EDUCAÇÃO PARA CONSUMO SUSTENTÁVEL EM ARQUITETURA E DESIGN

Rafael Augusto Camargo

Mestrado em Educacão. Ilustrador Membro da SIB - Sociedade dos Ilustradores do Brasil. Projeto Super Normais - Temática de Tiras em Quadrinhos como ferramenta de Educação Inclusiva. Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Integrante da rede IDIN - International Development Innovation Network (MIT). Voluntário Paralimpíadas Rio 2016, Facilitador Visual TEDx Paris 2017 e TEDx Blumenau e TEDx Speaker PUCPR.

rafacamargo@gmail.com

ABSTRACT: This article aims to reflect and analyze political educational issues after the Law n. 13.186 2015 has been passed, which establishes educational policy for sustainable consumption, from the point of view of the designing teaching as cultural object co-responsible for purchasing decisions, as well as the process which relates individuals and their identification to the goods. The theoretical input has as perspective and orientation the work from the Austrian designer and Professor Victor Papanek, who was one of the first to develop a critique regarding social political economical position of designers and the ethical responsibility in creating projects concerning sustainability. As methodology, the narrative of oral history seeks the construction of knowledge through orality. Therefore, interviews with the professors of the Architecture and Design School from PUCPR, Fernando Arns and André Turbay, and the president of the National Council for the Rights of the Children and Adolescents (CONANDA) were taken. These professionals were willing to collaborate to this article in order to analyze the current scenario, which relates education and sustainability, two main elements quoted by Victor Papanek. Considering that global decisions and effective educational measures that transform our local scenarios take too long, it is possible to constantly reconsider our educational processes and the relation with natural assets, quantifying well-being and the future. That way, education shall create new ideals in terms of identity and reinforce the feeling that we are part of a complex ecosystem, and not parallel to it. If the political element described through the laws makes directives, it is the education through the design a contemporary possibility to help transforming laws in useful and meaningful routines.

KEYWORDS: Education in design, oral history, consumption.

RESUMO: Este artigo busca refletir e analisar questões político-educacionais existentes após a criação da Lei n.o 13.186, de 11 de novembro de 2015, que institui a política de educação para o consumo sustentável, sob a perspectiva do ensino em design como objeto cultural corresponsável das decisões de compra, bem como processo que relaciona indivíduos e sua identificação com mercadorias. O aporte teórico tem como perspectiva e orientação o trabalho do designer e professor austríaco Victor Papanek, um dos primeiros a fazer críticas quanto às posições sócio-político-econômicas de designers e à responsabilidade ética existente para a criação de projetos com preocupações de sustentabilidade. Como metodologia, busca-se com a narrativa da história oral a construção do conhecimento por meio da oralidade. Tem-se, portanto, entrevistas com professores da Escola de Arquitetura e Design da PUCPR, Fernando Arns e André Turbay, e com a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Esses profissionais dispuseram-se a colaborar com o artigo para uma análise atual do cenário, o qual relaciona a educação e a sustentabilidade, dois elementos principais na obra de Victor Papanek. Considerando a morosidade de decisões globais e efetivas ações educativas que transformem nossos cenários locais, é possível repensarmos constantemente nossos processos educativos e relação com bens naturais, quantificando o bem-estar e o futuro. Nesse sentido, cabe à educação criar novos ideais identitários e fortalecer o sentimento humano que demonstra que somos parte de um ecossistema complexo e não paralelo a ele. Se o elemento político descrito por meio das leis cria diretrizes, tem-se na educação, por intermédio do design, uma possibilidade contemporânea para auxílio na transformação de leis em rotinas úteis e significativas.

Palavra-chave: Educação em Design, História Oral, Consumo.

