LOGÍSTICA REVERSA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: O ASPECTO SOCIAL DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

REVERSE LOGISTICS AND ENVIRONMENTAL EDUCATION: THE SOCIAL ASPECT OF SOLID WASTE

Daniela Ferreira da Mota1

Mestranda em Direito Ambiental PUC/SP. Pós-Graduação em Direito Ambiental e Urbanístico PUC/MG. Pós-Graduação em Direito Administrativo e Constitucional EPD. daniela.fmota@hotmail.com.



Resumo: O presente estudo teve como objetivo avaliar o tratamento legal do instituto da logística reversa sob o aspecto da educação ambiental, utilizando, para tanto, as diretrizes dispostas na Política Nacional de Resíduos Sólidos e na Política Nacional de Educação Ambiental. A proposta foi a análise dos dois diplomas legislativos, do contexto no qual surgiram, do tratamento nacional e internacional sobre a matéria, de forma conjunta com a doutrina em matéria de direito ambiental, possibilitando identificar os avanços do instituto da logística reversa, e identificar possíveis pontos de melhoria ainda pendentes para que haja a efetiva participação do consumidor, elo final da cadeia produtiva, e essencial para que o retorno dos produtos em fim de vida aconteça de forma adequada.

Palavras-chave: Resíduos Sólidos. Logística Reversa. Educação Ambiental.



Abstract: This study proposed to evaluate the legal treatment of the take-back programs under the aspect of environmental education, using, for this purpose, the guidelines set out in the National Solid Waste Policy and the National Environmental Education Policy. The objective was the analysis of the two pieces of legislation, the context in which they emerged, the national and international treatment on the matter, in conjunction with the doctrine on environmental law, in order to identify the advances of the reverse logistics institute, and identify possible points for improvement that can allow the effective participation of the consumer, the final link of the production chain, and essential for the return of end-of-life products to occur properly.

Key-words: Solid Waste. Reverse Logistics. Environmental Education.





Introdução

Na ocasião da organização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como a Rio-92, diversas propostas legislativas relacionadas à temática ambiental surgiram no período, sendo que nos anos de 1992 e 1993 foram propostos dois projetos de lei que antecederam às atuais Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) (Feldmann, Araújo, 2012, p. 561).

Dentre os países da América Latina, o Brasil foi o primeiro a criar uma política nacional específica voltada para a educação ambiental (IBRAHIM, 2014, p. 102), sendo que a importância da aplicação prática da legislação de educação ambiental é a utilização das suas propostas, instrumentos, objetivos e princípios balizadores, como diretrizes para garantir maior acesso das pessoas à informação e consequentemente possibilitar a maior efetividade de outras normas de proteção ambiental, a exemplo da política de resíduos.

Assim, ao analisar em conjunto as políticas nacionais de educação ambiental e de resíduos sólidos, o presente artigo propõe o exame da logística reversa, um dos instrumentos da política de resíduos, focando no tratamento legal que é dado a essa ferramenta sob a ótica da educação ambiental.

Sendo assim, o presente estudo tem por objetivo avaliar de que forma a educação ambiental e as diretrizes da PNEA atingem a Logística Reversa, apresentada pela norma como instrumento de desenvolvimento econômico e social fundamental para lidar com parte da problemática envolvendo a gestão de resíduos no país, e em franco desenvolvimento na denominada temática ESG, que vem incentivando o setor produtivo a adotar medidas voltadas ao meio ambiente (Environment), à questão social (Social) e também de melhores práticas de gestão e governança corporativa (Governance).

Para tanto, são analisados os pontos de convergência das duas normas, que colocam a educação ambiental como peça fundamental para a consecução dos seus respectivos objetivos, pois a primeira acaba sendo balizadora para a segunda definir instrumentos e ferramentas – a exemplo da logística reversa – para que a sociedade tenha maior participação nas políticas ambientais, e que o consumidor seja tratado como um dos atores necessários para o sucesso da equação do desenvolvimento sustentável e a efetividade dos demais mecanismos da norma.

O primeiro capítulo analisa o contexto do surgimento das duas políticas nacionais, trazendo elementos que explicam de que forma a educação ambiental foi inserida em diversos instrumentos, tanto no âmbito internacional, em tratados e convenções, quanto no nacional, influenciando as normas de proteção que surgiram para a promoção do desenvolvimento sustentável.

