MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTEXTO DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: ANÁLISE DAS LACUNAS EXISTENTES ENTRE A CIÊNCIA E A SOCIEDADE
Isabela Machado de Moraes1, Edneia Aparecida de Souza Paccola2, Luis Carlos Gomes3, João Carlos Barbosa da Silva4, José Roberto Bello5
1 Programa de Pós Graduação em Tecnologias Limpas, Universidade Cesumar – Maringá – PR, Brasil. E-mail: isabela27machado@gmail.com
2 Programa de Pós Graduação em Tecnologias Limpas, Universidade Cesumar – Maringá – PR. E-mail: edneia.paccola@unicesumar.edu.br
3 Núcleo de Pesquisa em Ictiologia, Limnologia e Aquicultura (NUPELIA), Universidade Estadual de Maringá – Maringá – PR. E-mail: lcgomes@nupelia.uem.br
4 Departamento de Biologia, Universidade Estadual de Maringá – Maringá – PR, Brasil. E-mail: jc.ornito@gmail.com
5 Programa de Pós Graduação em Tecnologias Limpas, Universidade Cesumar – Maringá – PR, Brasil. E-mail: jrbellobello@gmail.com
Resumo
Os problemas ambientais requerem ações de mitigação de impactos não somente de órgãos governamentais, mas também da cooperação de toda a sociedade. Esse artigo propõe investigar qual a percepção de moradores da cidade de Maringá (PR) sobre as mudanças climáticas, além de analisar quais são as ações pró ambientais mais frequentes na sociedade. A pesquisa foi realizada por meio de um questionário, visando abranger diferentes gêneros, idades e níveis de escolaridade, sendo as respostas submetidas às análises quantitativas e qualitativas. Como resultados obtidos, verificou-se que foram identificadas diferenças significativas em dois grupos analisados (idade e escolaridade), em relação à frequência de ações de mitigação: pessoas com maior nível de educação e mais velhos alegam preservar mais o meio ambiente, comparados com os mais novos e com menor nível de escolaridade. Entre as ações investigadas, > 60% reportou evitar o consumo desnecessário de energia e água, prestar atenção na energia de eletrodomésticos antes de comprar algum e fazer reciclagem. Além disso, a análise qualitativa indicou alguns obstáculos cognitivos e comportamentais na tomada de decisões, mas indica que a população tem conhecimento sobre as necessidades do meio ambiente. Por fim, conclui-se que as pesquisas de representações sociais são importantes no âmbito das pesquisas ambientais para avaliar as percepções da sociedade e investigar lacunas e oportunidades na divulgação científica, principalmente com a finalidade de incentivar o engajamento social na luta pela preservação da natureza.
Palavras-chave: Comunicação científica; Preservação ambiental; Aquecimento global.
Abstract
Environmental problems require actions to mitigate impacts not only from government agencies, but also from the cooperation of society as a whole. This article proposes to investigate the perception of residents of the city of Maringá (PR) about climate change, in addition to analyzing which are the most frequent pro-environmental actions in society. The research was carried out through a questionnaire, aiming to cover different genders, ages and educational levels, and the answers were submitted to quantitative and qualitative analyses. As the results obtained, it was found that significant differences were identified in two analyzed groups (age and education), in relation to the frequency of mitigation actions: people with a higher level of education and older people claim to preserve the environment more, compared with the younger and less educated. Among the actions investigated, > 60% reported avoiding unnecessary energy and water consumption, paying attention to the energy of household appliances before buying one and recycling. Furthermore, the qualitative analysis indicated some cognitive and behavioral obstacles in decision-making, but indicates that the population is aware of the needs of the environment. Finally, it is concluded that research on social representations is important in the context of environmental research to assess society's perceptions and investigate gaps and opportunities in scientific dissemination, mainly with the aim of encouraging social engagement in the fight for the preservation of nature.
Key-words: Science communication; Environmental preservation; Global warming.
