade. Em graus variáveis, o sistema econômico começou a internalizar a relação entre a economia e o meio ambiente para valorar os bens ambientais que se encontram fora do mercado, a tecnologia criou a tecnologia ecoeficiente para economizar energia e recursos [...]. (LAYRARGUES, 2009, P. 15-16)

E com o intuito de minimizar os conflitos socioambientais, a educação ambiental, enquanto perspectiva crítica e transformadora, busca fomentar a cidadania e incentivar a luta por justiça socioambiental por meio da mobilização social, além de sensibilizar grupos sociais da importância de perceber que a natureza somos nós, ela é intrínseca aos seres humanos, faz parte na nossa essência, como afirma Soares.

Precisamos ter em mente que humanos e não humanos são Natureza, que o ser humano não é apenas uma parcela imprescindível do elo ecológico do nosso planeta, mas parte integradora, que tudo está integrado em tudo. E que, decorrente dessa integração, qualquer atitude destrutiva, violenta, reverterá contra o próprio opressor. (SOARES, 2006, P. 121).

Embora o quadro de conscientização ainda esteja muito longe do ideal, experiências de sensibilização quanto às variáveis ambientais têm crescido nos últimos anos. Isso se deve, em especial, à forma como a educação ambiental foi expandida por educadores ambientais que atuam em diversos segmentos sociais, auxiliando os indivíduos em seus processos de formação e compreensão enquanto sujeitos ambientalmente, socialmente, economicamente e politicamente conscientes quanto aos seus papéis na sociedade.

Considerando a importância da temática, o presente artigo tem como objetivo refletir sobre a interdisciplinaridade, no âmbito da Educação ambiental, como uma prática que contribui para questionar os paradigmas estabelecidos pela racionalidade econômica e promover o diálogo entre saberes.



2. A Educação ambiental sob uma perspectiva interdisciplinar

A educação ambiental tem como um de seus objetivos a prática da ressignificação na natureza por meio de um viés crítico e emancipatório, comprometido com a transformação social, à luz de um projeto político-pedagógico sustentável, que permita a discussão de temas essenciais para o desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões, sob um olhar que vá além do aspecto preservacionista do meio ambiental, comprometendo-se com a ressignificação da natureza, em um processo de revisão da perspectiva capitalista, antropocêntrica, originada pelo modelo econômico predominante no mundo “globalizado”. Conforme Carvalho, (2004),

Como se sabe, a educação constitui uma arena, um espaço social que abriga uma diversidade de práticas de formação de sujeitos. A afirmação desta diversidade é produto da história social do campo educativo, onde concorrem diferentes atores, forças e projetos na disputa pelos sentidos da ação educativa. Por isto, por mais que se argumente que a ideia de educação inclui a educação ambiental, dificilmente se poderá reduzir toda a diversidade dos projetos educativos a uma só ideia geral e abstrata de educação. (CARVALHO, 2004, p. 17):

Assim, a educação ambiental ocupa espaço de reconhecido valor para a formação de sujeitos sob uma égide crítica e emancipatória, que busca ressignificação da relação sociedade e natureza, por conseguinte a transformação social.

Dessa forma, a interdisciplinaridade segundo Gonzalez-Gaudiano (2005),

[...] questiona as práticas de produção e reprodução do conhecimento, a própria concepção de ciência e sua relação com a Ética e o social, a noção de sujeito epistêmico e, naturalmente, as consequências de sua aplicação na natureza e na vida em seu conjunto (GONZALEZ-AUDIANO, 2005, p. 121).

Destaca-se o fato de que interdisciplinaridade é um termo polissêmico que possui diferentes interpretações, sendo frequentemente utilizado para processos de colaboração entre as áreas do conhecimento, ou disciplinas. Compreendemos que a abordagem interdisciplinar na educação ambiental deve prever a construção do conhecimento por meio do diálogo, da respeitabilidade quanto à diferença de pensamento, contribuindo para a construção de uma sociedade com ações sustentáveis efetivas, que permitam enxergar novas formas de relação do humano com a natureza, de modo que a dignidade da pessoa humana e a preservação dos processos ecológicos do ambiente, possam se fortalecer frente aos aspectos econômicos, a fim de que tenhamos uma sociedade com justiça socioambiental, com consciência ambiental.

Nesse processo, a interdisciplinaridade busca a produção e a socialização do conhecimento em campos não necessariamente próximos e para Loureiro, Costa (2013), a interdisciplinaridade, no âmbito da educação ambiental, deve atravessar o debate pedagógico, com suas tensões, possibilidades e com a análise crítica de seus fundamentos nos efeitos de uma educação que se reproduz numa sociedade de classes.