  1. INTRODUÇÃO

Considerando a urgente necessidade global de ajustar nossos sistemas e ideais, em sintonia com o acordo global de mudanças climáticas, é preciso deixar claro como nossas atitudes influenciam nessa relação e no comprometimento com o meio ambiente. A justificativa desse artigo coincide com a percepção de muitas pessoas sobre a ideia de que a indústria, o Estado e mesmo o modelo econômico são os principais responsáveis pelo aquecimento global. No entanto, esquecemos, ou omitimos, a nossa própria responsabilidade e as microações profissionais, bem como a formação de um sentido educador e sustentável.

A arquitetura e o design são áreas do conhecimento humano responsáveis pela criação do nosso modo de viver, de como moramos e de como e o que nós consumimos. A formação de arquitetos e designers ensina e incentiva pessoas a desenvolverem um processo político-dialógico com o entorno, o meio ambiente. Do mesmo modo, influencia a criação de espaços edificados, interfaces digitais e impressas, sistemas urbanos e imagens, que interrelacionam o humano com o capital cultural.

Diante disso, o objetivo desse artigo é ouvir a história pessoal de professores da Escola de Arquitetura e Design da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e, por via da oralidade, associarmos aos conceitos e à perspectiva de sustentabilidade. O autor e designer Victor Papanek e demais documentos analisados fundamentam as necessidades e a situação global ao sugerirem ideias que auxiliem na formação de políticas de educação para o consumo sustentável. Como objetivos específicos, procura-se, por meio desse artigo, compreender quais mudanças de atitude são idealizadas pelos educadores. Quanto à arquitetura e ao design, estes são responsáveis pela formação de ideais de consumo e pelo que influencia a formação de professores de arquitetura e design voltada ao consumo e à sustentabilidade.

O artigo tem sua estrutura organizada em quatro áreas principais e a conclusão. Inicia com a descrição de documentos globais que denotam a atuação na situação global e, no segundo momento, como Victor Papanek, arquiteto e designer austríaco, que trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU) e em diversas universidades, posiciona-se frente à postura de profissionais em arquitetura e design.

Na sequência, o artigo reflete sobre política e a educação e, assim, enfoca como a intencionalidade, a história de vida e a percepção de professores contribuem na construção do conhecimento.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A SUSTENTABILIDADE COMO META

O momento parece repleto de críticas e problemas a serem resolvidos desde a Segunda Guerra Mundial e o avanço do neoliberalismo. Globalmente, a COP 21 (acordo global assinado em janeiro de 2016) traz novas urgências – nem tão urgentes assim se considerarmos a origem dos acordos ambientais, como o Clube de Roma (1972), a Rio 92 e o Protocolo de Kyoto (1997). Podemos compreender, dentro do processo educativo e das instituições de ensino, como aplicar essas políticas e ações no dia a dia.

O texto aprovado pela COP 21 projeta-nos para um mundo de baixas emissões, em que as energias renováveis prevalecerão, disse o embaixador Luiz Antônio Figueiredo (apud ESTEVES, 2016), um dos negociadores do Brasil na COP 21. Portanto, como entendemos de forma coletiva e progressista que nossas microações têm relação direta na solução de urgentes questões universais?

Diversos documentos, em diferentes esferas, convocam os seres humanos a repensarem seus modelos de comportamento na atualidade, como a Encíclica Papal (2015) – que pode ser considerada extensão do documento Carta da Terra (2000) – o documento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), intitulado Revisando a visão das sociedades para o desenvolvimento sustentável e a paz (2015), e nacionalmente a criação da Lei n.° 13.186, que parece vir em acordo a essas políticas internacionais.

Enquanto os europeus enfrentam a grave crise migratória e americanos decidem a continuidade política sucessora ao governo de Obama, o Brasil enfrenta um momento de reflexão cultural que mobiliza grande parte da mídia e dos debates para a compreensão de casos de corrupção na história política recente. A operação Lava Jato investiga um processo histórico na relação entre partidos, governo e financiamento de campanhas político-partidárias.

É de conhecimento e consenso coletivo que ambientes de crise possibilitam revoluções e possibilidades de mudança. Exige-se certa dose de otimismo e esperança, uma vez que a crítica e o apontamento de situações deficitárias parecem-nos uma atitude mais rápida em momentos de tensão.