Desde as primeiras discussões sobre mudanças climáticas no início da década de 1970 até os dias atuais, os fenômenos naturais evoluíram ao ponto de serem consideradas o maior problema ambiental atual, com potenciais consequências severas para o homem e ao ecossistema (Lorenzoni et al, 2007). Além disso, segundo Cavalcanti (2019), 97% dos cientistas da área concordam que as atividades humanas contribuem para o agravamento das mudanças climáticas. Dessa forma, compreender quais atividades agravam e aceleram as mudanças naturais na temperatura do planeta e como a população atua em prol do meio ambiente, torna-se essencial para mitigação dos impactos ambientais causados pela atividade antrópica. O sexto Relatório de Avaliação (AR6), aponta diversos estudos e conclusões acerca da gravidade das mudanças climáticas no mundo, incluindo a influência humana direta no aquecimento da atmosfera, oceanos e terras em uma taxa sem precedentes nos últimos 2 mil anos (IPCC AR6, 2021).
Além da perspectiva global de impactos socioambientais, o Brasil possui três áreas diretamente afetadas pelas mudanças climáticas (Nobre, 2008). No aspecto ambiental e ecológico, as espécies de fauna e flora possuem uma capacidade de adaptação limitada a novos climas, podendo mudar radicalmente a quantidade e qualidade (diversidade biológica) de espécies em um bioma. No aspecto econômico, o Brasil é potencialmente vulnerável às mudanças climáticas, pois mais de 50% do PIB é ligado a recursos naturais renováveis. No âmbito social, as mudanças climáticas tendem a acentuar a vulnerabilidade social dos mais pobres, pelo simples fato de que estes têm dificuldades estruturais de superar extremos climáticos.
Com tantos impactos socioambientais perceptíveis no Brasil e no mundo devido às alterações climáticas, as mudanças se tornaram mais urgentes e, para isso, tornou-se necessário o engajamento social e político. Nesse sentido, um dos desafios para envolvimento da sociedade civil, empresas e governos na preservação ambiental, é a divulgação e comunicação científica, com leis e programas que envolvem e estimulam a comunidade. Tendo isso em vista, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, no ano de 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), conhecidos como um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade (ONU, 2015). Dentre os 17 objetivos, três correspondem diretamente ao meio ambiente, sendo o que 13° Objetivo é direcionado à "Ação contra a Mudança Global do Clima”. Uma das metas para alcançar esse objetivo é “melhorar a educação, aumentar a conscientização e a capacidade humana e institucional sobre mitigação, adaptação e redução de impacto” (Meta 13.3, ONU, 2015).
Assim, a compreensão das mudanças climáticas e discussões sobre o tema são importantes para a prevenção de problemas maiores no futuro, bem como no tratamento dos problemas já existentes, sendo necessário encorajar indivíduos a executar ações de mitigação (Korkala et al., 2014). Investigar e analisar a compreensão e os conhecimentos que a população possui sobre o aquecimento global, possibilita encontrar possíveis lacunas existentes entre a ciência e a sociedade, sejam elas na educação básica, nas informações que a mídia expressa ou na simples inacessibilidade que indivíduos, fora do contexto científico, possuem sobre os conhecimentos ali produzidos.
Diante do exposto, considera-se o estudo das representações sociais (Teoria criada por Moscovici, em 1961) dos fatos científicos sobre mudanças climáticas um método relevante para se avaliar qual a porcentagem da população que tem conhecimento sobre o aquecimento global e, dentro desse percentual, qual a escala de conhecimento sobre o tema. Também é possível avaliar quais as principais contribuições para a mitigação dos problemas ambientais, por meio da análise do engajamento social na preservação. Segundo Santos (2005), essa teoria refere-se a um modelo teórico baseado em conceitos científicos que visa compreender e explicar a construção do conhecimento leigo, ou seja, os saberes do senso comum. No campo da ciência, sobretudo no meio ambiente, Fèlonneau (2003) afirma que as representações sociais nos auxiliam a explicar a realidade ambiental, além de até mesmo prever as condutas individuais e sociais em relação ao meio que envolve o grupo social.
Portanto, o objetivo geral deste trabalho é investigar a relação entre o conhecimento científico sobre mudanças climáticas e as ações de preservação ambiental da população em caráter regional, assim como analisar quais as conexões entre gênero, idade e nível de escolaridade diante de ações de preservação. Para a consecução dos objetivos propostos, são consideradas duas hipóteses norteadoras. Na primeira, espera-se encontrar que indivíduos ingressos no ensino superior, ou com o ensino superior completo, possuem maior conhecimento sobre os aspectos científicos norteadores dos estudos sobre o aquecimento global que os demais indivíduos. Segundo, acredita-se que a frequência de ações de preservação do meio ambiente não está relacionada com o gênero e nem com a idade dos indivíduos, mas sim com o nível de escolaridade. Dessa forma, esse trabalho posiciona-se de maneira estratégica no âmbito das teorias de sustentabilidade, mudanças climáticas e divulgação científica, pois demonstra quais conteúdos estão melhor difundidos entre a população, bem como demonstramos através dos resultados que a divulgação é eficiente em criar gatilhos que levam a ações em prol da sustentabilidade em diferentes níveis.