A educação ambiental pressupõe um debate consistente na direção de estabelecer a relação entre fatores econômicos, políticos, sociais e ambientais, que interferem nessa crise ambiental pelo qual passamos, as quais devem ser permeadas por reflexões epistemológicas, educacionais e científicas que busquem o rompimento com essa racionalidade conservadora.

Para Castro (2009),

A Educação ambiental constitui uma área de conhecimento eminentemente interdisciplinar, em razão dos diversos fatores interligados e necessário ao diagnóstico e à intervenção que pressupõe. Nesse sentido, a educação ambiental não pode ser concebida apenas como um conteúdo escolar, pois implica uma tomada de consciência de uma complexa rede de fatos políticos, econômicos, culturais e científicos. (CASTRO, 2009, p.173).

A Educação Ambiental, com vista a uma prática interdisciplinar, tem como pressuposto a construção de valores e práticas que não sejam apenas pautadas por uma necessária conscientização ambiental, mas, sobretudo, com o propósito de romper com os padrões individualistas, conversadores e antropocêntricos. Sua prática deve estar imbuída de instrumentos que permitam uma visão crítica da própria ciência, voltada para uma transformação social e pedagógica, engajada por uma radicalidade de pressupostos que se contraponha às contradições do modo de produção capitalista, da expropriação dos sujeitos, de fragmentação dos saberes.

[...] a educação ambiental crítica e interdisciplinar é estar à altura dos desafios da sociedade chamada sociedade capitalista, justamente, delineando uma teoria que sirva de enfrentamento das atuais condições sociais, culturais e políticas, cuja tarefa é mais complexa do que o paradigma ambiental tradicional promete compreender, por vezes complexo apenas no entendimento da dinâmica natural, desconsiderando a dinâmica social-natural (LOUREIRO, COSTA, 2013, p. 18).

Propor ações educativas a partir de uma prática interdisciplinar da educação ambiental crítica, é viabilizar métodos de ensino e aprendizagem que possibilitem a construção do conhecimento e levem à compreensão quanto ao fortalecimento de iniciativas sustentáveis, provocando o esvaziamento dessa dicotomia entre ser humano/natureza, em que sempre prevaleceu, sob a égide da racionalidade econômica, a superioridade do homem frente a natureza. Segundo Guimarães (2004),

A Educação Ambiental Crítica objetiva promover ambientes educativos de mobilização desses processos de intervenção sobre a realidade e seus problemas socioambientais, para que possamos nestes ambientes superar as armadilhas paradigmáticas e proporcionar um processo educativo, em que nesse exercício, estejamos, educandos e educadores, nos formando e contribuindo, pelo exercício de uma cidadania ativa, na transformação da grave crise socioambiental que vivenciamos todos (GUIMARÃES, 2004, P.30-31).

De acordo com Carvalho (2004, p. 21), “ao ressignificar o cuidado para com a natureza e para com o outro humano como valores éticos e políticos, a educação ambiental crítica afirma uma ética ambiental, balizadora das decisões sociais e reorientadora dos estilos de vida coletivos e individuais”.

É a partir desse olhar que se constituem os princípios da educação ambiental, que se permite o delineamento de nova racionalidade ambiental, o que para Leff (2015), exige repensar a educação, a partir do saber ambiental com valores ambientais pautados pela ética individual e coletiva, considerando que:

O saber ambiental desemboca no terreno da educação, questionando os paradigmas estabelecidos e abastecendo as fontes e mananciais que irrigam o novo conhecimento: os saberes indígenas, os saberes do povo, o saber pessoal. Vai descobrindo as relações de poder que atravessam as correntes do saber em temáticas emergentes, onde confluem diversos campos disciplinares para desembocar na qualidade de vida com fim último do desenvolvimento sustentável e do sentido da existência humana. (LEFF, 2015, p. 12-13).

É por meio do saber ambiental, da racionalidade ambiental, que o conhecimento penetra nas entranhas da subjetividade, se tornando mais interdisciplinar. E, a partir desse olhar enquanto sujeitos, podemos questionar os paradigmas estabelecidos pela racionalidade de viés econômico, antropocêntrico, abraçados aos nefastos paradigmas dominantes, comprometidos exclusivamente com a capitalização da natureza, como o agronegócio que se tornou para muitos uma atividade extremamente técnica, pela qual a natureza é vista como simples objeto a ser explorado, sem a preocupação com a degradação ambiental.

