PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA AULA DE CAMPO NA PRAIA DE CAMBURI (VITÓRIA-ES)

André Jacintho1, Antônio Donizetti Sgarbi2, Israel David de Oliveira Frois³, Ludovico Muniz Lima4, Swami Cordeiro Bérgamo5

1 Mestre em Ensino de Humanidades, Instituto Federal do Espírito Santo, Professor de Português da rede estadual (SEDU-ES). E-mail: andretcho@gmail.com.

2 Doutor em Educação pela PUC/SP, Professor do PPGEH/Ifes. E-mail: antonio.sgarbi@ifes.edu.br.

3 Mestre em Ensino de Humanidades, Instituto Federal do Espírito Santo, Professor de Geografia da rede estadual (SEDU-ES). E-mail: israelfrois@hotmail.com.

4 Mestre em Ensino de Humanidades, Instituto Federal do Espírito Santo. E-mail: ludovicomuniz@yahoo.com.br.

5 Mestre em Ensino de Humanidades, Instituto Federal do Espírito Santo, Professor de História da rede estadual (SEDU-ES). E-mail: swamicb@yahoo.com.br.





Resumo: Nosso propósito com esta pesquisa é analisar como a ação educadora é capaz de problematizar junto a adolescentes as contradições socioambientais promovidas pelo modo de produção em que multinacionais (Vale S.A. e ArcelorMittal S.A.) estão inseridas. Para tanto, consideramos o caso da praia de Camburi, situada no município de Vitória, ES, ao lado da Ponta de Tubarão, espaço que congrega um complexo siderúrgico-portuário e que está inserido em um contexto global de produção. Nossa análise ocorre a partir de uma aula de campo realizada com adolescentes frequentadores da Paróquia Nossa Senhora das Graças, em Vitória, pela Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), uma Organização Não-Governamental que denuncia as problemáticas geradas pela atuação das indústrias de mineração na capital capixaba. Em termos metodológicos, este trabalho apresenta caráter qualitativo com observação participante. As ações foram realizadas em quatro etapas: preparação de uma aula de campo sobre o ambiente a partir de uma caminhada na Praia de Camburi; caminhada na praia, orientada pelos pesquisadores e por um membro da AAPC; avaliação da atividade e busca de caminhos para a superação das contradições percebidas; e discussão para aprofundar a percepção sobre as questões socioambientais, tudo sob o enfoque da Pedagogia Histórico-Crítica. 



Palavras-chave: Pedagogia Histórico-Crítica; Educação Ambiental; Movimentos Sociais; Aula de Campo.  



Abstract: Our purpose with this work is to analyze how the educational action is capable of problematizing with adolescents the socio-environmental contradictions promoted by the production method in which multinationals (Vale S.A. and ArcelorMittal S.A.) are inserted. To this end, we consider the case of Camburi beach, located in the municipality of Vitória, ES, next to Ponta de Tubarão, a space that brings together a steel-port complex and which is inserted in a global production context. Our analysis takes place from a field class held with adolescents who attend the Nossa Senhora das Graças Parish, in Vitória, by the Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), a Non-Governmental Organization that denounces the problems generated by the performance of the industries mining operations in the state capital. In methodological terms, this work has a qualitative character with participant observation. The actions were carried out in four stages: preparation of a field class on the environment from a walk on Camburi Beach; walk on the beach, guided by the researchers and a member of the AAPC; evaluation of the activity and search for ways to overcome perceived contradictions; and discussion to deepen the perception on socio-environmental issues, all under the focus of Historical-Critical Pedagogy.



Keywords: Historical-Critical Pedagogy; Environmental education; Social movements; Field class.



Introdução

Nosso propósito com esta pesquisa é analisar como a ação educadora é capaz de problematizar, junto a adolescentes, as contradições socioambientais promovidas por multinacionais (Vale S.A. e Arcelor Mittal S.A.) em um território. Para tanto, tomamos o caso da praia de Camburi, município de Vitória-ES, ao lado da Ponta de Tubarão, que é parte de um complexo siderúrgico-portuário. Esse, a partir de nossa reflexão/ação local, pode ser percebida como inserida em um contexto global de produção.

