6 CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DO IPCC DE 2022 SOBRE MITIGAÇÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Por Clea SchumerSophie Boehm,Taryn FransenKarl Hausker e Carrie Dellesky

A cada fração de grau no aquecimento global, os impactos das mudanças climáticas se tornam mais intensos. No Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 278 cientistas de 65 países mostram que, para que tenhamos a chance de manter ao alcance o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris, o mundo deve atingir o pico de emissões de gases do efeito estufa (GEE) dentro dos próximos três anos.

Na sequência de dois relatórios anteriores focados na ciência física das mudanças climáticas e seus impactos, o novo relatório do Grupo de Trabalho III tem como foco principal a mitigação – em outras palavras, a redução das emissões de GEE e a remoção do dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Analisando mais de 18 mil estudos publicados desde o lançamento Quinto Relatório de Avaliação, em 2014, os principais nomes da ciência climática do mundo identificaram caminhos para manter o aquecimento global em 1,5°C, entre outros limites de temperatura, além de avaliar a viabilidade, eficácia e os benefícios de diferentes estratégias de mitigação.

A seguir, confira as seis principais conclusões do relatório do IPCC sobre mitigação das mudanças climáticas:

1. As emissões globais de GEE continuam aumentando, mas para limitar o aquecimento a 1,5°C, precisam parar de crescer em 2025

Globalmente, as emissões de GEE aumentaram ao longo da última década, atingindo 59 gigatoneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) em 2019 – cerca de 12% a mais do que em 2010 e 54% a mais que em 1990. Porém, nas trajetórias modeladas no estudo, compatíveis com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris (com ou sem excedente), as emissões de GEE precisam parar de crescer em 2025 e depois cair 43% até 2030 (em relação aos níveis de 2019).

Embora haja alguns sinais de avanço – a taxa anual de aumento das emissões de GEE caiu de uma média de 2,1% entre 2000 e 2009 para 1,3% entre 2010 e 2019 –, os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas continuam longe do necessário. Até o momento, 24 países conseguiram reduzir as emissões por mais de uma década.

Mesmo que os países atinjam as metas de seus compromissos climáticos nacionais mais recentes (NDCs), a diferença entre as emissões globais de GEE e o nível necessário para o limite de 1,5°C seria de seria de 19 a 26 GtCO2e em 2030. Isso é mais do que as emissões de 2018 de Estados Unidos e China somadas. Embora alguns países tenham anunciado NDCs novas ou aprimoradas desde o último prazo do IPCC, as promessas atuais não são ambiciosas o suficiente para preencher essa lacuna.

2. Não há espaço para novas infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis

O IPCC mostra que, nas trajetórias que limitam o aquecimento a 1,5°C (com ou sem excedente), apenas 510 Gt líquidas de CO2 ainda poderiam ser emitidas antes de chegarem ao zero líquido por volta da metade do século (2050-2055). No entanto, as projeções das emissões futuras de CO2 provenientes da infraestrutura baseada em combustíveis fósseis já existente ou já planejada indicam que as emissões chegarão a 850 Gt – 340 Gt acima do limite.

Uma combinação de diferentes estratégias pode ajudar a evitar essas emissões projetadas. Entre elas, desativar infraestruturas existentes, cancelar novos empreendimentos, adaptar as usinas de energia ainda alimentadas por combustíveis fósseis com tecnologias de captura e armazenamento de carbono e fazer a transição para combustíveis de baixo carbono.

Embora Estados Unidos e Europa estejam começando a desativar as usinas a carvão, alguns bancos internacionais de desenvolvimento ainda estão investindo em novos empreendimentos do gênero. Não mudar de rumo resultará em trilhões de dólares em ativos ociosos.

