COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA, EDUCAÇÃO E TOMADAS DE DECISÃO DEVEM SE ALIAR PELO PLANETA
A comunicação da Ciência, se aliada à educação e à tomada de decisões, ajudaria a evitar desastres e a promover a planejamentos que levem a futuros saudáveis.
Suzana Padua
Região Metropolitana de Porto Alegre, maio de 2024: se a Ciência fosse referência na tomada de decisões, isso estaria acontecendo? - Foto: Lauro Alves/Secom RS (ver foto no link original da matéria)
São muitas as frentes que precisam se integrar para melhorar o mundo atual. Crises batem à nossa porta todos os dias, ocorrendo nos lugares mais diversos e com efeitos devastadores. E tudo indica que, com a intensificação das mudanças climáticas, as catástrofes serão cada vez mais frequentes e graves.
O fato de o ser humano não respeitar limites, não valorizar a biodiversidade, ou seja, a riqueza que herdamos de espécies e formas de vida que antes proliferavam em todos os cantos do mundo, contribui para o processo de degradação. Além disso, o aumento do desmatamento, do uso demasiado de agroquímicos e de outros impactos negativos sobre ambientes naturais intensificam as consequências dos eventos climáticos extremos, como é o caso das enchentes desoladoras que alagam o sul do Brasil.
Há uma falta de compreensão geral de que estamos conectados à natureza. Mesmo que nos últimos anos tenha havido avanços quanto à aceitação da importância das questões socioambientais, a proteção da natureza é desprezada quando concorre com projetos que favorecem interesses que visam ganhos econômicos, sejam individuais ou coletivos. Para muitos, a natureza ainda significa unicamente uma mina inesgotável de recursos, que existe apenas para suprir as demandas crescentes da espécie humana.
No campo político, onde as decisões mais impactantes são tomadas, é comum ver a natureza sumariamente desprezada. Políticos dependem de eleições e só os seres humanos votam, o que a deixa ainda mais vulnerável. Candidatos tentam convencer o maior número possível de eleitores que suas causas trazem ganhos que precisam ser concretizados e vistos em um curto espaço de tempo. Isso os afasta de prioridades que beneficiariam a coletividade em longo prazo, como educação, saneamento, saúde e mesmo a proteção de áreas naturais. Quando a comunicação compactua com esse sistema, favorece causas duvidosas e deixa de divulgar as consequências negativas das escolhas que foram feitas.
Esse tem sido o caminho predominante do desenvolvimento que nos trouxe até aqui. Se essa tendência continuar, as consequências desastrosas e irresponsáveis que temos presenciado com muito pesar, se intensificarão e se agravarão cada vez mais.
Atingindo o ponto do não-retorno
Estudos indicam que estamos chegando ao ponto do não-retorno, ou seja, no limite do que o planeta suporta. A regeneração precisa se tornar prioridade acima de qualquer outra frente nesse momento planetário. E para que isso aconteça, temos que mudar radicalmente nossa forma de viver, parando de destruir a natureza e lhe dando mais do que retiramos com programas integrados de restauração.
Respostas de como fazer e o que fazer devem vir da comunidade científica. No entanto, comumente existe uma distância entre a forma da Ciência se comunicar e a necessidade de se propagar as informações. O cientista é prudente e só se sente confortável em afirmar algo quando tem indicadores seguros – e esses levam tempo para serem produzidos. Já na política ou em outros ambientes de tomadas de decisão, muito precisa ser resolvido rapidamente. No campo político, tanto nas campanhas quanto nos quatro anos em que alguém se encontra em cargos públicos, é preciso demonstrar resultados divulgáveis rapidamente para garantir a reeleição de novos mandatos. Daí surgem lacunas entre esses dois mundos, que foi bem descrito pelo professor Fábio Scarano, cujo resumo se encontra na tabela abaixo.
Para se chegar a um acordo entre Ciência e política, é preciso avaliar pontos que seguem, mais ou menos, uma matriz de prioridade – Imagem: adaptado de Fábio Scarano (ver imagem no link original da matéria)
O cientista, em geral, busca respostas para uma questão ou muitas, que estuda por considerar importante, e com isso seu alvo é individual, enquanto o tomador de decisão precisa resolver o que afeta a coletividade, mesmo quando os temas se assemelham.