Conforme Carvalho (2012), para que tenhamos um olhar interdisciplinar em torno da questão ambiental, faz-se necessário rompermos com o pensamento dogmático, deslocando nosso ângulo para novos olhares e entendermos o quão essa ação é desafiadora, uma vez que o saber ambiental é ainda visto como a margem do conhecimento.

Assim, a interdisciplinaridade jamais será uma posição fácil, cômoda ou estável, pois exige nova maneira de conceber o campo da produção de conhecimento buscada no contexto de uma mentalidade disciplinar. Trata-se de um combate ao mesmo tempo externo e interno, no qual à reorganização das áreas e das formas de relacionar os conhecimentos corresponde a reestruturação de nossa própria maneira de conhecer e no posicionar perante o conhecimento, desfazendo-nos dos condicionamentos históricos que nos constituem. (CARVALHO, 2012, p. 122-123).

Desta maneira, a Educação Ambiental que pensa o meio ambiente por meio da interdisciplinaridade, como instrumento que visa a cultura, a interação entre os sujeitos, permite uma visão integrada entre sociedade-natureza, de contribuição coletiva, na qual se assume a compreensão da diversidade do mundo e permite a criação de meios capazes de enfrentar os desafios sociais e políticos que hoje estão a ela colocados, sobretudo o enfrentamento dos desafios paradigmáticos para uma transformação estrutural profunda.



3.A A interdisciplinaridade na formação do educador

É com um saber crítico e questionador (LEFF, 2015), construído a partir do diálogo e da interdisciplinaridade que se torna possível a construção de um pensamento epistêmico que problematiza o conhecimento estabelecido no âmbito da educação:

O projeto interdisciplinar surge com o propósito de reorientar a formação profissional através de um pensamento capaz de apreender a unidade da realidade para solucionar os complexos problemas gerados pela racionalidade social, econômica e tecnológica dominante. Este projeto busca fundamentar-se num método capaz de fazer convergir os olhares dispersos dos saberes disciplinares sobre uma realidade homogênea, racional e funcional, eliminando as divisões estabelecidas pela fronteira dos territórios científicos, cancelando o espaço próprio de seus objetos de conhecimento, para reconstruir um mundo unitário. (LEFF, 2015, p. 180).

Ainda, segundo o mesmo autor, é possível entendermos que o objetivo da interdisciplinaridade consiste na reconstrução de um pensamento a partir de diferentes visões que

[...] se integram organicamente como um código de objetos-sinais do saber. A totalidade holística que os métodos interdisciplinares buscam difere da totalidade característica do pensamento simbólico, assim como no corpo integrado de conceitos donde os discursos científicos deduzem seu sentido próprio. (LEFF, 2015, p. 182).

Trata-se de uma proposta metodológica pautada no diálogo de saberes, ou seja, a construção de um conhecimento contra hegemônico e emancipador embasado em lutas ideológicas que contribui para a construção de uma epistemologia ambiental.

Esse projeto, respeitando as especificidades disciplinares do conhecimento científico, sob o viés da racionalidade ambiental, ultrapassa fronteiras da expansão do conhecimento e de mudanças sociais, que impulsionam e auxiliam o processo de organização e desenvolvimento da sociedade.

O papel primordial da educação ambiental é o de contribuir com a mudança de valores e atitudes em relação à questão ambiental, por meio da qual as pessoas consigam identificar e compreender as relações intrínsecas frente à exploração do meio ambiente, além de problematizar e compreender especificidades socioambientais, pautadas pela ética e com a justiça ambiental.

O processo educativo da educação ambiental se dá, assim, “numa relação dialética de transformação do indivíduo e da sociedade reciprocamente, o público da EA Crítica é a sociedade constituída por seus atores individuais e coletivos” (GUIMARÃES, 2004, p. 32-33). Dessa forma, para uma educação ambiental crítica, a prática deve ocorrer a partir da formação do indivíduo enquanto sujeito histórico, sendo que, assim, a educação não estará reduzida apenas em ações individuais, pois se concretiza a partir das relações indivíduo/sociedade (CARVALHO, 2006).

Os métodos interdisciplinares, permeados por um entrecruzamento de pensamentos (LEFF, 2002), são os procedimentos necessários para que o saber ambiental seja expurgado da racionalidade científica tradicional e antropocêntrica. A racionalidade crítica, construída por meio da interdisciplinaridade de diferentes campos do saber ambiental, do diálogo do saber, da articulação das ciências configuram, pois, a essência à compreensão da crise ambiental enquanto processo maior, dado que:

A crise ambiental é uma crise do conhecimento: da dissociação entre o ser e o ente à lógica autocentrada da ciência e ao processo de racionalização da modernidade guiado pelos imperativos da racionalidade econômica e instrumental. O saber que emerge dessa crise no campo da externalidade das ciências se filtra entre as estruturas teóricas e as malhas discursivas do conhecimento moderno; a partir dali, questiona os paradigmas estabelecidos, abrindo as portas para o saber negado. (LEFF, 2002, p. 13).