Materiais e métodos
A pesquisa foi desenvolvida com base na aplicação de um questionário e para mensurar os conceitos, foi utilizado uma versão modificada das perguntas presentes na escala de conhecimento sobre mudanças climáticas, de Steverson et al. (2016), que relaciona aspectos científicos, causas e impactos das mudanças climáticas (Tabela 1). Para avaliar as ações de mitigação sobre o meio ambiente, foi utilizada a escala de Likert (Winter and Dodou, 2012) (Tabela 2), nos quais as ações de mitigação foram baseadas na tabela de frequência de ações de Korkala et al. (2014).
A divisão das faixas etárias foi estabelecida conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, que considera que a adolescência é dos 12 aos 18 anos, e conforme a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Juventude, que considera jovem o indivíduo de até 29 anos; acima dessa idade são considerados adultos. Os níveis de escolaridade foram classificados em Ensino Fundamental e Médio (EFM) e Ensino Superior (ES). Integrantes do grupo EFM são aqueles que estão cursando ou só cursaram até alguma série do ensino básico, sendo que os pertencentes ao grupo ES são aqueles que estão cursando ou já concluíram a formação superior.
Todas as ações foram executadas em conformidade com as regulamentações propostas pela Universidade Estadual de Maringá e aprovadas pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da mesma instituição (COPEP: 70231517.8.0000.0104).
Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2017, durando cerca de 60 dias e procurou atingir o máximo de participantes possíveis. A ampla divulgação do questionário visou englobar representantes de todos os grupos sociais (gêneros, idades e níveis de escolaridade). A divulgação e aplicação do questionário ocorreu de maneira híbrida presencial e online. Presencialmente foram realizadas cinco visitas ao Terminal Intermodal Urbano de Maringá, neste o esforço amostral foi de convidar o maior número possível de pessoas num intervalo de tempo de 1 hora. Por outro lado, buscou-se divulgar o questionário online, buscando públicos diversos, e para tal foi realizada uma ampla divulgação por redes sociais ao longo do período de coleta de dados.
Tabela 1. Perguntas aplicadas no questionário que abordam as mudanças climáticas, causas e impactos da mesma. Modificado de Steverson et al, (2016).
Mudança climática |
P1: A queima de óleo, entre outras coisas, produz dióxido de carbono (CO2) |
( ) VERDADEIRO |
( ) FALSO |
Causas |
P2: Dióxido de carbono (CO2) é um gás do efeito estufa |
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P3: Os gases de efeito estufa impedem que o calor da Terra escape para o espaço. |
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P4: O buraco na camada de ozônio é a principal causa do efeito estufa |
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P5: O crescimento da quantidade de gases do efeito estufa é devido principalmente a ações humanas |
( ) VERDADEIRO |
( ) FALSO |
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Impactos |
P6: Há grande possibilidade de a causa das mudanças climáticas ser devido às concentrações de CO2 |
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P7: O aumento da temperatura global teve o maior crescimento nos últimos 1000 anos |
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( ) |
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Para as próximas décadas, a maioria dos cientistas esperam.... |
VERDADEIRO |
FALSO |
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Consequências |
P8: ... um crescimento em eventos extremos da natureza, como alagamentos, tempestades, etc. |
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P9: ... um clima mais quente, o que agravará o derretimento de geleiras e vai aumentar o nível dos oceanos |
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P10: ... um clima mais quente, o que provocará maior evaporação de água, o que vai diminuir o nível dos corpos aquáticos (rios, mares...) |
( ) |
( ) |
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P11: ... uma mudança climática uniforme por todo mundo |
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P12: A queima de óleo, entre outras coisas, produz dióxido de carbono (CO2) |
( ) VERDADEIRO |
( ) FALSO |
Tabela 2. Escala de Likert aplicada no questionário para avaliar as ações de mitigação. Modificado de Korkala et al. (2014).
