COMO LIVROS INFANTIS PODEM PROMOVER A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL?
Especialistas apontam a importância de introduzir temas ambientais e climáticos no universo das crianças
Por Micael Olegário | ODS 4
A professora Bianca Darski com alunos indígenas no Amazonas: pesquisas científicas sobre questões ambientais em almanaque com histórias em quadrinhos (Foto: Miguel Monteiro / Divulgação)
“Livro é gênero de primeira necessidade”. A frase do escritor Ziraldo Alves Pinto (1932-2024), em conjunto com sua obra, oferece uma dimensão do papel que a literatura pode ter na transformação da história de muitas crianças. No mês em que se comemora o Dia Mundial do Livro Infantil, 2 de abril, e o Dia Nacional do Livro Infantil, em 18 de abril, Ziraldo, que tratou da relação do homem com a natureza em sua Turma do Pererê, quadrinhos lançados há mais de 60 anos, pode ajudar a responder uma questão recorrente: será que todos os temas podem ser tratados a partir de livros infantis? Por exemplo, como a educação ambiental pode se beneficiar da literatura para introduzir temas como mudanças climáticas, defesa da biodiversidade e justiça climática nas salas de aula?
Responder essa pergunta é um dos objetivos de Bianca Darski, bióloga do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e da Rede Conexões Amazônicas. Através do projeto “Tem Cientista Aqui”, ela trabalha para transformar pesquisas científicas sobre questões ambientais em um almanaque com histórias em quadrinhos. Além de popularizar a ciência, a iniciativa busca aproximar temas como as mudanças climáticas da realidade de crianças no Amazonas.
“O primeiro quadro da historinha é a cientista chegando de voadeira (lanchas rápidas) na comunidade que é numa área próxima de rio. Então, ela chega lá, explica e pergunta para as pessoas como que essa palavra, mudança climática, já está no dia a dia delas”, descreve Bianca. Dessa forma, os pesquisadores mostram a relação das enchentes e estiagens, sentidas no cotidiano das comunidades, com as mudanças climáticas de um modo acessível.
“Os livros infantis e infanto-juvenis fazem um papel fundamental de aproximar, de fazer com que as crianças conheçam essas temáticas e, mais do que simplesmente se aproximar, fazer com que as crianças entendam também qual é o papel delas, da família, da escola, nesses processos que envolvem essas questões complexas sociais e ambientais.” Edson Grandisoli, Professor e diretor educacional do movimento Escolas Pelo Clima
O exemplo descrito pela bióloga faz parte da primeira edição do “Tem Cientista Aqui”, lançada em 2022, com seis histórias adaptadas em quadrinhos e disponibilizadas em um formato em vídeo com audiodescrição. No ano passado, a segunda edição reuniu quatro histórias. A iniciativa do Instituto Mamirauá e da Rede Conexões Amazônicas, junto com outros parceiros, conta com financiamento do governo amazonense, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fepam) e da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI).
No entanto, o projeto não se resume à produção de conteúdos. De acordo com Bianca, levar as informações e os cientistas para as comunidades é uma etapa fundamental do processo de educação ambiental. Por isso, foram desenvolvidas diversas oficinas em alguns municípios da região como Tefé, Tabatinga, Uarini e Benjamin Constant. “A gente não pode fazer em todas, mas a gente consegue fazer pelo menos umas três, quatro por ano. E aí as crianças dão um show na gente, porque conhecem muito do território também”, afirma a pesquisadora, que também já foi personagem de uma das histórias. “A gente lê as histórias em quadrinho com a criança e mostra: olha, esse personagem aqui está aqui com vocês, porque o cientista pode estar aqui também”, conta a bióloga.
Em “As Aves das Várzeas Amazônicas”, Bianca e mais duas pesquisadoras: Ana Carolina Chiodi e Andréia Corazzini mostram os detalhes de uma pesquisa sobre a diversidade de espécies de aves da região amazônica. Durante as oficinas, elas levam as crianças para visualizar os pássaros no seus territórios. “Depois a gente volta, faz a listinha, desenha os passarinhos. Tudo isso é uma maneira de fixar, de aproximar”, complementa Bianca.
Professores e alunos em projeto na Amazônia: literatura com papel importante na sensibilização das crianças e também dos docentes (Foto: Miguel Monteiro / Divulgação)
Trabalho de autores e educadores
Na visão de Edson Grandisoli, diretor educacional do movimento Escolas Pelo Clima, iniciativa que busca introduzir a ação climática nas agendas de escolas pelo Brasil, a literatura tem importante papel na sensibilização de alunos e seus professores. “Os livros infantis e infanto-juvenis fazem um papel fundamental de aproximar, de fazer com que as crianças conheçam essas temáticas e, mais do que simplesmente se aproximar, fazer com que as crianças entendam também qual é o papel delas, da família, da escola, nesses processos que envolvem essas questões complexas sociais e ambientais. O livro abre essas portas”, explica Edson, doutor em Educação para o Desenvolvimento Sustentável pelo Programa de Ciência Ambiental da USP.
Um dos objetivos centrais do Escolas Pelo Clima está em apresentar alternativas para que diferentes professores possam compreender como trabalhar a educação ambiental em seus territórios. A iniciativa é gratuita e qualquer escola pode fazer parte e receber as newsletter com conteúdos e informações selecionados pelo movimento, inclusive livros infantis e infanto juvenis.