Mas educação exige comprometimento, autocrítica e humildade para reconhecermos que sempre é possível melhorar e que nossa natureza humana falha e exige constante policiamento de nossos acordos individuais e coletivos. Conforme Paulo Freire (1996), “[...] a prática educativa humanizante não pode deixar de estar impregnada pelo resgate do sentido da utopia”. Não podemos ser coniventes com as ordens desumanizantes de perversidade do sistema social, econômico e político.

Segundo Zygmund Baumann (2000), imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ações de curto prazo, destituída de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar uma existência sem sentido. Ela aprimora a prática social e a autocompreensão.

A quebra de paradigmas é sempre difícil, uma vez que é preciso resgatar questões históricas e mudanças profundas. Discursos são metalinguagens que ensinam pessoas a viver como pessoas (Thrift, 2013) e a mudança de discursos dominantes exige consciência e visão, dois aspectos extremamente difíceis em um país com alta desigualdade educacional como o nosso.

O sociólogo Zygmund Baumann (2000) relata que, por pelo menos 200 anos, foram administradores de empresas capitalistas que dominaram o mundo e foram determinantes na gama de alternativas dentro das quais confinar as tragédias da vida humana. Essa visão alimentava o discurso dominante. Podem ainda ser citados: o Fordismo, sistema de linha de produção em massa, como um modelo de regulação e acumulação; e o Taylorismo, que objetivava o controle da administração sobre os trabalhadores com máxima produção e rendimento no menor tempo, em meio a um conhecimento social sistematizado a partir de cima e incorporado ao maquinário pelos projetistas. Nessa criação de objetos que satisfazem nossos desejos, em grande parte o designer foi e continua sendo corresponsável.

O cenário controverso de desumanização e consumismo pode ser encarado como desafio e limite. Os recursos naturais têm em sua natureza o ensinamento do tempo como processo regenerativo que precisa ser respeitado. Precisamos urgentemente cooperar para que os esforços diversos e dispersos transformem-se em resultados positivos.

Ainda para Baumann (2000), fazendo um contraponto no que se refere ao resgate no senso de coletividade, a cooperação não só é desnecessária como é inteiramente supérflua. O que é consumido o é individualmente, mesmo que num saguão repleto de pessoas.

2.1.1 VICTOR PAPANEK – UM EDUCADOR E SUA CRÍTICA AO PROJETO QUE NOS CONSOME

Poucas profissões são tão irresponsáveis, que nos fazem comprar coisas que a gente não precisa com o dinheiro que a gente não tem”. Foi essa declaração, entre outras, que fizeram de Victor Papanek um profissional odiado por muitos e isso se referia também e, em especial, ao mainstream do design americano. Assim acontecia pelo fato de que a visão crítica desse professor e designer interferia e sugeria que o design deveria respeitar o ciclo de regeneração da natureza. Ele defendia, ainda, que se devia combater a obsolescência tecnológica, priorizar grupos minoritários e que nos aspectos de propriedade intelectual, ideias não tivessem barreiras comerciais para serem compartilhadas. Papanek chegou a sugerir que o designer parasse de fazer design. Isso, obviamente, incomodava a muitos.

Em junho de 2015, a Universidade de Artes Aplicadas de Viena, na Áustria, inaugurou o acervo histórico de Victor Papanek (registro de pesquisa e participação do autor). Toda a sua biblioteca e muito material coletado durante uma vida inteira de estudo e de ensino em universidades de todo o mundo, além da sua importante atuação internacional na Unesco, foram cedidos pela família Papanek para estudo e pesquisa. Em 30 de maio de 2015, a Fundação Victor Papanek realizou o simpósio Histórias de Design Social, que buscava debater a influência do design social de emigrantes europeus e os resultados que o deslocamento de profissionais refugiados trouxe à educação em design na Europa.

