UMA HISTÓRIA ENCANTADA VIVENCIADA EM UM PASSEIO NA FLORESTA: CONTEMPLANDO A APRENDIZAGEM LÚDICA, IDENTIDADE AFETIVA E INVESTIGAÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Adriana Backes1
Adriana Roveda Cornelius2
Claudia Marisa Vogel3
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar a importância da criança estabelecer uma identidade afetiva com o meio ambiente desde a mais tenra idade. O projeto intitulado Vamos passear na floresta do Parcão? que vem ocorrendo desde 2018, no Parque Henrique Luiz Roessler em Novo Hamburgo - Parcão, voltado às crianças da educação infantil e estudantes das séries iniciais do ensino fundamental, tem o propósito de integrar o encantamento proporcionado pela contação de uma história ao universo da educação ambiental, através da sensibilização para com os seres vivos, elementos e riquezas da natureza. O Parcão é uma Unidade de Conservação que conta com uma floresta urbana. O encantamento, a fantasia e a imaginação despertadas pela narração da história Odara na floresta, inspirada na fauna, flora, hidrografia e relevo do parque, agregados aos mistérios e seres mágicos da floresta, servem como mote propulsor para a vivência das experiências propostas, investigações e descobertas em meio à natureza. Os resultados demonstram que vivências com o ambiente natural levam a uma sensação de conexão e harmonia com os elementos naturais do qual, enquanto seres vivos, somos parte. Além disso, tais vivências - raras ou únicas no contexto urbano - proporcionam o encantamento, o deslumbramento e uma sintonia capazes de afetar de forma significativa os envolvidos, contribuindo na formação de um sujeito que cuida do seu entorno e do seu planeta, de forma envolvente e consciente.
Palavras-Chave: educação ambiental; identidade afetiva e literatura infantil
One enchanted story on a walk in the forest: learning, affective identity and research in environmental education
Abstract
The present article discusses the importance of children having affective identity with environment since childhood. The project Vamos passear na floresta do Parcão?, has been running since 2018, in Henrique Luiz Roessler Park, in Novo Hamburgo. It is designed for children's education and students in elementary school and aims to unite the enchantment for telling stories and environmental education. It also make the students pay attention to human and others beings, as well as nature's wealth and its elements. The Parcão is a conservation area and has an urban forest inside. Enchantment, fantasy and imagination are feelings awakened by Odara na floresta storytelling. It´s inspired by the park's fauna, flora, hydrography and relief. This features and mysteries and magical beings of the forest together are used to encourage these proposed experiences,investigations and discoveries around nature. The project's results show that
experiences with the natural environment develop a sense of connection and harmony with the natural elements and people and others beings that are part of it. Moreover, these rare or unique moments in urban context result in good feelings and an understanding that contributes to the formation of those who will take care of the planet in an engaging and conscious way.
Keywords: environmental education; affective identity and children's literature.
Introdução
Existe algo mais encantador do que desfrutar de um momento em meio à natureza ao som dos pássaros e do vento e ouvir uma história envolvente? E se a narrativa for recheada de empatia com outros seres da nossa fauna enquanto os personagens vivem aventuras e descobertas curiosas? Melhor ainda se as aventuras, descobertas e pesquisas nas quais os personagens se envolvem puderem ser vivenciadas no mundo real, em meios aos cheiros, cores e sons de uma floresta urbana. Estas vivências são possíveis sim. E é a respeito dessas possibilidades e experiências que trataremos neste artigo que irá descrever as vivências propostas às crianças da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo no parque da nossa cidade.
Estudos apontam para a necessidade das crianças terem experiências de contato direto com o espaço natural, vivências cada vez mais restritas nos tempos atuais, de emparedamentos e tecnologias. É cada vez mais comum observarmos crianças e até bebês, usando celulares e tablets com naturalidade do que vê-las interagindo com elementos da natureza. Vivências estas, fundamentais para a construção de um sujeito capaz de estabelecer relações afetivas e de cuidado com a natureza, que acabam por se desdobrar em ações mais conscientes e menos predatórias do ambiente natural. O presente projeto atende a esta necessidade que também está em consonância com o indicador Identidade Afetiva e Sensibilização, um dos princípios norteadores das ações da Educação Ambiental na rede municipal.