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Não totalmente |
Não parcialmente |
Indiferente |
Sim parcialmente |
Sim totalmente |
Q1- Faço a separação do lixo em casa |
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( ) |
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Q2- Na escolha de produtos, escolho aquele que causa menos impacto na natureza |
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Q3- Utilizo álcool ao invés de gasolina para contribuir com a diminuição da emissão de gás carbônico |
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Q4- Presto atenção na quantidade de energia gasta pelos eletrodomésticos antes de comprar algum |
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Q5- Evito ao máximo o consumo desnecessário de energia e água |
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( ) |
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Análise de dados
As análises foram conduzidas considerando cada hipótese isoladamente. A primeira hipótese, que visa avaliar o conhecimento sobre a ciência do aquecimento global, em relação aos níveis de escolaridade, foi testada através da análise de variância (ANOVA). Nesse caso, o número de acertos e erros, para cada pergunta da Tabela 1, foi transformado em porcentagem e essa porcentagem de acertos foi usada como variável resposta (uma para cada pergunta, totalizando 11 observações); o fator, nesse caso foi a Escolaridade, com dois níveis, o ensino fundamental e médio (EFM) e o ensino superior (ES).
A segunda hipótese visou verificar se a frequência de ações de preservação da natureza está relacionada com o fator nível de escolaridade, e não com gênero nem idade. Primeiramente, foi utilizada uma escala de Likert (Winter and Dodou, 2012), que gera, como resposta, um valor numérico. No caso do questionário aqui aplicado, a escala variou de 1 a 5, sendo 1) Discordo totalmente, 2) Discordo parcialmente, 3) Indiferente, 4) Concordo parcialmente, 5) Concordo totalmente. Para testar se há diferenças nos níveis de ação das questões tipo Likert, também foi aplicada a ANOVA para as respostas das questões (Tabela 2), tendo como seus respectivos fatores, o gênero (Masculino e Feminino), idade (Adolescente, Jovem e Adulto) e escolaridade (Ensino Fundamental e Médio – EFM e Ensino Superior - ES). Como 15 ANOVA seriam feitas (cinco perguntas para cada um dos três fatores – gênero, idade e escolaridade) optou-se pelo uso do protocolo da ANOVA protegida (Von Ende, 1993). Nesse protocolo, é aplicado, antes das ANOVA, uma análise de variância multivariada unifatorial (MANOVA), para cada grupo de 5 perguntas e fatores (ou seja, três MANOVA). Essas análises têm como objetivo determinar se as possíveis diferenças encontradas seriam maiores que o simples efeito do acaso (Johnson, 1998; Sheiner e Gurevitch, 2001), problema comum quando muitos testes são aplicados. Então, somente se a MANOVA for significativa é que os resultados univariados (ANOVA para cada variável) são interpretados. Caso contrário, as diferenças existentes são mera consequência do acaso e, portanto, não devem ser interpretadas. Nessas análises, os níveis de ações (1 a 5 do Likert), de cada resposta, foram utilizados como variável resposta. Todas as análises foram realizadas no software Statistica 7.0 e consideraram um nível de significância de p < 0,05.
Resultados
Ao longo da execução das entrevistas, foram coletados 313 questionários respondidos, sendo 70 presencialmente e 243 online. Os indivíduos foram separados por gênero, sendo 207 mulheres e 106 homens; por nível de escolaridade, com 100 no ensino fundamental e médio (EFM) e 213 no ensino superior (ES) e por idade, com 73 adolescentes, 181 jovens e 59 adultos.
A análise de cada pergunta, entre os grupos considerados, revelou que aquelas com maiores porcentagens de acerto no grupo EFM foram P5 (95%), P1 (88%) e P8 (86%). O mesmo foi encontrado no grupo ES (com 92%, 95% e 95%, respectivamente) (Figura 1). Por outro lado, P4, P10 e P11 foram as questões com maiores porcentagens de erros, em ambos os grupos. O grupo EFM obteve maiores percentuais de erros em P4 (69%), P10 (57%) e P11 (70%), em relação ao grupo ES, nas mesmas perguntas (39%, 49% e 32%, respectivamente) (Figura 1). Foi observado que, do total de acertos, 82,4% estão relacionados à ciência das mudanças climáticas, 87,2% sobre causas das mudanças climáticas e 72,3% sobre impactos das mudanças climáticas. Além disso, a consciência sobre as mudanças climáticas foi identificada em mais de 95% dos questionários, com a maioria atribuindo ao ser humano a responsabilidade pelas mudanças climáticas (>93%).
