EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE LONGO PRAZO: O PROJETO DE CONSERVAÇÃO DO MICO-LEÃO-PRETO

O projeto que deu início à vida do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas está completando 40 anos. Uma trajetória em que a educação ambiental também foi protagonista

Suzana Padua

04 de julho de 2024

O projeto de conservação do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) está completando 40 anos em 2024! Começou pequeno, como trabalho de mestrado e doutorado do Claudio Padua, mas sua evolução deu origem à fundação de uma instituição, o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas). Serviu de laboratório vivo para a capacitação em campo de uma pequena equipe e evoluiu para um complexo sistema de ações interdependentes que se complementaram para responder a necessidades que surgiram ao longo do tempo. Muito cedo se percebeu que conservação exigiria bem mais do que conhecer a espécie e seu hábitat.  Foi necessário levar em conta nuances da região em que o primata ocorria, a história de sua ocupação e quem influenciava a conservação.

Hábitat do mico-leão-preto

O maior hábitat do mico-leão-preto que restava na década de 1980, quando o programa começou (e essa é a realidade até hoje), era o Parque Estadual do Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio (SP), com aproximadamente 35 mil hectares de floresta nativa, a chamada Mata Atlântica de Interior. Desse bioma resta bem pouco, mas sua diversidade é imensa e merece atenção e cuidados especiais. O mico é endêmico do estado de São Paulo e ocorria em uma vasta área entre os rios Tietê e Paranapanema. O desmatamento, no entanto, foi avassalador nos anos de 1950 e 1960, deixando apenas manchas de matas que, sem manejo, não seriam capazes de sustentar a sobrevivência da espécie, a não ser por ações como translocações (transferência de indivíduos de uma região para outra), além de contar fortemente com as populações existentes no Morro do Diabo.

Educação ambiental para a comunidade

Essa história precisava ser conhecida pelas comunidades locais quando o programa de educação ambiental teve início. O orgulho de se ter tantas espécies raras e únicas foi sendo construído com narrativas visando a compreensão de que a responsabilidade pela proteção de toda a riqueza natural que restava na região caberia a cada um e não somente aos órgãos ambientais oficiais. Até porque, esses raramente contam com pessoal e equipamentos à altura da responsabilidade que lhes cabe.

A noção de pertencimento foi uma das bases para despertar a vontade de engajamento em um objetivo maior; nesse caso, a conservação da natureza que beneficia a todos. A raridade do mico e o fato de ele ter sido considerado extinto por mais de 60 anos, sendo redescoberto em matas ainda existentes tão próximas de onde as pessoas viviam, traziam um sabor especial, que aumentava a razão para se ter orgulho e desejo de proteger as florestas naturais.

Desafios sociais que envolveram o projeto mico-leão-preto

O Parque Estadual do Morro do Diabo está localizado no oeste de São Paulo, em região conhecida como Pontal do Paranapanema, que alguns anos após o início do programa de conservação do mico-leão-preto tornou-se um dos maiores redutos de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A razão era a incerta titularidade da terra que ainda pertencia oficialmente ao Estado, antes decretada como área protegida, denominada de a Grande Reserva do Pontal. Terras griladas em grandes parcelas foram novamente griladas, desta vez em pequenos lotes distribuídos a assentados, que após anos de espera se aventuravam a desenvolver precariamente uma agricultura de subsistência.

Nesse intricado cenário, o programa de educação ambiental, que havia começado com certa ingenuidade nas escolas regionais, passou a incluir adultos de diversas realidades e contextos. Os habitantes da cidade de Teodoro Sampaio foram agraciados com festivais de músicas ecológicas, palestras e exposições de desenhos e peças de teatro. Entretanto, aqueles que viviam em assentamentos precisavam de outras abordagens, que incluiriam alternativas sustentáveis de melhorais de vida. As condições eram precárias e o destino das famílias assentadas não parecia promissor. Foi assim que passamos a oferecer oficinas sobre como estabelecer e manter um viveiro de mudas de árvores nativas, por exemplo, e sobre como plantar árvores que melhoram ambientes naturais e os lotes que as famílias haviam recebido.

O programa foi criando ramagens que visavam trazer benefícios às condições sociais e ambientais para as pessoas da região como um todo. O aspecto econômico foi sendo adicionado paulatinamente, na medida em que os participantes se tornavam eficientes na produção de mudas e no plantio de nativas dentro de critérios ideais à conservação, guiados pela equipe já madura do IPÊ. Muitas dessas iniciativas acabaram se transformando em empresas que vêm propiciando independência financeira a quem tinha tão pouco.