Não podemos esquecer de que a natureza pulsa em nós. Como nos lembra a educadora ambientalista, somos natureza:
Somos seres da natureza. Dela surgimos e para ela retornaremos. Somos seres biofílicos, isto é, oriundos e associados a uma grande rede que inclui e que compõe a vida em seu conjunto, elementos bióticos e abióticos (TIRIBA, 2014, p. 115)
Além disso, sabe-se que nos primeiros anos de vida, as crianças têm um imaginário muito rico e encantam-se por ouvir histórias. Desejam ser os personagens e viver as aventuras propostas na narrativa. A história narrada aos pequenos neste projeto, intitulado Odara na Floresta, apresenta seres da fauna e da flora, hidrografia, relevo e características do parque numa linguagem afetiva e sensível, convidando-os a identificarem-se e irmanarem-se no mesmo objetivo: o de contribuírem respeitando e cuidando do ambiente natural.
Nesse sentido é que nos propomos a oferecer o projeto de Educação Ambiental denominado Vamos passear na floresta do Parcão?, cujo objetivo é cativar as crianças para estarem na natureza a fim de ouvir uma história e, em seguida, viver a aventura inspirada na narrativa. O projeto é desenvolvido pelas educadoras ambientais do parque vinculadas à Secretaria Municipal de Educação (SMED) em parceria com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMAM). Os estudantes são envolvidos numa atividade divertida e animada, ao mesmo tempo que se propiciam aprendizagens lúdicas conectando-as de forma envolvente e afetuosa com a natureza local. O projeto está em consonância também com um dos princípios norteadores da educação infantil no âmbito nacional. Segundo o parecer 20/2009 que revisa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil é preciso propor às crianças:
Experiências que promovam o envolvimento da criança com o meio ambiente e a conservação da natureza e a ajudem elaborar conhecimentos, por exemplo, de plantas e animais, devem fazer parte do cotidiano da unidade de Educação Infantil. (Parecer 20/2009, p.16)
Além disso, oportunizar essas experiências desde cedo tendem a contribuir na formação de sujeitos comprometidos com a preservação do meio ambiente e da sustentabilidade do planeta.
Fundamentação Teórica
Histórias podem nos envolver de forma profunda e alcançar conexões e sintonias pessoais que não conseguimos dimensionar numa rápida análise. Mas, de qualquer forma, de uma maneira ou outra, todos nós sabemos o poder que uma história pode ter:
[...] Antes de mais nada, histórias criam conexão emocional. Falam ao coração e despertam a imaginação [...]pode nos levar da pura apreciação intelectual para um estado de enlevo emocional. (GUIMARÃES, 2017)
A contação de uma história, “[...] pode nos levar da pura apreciação intelectual para um estado de enlevo emocional”(GUIMARÃES, 2017), Sabemos assim, o valor de contar uma história a uma criança, especialmente quando temos por objetivo a Identidade afetiva e sensibilização com a natureza da sua escola, do seu entorno ou da sua comunidade.