O segundo capítulo trata especificamente sobre a Política Nacional de Educação Ambiental e seu respectivo decreto regulamentador, avaliando quem são os responsáveis, segundo a norma, de promover a educação ambiental no Brasil, bem como quais são as eventuais ferramentas e instrumentos sugeridos para tanto.

Na sequência, o próximo capítulo foi dedicado à Política Nacional de Resíduos Sólidos e considerando constar a menção expressa de que a norma se articula com a Política Nacional de Educação Ambiental, primeiro é feita uma avaliação dos atores que possuem a denominada responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, de que forma essas atribuições impactam na logística reversa e, por fim, o papel da educação ambiental na logística reversa.

  1. Contextualização e o surgimento das Políticas Nacionais de Educação Ambiental e de Resíduos Sólidos

A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 no princípio 19 trouxe, no seu texto, a importância da educação ambiental:

Princípio 19: é indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem-informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos” (ONU, 1972).

Em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei Federal nº 9.638, inseriu como um de seus princípios a “educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” (BRASIL, 1981).

Na mesma tendência, a Constituição Federal de 1988, que possui um capítulo dedicado ao meio ambiente, inseriu no artigo 225 a incumbência ao Poder Público de promover a educação ambiental, para assegurar a efetividade do direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...) VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, firmada em 1992 durante a Convenção que leva o mesmo nome (Rio-92), elenca uma série de princípios que são verdadeiras recomendações para guiar os países signatários ao desenvolvimento de políticas visando o desenvolvimento sustentável.

Dentre os referidos princípios, destaca-se o Princípio 10, o qual prevê a necessidade de acesso público e adequado às informações que possam causar impactos na sociedade, sendo dever das autoridades públicas de cada Estado assegurar a conscientização da população:

Princípio 10: a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. [...]

Outro documento produzido durante a Convenção foi a denominada Agenda 21, um verdadeiro instrumento de planejamento que elenca uma série de metas para que os Estados persigam durante o século XXI, de forma a solucionar problemas identificados, os quais devem ser adaptados às realidades de cada local.

O item 36.3 da Agenda 21 dispõe:

36.3. O ensino, inclusive o ensino formal, a consciência pública e o treinamento devem ser reconhecidos como um processo pelo qual os seres humanos e as sociedades possam desenvolver plenamente suas potencialidades. O ensino tem fundamental importância na promoção do desenvolvimento sustentável e para aumentar a capacidade do povo para abordar questões de meio ambiente e desenvolvimento. Ainda que o ensino básico sirva de fundamento para o ensino em matéria de ambiente e desenvolvimento, este último deve ser incorporado como parte essencial do aprendizado. Tanto o ensino formal como o informal são indispensáveis para modificar a atitude das pessoas, para que estas tenham capacidade de avaliar os problemas do desenvolvimento sustentável e abordá-los. O ensino é também fundamental para conferir consciência ambiental e ética, valores e atitudes, técnicas e comportamentos em consonância com o desenvolvimento sustentável e que favoreçam a participação pública efetiva nas tomadas de decisão. Para ser eficaz, o ensino sobre meio ambiente e desenvolvimento deve abordar a dinâmica do desenvolvimento do meio físico/ biológico e do socioeconômico e do desenvolvimento humano (que pode incluir o espiritual), deve integrar-se em todas as disciplinas e empregar métodos formais e informais e meios efetivos de comunicação.

Em 1997 realizada a Conferência Internacional de Tessalônica, na Grécia, que teve como tema: Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade (PHILIPPI JR, ROMERO e BRUNA, 2014, p. 31). Dentre as recomendações da Declaração resultante da Conferência, consta a de que os Governos, instituições financeiras e o setor produtivo sejam encorajados a empregar recursos adicionais e investir em educação e conscientização pública. 

Assim, tanto na seara nacional quando internacional, verifica-se que o tema possui há alguns anos contornos e diretivas de como deve se dar a educação ambiental, não somente fazendo parte das políticas de proteção do país, mas também da atividade empresarial e do cotidiano das pessoas como um todo, já que possuem um importante papel na efetividade dessas políticas e atividades.

  1. A Política Nacional de Educação Ambiental

Segundo SARLET e FENSTERSEIFER (2020, p. 530), em que pese se tratar de norma infraconstitucional que regulamenta o art. 225, §1º, VI da Constituição Federal, a PNEA acaba por estabelecer expressamente no caput do seu artigo 3º, um direito fundamental à educação ambiental – fundamental em razão da soma do dispositivo constitucional mencionado, ao art. 6º, caput, da Constituição, que estabelece o direito fundamental à educação.

