A FORÇA DAS ÁGUAS
Cláudio Loes
Nasci numa gota
Que se juntou a tantas outras
Até formamos um pequeno corpo
Fomos escorregando pela pedra
Não foram poucas as dificuldades
Os arranhões, as quedas,
Às vezes, ganhando velocidade
E em outras quase parando
Uma criança veio brincar à margem
Gostava da água empoçada na estrada
Hoje ela preferiu vir aqui na sanga
Nós a convidamos para continuar
Seguir conosco adiante
Ela não entendeu
Mas foi correndo
Acompanhar uma folha que boiava
Um pouco adiante
Nossa viagem ficou lenta
Caímos num lago
Sem muita opção
Ficamos ali represadas
Conseguíamos ver lá longe
A criança da folha crescendo
Tornando-se um jovem
Jogando bola no pasto com seus amigos
Depois já não vinha muito
O que aconteceu?
Passaram-se muitos anos
Ele voltou bem diferente
Quase não o reconhecemos
Estava bem mais alto
E veio para a beira do lago
Disse que não nos esquecera
E que nos daria a liberdade
Ele compreendera
Que viver é ser livre
Livre para amar e sonhar
Para chegar ao seu destino
Ser o que se é
No dia seguinte
Máquinas começaram a trabalhar
Movendo as margens do outro lado
Aos poucos sentimos algo novo
Esquecemos durante esses anos
Como era se movimentar de verdade
Agora livres
Corríamos cada vez mais
Encontramos outras águas
Agora éramos parte de um grande rio
Demos adeus à nossa criança da folha
Já não tão criança
E seguimos em busca do mar
A viagem não foi nada fácil
Às vezes, ficávamos muito poluídas
Parecia ser a morte certa
Aí as árvores com suas raízes ajudavam
Nos limpavam de alto a baixo
E novamente transparentes e brilhantes
Seguíamos em frente
Enfim, chegamos à foz do rio
No grande mar
Uma quantidade imensa de água
Que se move o tempo todo
Aqui não corríamos mais numa direção
Era um ir e vir
Com finais de tarde deslumbrantes
Sem esquecer aquele sol maravilhoso
Que aparecia todas as manhãs
Brincávamos na praia
Fazendo espuma e nosso som ia longe
Numa manhã ensolarada
Vimos uma criança correndo
E um adulto lá longe
Chegamos mais perto
Com nosso ir e vir
Reconhecemos o adulto
Era a criança da folha que nos libertou no lago
Ela já não nos reconheceu
Mas a criança da praia chegou perto de nós
Molhou seus pés bem devagarinho
Ela disse que tinha um segredo para contar
Aí ficamos ouvindo sem nada dizer
Ela então disse que seu pai tinha dito
Que gostava muito das águas
E que brincar com elas
Foi o que fez de melhor em toda sua vida
Cláudio Loes nasceu em 1959, em Blumenau (SC), residindo atualmente em Francisco Beltrão (PR). É filósofo, engenheiro elétrico, especialista em Educação Ambiental, escritor, poeta e articulista. Membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, Associado Correspondente da Academia Paranaense da Poesia e associado do Centro de Letras do Paraná. Desenvolveu e coordena o projeto Aqui Livros para incentivar a leitura pela socialização e circulação dos livros. http://www.claudioloes.ecophysis.com.br/.