Ciência depende de tempo para que as perguntas sejam testadas muitas vezes e de diversas formas, produzindo indicadores suficientemente confiáveis sobre sua eficácia. Só aí o cientista se sente confortável em afirmar algo que possa publicar e divulgar. Já o tomador de decisões depende de respostas urgentes que o ajudem a sanar problemas prementes que demandam ações tangíveis.
No mundo científico, o debate é o processo que estimula a formulação de novos questionamentos, mas na resolução de questões concretas os acordos são fundamentais para o andamento dos processos que buscam resultados.
Reduzir a distância entre os mundos da Ciência, educação, comunicação e tomadas de decisão é o que precisa ser tratado com urgência. Não tem sido fácil, mas vale trazer esse tema à baila. Segundo Claudio Padua (Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPÊ), a Biologia da Conservação surgiu para integrar caminhos e tentar sanar questões do que se apresentava como urgente, complexo e que demandava olhares amplos e interdisciplinares. Na angústia de contribuir, Claudio tem adotado a frase “à luz dos conhecimentos atuais…” para defender o que acha necessário que seja feito imediatamente, transmitindo ideias que acredita que tenham o potencial de ajudar a mitigar problemas correntes, sem correr o risco de ser contestado pela ciência de amanhã, que pode trazer informações diferentes daquelas que se apresentam como as mais viáveis na atualidade.
A comunicação da Ciência ainda é lenta
O fato é que o compasso da divulgação da Ciência ainda é muito aquém da necessidade com que os problemas se apresentam. A modernização dos meios de comunicação precisa ser mais bem aproveitada para integrar campos do conhecimento que contribuam com as necessidades atuais. Hoje, as notícias chegam em tempo real, o que difere de antigamente, quando se levava muito tempo para se ter conhecimento do que ocorria em locais distantes. O mundo mudou e muitas coisas, sem dúvida, para melhor. Mas a tecnologia é neutra e pode ser utilizada para o bem ou para o mau. E seu uso destrutivo e com informações errôneas precisa ser evitado e punido, como com as fake news, por exemplo.
Já se sabe que a natureza exige proteção, cuidados constantes e que não é infinita, como vem sendo tratada há séculos. No caso do Rio Grande do Sul, pelos artigos que agora despontam, sabe-se que as leis ambientais foram flexibilizadas nos últimos anos em favor de usos insustentáveis. Não só quem propôs deveria ser punido, mas todos que apoiaram esse revés irresponsável. Não é a natureza a vilã. Vilão é quem nega a Ciência e prioriza ganhos econômicos para alguns sem se preocupar com as consequências para muitos.
No Rio Grande do Sul, a natureza responde a esse retrocesso que poderia ter sido evitado ou muito minimizado. A Ciência e os conhecimentos adquiridos por anos em pesquisas não foram levados em conta.
A comunicação da Ciência, se aliada à educação e à tomada de decisões, certamente ajudaria a evitar desastres e a promover a formulação de planejamentos que levem a futuros saudáveis. O conhecimento científico precisa ser divulgado de maneira clara e com linguagem acessível para que todos compreendam e, mais importante, deve ser priorizado nas tomadas de decisão. Esse é o maior desafio, porque temos elegido pessoas que preferem não ouvir. Nosso futuro depende de ações responsáveis que trilhem caminhos que favoreçam nossa sobrevivência neste planeta.
A educação ambiental pode ser um campo para integrar saberes diversos e usos de linguagens adequadas nesse cenário que precisa urgentemente de uma ressignificação. É hora de repassar mensagens com os conhecimentos que já se têm a diferentes segmentos sociais, inclusive e principalmente, aos tomadores de decisão.
Nossa sobrevivência está em risco e mais uma vez estamos passando pelo aprendizado da dor e não do amor, que teria sido tão melhor! Que tenhamos a decência de agirmos com base nos conhecimentos disponíveis para evitarmos eventos dolorosas como os que estão ocorrendo no Rio Grande do Sul nesse maio de 2024 e que podem acontecer cada vez com maior frequência caso não coloquemos amor em nossas escolhas doravante.