De acordo com o artigo 1º da PNEA educação ambiental pode ser definida como “(…) os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999).

Apesar da PNEA focar, a exemplo do texto constitucional, grande parte dos esforços para demonstrar a necessidade de promoção da educação ambiental pelo Estado, por meio da implementação de políticas públicas, a norma não deixa de apontar diversos outros atores que também fazem parte e possuem papel no sistema educacional nacional, conforme explica SARLET e FENSTERSEIFER (2020, p. 531), ao tratar do disposto no art. 3º da norma:

O dispositivo em questão expressa de forma clara a obrigação do Estado, em todos os níveis federativos, de promover políticas públicas voltadas à educação e conscientização ambiental. No entanto, não fica somente nisso. A norma também assinala deveres a agentes não estatais, por exemplo, as instituições educativas privadas, os meios de comunicação de massa empresas, as entidades de classe, as instituições privadas, bem como a sociedade como um todo. Isso demonstra a amplitude e a relevância da política nacional de educação ambiental.

E a cada um desses atores, são atribuídos alguns papeis. O Poder Público é responsável pela promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e, ainda, buscar a participação da sociedade nas ações de conservação, recuperação e melhoria da qualidade do meio ambiente, sendo que os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) devem integrar ações de educação ambiental aos programas que promovem. As empresas, entidades de classe, e instituições no geral devem promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores. Finalmente, a sociedade como um todo, deve se atentar à formação de valores que propiciem a atuação, seja individual ou coletiva, para a questão ambiental (IBRAHIM, 2014, p. 104).

Apesar da PNEA prever expressamente no artigo 3º incumbências do Poder Público, instituições educativas, órgãos integrantes do SISNAMA, meios de comunicação de massa, empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas e à sociedade como um todo, a sua regulamentação, ocorrida pelo Decreto nº 4.281/2002, acaba por privilegiar apenas órgãos integrantes do SISNAMA e instituições educacionais.

Dentre os diversos princípios elencados pelo artigo 4º da PNEA para a educação ambiental no país, destaca-se a “a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade” (BRASIL, 1999), que ressalta, mais uma vez, a íntima relação da temática ambiental com outras matérias e a multiplicidade de atores para a promoção da sustentabilidade.



  1. A Política Nacional de Resíduos Sólidos

    1. Atores da PNRS e as respectivas atribuições

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, e regulamentada pelo Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010, foi o novo marco legal da gestão de resíduos no país, inaugurando uma série de ações e novos procedimentos visando o gerenciamento de resíduos sólidos de forma ambientalmente adequada e a instituição de responsabilidades para os envolvidos na cadeia de resíduos.

Consta expressamente na Política Nacional de Resíduos que a norma se articula com a Política Nacional de Educação Ambiental, a qual foi instituída alguns anos antes pela Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999. Para entender de que forma se pretendeu essa articulação é necessário entender um dos princípios trazidos pela PNRS, a denominada responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, definida como:

Conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei. (BRASIL, 2010)

Conforme depreende-se do trecho colacionado, quando trata de responsabilidade, a política nacional de resíduos realiza três grandes divisões: a primeira compreende o que setor empresarial, englobando fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes; a segunda é composta pelos consumidores; finalmente a terceira compreende os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, ou seja, o poder público. Para cada um desses três atores, é atribuída uma série de obrigações e responsabilidades.

Para o setor empresarial foi estabelecida a necessidade de investir no desenvolvimento, fabricação e colocação no mercado de produtos que sejam aptos à reutilização, reciclagem ou outra forma de destinação ambientalmente adequada, ou, ainda, cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível; além disso, também cabe ao setor a divulgação de informações relativas às formas de evitar a geração de resíduos associados a seus respectivos produtos.

Para os consumidores, por sua vez, foi estabelecida a necessidade de, após o uso, efetuar a devolução ao setor empresarial dos produtos e das embalagens objeto de logística reversa – daí a importância de receber informações sobre como evitar a geração e, havendo a geração, efetivar a devolução. Ademais, sempre que houver sistema de coleta seletiva, cabe ao consumidor a obrigação de acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados, bem como disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

Finalmente, o poder público, na qualidade de titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, observado, se houver, o respectivo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos e a legislação de saneamento é responsável por: adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos; estabelecer sistema de coleta seletiva; articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos; realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial; implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido; e dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. 