Victor Papanek fugiu de Viena em abril de 1938, quando as tropas nazistas de Hitler invadiram a cidade e começaram a marcar passaportes de homens judeus com a palavra Israel. Ele e sua mãe, Helene Papanek, migraram para Nova Iorque, onde o jovem de 15 anos passava a reforçar um sentimento que carregou por toda a vida. Sentia-se ali um verdadeiro outsider. Tiveram que retornar novamente a Viena, uma vez que Helene tinha muita dificuldade com o inglês e muitos americanos viam-nos com preconceito (Gowan, 2015).

Ao retornarem, a Gestapo (Polícia Secreta do Estado Nazista) invade o apartamento da família Papanek e tortura o menino. Em meio a interrogatório, queimam-lhe as mãos com cigarros. Sua mãe não estava em casa e, ao retornar, ficou aterrorizada ao encontrar o filho Victor naquele estado. Partiram da Áustria para a Holanda e dali dirigiram-se para os Estados Unidos. Chegaram a Ellis Island em abril de 1939.

Ele se dizia um aventureiro e via na América uma oportunidade de tornar-se um homem. Tinha início a história de um educador que escreveu um dos livros mais vendidos do design mundial, Design for The Real World (1971). Essa obra foi traduzida para 23 línguas e contribuiu com importante senso crítico à profissão.

Al Gowan (2016), professor e amigo de Papanek, com o qual dividiu o ensino de alunos por 15 anos, afirma que “[...] se eu pudesse fazer uma pergunta aos designers da atualidade, eu perguntaria: o que estão fazendo para salvar o mundo hoje?” (citação feita em entrevista/conversa por e-mail com o autor).

Essa questão parece utópica, ao menos na formação de designers da América Latina. Estamos tão preocupados em encontrar um estágio, um trabalho que nos sustente, na dura realidade de nossos contrastes, que pouco tempo nos resta, na rotina, para nos sensibilizamos com uma visão holística da profissão e com nosso comprometimento planetário. A solução parece estar em promovermos constantemente a revisão de que somos parte da natureza e não seres distantes ou paralelos a ela. Victor Papanek mostrou-se um precursor ao questionar esse comprometimento de profissionais, educadores em design que atuam diretamente na produção de bens e materiais. A negligência projetual e histórica, que considera o ciclo de vida de produtos somente até o momento de seu consumo e descarte, é corresponsabilidade de designers e empresas que até a atualidade, em sua maioria, desconsideram o completo ciclo de vida de um artefato. Vejamos um simples exemplo desse comportamento: quando um designer (bem como a indústria que o contrata) projeta um copo plástico, sem levar em conta sua biodecomposição, ele se preocupa com a relação de alguns minutos/segundos de uso do copo, mas negligencía os mais de 100 anos – ciclo de vida estimado – que aquele elemento terá em um aterro sanitário após o descarte.

A difusão de políticas para a sustentabilidade, como demonstrava Papanek, sugere a mudança e a revisão de nossas regras e normas culturais. Uma difícil e complexa mudança de paradigma, que deve começar em casa, coexistir na educação escolar e fazer parte de nossa ética planetária.

2.1.2 POLÍTICAS FAVORÁVEIS PARA CENÁRIOS EM TRANSIÇÃO

Para que novos comportamentos sustentáveis possam ser adotados em nossas localidades, de acordo com as necessidades globais e mediante processos organizacionais “de baixo para cima”, alguns exemplos de novas políticas favoráveis e ideias que dão grande valor aos nossos bens comuns já vêm acontecendo. Esses movimentos de um cenário em transição sugerem a busca por um ritmo mais lento de vida, ações colaborativas e resgate de redes e relações humanas de localidade e biorregionalismo.

São atitudes positivas rumo a espaços e bens compartilhados. Por exemplo, preferência por alimentos orgânicos, regionais e de estação e uma coerência com um modelo de economia distribuída, menos baseada em serviços de transporte e capaz de melhor integrar sistemas eficientes de energia renovável (MANZINI, 2008).

