EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADA À FAUNA: UM EXEMPLO DO MEDO AO AMOR

O conflito entre humanos e lobos nos Estados Unidos sempre existiu. Mas a educação ambiental conseguiu mudar uma realidade local

Suzana Padua

06 de junho de 2024

No norte dos Estados Unidos, a presença de lobos em áreas com moradias era motivo para esses animais serem vistos como monstros - Foto: US National Park Service (ver imagem na página da fonte)

Quando se trabalha com conservação de espécies, um programa de educação ambiental pode contribuir significativamente para a proteção do animal ou animais que se quer proteger. Informações científicas são valiosas, mas devem ser repassadas em linguagem acessível a todos os públicos da localidade para que haja apoio, orgulho e engajamento com medidas que aumentem a proteção das espécies e de seus hábitats. É importante também pensar em formas de atingir tomadores de decisão, sejam eles locais ou aqueles que residem em capitais ou locais distantes das regiões onde as espécies ocorrem.

Regionalmente, o valor das espécies e de seus hábitats precisa ser compartilhado de maneiras diferentes para que o maior número possível de pessoas, segmentos sociais e setores da sociedade compreendam e queiram se envolver com sua conservação. Programas com esse intuito podem ser elaborados para crianças, jovens e adultos com maior ou menor teor educativo e recreativo.

Para crianças e jovens, mesclar aulas com conceitos e conteúdos científicos com jogos e atividades artísticas, como desenho, música, dança e encenações teatrais, tem se mostrado eficaz. Visitas de campo também são recomendáveis, sempre aliando experiências sensoriais com repasse de conhecimentos sobre a natureza que se está experienciando. Essas vivências, muitas vezes, ficam na lembrança dos participantes por toda a vida. Vivenciar a natureza, mesmo sem avistar o animal tema do programa, pode trazer impactos positivos como interesse e desejo de engajamento para proteger a espécie e seu hábitat.

Exemplos de atividades com crianças e jovens incluem palestras interativas, caça-palavras, jogos de tabuleiros e adivinhação, além de resolução de problemas específicos em grupo. O ideal é que se incentive todos a expressarem suas ideias e opiniões. O engajamento traz orgulho de pertencer e de contribuir para algo que beneficie a região e o planeta. A participação facilita que o professor ou líder da atividade guie as discussões, alinhando conhecimentos, mas deixando margem para questionamentos e criatividade.

Atividades com crianças na natureza – Foto: IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas (ver imagem na página da fonte)

Por exemplo, pode-se propor um grande plano de proteção de uma espécie e seu hábitat levando em conta ideias e opiniões compatíveis com as perspectivas científicas que já existam e, posteriormente, levá-lo a autoridades locais para possíveis medidas protetivas. Outra forma de envolvimento e empoderamento dessa faixa etária é por meio de exposições de trabalhos artísticos e eventos que atraiam parentes, sejam adultos ou da mesma faixa de idade. Competições devem ser evitadas para desestimular vencedores ou perdedores. Todos ganham por estarem juntos na elaboração de estratégias que aumentem as chances de proteção da espécie e de seu habitat.

Lobos nos Estados Unidos: exemplo prático de educação ambiental

Dois expoentes da educação ambiental, Harold R. Hungerford e Trudi  L. Volk, descreveram, durante uma oficina que participei há muitos anos, uma iniciativa desenvolvida por uma de suas alunas, professora de escola. O caso foi passado no norte dos Estados Unidos onde havia lobos e o pavor a esses animais era geral. Mesmo selvagens, habitavam locais próximos de onde moravam pessoas que se deparavam com eles ao saírem pela manhã, por exemplo, para levar os filhos para à escola. Precisavam esperar até que as “feras” fossem embora para transitarem livremente.