Assim, a crise do conhecimento, as ausências de respostas para problemas/conflitos são geradas pelo efeito da “racionalidade econômica dominante, na qual a natureza foi externalizada do processo de produção e, ao mesmo tempo, desnaturalizada, ao ser reduzida a um insumo produtivo de recursos naturais e matérias-primas [...]”. (LEFF, 2002, p. 15).

Aprimorar o caminho necessário e urgente de construção do saber ambiental, é também uma maneira de confrontar a racionalidade científica permeada pela teoria positivista:

A epistemologia ambiental é uma política do saber que busca a sustentabilidade da vida. Para além do propósito de internalizar o ambiente externalizado da centralidade do conhecimento e do assédio do poder da ciência; para além do acoplamento da teoria e do pensamento com uma realidade dada, a epistemologia ambiental muda as formas de ser no mundo na relação que o ser estabelece com o pensar, com o saber e o conhecer. É uma epistemologia política da vida e da existência humana. (LEFF, 2002, p. 14).

A epistemologia ambiental de Leff constitui-se numa ferramenta para pensar, refletir e transformar a realidade, como uma forma de convocar diversas disciplinas e visões de mundo diferentes. O sociólogo defende “[...] a crise ambiental como uma crise da racionalidade da modernidade (Leff, 2002, p. 17). Assim, propõe numa perspectiva social e política, a noção de desenvolvimento sustentável, e não na noção acrítica, que cresceu nos últimos anos - o consumo verde.

A interdisciplinariedade abre-se para o diálogo de saberes no encontro de identidades constituídas por racionalidades e imaginários que configuram as referências, os desejos e vontades que mobilizam os atores sociais para a construção de uma racionalidade ambiental; que ultrapassa a relação teórica entre os conceitos e os processos materiais e a desloca para as relações de significação entre o real e o simbólico em uma política de diversidade cultural. (LEFF, 2002, p. 17).

Para o sociólogo, a interdisciplinaridade é um importante componente para o diálogo entre os saberes, pois pode potencializá-los; promove a interação entre os conhecimentos durante os processos de aprendizagem; e estimula o intercâmbio entre conhecimentos. Desse modo, esta proposta auxilia na promoção da justiça social e na construção de sociedades sustentáveis, além de potencializar a compreensão da realidade. “O saber ambiental orienta ações, promove direitos e produz técnicas para construir um mundo sustentável condizente com outros princípios e valores, reconhecendo outros potenciais, restabelecendo a relação criativa entre o real e o simbólico, abrindo-se para o encontro com a outridade” (LEFF, 2002, p. 16).

É nessa medida que a interdisciplinaridade fomenta o compromisso com o saber ambiental tão complexo e tão caro à formação de sujeitos ecológicos. Vale destacar que o saber agir político a partir de valores éticos, epistemológicos, sociais e culturais, em relação ao meio ambiente, nunca foi tão emergente como no momento atual.

A ausência de um trabalho efetivo acerca da questão ambiental, sob uma perspectiva interdisciplinar nos processos educativos públicos e privados no país, ainda é um fato comum nos espaços escolares, além de que, é frequente que a empreitada do trabalho com o meio ambiente fique apenas sob a responsabilidade de disciplinas como a de geografia e/ou biologia. Na verdade, entendemos que ainda falta a ampliação de escopos teóricos e metodológicos, nos cursos de formação docente, em relação à complexidade em lidar/implementar com a questão da interdisciplinaridade nas escolas e nas universidades com enfoque não apenas, mas inclusive nas questões ambientais.

A crise ambiental, de certa forma, alimenta esses questionamentos epistemológicos e desacomoda os modos já aprendidos de pensar da racionalidade moderna, ao expor a insuficiência dos saberes disciplinares e reivindicar novas aproximações para que se compreenda a complexidade das inter-relações na base dos problemas ecológicos. (CARVALHO, 2012, p. 123).

Nesse sentido, o saber ambiental poderá ser definido como um conjunto de produção de conhecimento, no qual se consideram os aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos das questões ambientais, além da diversidade cultural e natural que estão intrinsecamente ligadas ao saber ambiental. A questão ambiental tem que ser vista, então, como um campo de produção e problematização de conhecimento, integrada à outras ciências, de forma que promova o intercâmbio teórico.