Ações importantes têm acontecido dentro dessa perspectiva sustentável. Como exemplo, as cidades de Paris (Jornal The Guardian, 2017) e Recife (Lei Municipal n.o 18.112/2015) já sugerem, para as novas edificações, o uso de tetos verdes, tecnologia que favorece a construção na absorção de água, resfriamento e redução do efeito estufa. Também o IPTU Verde, que foi adotado por municípios brasileiros como medida de prevenção ambiental e que estabelece incentivos no IPTU para proprietários de imóveis que adotem práticas de preservação do meio ambiente.

É possível também citar modelos de negócio como o car sharing, compartilhamento público de bicicletas, hortas comunitárias, permacultura e comunidades sustentáveis agrícolas que apoiam a produção de agricultores locais e a entrega direta de produtos às famílias (CSA Brasil), sem intermediação de grandes redes de supermercados. Em Curitiba, onde esse artigo é escrito, uma iniciativa popular construiu, em pleno centro histórico, a Praça de Bolso do Ciclista (2015). Um antigo terreno abandonado foi reconstruído pela própria comunidade, com incentivo da Prefeitura e de empresas locais, e hoje serve como símbolo dessa transição de mentalidade coletiva, que busca por soluções políticas inovadoras e racionalidade ambiental. Segundo Enzio Manzini, da Escola Politécnica de Milão, comunidades criativas geram soluções capazes de responder às perguntas que o sistema de produção e consumo dominante é incapaz de o fazer. Sobretudo, de responder adequadamente do ponto de vista da sustentabilidade:

É o valor da socialidade de vizinhança que nos torna capazes de trazer novamente vida e segurança aos nossos bairros e cidades. É o respeito pelas estações climáticas e a produção local de alimentos que pode reorganizar a insustentável rede de fornecimento e distribuição atual. (AUTOR, FONTE??????)

O uso de tecnologias de informação, favorecidas pela integração da internet, promovem processos de inovação sistêmica socialmente conduzidas. Assim, tecnologias comuns existentes são utilizadas para criar sistemas e organizações novas e sugerem promover maior sociabilidade.

2.1.2.1 DESÍGNIO, POLÍTICA E EDUCAÇÃO, NA VISÃO DE EDUCADORES

Parece relevante pensarmos sobre a analogia existente entre as palavras desígnio, política e educação. Quando associado ao propósito do design global, pode-se pensar o desígnio como um destino, um propósito existente e que cria sentido como processo estratégico.

A política, mesmo parecendo defasada, como a lei sob a qual refletimos nesse artigo, pode ainda ser pensada como ação existente na gestão do que é público e de interesse comum e passa a ser entendida como ato de influência que define relações e posturas sociais. A educação, por sua vez, demonstra epistemologicamente seu significado na orientação de ações do ser humano.

Tanto a política quanto a educação podem ser entendidas na relação dialógica existente entre o abstrato e o objeto. Se por meio do pensamento fazemos escolhas e orientações que precedem atos humanos, a manifestação destes realiza-se na definição do objeto.

Capra (1996) sugere o termo Ecodesign para esse processo relacional que transforma estruturas físicas e humanas voltadas ao homem. Também Heidegger (apud TIBURI, 2010) descreve a palavra alemã dassein como o dar sentido, o propósito existente no ato de significar as coisas.

A busca por compreendermos a existência humana cria, pela linguagem, regulações e condutas. Propósitos e gestos que nos definem em nossa relação com o outro e com o planeta, o meio ambiente. Estar consciente e desperto em nossa autopercepção, seja individual ou coletivamente, é o que possibilita qualitativamente melhorarmos nossas atitudes, aprimorarmos o respeito e reavaliarmos políticas.

Mas essa autoconsciência, influenciada pela política ambiental, tem sua formação perceptiva por meio da educação e é ela que, em si, está designada à orientação do ser humano.