As crianças, assim como os adultos, necessitam do sentimento de pertencimento, de identificarem-se afetivamente com os espaços naturais para que eles possam curtir, se conectar e cuidar deles, a fim de que estes sejam preservados por elas e também por suas famílias, que acabam contagiadas pelas alegrias e aprendizagens de seus filhos tanto quanto pelo valor que dão a este lugar. E elas, as narrativas, também auxiliam neste papel:
[...] histórias ajudam a criar ou reforçar o sentido de pertencimento. A conexão criada com as histórias são mais fortes, quanto mais próximas são da experiência, interesses, e expectativas dos próprios ouvintes. (GUIMARÃES, 2017)
Quando o objetivo é se conectar à natureza, nada como uma história de floresta encantada, seres míticos dos bosques que falam, mistérios a serem resolvidos, aventuras, animais e plantas que se comunicam com os personagens:
Uma história quer seja, um conto de fadas, lenda ou mito é sempre um “presente de amor” que se oferece às crianças e aos adultos, pois da relação de intersubjetividade entre o texto e o leitor existirá quase sempre uma grande possibilidade de encontrar caminhos que nos ensinem alguns segredos da alma e da vida. (CAVALCANTE, 2002, p. 18)
A história Odara na floresta proposta neste projeto, retrata a aventura de crianças que se deparam com os mistérios, encantamentos, magias e lições que a natureza traz, envolvendo assim alguns dos segredos sugeridos por Cavalcante. A história oferece um convite às crianças para um passeio na floresta do parque para vivenciarem as aventuras que os personagens da história viveram.
Inspirada na floresta da nossa cidade, a história tem como objetivo envolver e conectar a criança com este ambiente natural, proporcionando o desemparedamento e o contato com a natureza, objetivos estes, que também são propostos por nossa rede de ensino:
Outro ponto importante é o “desemparedamento” favorecendo a relação dos sujeitos com a natureza. Quanto mais cedo iniciarmos o encontro da criança com a natureza, de forma lúdica e prazerosa, melhores serão os resultados, pois a criança contemporânea já nasce no ambiente urbano, com possibilidades muito restritas de viver a natureza. (NOVO HAMBURGO, 2019, p.25)
Ou seja, as rotinas diárias em salas de aula, casas, prédios, pátios, pisos com pouco ou nenhuma natureza são realidades que precisam ser repensadas:
[...] as crianças estão emparedadas: são mantidas, a maior parte do tempo, em espaços fechados, as rotinas não contemplam suas necessidades e desejos de movimentarem-se livremente nos pátios, sob céu, em contato com o sol, a terra, a água.[...] Como aprender a respeitar a natureza se as crianças não convivem com seus elementos? (TIRIBA, 2007, p. 220 – 221).
Uma das possibilidades de sair dessa rotina e estabelecer uma interação que seja capaz de criar uma identidade afetiva, de forma lúdica e divertida, promovendo aprendizagens significativas e estimulando a criança a naturalmente cuidar e proteger a natureza é o objetivo desse projeto intitulado: Vamos passear na floresta do Parcão?.
Entendemos que a aprendizagem não está condicionada à sala de aula, especialmente se o tema a ser desvendado for o ambiente natural. A floresta é um destes lugares onde a aprendizagem pode se dar. Para Léa Tiriba ela se dá além dos muros escolares:
[...] é fundamental investir no propósito de desemparedar e conquistar os espaços que estão para além dos muros escolares, pois não apenas as salas de aula, mas todos os lugares são propícios às aprendizagens: terrenos, jardins, plantações, criações, riachos, praias, dunas, descampados; tudo que está no entorno, o bairro, a cidade, seus acidentes geográficos, pontos históricos e pitorescos, as montanhas, o mar... (TIRIBA, 2010, p.9)
No final da década de 1980, em decorrência da necessidade da população hamburguense de mais verde em meio à cidade, numa mobilização junto à comunidade liderada pelo Movimento Roessler para Defesa Ambiental, com apoio da UPAN (União Protetora do Ambiente Natural) cria-se no município de Novo Hamburgo um parque com uma floresta urbana, o Parcão. A área foi adquirida pela prefeitura do município mediante aumento temporário da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) dos seus moradores, preservando assim um patrimônio natural, histórico e cultural de valor imensurável. Trata-se da maior área verde da zona urbana de Novo Hamburgo, medindo 54 hectares, classificada como ARIE:
Atualmente o Parcão está inscrito no Órgão Estadual como uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, classificado como uma ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) e é considerado um pulmão verde da nossa cidade. É dentro deste ambiente natural, rico em biodiversidade, com diversos exemplares de fauna e flora que ocorrem atividades de Educação Ambiental.(BACKES, A.; SILVA, R.L, 2017)
A elevação de categoria de área verde a ARIE, foi de fundamental importância, pois é uma forma de garantir por lei, uma preservação maior desse espaço pela comunidade. No entanto, o que, de fato, contribui com a preservação é o valor que a comunidade, que mora nos seus arredores e que usufrui deste espaço, atribui a essa área e que acaba por desdobrar-se em atitudes de preservação ou de depredação. E é aqui que o papel da Educação Ambiental nesse espaço, torna-se fundamental:
Fica evidente que no entorno de reservas e de áreas de proteção ambiental, a sustentabilidade local passa necessariamente pela Educação Ambiental de suas comunidades, pelo favorecimento da biofilia desde a mais tenra idade. (TIRIBA, 2014, p. 68).