3. Precisamos de transformações rápidas em todos os setores para evitar os piores impactos climáticos

As emissões de GEE aumentaram em todos os principais sistemas desde a última avaliação. O IPCC mostra que reverter essa tendência exige que os tomadores de decisão nos governos, na sociedade civil e no setor privado priorizem as seguintes ações, muitas das quais compensam o investimento ao longo do tempo ou custam menos de US$ 20 por tonelada de CO2e:

Expandir o uso de energia limpa. Toda a geração de eletricidade deve ser de baixo carbono até 2050, e a geração total deve aumentar para permitir a eletrificação de sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado (HVAC, na sigla em inglês), transporte e maquinário industrial, entre outros. As trajetórias compatíveis com o limite de 1,5°C (com ou sem excedente) dependem de redes alimentadas principalmente por fontes renováveis e de armazenamento, complementadas por uma combinação de energia nuclear, uma pequena parcela de combustíveis fósseis (com captura e armazenamento de carbono) e/ou outras formas de energia limpa. Portadores alternativos de energia, como hidrogênio e amônia, devem substituir os combustíveis fósseis em setores nos quais o processo de eletrificação será mais difícil, como na indústria e no transporte pesado. A boa notícia é que os custos unitários de tecnologias de baixo carbono, como energia fotovoltaica e eólica onshore, caíram cerca de 85% na última década.

Investir em inovação para descarbonizar a indústria. Melhorar a eficiência energética, reduzir a demanda de materiais por meio de soluções de economia circular, implementar tecnologias de captura e armazenamento de carbono em setores nos quais a redução de emissões é mais difícil (como na indústria do cimento) e fazer a transição para processos industriais de baixa emissão são ações necessárias na produção de materiais como aço, cimento, plástico, celulose, papel e produtos químicos. No entanto, o IPCC afirma que essa transição exige de 5 a 15 anos de “inovação, comercialização e política intensivas” – junto com investimentos imediatos em tecnologias já existentes – para reduzir os custos e chegar ao nível necessário de aceitação e adoção dessas medidas.

Incentivar construções verdes. Desde a publicação do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, em 2014, o número de construções de zero carbono aumentou em quase todas as zonas climáticas. Aquecimento elétrico, eletrodomésticos e iluminação mais eficientes e o uso circular de materiais têm sido fundamentais. No entanto, são necessários avanços mais rápidos para adaptar construções antigas e garantir que essas tecnologias e abordagens sejam incorporadas em cada vez mais novos empreendimentos. Diretrizes verdes tanto para a etapa de construção quanto para o uso da edificação, bem como normas de energia para construções, podem promover avanços.

Redesenhar as cidades e fazer a transição para o transporte de zero e baixo carbono. Sem uma mudança na trajetória, as emissões de CO2 do setor de transportes devem aumentar em até 50% até 2050. Precisamos de ações para reverter essa tendência. O IPCC descobriu que as cidades podem reduzir o consumo de combustível em cerca de um quarto ao promover cidades compactas e infraestrutura que priorize outros modos de transporte, como faixas de pedestres e ciclovias. Essas mudanças visando a um desenho urbano mais acessível e de baixo carbono também melhoram o bem-estar das pessoas, na medida em que reduzem os congestionamentos e a poluição do ar. Em paralelo, opções de eletromobilidade, como veículos elétricos a bateria (o segmento de crescimento mais rápido da indústria automobilística) e transporte ferroviário elétrico movido por energia limpa são medidas que já reduziram as emissões de GEE do setor de transportes e devem continuar avançando. Para sistemas cuja descarbonização é mais difícil, como transporte marítimo e aéreo, alternativas de biocombustíveis avançados, amônia e combustíveis sintéticos têm se mostrado viáveis, mas exigem mais financiamento e apoio político.

Conservar os ecossistemas naturais e melhorar os sistemas alimentares. O IPCC mostra que a proteção, restauração e o manejo sustentável de ecossistemas ricos em carbono (como florestas e turfeiras) – junto à redução de GEE na produção de alimentos, contenção do desperdício e mudança para dietas mais sustentáveis – são medidas de custo relativamente baixo que podem mitigar entre 8 e 14 Gt CO2e por ano até 2050. (Observe que outras pesquisas indicam potenciais de mitigação mais restritos para diversas práticas agrícolas incluídas nesta estimativa. Evitar o processo de conversão dos ecossistemas pode desempenhar um papel substancial, uma vez que o desmatamento sozinho responde por 45% das emissões do setor de uso do solo. No entanto, boa parte desse potencial geral está nos países em desenvolvimento, nos quais instituições fracas, direitos fundiários precários e financiamento escasso são fatores que dificultam a implementação de mudanças.