Nossa análise parte de uma aula de campo realizada pela Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC) com adolescentes membros da Paróquia Nossa Senhora das Graças, em Vitória. A AAPC é uma Organização Não-Governamental (ONG) que denuncia e critica os impactos das indústrias de mineração na capital capixaba. Buscamos entender como as ações da comunidade local, dos movimentos sociais, da mídia e do Estado interferem na maneira como as empresas situadas no Complexo Industrial de Tubarão lidam com as questões ambientais. A partir dessas observações, definimos que nossa pesquisa deve assumir uma perspectiva histórico-crítica, na tentativa de superar os reducionismos e apriorismos da compreensão adolescente e o das pesquisas positivistas.

Este trabalho apresenta caráter qualitativo com observação participante. As ações foram realizadas em quatro etapas: preparação de uma aula de campo sobre o ambiente a partir de uma caminhada na Praia de Camburi; caminhada na praia, orientada pelos pesquisadores e por um membro da AAPC; avaliação da atividade e busca de caminhos para a superação das contradições percebidas; e discussão para aprofundar a percepção sobre as questões socioambientais, tudo sob o enfoque da Pedagogia Histórico-Crítica. 

O presente artigo está estruturado da seguinte forma: a) apresentamos, em linhas gerais, as bases da Pedagogia Histórico-Crítica; b) abordamos a interface entre movimentos sociais, em especial a “Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce” e a Educação Ambiental (EA) Crítica; c) apontamos a metodologia do trabalho realizado; e por fim, descrevemos e discutimos tal trabalho sob a luz da Pedagogia Histórico-Crítica.

As bases da Pedagogia Histórico-Crítica

Fundamentada no materialismo histórico-dialético, a Pedagogia Histórico-Crítica assenta-se em um arcabouço teórico robusto, capaz de subsidiar a proposta de uma educação transformadora, na busca pela apropriação dos itens culturais historicamente construídos pela humanidade, mas que foram negados às classes e aos grupos menos favorecidos. Assim, trataremos da relação entre educação e trabalho, para, em seguida, versar sobre os momentos articulados dialeticamente da metodologia de ensino, a saber: prática social inicial; problematização; instrumentalização; catarse; e prática social.

A interação da humanidade com a natureza é a práxis da existência humana. Na perspectiva marxista, esta práxis, este processo de humanização, se dá através do trabalho ou, nas palavras de Foster (2014) pelo metabolismo social. Por meio do trabalho o ser humano se desenvolveu fisicamente (mãos com polegares opositores, laringe e cabeça) e intelectualmente (linguagem, símbolos e atividades cerebrais) (ANTUNES, 2004). Desse modo, a formação humana a partir do trabalho, tido como ação transformadora sobre a natureza, desenvolve-se de forma integral, omnilateralmente (DELLA FONTE, 2020).

Com este homem em processo de humanização, geração após geração, percebermos que grandes transformações foram feitas na natureza. Estas, fruto da ação humana, criaram o espaço social, isto é, espaço gerado quando a ação do homem reage à natureza. Em suma, pode-se dizer que o relacionamento homem-natureza cria um espaço que é “marcado pela ação transformadora do ser humano de tal modo que a natureza se fez humana e o ser humano se fez natural” (VALE; MAGNONI, 2012, p. 102). Nota-se aí, uma relação dialética Homem-Natureza que é entendida em um processo de realidade, de totalidade aberta (KONDER, 1984), ou seja, em constante movimento histórico.

No materialismo histórico e dialético depreende-se que

o movimento autotransformador da natureza humana não é um movimento espiritual (como em Hegel) e sim um movimento material, que abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática da vida, mas também dos próprios órgãos dos sentidos: o olho humano passou a ver coisas que não enxergava antes, o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes, etc. “A formação dos cinco sentidos” – escreveu Marx – “é trabalho de toda história passada (KONDER, 1984, p. 52-53)”.

Podemos dizer, então, que a natureza humana foi constituída historicamente por meio do trabalho, visto que o homem “no lugar de se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto é, transformá-la” (SAVIANI, 2008, p.11). Nessa transformação, ocorre a produção da existência humana em bases materiais (produção/trabalho material) e trabalho não material. Este último refere-se aos “conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades” (SAVIANI, 2008, p. 12), ou seja, a produção do saber produzido pelo homem ao longo da história. Assim, nota-se que o processo educacional é característico dos seres humanos. Porém, a partir da divisão social do trabalho e da apropriação das fontes de produção privadas, o trabalho torna-se alienado e o direito a elementos culturais clássicos da educação passaram a ser segregados pelas classes, frações de classes e grupos dominantes em detrimento dos dominados.