“A gente sempre procura mostrar para os professores que muitas ações de educação ambiental que já são desenvolvidas na escola têm também conexões com o enfrentamento da mudança climática”, afirma Edson Grandisoli. Segundo ele, hortas agroecológicas e campanhas de redução do uso da água, comuns nos ambientes escolares, são exemplos de ações climáticas.
“Hoje, por conta da sustentabilidade, por conta das mudanças climáticas, existe uma abertura muito grande. Estou correndo para dar conta de tudo, porque realmente as pessoas estão procurando muito mais.” Cris Frade - Professora de educação ambiental
Escritor com mais de 45 livros publicados, César Obeid afirma escrever com o objetivo de gerar o encantamento de crianças e jovens pela biodiversidade, como uma estratégia para a conscientização ambiental. Por isso, segundo ele, o foco não é exatamente ensinar a separar o lixo, por exemplo, mas em mostrar como isso afetaria o planeta ou determinados animais que aparecem nas histórias. “Então eu transfiro para o personagem a experiência ambiental”, explica o autor.
O caminho do encantamento pela natureza faz parte da estratégia pedagógica de Cris Frade, professora de educação ambiental em escolas da rede estadual de São Paulo. Em geral, ela trabalha com turmas de crianças entre 2 e 3 anos de idade, por isso, sempre utiliza livros infantis para começar suas aulas. “Como é que eu vou falar de mudanças climáticas, de sustentabilidade, com crianças tão pequenas?”, problematiza Cris, acrescentando a importância de mostrar o papel de cada forma de vida na natureza. “É preciso ter empatia por todas as formas de vida. Para eu entender de educação ambiental e educação climática, muito antes disso, tem que vir o encantamento pela natureza”, enfatiza a educadora.
Em seu “Almanaque Sustentável dos Contos de Fadas”, César reescreve clássicos inserindo aspectos da crise climática nas narrativas. Segundo ele, os livros infantis sobre o tema ajudam no processo de preparação de aulas de educação ambiental pelos professores. “O meu trabalho é mostrar, por meio de uma literatura poética ou narrativa, elementos que o professor possa fazer esse trabalho”, completa.
Cris Frade entre seus livros e plantas: curso para ensinar outros professores a trabalhar com temas ligados à sustentabilidade e agroecologia (Foto: Arquivo Pessoal)
Livros para ensinar agroecologia para crianças
Filha de agricultores, Cris Frade cresceu com uma relação estreita com a natureza e levou isso para as salas de aula, primeiro através da criação de hortas agroecológicas em escolas. Durante a pandemia de Covid-19, ela buscou se especializar no tema e montou um e-book e um curso para ensinar outros professores a trabalhar com temas ligados à sustentabilidade e agroecologia nas escolas.
Antes do período de emergência de saúde por conta do coronavírus, Cris relata que teve dificuldade em conseguir espaço para as aulas de educação ambiental. “Hoje, por conta da sustentabilidade, por conta das mudanças climáticas – e vem aí também a educação climática -, existe uma abertura muito grande. Estou correndo para dar conta de tudo, porque realmente as pessoas estão procurando muito mais”, avalia a professora, que atua em oito escolas e também realiza diversas consultorias on-line para educadores,
Para suas aulas, Cris sempre busca uma área verde, onde possa estimular a interação das crianças com o ambiente. “As minhas aulas sempre começam com leitura e é muito curioso como nós temos uma quantidade enorme de livros de todos os temas que você imaginar”, menciona a educadora. A partir desses materiais, ela busca mais do que somente ler para as crianças, contar uma história que envolve e desperta a curiosidade inerente nos pequenos.
“Se vou falar sobre compostagem, eu começo a aula com um livrinho sobre minhocas. Eu vou falar sobre um construir um jardim sensorial: então vou começar com um livrinho aqui que tem poesia sobre aromas, sobre plantas medicinais”, explica Cris Frade. Na maioria das vezes, revela a professora, as próprias crianças pedem para ver o livro e contar a história elas mesmas. Depois disso também existe uma parte prática: “eu levo a minhoca e coloco na mão deles, se eles permitirem. Depois, pegamos as cascas da cozinha e jogamos dentro da composteira para dar comida para a minhoca. Tudo começa na leitura, mas depois tem a prática”, complementa.
Outro ponto destacado pela educadora é o repertório de palavras que os livros oferecem para o desenvolvimento das crianças. Nesse ponto, Cris ressalta a importância não só do incentivo, mas do exemplo da parte dos pais. Ela exemplifica isso a partir da sua experiência também como mãe. “Quando o meu filho mais velho era criança, eu não tinha o hábito de leitura. Então, o meu filho quase não lê. Ele tem quase 17 anos. A minha filha de 10 anos, na primeira infância dela, me viu lendo porque eu estava em outra fase, estudando mais, lendo mais. Hoje eu cheguei aqui em casa, ela estava deitada no sofá na minha frente, lendo”.
Ainda de acordo com a educadora, os livros infantis que mostram, por exemplo, os tipos de animais que vivem em cada bioma brasileiro, ajudam a formar uma consciência nas crianças da riqueza da biodiversidade desses ambientes. “Eu dei para o meu sobrinho de um 1 ano e sete meses um livro sobre a Mata Atlântica e a minha irmã mandou um vídeo para mim onde ela mostrava, ela só falava assim: que bichinho é esse? E ele falava… Ele não sabe falar nem frases inteiras. Ele fala mais palavras, mas olha e já sabe que bicho que é. Mas não é um bicho comum. É um bicho da Mata Atlântica”, pontua Cris.
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Escreve sobre temas ligados a questões ambientais e sociais, educação e acessibilidade.