Além disso, pesquisas demonstram que quando escolas interagem e ocupam espaços públicos, as depredações no local ao longo do tempo diminuem. É o que assegura a bióloga e socióloga Rita Mendonça. Segundo ela:
A ocupação das praças pelas escolas acabou com as frequentes depredações. Esta é uma iniciativa que poderia ser levada para todas as cidades, pois traz benefícios recíprocos, tanto para a escola, ampliando as possibilidades de ensino/aprendizagem, como para a área ambiental, ampliando suas parcerias com os cidadãos, que ajudam a cuidar enquanto aprendem a interagir com os espaços públicos. A ocupação das praças pelas escolas acabou com as freqüentes depredações destes espaços. (MENDONÇA, 2015, p. 60).
Metodologia
A cidade de Novo Hamburgo tem a alegria e o privilégio de ter uma floresta urbana de 54 hectares como uma Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável. Classificado como Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) conta com fauna e flora características da região. Além da área restrita que abriga e protege espécies nativas ameaçadas e endêmicas, há também espaço de lazer, trilhas para percorrer e atividades de Educação Ambiental.
Dentre as ações desenvolvidas pelo departamento de Educação Ambiental do parque está o projeto Vamos passear na floresta do Parcão? A sistemática inicia com o agendamento das escolas interessadas em participarem da atividade. As crianças da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental, especialmente da rede municipal de ensino, no dia e horário combinados são inicialmente acolhidos pelas professoras do projeto. Em seguida, os alunos são convidados a ouvirem a história Odara na floresta sentados em tecidos coloridos estendidos sobre a grama à sombra das árvores do nosso parque.
Neste momento é contada a história que foi inspirada na fauna, flora, relevo e hidrografia do parque. Uma professora conta a história, enquanto a outra fixa com prendedores as ilustrações da narrativa no varal literário. Concluída a narração da história, é feito um convite às crianças: Vamos passear na floresta do Parcão? Diante da empolgada aceitação, as crianças recebem um binóculo (feito de rolinhos de papel higiênico e fio) e assim que penduram em seus pescoços passam a olhar através deles para a paisagem a sua frente. Naturalmente os alunos passam a se sentir como verdadeiros investigadores e detetives da natureza, como eles mesmo se nomeiam. Ludicidade esta que é reforçada pelas professoras que se unem a eles neste mundo imaginário, de faz-de-conta, e incentivam propondo: “o que será vamos ver e descobrir na floresta?”.
Adentra-se na trilha com este olhar atento, investigativo e pesquisador dos mistérios da floresta. Numa parada em meio a floresta, repleta de caminhos paralelos que levam a tocas e abrigos de animais imaginados e imaginários, estimulados na conversa entre adultos e alunos, os binóculos são trocados por lupas (confeccionadas com cds e varetas de churrasquinho) e a investigação passa a ser microscópica . Em seguida, numa área de declive, como na história ouvida, é hora de dar asas a imaginação e as crianças, uma a uma, alçam voo na pele do personagem que escolhem ser: “Eu sou..... uma borboleta, um super-herói, uma fada....” gritam eufóricos. Voo que os deixa extasiados e que faz com que queiram repetir a aventura no caminho de volta.