Diante desse contexto de alienação e segregação, a pedagogia Histórico-Crítica coloca-se em uma postura revolucionária de buscar, por meio de instrumentos teóricos, subsidiar uma leitura crítica e dialética da realidade que supere a aparência e se aproxime da essência do real, para, assim, avistar um horizonte de transformação dessa realidade.

No que tange a importância da apropriação do conteúdo, Saviani (2009), indica que é fundamental a compreensão da valorização dos conteúdos clássicos serem apropriados de formar viva e crítica, pois “se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores” (SAVIANI, 2009, p. 50). Nesse sentido, “[...] dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação” (SAVIANI, 2009, p. 51). Entende-se, então, a educação é compreendida como mediação no seio da prática social e, portanto, “cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação das relações sociais” (SAVIANI, 2008, p. 143).

Posto isso, vejamos como se articulam os cinco momentos no processo de ensino-aprendizagem na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica. Saviani (1992) afirma que o ponto de partida, assim como o ponto de chegada é a prática social. Além disso, o autor em destaque aponta que a articulação entre os cinco momentos ocorre de forma dialética, buscando “compreender as determinações que se ocultam sob as aparências dos fenômenos que se manifestam empiricamente à nossa percepção (SAVIANI, 2015, p.36)”. Apropria-se, então, do método marxiano que trata a dialética como espiral em movimento histórico, entendendo que a prática social é percebida como a síntese das relações sociais em um dado momento da história.

Observa-se que a prática social é compreendida, inicialmente, sincreticamente pelos estudantes e sinteticamente pelos professores, numa síntese ainda precária (SAVIANI, 2001). Cabe, assim, ao professor, em seu planejamento, pensar em elementos necessários a serem desenvolvidos e relacionados com os problemas da realidade social que necessitam ser resolvidos (problematização). Ao identificar estas necessidades cabe ao professor centrar-se na instrumentalização teórico-prática via conceitos e conteúdos que serão escolhidos, disponibilizados aos estudantes e mediados para que se tornem instrumentos para apreensão da prática social (instrumentalização). Assim, tanto os estudantes quanto os docentes passarão por um processo de análises e sínteses, que possibilitará uma maior elaboração quanto à realidade concreta (catarse). O momento catártico é “o ponto culminante do processo educativo, já que é aí que se realiza [...] a passagem da síncrese à síntese [...] (SAVIANI, 2001, p. 82)” por meio das análises. Ambos, estudantes e professores, chegarão a um patamar cada vez maior de compreensão da prática social, visto que o processo é contínuo. Depreende-se, assim, que estes momentos não devem ser entendidos como estanques ou meramente sequenciais. Por se tratar de um método pautado na dialética marxista, deve-se entendê-los como “momentos articulados num mesmo movimento, único e orgânico (SAVIANI, 2001, p.85)”.

Adiante abordamos a importância da perspectiva contra-hegemônica que envolve os movimentos sociais e a EA Crítica no processo de desvelamento das contradições socioambientais e de vislumbre de transformação da realidade.

      1. Movimentos sociais e Educação Ambiental Crítica

A rede produtiva neoliberal (multinacionais industriais, energéticas, do agronegócio e do extrativismo mineral), coadunada a estados nacionais e órgãos reguladores internacionais, vem levando cada vez mais pessoas ao redor do mundo a “situações ambientais limite”. Um número crescente de territórios, em especial o eixo “colonizado” do mundo, vem sofrendo com os efeitos ambientais dessas atividades produtivas, que, com o poder público, pouco encontram limites jurídico-institucionais que regulem o risco socioambiental e econômico de sua produção para a população.

Nesse cenário, apenas uma educação ambiental (EA) com direção crítica ao modus operandi tem coerência e relevância na composição de uma contra-hegemonia. Assim, debruçamo-nos na EA Crítica (LOUREIRO, 2003; 2016; TOZONI-REIS, 2007) que, como na Pedagogia Histórico-Crítica, sustenta-se no arcabouço do materialismo histórico-dialético. A EA crítica tem como objetivo problematizar, criticar e desvelar a realidade de modo a fornecer vias para a superação da lógica destrutiva desse modelo civilizatório-societário vigente. Ao refutar os modelos de EA hegemônicos que partem o “[...] o real em seu movimento contraditório, por entendê-las como formas constitutivas das relações alienadas capitalistas [...]” (LOUREIRO; TOZONI-REIS, 2016, p. 71), a EA Crítica busca a superação da visão aparente da realidade para a sua transformação.