Figura 1. Porcentagem de acertos e erros dos grupos ensino fundamental e médio (EFM - A) e ensino superior (ES - B) referentes às questões sobre mudanças climáticas.
Quando as porcentagens de acerto são analisadas (médias das 11 questões da Tabela 1), as respostas sobre o conhecimento das mudanças climáticas demonstraram que o número de acertos no grupo do ES foi superior (82,3%) que o número de acertos do EFM (68,9%) (Figura 2). Contudo, o percentual de acertos entre os grupos não apresentou diferença significativa (ANOVA, F = 2,4; p = 0,13).
Figura 2. Porcentagem de acertos entre os grupos Ensino Fundamental e Médio (EFM) e Ensino Superior (ES) nas questões sobre mudanças climáticas
Para o fator Gênero, a MANOVA aplicada não foi significativa (F = 1,1; P = 0,33), indicando que as diferenças observadas podem ser mera consequência do acaso e, portanto, os resultados desse fator não são apresentados, por não haver diferenças quanto às respostas das questões Likert (Tabela 2) (Apêndice 2). Considerando as diferentes idades, a MANOVA aplicada foi significativa (F= 5,7; P < 0,001), demonstrando que podem ser analisados os resultados das questões e separado. De maneira geral, foi observado que os adolescentes possuem a menor frequência de ações (média de 3,01), seguido pelos jovens (média de 3,52) e, por fim, os adultos (média de 3,83).
Os grupos de idades apresentaram diferenças significativas para quatro questões (ANOVA; p < 0,05), sendo que na maioria das análises o teste de Tukey mostrou que as ações dos adolescentes diferiram significativamente dos demais grupos (p < 0,05), com exceção de Q2, na qual os adultos que diferiram dos demais. A diferença de média das ações nas respostas da Q1 (Figura 3A) variou de 3,04 entre adolescentes, 3,81 entre os jovens e 4,11 entre os adultos. A análise da Q2 (Figura 3B) indicou que os adolescentes tiveram média de 2,64, seguido dos jovens (média de 3,03) e, por fim, os adultos (média de 3,55), sendo que, de forma geral, os três grupos apresentaram as menores médias nessa questão. A comparação das médias das idades na Q4 (Figura 3C) revelou a menor média pertencente aos adolescentes (média de 2,91), intermediária nos jovens (média de 3,76) e superior nos adultos (média de 4,20). Por fim, a análise da Q5 (Figura 3D) indica a menor média dos adolescentes (3,64), intermediária nos jovens, e ligeiramente maior os adultos (4,37), sendo essa a questão com maior média geral. Não houve diferença significativa entre as médias das idades na Q3 (Apêndice 3).
Figura 3. Análise da média de engajamento em ações de mitigação utilizando a Escala de Likert, comparando adolescentes, jovens e adultos. (A) Média das respostas entre as idades para Q1; (B) Médias das respostas entre as idades para Q2; (C) Média das respostas entre as idades para Q4; (D) Média das respostas entre as idades para Q5. O símbolo * indica diferença significativa dos demais (P < 0,05), de acordo com ANOVA e Teste Tukey.
Para o fator Escolaridade, a MANOVA também foi significativa (F= 4,9; P < 0,001), o que indica que as diferenças não são mera consequência do acaso, e as ANOVAs unifatoriais, para cada questão Likert (Tabela 2), podem ser interpretadas. Entre os grupos de ensino, ES obteve a média de 3,58, enquanto que EFM registrou média de 3,20. Nessa análise, as médias obtidas na Q1 (Figura 4A) variaram entre 3,33 para EFM e 3,86 para ES. Na Q2 (Figura 4B), o grupo do EFM registrou média de 2,7, enquanto que o grupo ES obteve média de 3,1. As médias das respostas apresentadas à Q4 (Figura 5 C) variaram entre 3,26 para EFM e 3,83 para ES. A mesma tendência foi encontrada na Q5 (Figura 5 D), que revelou ser a questão com maior média entre os grupos EFM (média de 3,82) e ES (média de 4,27) (ANOVA; P = 0,001). Com exceção da Q3 (Apêndice 3), todas as demais questões apresentaram diferenças significativas (Anova; p < 0,001).