No caso dos Municípios, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos é um importante instrumento para os objetivos da política nacional, isso porque o fornece um verdadeiro diagnóstico da situação dos resíduos sólidos gerados no respectivo território do município, contendo a origem, o volume, a caracterização e as formas de destinação. Cumpre salientar que é parte do conteúdo mínimo do plano municipal a inclusão de programas e ações de educação ambiental que promovam a não geração, a redução, a reutilização e a reciclagem de resíduos sólidos.

O que se depreende da PNRS portanto, é a inclusão de responsabilidades relacionadas à educação ambiental para todos os agentes da cadeia do resíduo: setor empresarial, poder público e consumidores. Sem a coordenação das atribuições de cada um desses agentes, dificilmente a política se mostraria efetiva, tamanha a interdependência das ações de cada um.

Para o setor empresarial e poder público, a lei acaba por estabelecer obrigações que demandam um papel mais ativo, levando ao consumidor informações essenciais sobre o seu papel na gestão dos resíduos, em especial visando satisfazer um dos principais objetivos da PNRS, disposto no art. 7º, II, que trata, da ordem preferencial de destinação ambientalmente adequada dos resíduos e destinação dos rejeitos, estabelecida pela PNRS: “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos” (BRASIL, 2010).

Para o consumidor, por sua vez, é essencial a compreensão de que a responsabilidade pela gestão de resíduos não recai somente sobre o poder público e o setor empresarial, e que ele, consumidor, também possui um papel essencial para que toda a cadeia possa desenvolver suas atribuições de maneira adequada, tanto na coleta seletiva, quanto na logística reversa, conforme ressalta OLIVEIRA (2014, p. 638):

A coleta seletiva é “coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição” (art. 3º, V).

Nesse sentido, sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos e na aplicação da logística reversa, os consumidores são obrigados a (art. 35):

a) acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados;

b) disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

O poder público municipal pode instituir incentivos econômicos aos consumidores que participam do sistema de coleta seletiva, na forma de lei municipal (art. 35, parágrafo único).

Afinal, se houver um sistema de logística reversa implementado, com pontos de coleta disponíveis, mas o produto em fim de vida não for levado pelo consumidor até o ponto de coleta, o sistema não funcionará apropriadamente, a mesma lógica se aplica a um Município que possui sistema de coleta seletiva, e que o consumidor não realiza a separação e disponibilização para a coleta, a existência do serviço só se demonstra efetiva se, de fato, o resíduo puder alcançar os interessados.

Finalmente, importante ressaltar que se verifica um quarto agente que acaba por se tornar essencial, tanto para poder público, quanto para setor empresarial na viabilização da reciclagem de grande quantidade de materiais descartados pelos consumidores: os catadores de materiais recicláveis, tanto individuais quanto em cooperativas. Eles são responsáveis pelo recolhimento e reinserção de diversos materiais na cadeia de destinação, sendo figuras fundamentais para atuação em parceria com os demais, o que é incentivado e promovido pela legislação.

    1. Logística Reversa

A Política Nacional de Resíduos Sólidos define a logística reversa como “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada” (BRASIL, 2010).

Ou seja, não cabe ao setor empresarial somente a colocação no mercado e a disponibilização ao consumidor de produtos acabados para compra, trata-se da continuação do negócio empresarial, em que após a venda deve haver um fluxo de retorno de peças a serem reparadas, de embalagens e seus acessórios, de produtos vendidos devolvidos e de produtos usados/consumidos (DORNIER apud LEITE, 2017, p.28).

A partir da PNRS, os sistemas de logística reversa são implementados e operacionalizados por meio de acordos setoriais;  regulamentos expedidos pelo Poder Público; ou termos de compromisso.

Leite (2017, p. 127) explica que a origem da maior parte das leis ambientais sobre resíduos sólidos e logística reversa no mundo têm origem nos impactos causados pela quantidade de resíduos gerados no meio ambiente, muitas vezes decorrente de um verdadeiro desequilíbrio entre oferta de produtos e demanda de consumo. De tal forma, as normas de caráter ambiental acabam por reduzir essas discrepâncias modificando, por meio de regulação, a oferta de materiais reciclados e até mesmo de seus produtos finais no mercado consumidor.

