QUANDO OBJETOS DO COTIDIANO PROVOCAM OLHARES EM DESLOCAMENTO

Cláudia Mariza Mattos Brandãoi



Resumo: O artigo tem por objetivo discutir sobre questões pertinentes ao cotidiano urbano, em especial, hábitos que prejudicam a vida comunitária e afetam o meio ambiente. São mensagens visuais que acenam para bens comuns em disputa e compartilham reflexões. Aposto em prováveis conexões em prol de processos coletivos, imaginativos e transgressores, frente ao que está dado ao olhar.



Algumas vezes, o deslocamento dos objetos de seus lugares convencionais nos levam a percebê-los como lugar de memórias ... e de esquecimentos. Assim como testemunhos visuais, vestígios frágeis que povoam territórios ultrajados. Eles nos interrogam sobre os modos de construção dos espaços comunitários, sobre as possibilidades de (trans)formação dos comportamentos. Mais do que tudo, eles interpelam os olhares passantes, atentos aos detalhes. Portanto, é possível considerar que os registros de tais situações resultam de um gesto político. São recortes que ampliam detalhes banalizados pela dinâmica da vida cotidiana.

Nesta coluna, eu proponho a partilha de reflexões, investindo em prováveis conexões em prol de processos coletivos, imaginativos e transgressores, frente ao que está dado ao olhar. São mensagens visuais que acenam para bens comuns em disputa, “fragmentos do mundo urbano e o que colocam em discussão através de seus próprios vestígios” (ENTLER, 2012, p. 138).

A contemporaneidade aguça a imaginação como uma necessidade política. E o olho de quem procura identificar lápides memoriais de pessoas, eventos e histórias desgastadas pelo tempo, possibilita “comparar o que vemos no presente, o que sobreviveu, com o que sabemos ter desaparecido” (DIDI-HUBERMAN, 2019, p. 41). Trata-se, portanto, de atitudes poéticas que dão a ver gestos estéticos e políticos fundados na visualidade do banal.

Lembro do personagem realçado por Walter Benjamin (PEREIRA, 2007), o trapeiro, o sucateiro, recolhendo os “restos” de uma sociedade embasbacada pelo consumo, detritos de prováveis ruínas. São “coisas chãs”, “as primeiras coisas a serem vistas, as coisas que temos ‘debaixo do nariz’” (DIDI-HUBERMAN, 2019, p. 28). Essas “coisas chãs” enfatizam distorções, encobrimentos, apagamentos que estão em jogo na representação dos espaços e na construção da narrativa histórica. Como tal, elas clamam pela nossa atenção!

O ensaio visual, apresentado a seguir, foi garimpado no meu acervo. São registros realizados em diferentes momentos, instigados pela curiosidade sobre o deslocamento de objetos tão comuns em nossas habitações: o sofá e a poltrona. Entendo que a conexão entre essas imagens sintetiza questões pertinentes à intrínseca relação entre arte e sociedade, problematizando a nossa relação com o contexto social, comunitário, e com a própria natureza.



















Referências:



DIDI-HUBERMAN, Georges. Cascas. São Paulo: Editora 34, 2017.

ENTLER, Ronaldo. Um pensamento em lacunas, sobreposições e silêncios. IN: SAMAIN, Etienne (org.). Como pensam as imagens. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.

PEREIRA, Verônica Sales. Os rastros do trapeiro: memória, vulnerabilidade social e a cidade na experiência de moradores de rua no bairro do Brás em São Paulo. Artigo. RISCO Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. EESC-USP. 2/2007, p. 65 – 83. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/44713/48342 acesso: 10/02/2023.

i Doutora em Educação, com Pós-Doutorado em Criação Artística Contemporânea (UA, PT), Mestre em Educação Ambiental, é professora associada da Universidade Federal de Pelotas, lotada no Centro de Artes, atuando no curso Artes Visuais – Licenciatura e no Programa de Pós-Graduação Artes. É coordenadora do PhotoGraphein - Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação (UFPel/CNPq).

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