Considera-se que essa forma de apropriação da natureza pelo homem e a do homem pelo próprio homem, é fruto de um distanciamento entre humano-natureza enquanto fruto de uma relação que deveria ser indissociável. Na contramão desse ideal, queremos destacar na presente discussão que o atual convívio advém da particularização e do isolamento da postura antropocêntrica, conduzida pela ideia de progresso, guiada pelo modelo de desenvolvimento econômico. O que vemos, na esteira desse desenvolvimento, é a exploração e apropriação da natureza sem a devida conscientização da limitação de seus bens, provocando o desequilíbrio ambiental.

Logo, é necessário que haja a integração das ciências e o diálogo com outros saberes para a construção de um saber ambiental que venha romper com as desigualdades sociais estabelecidas pelo modelo econômico vigente, permitindo o acesso igualitário a todos os povos, mantendo compromisso com os princípios éticos, com o equilíbrio ambiental, social e econômico, com a justiça social, com a diversidade étnica e cultural dos povos.



4. Considerações finais

Ao propor algumas reflexões sobre a interdisciplinaridade, no âmbito da Educação ambiental, o presente artigo discute a importância de uma prática questionadora dos paradigmas estabelecidos pela racionalidade econômica. 

A fim de discutirmos os desafios e as especificidades da interdisciplinaridade na educação ambiental atualmente, frente aos inúmeros desafios contemporâneos, apresentamos uma proposta ainda em construção, mas que é embasada no diálogo, no pensamento reflexivo acerca das múltiplas dimensões da temática ambiental, tais como: social, ética, política, econômica e ambiental. Para isso, é essencial pensar a situação que se apresenta a partir de um olhar para o ambiente no mundo natural ou social, mediante a valorização dos saberes tradicionais como os dos indígenas, dos quilombolas ou ribeiros, num diálogo com os saberes científicos.

Oportunizar e incentivar os educadores a aplicarem novos processos interdisciplinares de ensino e aprendizagem, que contribuam com a transformação da realidade atual, supõe uma tradução da grave crise ambiental sem precedentes que se instalou a partir da segunda metade do século XX. Isto se configura, então, no comprometimento com o processo de transformações significativas da realidade socioambiental, de modo a superar “o cientificismo cartesiano e o antropocentrismo que informam a compreensão/ação sobre o mundo e que historicamente se constituiu hegemônica na sociedade moderna (GUIMARÃES, 2006, p. 26).

Ações de formação e pesquisa no que tange à questão ambiental também são essenciais, sobretudo aquelas cuja metodologia incorpora o diálogo com outros conhecimentos atrelados ao conhecimento científico. No cerne desse empreendimento é que esperamos que seja oportunizada nas escolas e nas universidades, uma aprendizagem significativa voltada a novos processos de aprendizagens sociais, individuais e institucionais. O cotidiano escolar, no que tange à educação ambiental e à sua problemática, deve permitir que o indivíduo compreenda de forma crítica o mundo que o cerca.

Ressaltamos a importância de se trabalhar a educação ambiental sob um olhar que permita problematizá-la e difundi-la em ações comprometidas fundamentalmente com a transformação social, crítica e emancipatória, que incorporem na questão ambiental, os aspectos sociais, e que promovam a redução das desigualdades socioeconômicas. Logo, nosso compromisso “é o de problematizar a perspectiva da educação ambiental como um instrumento de reprodução social, para entendê-la além do seu reconhecido papel na mudança ambiental, também como um fator de mudança social” (LAYRASGUES, 2009, p. 11).

Por fim, frente aos conflitos ambientais que atualmente crescem, sobretudo no Brasil, mediante ao desmonte da política ambiental que foi implantada no país a partir da década de 1980, ações de vigilância e de combate à exploração desenfreada e desmedida da natureza se fazem necessárias. Para tanto, defendemos que a educação seja preconizada pelos educadores brasileiros como um elemento que promova a cidadania ambiental na formação de sujeitos capazes de agirem individual e socialmente para uma redefinição da sobrevivência e da coexistência no mundo.



AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul–UFMS/MEC –Brasil.



REFERÊNCIAS

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CUNHA, R. M.R.; BRAZ, S. G.; DUTRA, P. O.; CHAMON, E. M. Q. O. Os recursos tecnológicos como potencializadores da interdisciplinaridade no espaço escolar. Anais. 4th International Congress on University-Industry Cooperation – Taubaté, SP. Brazil. December, 2012.

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