Se bem projetadas e implementadas de forma eficaz, muitas dessas estratégias de mitigação podem gerar cobenefícios essenciais para o desenvolvimento sustentável. A conservação de paisagens naturais, por exemplo, pode apoiar os meios de subsistência de famílias próximas, fortalecer a segurança alimentar e hídrica e proteger a biodiversidade. Mas nem todos os esforços de redução de emissões ou remoção de carbono resultarão em ganhos para a ação climática e o desenvolvimento. Se mal gerenciadas ou implementadas de forma inadequada, essas ações podem prejudicar a economia local, aumentar desigualdades já existentes e deslocar comunidades, entre outros efeitos não intencionais. O IPCC considera que a gestão dessas compensações, por meio de processos de tomada de decisão inclusivos, transparentes e participativos, pode cultivar a confiança social e reforçar o apoio da população à ação climática. Fazer isso pode ajudar a garantir que a transição para um futuro de emissões líquidas zero seja justa e equitativa.

4. Mudanças de comportamento e estilo de vida têm um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas

Em todo o mundo, as famílias com renda no topo da pirâmide (os 10% mais ricos, o que inclui grande parte das famílias nos países desenvolvidos) são responsáveis por entre 36% e 45% do total de emissões de GEE. Enquanto isso, as famílias cuja renda se posiciona nos degraus inferiores (50%) respondem por apenas 13% a 15% das emissões. Conforme o relatório do IPCC, promover o acesso universal à energia moderna para as populações mais pobres em todo o mundo não teria um impacto significativo nas emissões globais.

Por outro lado, mudar os padrões de consumo, particularmente entre os mais ricos, poderia reduzir as emissões de GEE de 40% a 70% até 2050 em comparação às políticas climáticas atuais. Caminhar ou andar de bicicleta, evitar voos de longa distância, mudar para dietas baseadas em vegetais, evitar o desperdício de alimentos e usar energia de forma mais eficiente nas construções estão entre as medidas de mitigação mais eficazes no que diz respeito à demanda.

Políticas que tornem essas mudanças de comportamento e estilo de vida menos disruptivas podem facilitá-las e encorajá-las. Subsidiar tecnologias de baixa emissão e taxar as de alta (por exemplo, carros movidos a combustíveis fósseis) e estabelecer padrões que exijam maior eficiência energética, por exemplo. Mudanças de desenho nas infraestruturas – como realocar o espaço viário para outros usos, como calçadas ou ciclovias – pode ajudar as pessoas a fazerem escolhas de estilos de vida mais sustentáveis.

Da mesma forma, a maneira como as alternativas sustentáveis são apresentadas aos consumidores (um conceito conhecido como “arquitetura de escolha”) pode ajudar a direcionar as pessoas para bens e serviços de baixa emissão. Por exemplo, incluir pratos vegetarianos ao lado das opções de carne nos menus, em vez de criar seções vegetarianas separadas, pode contribuir para aumentar o consumo de refeições à base de plantas.

Escolher opções de mobilidade de zero e baixo carbono – como caminhada, bicicleta, transporte público e veículos híbridos e elétricos – diminui as emissões e, ao mesmo tempo, aumenta a demanda e reduz os custos dessas soluções. Na foto, Santiago, no Chile (foto: Luis Hidalgo/Flickr)

5. Manter o aumento da temperatura global dentro do limite de 1,5°C será impossível sem remoção de carbono

O IPCC descobriu que todas as trajetórias que limitam o aquecimento a 1,5°C (com ou sem excedente) dependem da remoção de carbono. Essas abordagens podem incluir tanto soluções naturais, como o sequestro e armazenamento de carbono em árvores e no solo, quanto tecnologias que fazem a captura do CO2 diretamente da atmosfera.

A quantidade de carbono que precisará ser removido depende de quão rápido conseguirmos reduzir as emissões de GEE em outros sistemas e da extensão do excedente (até que ponto os limites estabelecidos serão ultrapassados).