A PNRS obedece a mesma lógica explicada pelo autor e, por esta mesma razão, desde o início a política selecionou um grupo de resíduos para os quais, satisfeitos os critérios estabelecidos, se tornaria obrigatório, o processo de implantação e operacionalização de sistema de logística reversa, são eles: agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e equipamentos eletrônicos. Importante salientar, que essa enumeração funcionou, ao menos na esfera federal, já foram implantados sistemas para cada um desses grupos de produtos e hoje há esforços para a implementação de outros não elencados.

Os sistemas de logística reversa, segundo a PNRS, devem ser implementados de forma independente do serviço público de limpeza urbana, o que significa dizer que os resíduos com logística reversa implantada e em pleno funcionamento comporão cadeias independentes, de responsabilidade do setor empresarial, ou seja, não farão parte do sistema público de limpeza, de responsabilidade do poder público.

Segundo estudo promovido pela ABRELPE (2015), a implementação dos sistemas da forma disposta na norma deve aumentar a quantidade de resíduos destinados de forma ambientalmente adequada, e dessa forma, cumprir com a meta estabelecida, tanto pelos próprios sistemas de logística reversa, quanto pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos.

      1. O papel da Educação Ambiental na Logística Reversa

Conforme visto anteriormente, é evidente que a educação ambiental, é de suma importância para os objetivos pretendidos pela própria PNRS, e sem dúvida, para diversas outras leis de proteção ambiental do país. Sendo assim, naturalmente a logística reversa, objeto do presente estudo, também está contemplada no rol desses objetivos e o papel de cada um dos atores elencados no conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos é de fundamental para a compreensão da extensão do que se poderia implementar considerando a norma federal.

Neste sentido ANTUNES (2021, p. 801) lembra que existe inclusive norma, posterior à PNRS e PNEA que junta os objetivos das duas para tratar de forma mais direta no artigo 2º da logística reversa. Trata-se da Política de Educação para o Consumo Sustentável (Lei nº 13.186/2015), que determina como um dos seus objetivos a promoção da “redução do acúmulo de resíduos sólidos, pelo retorno pós-consumo de embalagens, pilhas, baterias, pneus, lâmpadas e outros produtos considerados perigosos ou de difícil decomposição” (BRASIL, 2015).

Ocorre que, em que pese a PNRS e respectivo decreto regulamentador preverem expressamente a integração com a política de educação ambiental, foram apenas elencadas, no título específico dedicado à educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos (Título IX do Decreto nº 7.404/2020), medidas a serem adotadas pelo poder público, ficando de fora, entretanto, o setor empresarial e os consumidores, conforme depreende-se da leitura do dispositivo a seguir:

Art. 77. A educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos é parte integrante da Política Nacional de Resíduos Sólidos e tem como objetivo o aprimoramento do conhecimento, dos valores, dos comportamentos e do estilo de vida relacionados com a gestão e o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

§ 1º A educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos obedecerá às diretrizes gerais fixadas na Lei no 9.795, de 1999, e no Decreto no 4.281, de 25 de junho de 2002, bem como às regras específicas estabelecidas na Lei no 12.305, de 2010, e neste Decreto.

§ 2º O Poder Público deverá adotar as seguintes medidas, entre outras, visando o cumprimento do objetivo previsto no caput:

I - incentivar atividades de caráter educativo e pedagógico, em colaboração com entidades do setor empresarial e da sociedade civil organizada;

II - promover a articulação da educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos com a Política Nacional de Educação Ambiental;

III - realizar ações educativas voltadas aos fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores, com enfoque diferenciado para os agentes envolvidos direta e indiretamente com os sistemas de coleta seletiva e logística reversa;

IV - desenvolver ações educativas voltadas à conscientização dos consumidores com relação ao consumo sustentável e às suas responsabilidades no âmbito da responsabilidade compartilhada de que trata a Lei nº 12.305, de 2010;

V - apoiar as pesquisas realizadas por órgãos oficiais, pelas universidades, por organizações não governamentais e por setores empresariais, bem como a elaboração de estudos, a coleta de dados e de informações sobre o comportamento do consumidor brasileiro;

VI - elaborar e implementar planos de produção e consumo sustentável;

VII - promover a capacitação dos gestores públicos para que atuem como multiplicadores nos diversos aspectos da gestão integrada dos resíduos sólidos; e

VIII - divulgar os conceitos relacionados com a coleta seletiva, com a logística reversa, com o consumo consciente e com a minimização da geração de resíduos sólidos.

§ 3º As ações de educação ambiental previstas neste artigo não excluem as responsabilidades dos fornecedores referentes ao dever de informar o consumidor para o cumprimento dos sistemas de logística reversa e coleta seletiva instituídos.