Figura 4. Análise da média de engajamento em ações de mitigação utilizando a Escala de Likert, comparando EFM e ES. (A) Média das respostas entre os ensinos para Q1; (B) Médias das respostas entre os ensinos para Q2; (C) Média das respostas entre os ensinos para Q4; (D) Média das respostas entre os ensinos para Q5.
Estudos de representação social na área das Ciências Ambientais são importantes para indicar como a sociedade está percebendo e compreendendo as descobertas científicas, além de indicar possíveis lacunas entre ambas. Nesse contexto, o propósito deste estudo foi identificar fatores sociais associados com o conhecimento das mudanças climáticas e ações de mitigação dos impactos ambientais. A partir dos resultados obtidos neste estudo, foi verificado que a temática de mudanças climáticas no contexto da divulgação científica apresenta desafios em níveis de educação e engajamento social.
Em contraste à hipótese 1, o nível de escolaridade não influencia no conhecimento científico sobre as mudanças climáticas. Dessa forma, entende-se que outras formas de aprendizagem estão de fato divulgando informações científicas, de modo que esses conhecimentos não estão restritos aos alunos (de qualquer nível). Além disso, as informações mensuradas neste estudo por meio de 11 questões relacionadas ao tema, revelaram que os temas de causas e impactos são os menos conhecidos entre a população, em comparação às perguntas sobre previsões de cenários futuros, por exemplo. Portanto, sabe-se quais são as informações mais incompreendidas e que devem ser melhores trabalhadas na educação básica, ensino superior e outras formas de aprendizagem, como em jornais, documentários, outros meios midiáticos, além de campanhas de ação de mitigação (Korkala et al., 2014).
Segundo Ortega et al. (2014), nas últimas duas décadas, houve um aumento na cobertura midiática sobre mudanças climáticas, acompanhado de incentivos econômicos e subsídios, o que despertou substancialmente o conhecimento e preocupação sobre o tema. Sobre a importância de fontes diversas de informações, Diamantopoulos (2003) afirma que a crescente cobertura midiática e atenção política aos problemas ambientais possibilitou que o conhecimento científico sobre esses assuntos não se restrinja a determinados grupos sociais. Isso indica a importância e necessidade de se manter a divulgação científica acessível a toda população. Contudo, essas divulgações não podem ser apenas de cunho denunciativo e informativo, devem também propor soluções e pequenas atitudes nas quais cada indivíduo possa aderir para realizar sua parte nos esforços de mitigação.
Em contraste com a hipótese 2, a diferença das ações pró ambientais entre os gêneros não foi significativa, porém foi identificado que a associação entre idade e ações de mitigação foi elevada, bem como os níveis de escolaridade. Nesse sentido, a análise dos resultados indicou que, quanto mais velho o indivíduo, maior a consciência ambiental, o que se traduz em ações de mitigação. Alguns trabalhos afirmam que os jovens e adolescentes devem ter mais valores materiais que suportem as ações ambientais, mas pessoas mais velhas possuem mais habilidades civis pela participação de engajamentos sociais (Mohai and Twight, 1987; Jones and Dunlap, 1992).
Sobre a relação entre nível de escolaridade e ações de mitigação, de forma geral, esse resultado é encontrado na grande maioria dos trabalhos que investigaram essa relação (ex. Diamantopoulos et al., 2003; Clark et al., 2003), indicando que indivíduos com maior nível de educação tendem a ser mais preocupados e se envolver em atividades pró-ambientais, incluindo as ações de mitigação das mudanças climáticas (ex. Semenza et al., 2008; Whitmarsh, 2011). Das três características sociais analisadas, apenas a diferença das ações entre os gêneros não foi significativa. Os mesmos resultados foram encontrados em alguns trabalhos (ex. Chandler, 1972; Webster, 1975; Arcury et al., 1987), enquanto outros relatam diferenças significativas nas ações entre os gêneros (ex. Diamantopoulos et al., 2003; Ajzen and Gilbert, 2008; Agho et al., 2010). Dessa forma, percebe-se que não há consenso entre os resultados que analisaram a influência do gênero nas ações ambientais, indicando que o comportamento “pró-ambiental” pode mudar dependendo da região ou da época de estudo.