Foi nesse cenário que a professora resolveu dedicar um semestre aos lobos como tema central. O primeiro passo foi pedir a seus alunos que desenhassem esses animais. Para sua surpresa, apareceram monstros horripilantes. Uns tinham chifres como um demônio, outros garras que lembravam gaviões e quase nenhum foi retratado como de fato era ao natural. Ficou clara a necessidade de trazer informações consistentes sobre esses animais. Convidou, então, especialistas para darem aulas sobre os lobos com noções de como viviam e como haviam ficado sem moradia adequada quando a cidade cresceu sobre seu território. Além disso, levantaram questões sobre quais as chances de eles sobreviverem se não houvesse apoio da comunidade local para sua proteção.

Em seguida, a professora pediu que os alunos fizessem pesquisas sobre os lobos e escrevessem redações, além de manterem um diário de anotações com seus achados, que eram compartilhados constantemente com todos. Solicitou, ainda, que os alunos entrevistassem seus familiares para descobrirem como pensavam a respeito dos lobos. Todos esses resultados foram debatidos em sala de aula e ficou claro que muitas opiniões dos entrevistados reforçavam o medo, enquanto poucos mencionaram que a região precisava ser vista como refúgio necessário para a espécie.

As palestras e as pesquisas conduzidas de forma interativa fizeram com que os alunos se apaixonassem pelos lobos a tal ponto de quererem os defender. Resolveram elaborar um questionário virtual amplo e o passaram para membros da cidade com um bilhetinho explicativo de porque estavam realizando a pesquisa. A professora os preparou para o caso de obterem poucas respostas, mas um número surpreendente foi recebido. Transformaram as respostas em gráficos que mostravam as diferentes opiniões e a necessidade de proteger a espécie, já que o medo imperava entre a maioria.

Resolveram, então, levar seus achados às autoridades locais, o equivalente no Brasil à câmara de vereadores regional. Enviaram carta solicitando audiência e participação em uma de suas reuniões abertas ao público, na qual apresentariam suas conclusões e sugestões do que poderia ser feito para que os lobos fossem melhor protegidos. A solicitação de receber os alunos foi aceita, dando a eles a oportunidade de apresentar as informações coletadas perante autoridades e público em geral. Prepararam um resumo dos conhecimentos adquiridos durante o semestre, incluindo os gráficos obtidos pela pesquisa realizada e sugestões de medidas protetivas que achavam pertinentes para que todos pudessem apoiar.

De modo a registrar a transformação de sentimentos dos alunos em relação aos lobos, a professora, ao final do semestre, pediu que os desenhassem novamente. A diferença entre o primeiro desenho (lobos monstros) e o último, já com as características reais do animal, indicava a mudança que havia ocorrido. Foi uma forma criativa que encontrou de avaliar o aproveitamento do semestre dedicado ao desenvolvimento de atividades relacionadas a esses animais. Ficou evidente a mudança de percepção dos alunos e o encantamento que passaram a ter pelos lobos.

O que fez essa professora de tão excepcional? Além de trabalhar linguagem oral e escrita com redações e anotações sobre as pesquisas realizadas, ou matemática com médias e gráficos, ou comunicação e valores como respeito às diferentes opiniões, ela trouxe aos seus alunos um senso de que eram capazes de transformar realidades indesejadas. Partiram de um problema, o estudaram profundamente e elaboraram medidas que poderiam aumentar as chances de mudar o que passou a incomodá-los. A ousadia de se apresentarem às autoridades regionais exigiu preparação e desembaraço, o que certamente deve ter sido desafiante a quem ficou com a incumbência de defender a causa publicamente. As soluções propostas juntaram os conhecimentos adquiridos e o câmbio de valores, nesse caso direcionado aos lobos presentes na região.

Esse é um exemplo que ilustra o papel da educação ambiental para a proteção de uma espécie da fauna, mas que pode inspirar outras iniciativas no Brasil ou no mundo.

Para quem tiver interesse de conhecer melhor o que pensam os autores citados, aqui vai uma de suas referências:

Hungerford, H. R., & Volk, T. L. (1990). Changing learner behavior through environmental education. The Journal of Environmental Education, 21(3), 8–21. 

Fonte: https://faunanews.com.br/educacao-ambiental-aplicada-a-fauna-um-exemplo-do-medo-ao-amor/