Há muitos movimentos sociais organizados que pautam a questão ambiental em suas ações. No campo e nas cidades brasileiras, por exemplo, a luta pela humanidade plena de muitos, passa pela melhoria na qualidade do ar, pelo acesso à água, por uma agricultura sem agrotóxico. É fundamental que, na perspectiva da EA Crítica, os trabalhadores da educação estejam próximos a estes movimentos, fomentando e mediando junto a eles, a conscientização da sociedade a respeito destas questões.

Exemplo desse diálogo, temos a ‘Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce’, ocorrida em 2016, no Espírito Santo e Minas Gerais, na bacia do Doce, devido a maior tragédia ambiental da história do país: o rompimento da barragem de rejeitos minerais de Fundão, Bento Rodrigues-MG, da Samarco, Vale e BHP Billiton. A Caravana objetivou “produzir leituras compartilhadas sobre a tragédia-crime, analisar seus impactos, mobilizar ações de denúncias e reivindicações, e apontar saídas de desenvolvimento territorial mais justas e sustentáveis na região” (CARTA POLÍTICA, 2016).

Instrumento político-pedagógico do movimento agroecológico no Brasil, as Caravanas Territoriais são, segundo a Carta Política da Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce (2016): viagens de aprendizados, intercâmbios e construção de laços de solidariedade e luta política, que exercitam um olhar conjunto e popular a respeito do território, situando contradições, potencialidades e desafios na construção de uma nova sociedade pautada na agroecologia, na reforma agrária, na saúde coletiva, na economia solidária, na luta das mulheres, no respeito ao conhecimento dos povos e comunidades tradicionais (CARTA POLÍTICA, 2016).

Sentida a necessidade de uma mobilização ampla face à tragédia-crime, a Caravana territorial do Rio Doce reuniu movimentos sociais como o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), MST (Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra), comunidades atingidas pelos rejeitos, veículos de comunicação, lideranças indígenas e instituições de ensino como UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), criando uma rede de comunicação e denúncia das ‘situações limite’ observadas ao longo da caravana, bem como construindo encaminhamentos para seguir lutando por direitos e por justiça socioambiental.

A exemplo da Caravana Territorial do Rio Doce, a Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), vem realizando ações educacionais a respeito das práticas das mineradoras VALE S.A. e Arcelor Mittal Tubarão, a fim de conscientizar a população dos crimes e demais contradições ambientais causadas pelas mesmas em suas seis décadas de existência. Acompanhamos uma dessas ações e passamos a descrevê-la a seguir.

      1. Percurso Metodológico

A investigação em tela é de natureza qualitativa e pode ser classificada como uma pesquisa participante na esteira de Thiollent (2014), Brandão (2014), Weller e Silva (2014), Carrillo (2014) entre outros. Como técnicas foram utilizadas a observação participante, a entrevista e a discussão em grupo que se aproximou do modelo de “grupos focais”. As ações foram realizadas em quatro etapas: preparação de uma aula de campo sobre o meio ambiente a partir de uma caminhada na Praia de Camburi em Vitória-ES; caminhada na praia, orientada pelos pesquisadores e por um membro da AAPC; avaliação da atividade e busca de caminhos de solução para os problemas de poluição vistos no local e discussão para aprofundar a percepção sobre as questões socioambientais. Todos os momentos da pesquisa foram traçados tendo em vista uma ação pedagógica crítica, ou seja, a pedagogia Histórico-crítica e os conceitos de EA Crítica. Assim, os dados colhidos foram analisados à luz deste referencial.

Os participantes da pesquisa, 12 (doze) adolescentes, com idades entre 11 e 14 anos, que congregam na Paróquia Nossa Senhora das Graças, cuja matriz fica perto do IFES - Campus Vitória. Foi feita uma proposta a coordenadora do grupo de desenvolver uma ação pedagógica sobre EA, tema que estava listado entre aqueles escolhidos pelos próprios adolescentes para discutir durante o ano.

Diante deste entendimento propôs-se uma ação que tinha como ponto alto uma caminhada pela região norte da praia de Camburi - que segundo a AAPC, é intensamente afetada ecologicamente pela atividade produtiva do porto de Tubarão e da mineradora VALE - a fim de mostrar àqueles adolescentes uma faceta da praia desconhecida da maior parte dos moradores da cidade. O desafio posto era problematizar a praia de Camburi a partir de sua condição ambiental e os elementos que influenciam esta condição.