Dentre todas as ações identificadas pelo questionário, como sendo as mais comuns na sociedade, grande parte dos entrevistados (> 60%) dizem evitar o desperdício de energia e água, fazer reciclagem em casa e prestar atenção na quantidade de energia de eletrodomésticos antes de comprar algum. A ação menos popularizada entre os entrevistados (< 30%) é a redução de emissão de CO2 pelos meios de transporte. Esse resultado também foi encontrado em uma pesquisa desenvolvida no Reino Unido, onde menos de 25% da população estaria disposta a diminuir o uso de carros e aviões em prol do meio ambiente (Defra, 2007). Isso ocorre, pois, o aquecimento global possui uma dificuldade em particular nos testes de consciência coletiva (Lubell, et al., 2007). Segundo esses autores, a extensão global cria um problema de ação coletiva, pois a probabilidade de uma única pessoa influenciar as mudanças climáticas é quase nula, os benefícios de ações das outras pessoas não são excludentes, e muitos dos comportamentos recomendados possuem custos relativamente altos.
Dessa forma, percebe-se que para além da divulgação científica e conhecimentos técnicos científicos acerca dos problemas ambientais, outros obstáculos permeiam as percepções e ações da população, como a transformação de teorias em práticas. Isso é realizado por meio do comportamento pró-ambiental, definido como “ações que prejudicam o mínimo possível do ambiente, ou até beneficia quando possível” (Steg and Vlek, 2009, p. 309). Tais ações podem incluir compras ambientalmente corretas, reciclagem, consumo consciente, economia de energia e utilização de transporte ecológicos (Yilmazsoy et al., 2015). Por ser um tema amplo e multidisciplinar, pesquisas com tema diversos trabalhos com o tema de “consciência ambiental” foram produzidos em diversas áreas do conhecimento nos últimos 30 anos, como nas áreas de psicologia (Maloney et al., 1975; Steuter, 1998), sociologia (ex. Macnaghten & Urry, 1995), ciências políticas (ex. McCormick, 1995), ciências ambientais (ex. Dunlap & Van Liere, 1978; Fineman, 1997), entre outras áreas.
Em outros países, diversos trabalhos tratam do assunto, sendo que os resultados obtidos nesse artigo corroboram com os resultados obtidos nos Estados Unidos (Bord et al., 1998; Brechin, 2003; Reiner et al., 2006), Austrália (Agho, 2010), Nova Zelândia (Aitken et al., 2011) e Reino Unido (Whitmarsh et al., 2011), entre outros. Em uma pesquisa considerável nos indexadores de publicações (Scopus, Web of Science e Scielo), não foram encontrados artigos similares para o Brasil, o que dificulta generalizações, além de não haver base para comparação dos resultados. Portanto, embora o tema da sustentabilidade tenha recebido significativa atenção nos últimos anos (Golob and Kronegger, 2019), a vasta maioria dos trabalhos são norte-americanos (80% produzidos nos EUA), enquanto uma pequena parcela foi conduzida em países da Europa e menor parcela ainda em outros países do globo (Diamantopoulos et al., 2003). Portanto, a escassez de pesquisas conduzidas em países em desenvolvimento e a falha na investigação dos impactos sócio demográficos no conhecimento e ações ambientais levam a necessidade de realização de análises recentes sobre a consciência ambiental no país.
Conclusões
Além disso, destaca-se que as pesquisas de representações sociais são importantes no âmbito das pesquisas ambientais, indicando quais as lacunas e oportunidades na divulgação científica. Nesse contexto, a comunidade científica e suas pesquisas precisam nortear decisões e ações de governos, empresas e sociedade civil, inclusive contrapondo com movimentos negacionistas. No sentido de incentivar o engajamento social na luta pela preservação da natureza, a divulgação e comunicação científica deve investir em atingir públicos de todas as idades, bem como de todos os níveis educacionais. Além dos resultados apresentados, percebeu-se que fazer associações entre características sociais e consciência ambiental (conhecimento e atitudes) são relativamente complexas e multivariadas. Isso se deve ao fato de que, além das características consideradas nesse trabalho, outros fatores sócio demográficos são importantes para compreender padrões sociais no conhecimento das mudanças climáticas, dentre eles, pode-se destacar: número de filhos, estado civil, classe social, poder aquisitivo, entre outros.
Referências Bibliográficas
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