Incentiva-se, durante todo o percurso, a captar o que a floresta quer dizer, quando paramos em lugares para ouvir as raízes das árvores e o arroio a fim de que a natureza possa falar com as crianças, como na história. E assim as crianças “ouvem” e nos relatam o que a natureza fala: “Cuidem de nós, cuidem de toda a natureza, nós amamos vocês...” nos contam eles.
Ao sentir os aromas e ouvir os sons da floresta, encontrar os bichinhos, apreciar os cogumelos eles vão se conectando com esse cenário que estava na história e agora está vivo na sua frente.
Na época de inverno quanto temos os cogumelos vermelhos as crianças fazem ainda mais festa! Além de observarem estas espécies menos comuns, muitas delas “enxergam” fadas, duendes e os smurfs dos desenhos animados.
Concluída a trilha, as crianças se despedem da floresta e da mesma maneira que os personagens da história ouvida, organizam-se para o piquenique em meio à natureza. Sobre as toalhas coloridas partilham o lanche ao som da natureza e dos pássaros que costumam ficar próximos e também da cachorra do parque, a Amarela, mascote que se não acompanha toda a movimentação na trilha, ao menos se aproxima para receber o carinho da garotada. Numa breve conversa informal, em geral, antes do momento de divertirem-se na pracinha de brinquedos, perguntamos às crianças o que acharam da aventura. Já, os professores e pais/adultos acompanhantes são convidados a registrar impressões, apontamentos e sugestões em caderno próprio.
Resultados
Um menino de 4 anos saindo da floresta “pensa alto” (verbalizando espontaneamente)) enquanto caminha: “Hoje nós tivemos um dia de aventuras incríveis: As raízes e árvores que falam, o arroio que era lindo, brincar de voar na floresta....A gente viveu uma aventura que nem na história!”
O relato espontâneo desse menino é uma amostra do quanto a história pode contribuir com o fascínio, alegria, imaginação, empolgação que testemunhamos dentro da floresta.
Outro menino refere-se ao dia vivido em meio à floresta como o mais feliz da sua vida, deixando claro o quanto o estar em meio à natureza é gratificante e prazeroso. “A gente precisa cuidar da natureza para sempre sentir esse perfume” conclui ele para a professora.
Rita Mendonça coloca que: “o encantamento é fundamental para formar os alicerces de qualquer conhecimento”, enfatizando que “sem encantamento o conhecimento não nos afeta de verdade.” Ressalta ainda que o encantamento sobre o conhecimento e o encantamento sobre os fenômenos naturais diferem entre si, entretanto, ambos são fundamentais para que a aprendizagem ocorra de forma significativa:
É importante aqui fazermos as devidas distinções entre o “encantar-se com o conhecimento” e o “encantar-se com o fenômeno natural” propriamente dito. Se ambos são muito importantes, reconhecer a diferença entre eles é mais importante ainda. É comum darmos importância muito maior ao conhecimento do que à experiência. Mas quando entramos no campo das vivências com a natureza, somos desafiados a rever essa posição. Há muitas pesquisas bem fundamentadas que afirmam que, para melhores resultados na aprendizagem, a experiência aparece como tão importante quanto o conhecimento. (MENDONÇA, 2015, p. 25).
Relatos de professoras e familiares que acompanham os grupos reforçam a importância do envolvimento proposto às crianças numa experiência com sentido. Defendem que a atividade por ser lúdica, divertida, estimulante, instiga o contato com a natureza ao mesmo tempo em que remete a um mundo mágico que na faixa etária atendida, os envolve. “O contato com a natureza é fundamental para essa criançada tão virtual nos dias de hoje e esse contato traz a importância do planeta, dos animais e da flora” escreveu um pai que acompanhou a filha durante a proposta.
Os depoimentos confirmam a importância e a satisfação das vivências em meio à natureza e reforçam que os resultados são ainda mais significativos quando, na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, são instigadas pelo mundo da imaginação.
Muitos confessam que nunca estiveram no parque antes, tanto crianças quanto adultos, e mostram-se de forma quase que instantânea envolvidos e sintonizados com este ambiente natural.