      1. Descrição e análise das atividades à luz da Pedagogia Histórico-Crítica

Antes da caminhada, os estudantes foram insitados a questionar a situação ambiental que os cerca. Após esse questionamento os alunos foram instados a produzir uma redação sobre a praia de Camburi e a poluição. Com essa redação pretendeu-se mobilizar os alunos para a construção do conhecimento a partir de sua leitura da realidade. As redações mostraram que os jovens possuíam uma compreensão sincrética da realidade. Percepção essa, que não ultrapassava o senso comum e as informações veiculadas nos grandes meios de comunicação.

Segundo Saviani (1992) a prática social inicial dos educandos é o ponto de partida do processo de ensino-aprendizagem. Assim, pretendeu-se com essa atividade, perceber qual a relação que os jovens mantinham com a praia e as empresas, qual a relação desses objetos com a sua vida cotidiana. Nessa perspectiva, começamos pela prática social, tal qual a pedagogia histórico-crítica nos aponta como caminho para a educação e passamos a problematizar a questão ambiental a fim de levantar as principais questões pertinentes à praia de Camburi e a Ponta de Tubarão.

Os alunos foram, então, levados a caminhada promovida pela Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC). Antes de iniciar a caminhada, foi realizada uma breve introdução da proposta da caminhada. O pesquisador apresentou o integrante da AAPC que iria monitorar a atividade junto ao grupo, que fez um breve comentário sobre as ações da AAPC, em especial na conscientização sobre a poluição na praia de Camburi (lixo, esgoto, atividades do complexo portuário de Tubarão etc). Neste momento podemos marcar a problematização da temática como elemento central da atividade, logo em seguida, iniciou-se a caminhada.

Durante a caminhada o presidente da associação realiza a “instrumentalização” trabalhando alguns conteúdos sobre EA com os estudantes. Essa atividade consiste na articulação teórico-prática sistemática do conteúdo por parte do educador e por meio do interesse dos estudantes (SAVIANI, 1992). Ainda durante o percurso, os jovens foram provocados sobre os prejuízos causados ao meio-ambiente pela ação empresarial. Foram ainda alertados sobre as mudanças que afetam a fauna, a flora e a sociedade. Vários questionamentos foram feitos no percurso, à medida que descobriam novas paisagens e peculiaridades daquela região da praia, até então inédita para eles. Nesse processo de descobertas é impossível delimitar exatamente onde começa a catarse e termina a instrumentalização (SAVIANI, 1992).

Na semana posterior à caminhada, os alunos foram convidados a discutir suas impressões sobre a ação pedagógica e depois discutir e escrever algumas ações possíveis para enfrentar o problema da poluição na praia, com essa atividade, pretendeu-se observar como o objeto passa a ser compreendido depois de todo o percurso da pesquisa.

As redações mostraram que as posições iniciais se alteraram, mas os alunos ainda não conseguiam perceber o contexto global em que estão inseridas as indústrias, a sociedade e a discussão sobre o meio ambiente. Com isso foi proposta uma quarta atividade, no sentido de aprofundar a questão social. Seria como recomeçar o percurso da pesquisa, pois entendemos que o processo de ensino-aprendizagem, a partir de Saviani (1992), como um processo dialético e, por isso, de contínua apropriação da essência da realidade.

Na análise do primeiro encontro após a caminhada percebeu-se que a discussão ficou em termos periféricos e que as impressões registradas pelos participantes não revelaram o que realmente todos pensavam. Percebeu-se esta questão ao ouvir um participante que disse algo como: eu não gosto de discutir este assunto de “meio ambiente” porque isto gera conflito com as empresas, que são importantes para gerar empregos”. Este foi o ponto de partida para elaboração do segundo encontro. Tendo como objetivo aprofundar a discussão direcionando-a para a questão dos conflitos ambientais, foi preparado um pequeno texto que serviu de roteiro para as perguntas que aconteceriam conforme o desenvolvimento das discussões.

Um pesquisador mediador, auxiliado por dois outros, dirigiu, como moderador, uma dinâmica de grupo. A dinâmica deu-se na forma de um debate em círculo, que começou no momento em que o moderador da dinâmica questiona os demais participantes sobre suas impressões sobre a caminhada pela praia de Camburi. O debate prosseguiu, a partir da dialogicidade, com a perspectiva de refletir sobre as conexões feitas entre aquela paisagem da praia de Camburi e suas problemáticas à um circuito temático maior de relações de produção que permeiam do local ao global em uma dinâmica industrial capitalista. O objetivo foi problematizar estas relações capitalistas de produção a partir da temática ambiental (LOUREIRO, 2003).