Verifica-se que apesar de haver uma breve menção ao setor empresarial e à logística reversa no último parágrafo, a norma tão somente menciona que as ações elencadas não afastam a responsabilidade dos fornecedores de informar os consumidores das questões atinentes à logística reversa. Percebe-se que a continuidade ou aprofundamento do dispositivo era uma importante oportunidade de estabelecer a forma como essas ações poderiam ser promovidas de forma mais abrangente por toda a norma, mas que ela foca nas ações de atribuição do Poder Público.

Corroborando este entendimento, Soler e Silva Filho (2019, p.40) mencionam que as questões relacionadas à educação ambiental ainda estão sendo tratadas na prática de forma meramente protocolar, carecendo de uma revisão de conceitos, princípios e métodos para a real efetividade. Ou seja, a realidade também se mostra tão protocolar quanto a rápida passagem da norma pelo tema.

Fato é que, no que se refere ao poder público, não faltam diretrizes gerais do que se fazer e em como promover a educação ambiental, mas no que diz respeito à iniciativa privada, muito se está dependendo ainda de iniciativas autônomas de gestão sustentáveis, como certificações, selos sustentáveis, práticas ambientais, sociais e de governança (conhecidas pela sigla ASG e, em inglês, ESG) – as quais, ressalta-se, estão crescendo a cada dia e ganhando destaque internacionalmente. Trata-se de uma verdadeira autorregulação proveniente do mercado, e das demandas dos próprios consumidores e concorrentes pela adoção de tais práticas.

É importantíssimo compreender que ferramentas de relevo na PNRS demandarão que ações públicas e privadas direcionadas à educação ambiental sejam bem-sucedidas. A não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, requerem educação não apenas da coletividade, mas também do próprio poder público11 . A logística reversa não funcionará a contento sem a participação dos consumidores. A devolução dos produtos e das embalagens após o uso é o primeiro passo para o retorno dos resíduos ao ciclo produtivo. Os consumidores, para tanto, terão de ter consciência da relevância de seu papel na execução da lei. Por outro lado, a eficácia dos diferentes planos de resíduos demanda educação da população para o meio ambiente e, também, maior envolvimento dos gestores públicos com a questão ambiental. Ainda, vale lembrar que, a médio prazo, a implementação da logística reversa pode significar uma radical inovação em toda a cadeia produtiva, exigindo que, desde a concepção e o desenho dos bens e serviços, o pós-consumo seja levado em consideração (Feldmann, Araújo, 2012, p. 569).

Ademais, como bem lembrado por Soler e Silva Filho (2013. p. 32) a logística reversa possui estreita relação com o princípio do poluidor pagador, que acarreta ao utilizador do recurso natural, ou responsável pela atividade potencialmente poluidora, o ônus de arcar com os custos do impacto ambiental.

  1. Considerações Finais

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída pela Lei Federal nº 9.795/1999 é a regulamentação, na seara infraconstitucional, do artigo 225, §1º, VI da Constituição Federal, que trata na incumbência dada ao Poder Público de promoção da educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, em todos os níveis de ensino. A norma acaba por estabelecer o dever dos entes federativos de levar ao conhecimento da sociedade a problemática ambiental, e conscientizar a população sobre os caminhos para a superação dos desafios e resguardo do direito ao meio ambiente (SARLET e FENSTERSEIFER, 2020, p. 529).

Já a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), além de mencionar de forma expressa a articulação com a Política de Educação Ambiental (PNEA), acaba por revelar de forma mais detalhada e evidente a perspectiva transversal do Direito Ambiental, e a interdisciplinaridade com outros temas – daí a importância da questão envolvendo a educação, conforme se verifica da leitura do art. 6º, III, que trata como princípio da PNRS “a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública” (BRASIL, 2010).

Pelo presente estudo, ficou demonstrado que é comum que os consumidores não possuam a consciência de sua responsabilidade e de seu papel para a preservação do meio ambiente. Sendo assim, a educação ambiental é um dos mais importantes instrumentos legais para que se avança na gestão ambiental do país.

Neste sentido, a logística reversa, que é um dos instrumentos da PNRS, muito poderia se beneficiar das ações de promoção da educação ambiental, uma vez que ao promover a educação ambiental se está verdadeiramente dando força à informação – o que, por consequência, geraria maior sensibilidade do consumidor para efetivar a devolução dos resíduos ao setor empresarial.



Referências Bibliográficas

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