Em curto prazo, restaurar sumidouros naturais de carbono, como as florestas, é uma abordagem já disponível e de bom custo benefício que, se implementada de forma adequada, pode oferecer uma ampla gama de resultados positivos às comunidades próximas. No entanto, o carbono armazenado nesses ecossistemas também se encontra vulnerável a outros distúrbios, como incêndios florestais – distúrbios que só ficarão mais intensos com o clima em constante mudança, liberando o carbono armazenado de volta à atmosfera.

Considerando a quantidade de carbono que precisa ser removido em algumas das trajetórias compatíveis com o limite de 1,5°C, bem como a preocupação em relação à impermanência dos sumidouros naturais, o mundo provavelmente também precisará de tecnologias de remoção de carbono. Atualmente, essas inovações ainda são relativamente incipientes, o que implica uma série de riscos e desafios. Aumentar a produção de biomassa para a implantação de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês), por exemplo, pode deslocar áreas de cultivo e, com isso, ameaçar a segurança alimentar e estimular o desmatamento.

Desenvolver e implementar tecnologias de remoção de carbono de forma responsável, junto com abordagens naturais, requer uma melhor compreensão dos benefícios, custos e riscos específicos de cada tipo de inovação. A necessidade de mais financiamento para pesquisa, desenvolvimento e implementação é urgente.

[CDR GRAPHIC – se aprovado]

6. O financiamento climático para a mitigação deve ser de 3 a 6 vezes maior até 2030 para limitar o aquecimento global a 2°C

Segundo estimativas, o financiamento público e privado anual para mitigação e adaptação às mudanças climáticas passou de US$ 392 bilhões em 2014 para US$ 640 bilhões em 2020. Esses ganhos, no entanto, desaceleraram ao longo dos últimos anos e, para piorar a situação, o IPCC descobriu que o financiamento para combustíveis fósseis ainda supera o financiamento para ações climáticas.

Esse desalinhamento do capital global resultou em um déficit substancial entre os níveis atuais de financiamento climático e o que é necessário para mitigar as mudanças climáticas – que continuam afetando todas as regiões e setores. Essa lacuna é ainda maior nos países em desenvolvimento, em particular naqueles que já enfrentam dívidas, classificações de crédito baixas e os encargos econômicos impostos pela pandemia de Covid-19. A tendência dos investidores de direcionar parcelas maiores de capital para seus próprios países, bem como a subvalorização sistêmica dos riscos climáticos, são ainda outros desafios para a expansão do financiamento privado nessas nações.

Os investimentos em mitigação precisam aumentar pelo menos cinco vezes no sudeste asiático e nos países em desenvolvimento do Pacífico, sete vezes na África e 12 vezes no Oriente Médio até 2030 para manter o aquecimento global abaixo de 2°C. Entre todos os setores, esse déficit é mais acentuado na agricultura, florestas e outros usos do solo, nos quais os fluxos financeiros recentes estão de 10 a 29 vezes abaixo do necessário para atingir as metas do Acordo de Paris.

Sinais políticos claros por parte da comunidade internacional e dos governos – como aumentar os subsídios para mitigação, precificar as emissões de carbono, eliminar gradualmente o financiamento público para combustíveis fósseis e adotar regulamentações robustas que tornem obrigatória a transição para modelos de baixo carbono — podem contribuir para criar o ambiente seguro de que o setor privado precisa para ampliar os investimentos em mitigação. Mecanismos de financiamento inovadores que permitem que empresas e governos compartilhem os riscos também podem ajudar a mobilizar mais financiamento privado. E expandir o financiamento climático público, em particular nos países de baixa renda, pode gerar retornos significativos a custos relativamente baixos.

Para onde vamos a partir de agora?

Como deixa claro este último relatório do IPCC, manter o aumento da temperatura global em 1,5°C ainda é possível, mas apenas se agirmos imediatamente. O mundo precisa atingir o pico das emissões de GEE até 2025, reduzir essas emissões quase pela metade até 2030, atingir o zero líquido até meados do século e, ao mesmo tempo, assegurar uma transição justa e equitativa. Com riscos crescentes de secas, inundações, incêndios florestais e outros efeitos catastróficos das mudanças climáticas, esses são prazos que não podemos deixar passar.


*Publicado com base no Sumário Técnico e nos capítulos básicos.

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Este artigo foi publicado originalmente no Insights.

Fonte: https://bitlybr.com/8pdgp