Considerações Finais
Richard Louv, em seu livro, A Última Criança na Natureza, descreve que pesquisas feitas pelo mundo pontuam que adultos que se mostram preocupados com o meio ambiente tiveram oportunidade de ter contato direto com a natureza em sua infância:
Nancy Wells e Kristi Lekies,pesquisadoras da Universidade de Cornell, [...] olharam para uma vasta amostragem de adultos que vivem em zonas urbanas, com idade entre dezoito e noventa anos. [...] Perceberam que a preocupação dos adultos pelo meio ambiente e o comportamento relacionado a ele deriva diretamente da participação nessas atividades na natureza selvagem, (LOUV, 2016, p.169)
Zysmann (2008), escreveu um artigo em que registra um apanhado de relatos com especialistas ligados ao meio-ambiente no Brasil e concluiu que o contato com natureza, evocando momentos aprazíveis e intensos, se tornaram momentos significativos em suas vidas, tornando-se uma das fontes inspiradoras que os ligaram de forma afetiva à natureza e que culminaram em atitude pró-ambiente:
Se o contato com a natureza é recorrentemente narrado como fonte de prazer e satisfação, isto é um forte indicativo do seu papel como eliciador de atitudes pró-ambiente. A construção ideológica, fruto do momento social, revela-se marcante na formação da opinião, mas não se mostra mais presente do que as evocações afetivas dos depoentes. (ZYSMANN, 2008)
Além disso estas mesmas pessoas apontaram a influências de pessoas que os inspiraram com seus exemplos e atitude de encantamento, cuidado e conhecimento sobre a natureza: o pai, o avô, a professora, o professor, o naturalista Jacques Cousteau, entre outros.
O que coincide com o estudo feito pela psicóloga Louise Chawla com líderes ambientais que, atribuem, em sua maioria, o seu comprometimento com a natureza, por terem tido além desse contato direto com a natureza de forma divertida, alegre e aventureira, contato com um adulto que os inspirasse a se maravilhar e ser cuidadoso para com a mesma. Ou seja, a consciência ambiental destes, conforme a pesquisa, deriva de:
[...] uma combinação de duas fontes na infância e na adolescência: Muitas horas passadas ao ar livre em lugares selvagens dos quais há lembranças vívidas e uma adulto de referência que ensinou a ter respeito com a natureza. (LOUV, 2016, p.170)
E por fim, o autor acrescenta que outras pesquisas feitas em várias partes do mundo confirmam os resultados descritos acima. Além disso, se por um lado. Richard Louv, descreve em seu livro pesquisas que relacionam os benefícios do contato e envolvimento das crianças com a natureza, tanto para a sua própria saúde integral, como para sua formação enquanto sujeito consciente do seu papel na preservação ambiental, por outro lado, ele chama atenção do mundo para o que ele chamou de Transtorno de déficit de natureza, que, justamente, decorre, da privação de contato com a natureza, a que as crianças têm sido submetidas.
Além disso a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017, p.31), corrobora neste sentido. O capítulo da Área das Ciências da Natureza já aponta que “apreender ciência não é a finalidade última do letramento, mas sim, o desenvolvimento da capacidade de atuação no e sobre o mundo, importante ao exercício pleno da cidadania.”
Diante de todas essas colocações, buscamos oportunizar um momento ao ar livre, numa floresta, propiciando momentos envolventes e inspiradores para as crianças da educação infantil e das séries iniciais. “Vamos passear na floresta do Parcão?” é um convite para um passeio, uma aventura, uma trilha, uma investigação, um olhar atento e curioso, um piquenique. Esses são os ingredientes que lançamos mão para buscar encantar, alegrar, fascinar e empolgar as crianças a fim de que tenham conexões e ligações afetivas com a natureza da nossa cidade com o intuito de que se ampliem para a natureza de todo o Planeta Terra. E nessa “floresta encantada”, os professores e outros adultos participantes (do parque e responsáveis pela turma) entram no clima da magia, encantamento, investigações e descobertas, servindo de exemplo que contagia ainda mais a criança. Exercendo o papel de adulto que tem um relação de inspiração para a criança.