À medida que o grupo prosseguiu no debate, surgiram palavras-chave ao redor das quais adensaram-se as reflexões. Estas palavras surgiram tanto por parte dos pesquisadores quanto por parte dos educandos. Embora o grupo tenha compreendido 10 (dez) educandos, apenas 5 (cinco) manifestaram-se abertamente, mais à vontade. Assim segue algumas das palavras e frases que marcaram o debate: Poluição, ação ambiental, desmatamento, sustentabilidade, educação, Capital, riqueza, Indústria, estudo, aprendizado, meio ambiente, respeito etc.

Estas foram as palavras que marcaram as diversas perspectivas surgidas no debate a respeito das relações de produção e o meio ambiente. A dialogicidade com a qual o grupo construiu o debate permitiu a troca de saberes a respeito do tema do meio ambiente por parte de educandos e educadores presente. Ficou evidente um posicionamento inicial da maioria dos educandos, ligado ao discurso do desenvolvimento sustentável promovido pelas grandes empresas poluidoras. Na busca de problematizar esta perspectiva a partir da instrumentalização, os mediadores interviram em momentos pontuais, com algumas contextualizações histórico-geográficas e exemplos das atividades produtivas surgidas no debate tais como a mineração (no caso da Vale e Samarco), o agronegócio e produção de alimentos e o monocultivo silvícola, expondo os conflitos étnico-sociais-ambientais decorridos de tais atividades.

Ao decorrer de todo o debate, o grupo mostrou-se de modo geral, consciente da relação global dos modelos produtivos e das indústrias poluidoras, bem como da necessidade de uma atuação rumo à modelos alternativos de produção. Revelaram-se, no entanto, dois posicionamentos, que se mantiveram ao final do círculo de debate, aos quais podemos chamar de “fatalistas” em relação à temática. O primeiro, de que devemos nos concentrar em mitigar as consequências de um modo de produção incontornável, insuperável. O segundo, o de valorização dos países da Europa em detrimento do Brasil. Tais posicionamentos ficam evidentes quando nos deparamos com frases como: “temos que conciliar as duas coisas. Valorizar a empresa [Vale] e fazer uma ação ambiental: limpar a praia, plantar árvores. Nós também temos que pensar na poluição que produzimos. Nunca vi sair da chaminé da Vale um saco de plástico. A poluição é uma consequência.” E no segundo: “O Brasil poderia fazer igual a Inglaterra. Se a fábrica poluir ela é fechada”; “No Brasil a maioria das pessoas não se preocupam com isto.”

Tais posicionamentos indicam a necessidade de um trabalho contínuo de problematização temática junto aos educandos para que haja realmente uma conscientização crítica capaz de refletir e agir orientados a transformação da sociedade. A proposta histórico-crítica, por trabalhar através da dialeticidade e da dialogicidade exige esta continuidade como práxis educativa de um fazer permanente.

Considerações conclusivas

Ao final da atividade, podemos concluir que a ação educativa proposta a partir da perspectiva histórico-crítica, realizada de forma dialógica com o grupo de educandos, provocou um debate no qual o tema ambiental foi problematizado, possibilitando uma compreensão do contexto ambiental da praia de Camburi atrelado a uma dinâmica global de relações de produção. Foi fundamental para a realização da proposta a participação da AAPC, sinalizando a importância da atuação de movimentos sociais organizados na defesa do ambiente e na elaboração de práticas educativas transformadoras, em especial para nós, no que tange a EA Crítica.

O entendimento da relação entre as atividades industriais e a política, se deu na medida em que conseguimos problematizar junto aos alunos, a frágil aplicação da legislação ambiental por parte dos órgãos reguladores, percepção esta propiciada pela experiência de campo, que nos coloca diante da visível contradição entre o discurso de sustentabilidade ambiental propagado pela grande mídia junto a empresa (VALE), e a realidade ambiental pela qual passa o entorno do complexo portuário de Tubarão (cf. FROIS; DELLA FONTE, 2019).

A permanência, por parte dos educandos, de uma perspectiva na qual este modelo de desenvolvimento é insuperável, indica a necessidade de um trabalho contínuo de educação crítica, compreendendo que a perspectiva histórico-crítica embora potente para a problematizar a realidade, deve se dar a partir de uma atuação permanente, já que a transformação em si, é um processo dialético sempre em movimento, em fazer-ser.



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