O design e a arquitetura coexistem, por meio da educação, na construção de onde vivemos e do que consumimos. Assim, o ensino superior e suas escolas tornam-se agentes de transformação. As escolas de design crescem em todo o mundo. Na China, aumentou em 23% (2004) a criação de escolas de design. Seguem planejando a abertura de mais mil e duzentas escolas para as próximas duas décadas (Rigby, 2007).

Para o educador e arquiteto André Turbay (2017), professor da Escola de Arquitetura e Design da PUCPR e que participa de projetos de gestão urbana e mobilidade, entre a prefeitura de Curitiba e o governo da Holanda (MoU), a contribuição do educador da arquitetura e do design deve ser no sentido da compreensão das demandas reais e da promoção da sustentabilidade e da qualidade de vida, além de também definir um propósito orientador, uma visão de mundo e de fazer entender como promover esse objeto, que é uma série de coisas, de lugares: ferramenta, instrumento, edifício, quadra, vizinhança, bairro, cidade, continente, planeta.

Ainda para Turbay:

[...] o desenvolvimento sustentável e as boas práticas no sentido da qualidade de vida devem fazer parte dessa visão de mundo, ser a base para cada tomada de decisão. O eco em lugar do ego, o colaborativo no lugar do competitivo. Ainda se ouve de lideranças universitárias que a formação acadêmica deve atender demandas de mercado, seria melhor ouvirmos destas lideranças que a formação acadêmica está voltada para demandas da sociedade.

Conforme entrevista de André Turbay para o autor, ele acredita que os ajustes devem ser na base. Uma reforma educacional deve acontecer muito mais urgente do que a da previdência, mas não enxerga competência para a respectiva reforma nos atuais governos (federal, estadual e municipal). Uma política pública, como a Lei nº 13.186, é algo que nos permite conectar a educação às diretrizes do Estado: “trabalhemos com ela”.

Para Jimena Grignani (2017), Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a sustentabilidade é uma demanda do mundo para sua perenidade. Os recursos são finitos e, obviamente, obrigam-nos a repensar nosso modo de vida. A gente luta com duas ideologias: a do consumismo/capitalismo e a do consumo consciente/fortalecimento das comunidades. Ainda para Grignani, em uma perspectiva de empobrecidos e vulneráveis, a situação se agrava, porque o dinheiro condiciona a uma melhor opção:

Tem uma linha de direitos humanos que não gosta de chamar nada de “empobrecidos”, eles trabalham com falta de acesso e oportunidade, que é uma visão afirmativa. Por que você é pobre em quê? Você não vai ter acesso a várias oportunidades que fariam a diferença nas suas escolhas. Hoje, eu acho que a gente vendo a situação política do Brasil, a gente vê que isso também não determina acesso a conhecimento. Existem pessoas que tiveram acesso e pensam para um lado de extrema direita, de retrocesso de direito, de exclusão. Então, falar de sustentabilidade, você fala de inclusão, você pensa um mundo em que todos caibam, você não deixa ninguém para fora.

Quanto às políticas de sustentabilidade:

Porque uma coisa, o senso comum não existe, porque nós somos diferentes e a gente tem que ser valorizado no talento, uns vão ser melhores que outros, tem pessoas criativas, você tem que ser remunerado pelas suas ideias. Só que não precisa ser cinquenta vezes mais remunerado do que o que não tem ideia. Essa é a vertente da economia justa, que eu acho que é a tendência do sustentável. Isso que está mais atrelado ao sustentável, a palavra seria o equilíbrio, não o nivelamento.

Para Fernando Arns, também professor da Escola de Arquiteura e Design da PUCPR e coordenador do projeto ECOHABITARE, que une diversas áreas do conhecimento para a construção de moradias sustentáveis:

Eu acredito que a base de toda a sustentabilidade está nas pessoas. A educação em sustentabilidade como pilar, mas não por um tempo determinado. Mas uma construção de preferência indeterminado. A consciência é uma construção que você tem que fazer com as pessoas, não vir uma coisa de cima pra baixo. Ter uma gestão territorial participativa, onde você aproxima as ideias e as pessoas sentem que elas estão inseridas e percebem que de alguma forma elas têm corresponsabilidade nesse processo. Se elas não se sentirem dessa forma, quando o processo vier – o que normalmente no Brasil acontece – nas escolas, nas associações de moradores, às vezes só tem uma pessoa que manda. Então às vezes a gente tem muita associação de moradores, que não é de moradores, é de uma ou duas pessoas.