Na infância: protagonistas de uma brincadeira, de uma aventura, estudando, pesquisando e cuidando da natureza. Na vida adulta: ativistas, cientistas, cidadãos cujas ações são conscientes e em prol do meio ambiente. Uma ligação afetiva que se inicia na infância costuma virar um amor que pode durar a vida toda!
Referências
BACKES, Adriana.; SILVA, Rosemari de Lima e. O Movimento Roessler, o Parcão e a Educação Ambiental no Parcão. Disponível em: <http://movimentoroessler.org/o-movimento-roessler-o-parcao-e-a-educacao-ambiental-no-parcao/> Acesso em: 27 mai.2019, 11:25
BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF, 2017.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Secretaria de Educação Básica. Parecer Nº 20/2009. Revisa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: CEB/MEC. 2009.
CAVALCANTE, Joana. Caminho da Literatura Infantil e Juvenil Dinâmica e Vivências na ação pedagógica. São Paulo: Paulus, 2002.
NOVO HAMBURGO. Caderno Orientador 1- Fundamentos e Concepções da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo. SMED, 2019.
LOUV, Richard. A última criança na natureza. São Paulo: AQUARIANA, 2016.
MENDONÇA, Rita. Atividades em áreas naturais (livro eletrônico) São Paulo : Instituto Ecofuturo, 2015. 5 Mb; PDF.
TIRIBA, Lea; PROFICE, Christiana. O Direito Humano à Interação com a Natureza. In SILVA, Aida Maria Monteiro; TIRIBA, Lea. (orgs.) Direito ao ambiente como direito à vida: desafios para a educação em direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2014.
TIRIBA, Lea. O convívio com a natureza é um direito das crianças? Reflexões sobre educação, escola e divórcio entre seres humanos e natureza.. In SILVA, A.M.M.; TIRIBA, Lea. (orgs.) Direito ao ambiente como direito à vida: desafios para a educação em direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2014.
TIRIBA, Lea. Crianças da Natureza. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7161-2-9-artigo-mec-criancas-natureza-lea-tiriba/file>, p.9. Acesso em: 24 mai. 2019, 16:50.
TIRIBA, Lea. Desemparedamento da infância. Disponível em: <https://criancaenatureza.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Desemparedamento_infancia.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2019, 13h15.
TIRIBA, Lea. Reinventando relações entre seres humanos e natureza nos espaços de educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação, Coordenação Geral de Educação Ambiental: Ministério do Meio Ambiente, Departamento de Educação Ambiental, Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. Brasília: UNESCO, 2007.
GUIMARÃES, Bernardo. O poder de uma boa história para mobilizar as pessoas. Disponível em: <http://conexaoplaneta.com.br/blog/o-poder-de-uma-boa-historia-para-mobilizar-as-pessoas>. Acesso em: 22 mai.2019, 14:40.
ZYSMANN Neiman. O contato com a natureza como experiência significativa de vida: análise de entrevistas com especialistas ligados ao Meio Ambiente. Disponível em:<http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=575>. Acesso em: 28 mai.2019, 9:42.
1 Pós-graduada em Educação Ambiental, adrianabackes@novohamburgo.rs.gov.br, educadora ambiental do Parcão, prefeitura municipal de Novo Hamburgo,Rio Grande do Sul, Brasil..
2 Pós-graduada em Educação Ambiental, adrianacornelius@novohamburgo.rs.gov.br,, assessora de Educação Ambiental da prefeitura de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil.
3 Pós-graduada em Mídias e Educação.claudiavogel@novohamburgo.rs.gov.br, educadora ambiental do Parcão, prefeitura municipal de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil.
* Publicado originalmente na revista Saberes Em Foco, 2(1), 235–244. https://periodicos.novohamburgo.rs.gov.br/index.php/saberes-em-foco/article/view/41