O envolvimento da comunidade por meio de gestão participativa é um dos critérios sustentados por Fernando Arns. Ele acredita no incentivo e no empoderamento das comunidades por meio de projetos coparticipativos como ferramenta de conscientização e educação. Um desses projetos consiste na construção de telhados verdes, conforme exemplificado por Arns:

Às vezes em um telhado verde você traz uma biodiversidade enorme para cima e que favorece todo um ambiente. Você faz com que árvores ressurjam por meio das abelhas, que vão fazer a polinização, pássaros que vão retornar para cima daquele telhado verde, então faz as pessoas pararem e começarem a observar. O telhado verde hoje, sendo utilizado até como hortas ou fazendas urbanas.

A gestão compartilhada permite dividir a responsabilidade nas decisões importantes. Ao trabalhar com classes populares que vivem processos discriminatórios, geralmente detentoras de um capital cultural muito diverso (Simson, 2013, p. 331), essa educação com as lideranças do grupo envolve-os na construção do conhecimento. Esse processo é denominado, por alguns autores, de autoridade compartilhada (Frish, 1990 apud Simson, 2013).

3. CONCLUSÃO

A formação de novas atitudes para a melhoria de nossa existência exige extrema responsabilidade e compreensão de que somos parte de um ecossistema. Devemos compreender que nossas microações têm relação direta com o macro. Segundo Zygmund Baumann (2000), não podemos exigir que gerações tenham preocupação com o futuro se não criarmos imediata percepção da ação presente.

A reavaliação de políticas governamentais passa a ser prioridade e a formação de um novo relacionamento coletivo e autoconsciente se faz necessária. Políticas ecológicas necessitam de novas bases para que nos permitam construir um maior senso de comunidade. Ao designarmos a educação na busca pela melhoria de nossos sistemas, ou ainda na compreensão de complexidade e novas redes (Capra, 1996), mostra-se importante a formação de professores e educadores especializados. Eles devem potencializar a ecoalfabetização em esferas políticas e sistêmicas para o aprimoramento de processos pedagógicos que nos façam pensar e agir no sentido de objetivarmos novas práticas ao grande contexto da vida. Esse processo de transição emergente vê a educação como alicerce consistente às quebras de paradigmas.

É tempo para um novo discurso de mudança climática. Segundo uma predição de Eisenstein na COP 21:

Eu prevejo que iremos reduzir drasticamente com sucesso a redução e uso de combustíveis fósseis, além das mais otimistas projeções – e que o clima continuará a piorar. Deverá aquecer, esfriar, serão mais intensas as flutuações/variações, um descontrole do normal, a vida criando seu próprio ritmo.

Então iremos perceber a importância daquelas coisas as quais demos baixa prioridade: os manguezais, os profundos aquíferos, os locais protegidos, a biodiversidade, as florestas virgens, os elefantes, as baleias [...] todos os seres que, em caminhos invisíveis e misteriosos aos nossos números, mantêm o equilíbrio de nossa sobrevivência no planeta.

Então iremos perceber que o que fazemos com a natureza, fazemos a nós mesmos.

A atual narrativa de mudança climática é tão somente um primeiro passo nessa compreensão. (Tradução livre).

Por fim, seguindo o pensamento de Antônio Nóvoa, esperamos que a educação possa mobilizar a prática no mundo real. Muito se tem produzido textualmente, mas pouco de fato tem sido feito para a mudança necessária. Que a arquitetura e o design sejam agentes desta transição, não mais idealista, utópica, e sim, necessária.

4. REFERÊNCIAS

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