Claudio Padua e Gabriela Rezende (o iniciador do projeto e a atual coordenadora) em recente evento no Pontal chamado Manhã com Ciência, prática adotada pelo IPÊ para apresentar ao público os trabalhos realizados na região. Dessa vez, o tema foi a comemoração dos 40 anos do projeto de conservação do mico-leão-preto

Melhoria na qualidade de vida da comunidade garante sucesso ao projeto

O Pontal já chegou a ter 27 viveiros produzindo mudas nativas, mas hoje existem nove grandes e cinco empresas de reflorestamento, todos pertencentes a assentados do MST. Além dos ganhos financeiros, o programa atraiu apoiadores apaixonados pela conservação, uma vez que compreendem o valor do que está sendo feito por eles. Passam a ser importantes players e se sentem motivados a contribuírem com essas iniciativas. Nesse ambiente não ocorrem crimes como incêndios, retirada de árvores de matas nativas e tampouco coleta de animais para vendas ilícitas.

O grande aprendizado dessa fase da história é que a restauração pode trazer benefícios para gente e para a natureza. Mas depende de longo prazo, de um passo a passo atento, com avaliações constantes para o que avança e o que não surte efeito, o que exige humildade no aprendizado por parte de quem guia as ações.

Outra lição tem sido o valor de uma equipe interdisciplinar, uma vez que o trabalho exige frentes variadas de atuação. Cada um foi se especializando naquilo que mais se sentia capaz e cada área servia de complemento às demais. Hoje, o plantio de Corredores de Vida, que está sendo implementado, visa restaurar seis mil hectares de mata com apoio de empresas interessadas em compensar suas emissões e gerar crédito de carbono.

Em outros artigos aqui no Fauna News, descrevi algumas estratégias adotadas no programa de educação ambiental para a conservação do mico-leão-preto, inclusive as reuniões participativas que intitulamos de “Eco Negociação, um Pontal bom para todos”, ou atividades que realizamos em escolas e com público adulto. Por isso deixo os links ao final do texto, mas não entrarei em detalhes do que já foi relatado.

Planejamento pela continuidade do projeto

Nesses 40 anos, alguns períodos foram mais profícuos que outros. Muitas vezes, por anos tivemos fundos contínuos para realizar os passos que idealizamos enquanto outros períodos foram menos prósperos. Planejar, levantar fundos, executar, avaliar, ajustar, estar atento a novas necessidades e oportunidades e melhorar a performance geral sempre foram etapas importantes para que pudéssemos manter a qualidade do que estávamos fazendo.

Muitas frentes deram certo e os resultados confirmam, mas muitas iniciativas não tiveram sucesso. Em raras ocasiões tivemos que abortar projetos que havíamos iniciado, mas essa foi a vantagem de mantermos avaliações e um olhar crítico do que estava sendo realizado, pois assim pudemos evitar gasto de energia, tempo e recursos.

Os resultados do programa como um todo são muitos, incluindo a espécie do mico-leão-preto ter passado de “criticamente ameaçada” à “ameaçada” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Outro resultado é a quantidade de hábitat que vem sendo restaurado, o que pode ser visto por satélite e imagens da Nasa.

Mais uma razão de orgulho do IPÊ é como as comunidades hoje reconhecem o mico-leão-preto e o Parque Estadual do Morro do Diabo com toda sua diversidade como valores a serem protegidos.

Aprendizados obtidos ao longo de 40 anos

Particularmente no que concerne à educação ambiental nesses 40 anos, alguns resultados mostram o valor adicionado a um programa integrado de conservação de longo prazo. Educação ambiental foi contínua na região, por vezes mais forte e por outras menos, mas sempre esteve presente e muitas abordagens responderam a demandas percebidas como importantes. Numa visão retrospectiva, vale identificar alguns aspectos que influenciaram os resultados desse programa.

Educação é um processo e exige continuidade de longo prazo com ações diversas que cheguem a diferentes públicos de uma região.

Sensibilizar para uma espécie carismática, como o mico-leão preto, é mais fácil do que se o foco fosse outra menos atraente aos olhos humanos.

A capacitação da equipe é de fundamental importância para garantir qualidade e ousadia em abraçar novas frentes.

Educação ambiental contribui para a conservação de unidades de conservação, pois as pessoas locais passam a valorizar e se envolver com sua proteção (como foram diversos casos de fogo, por exemplo, em que muitos saíram para ajudar guarda-parques a apagar incêndios florestais, ou abaixo assinados em diversas ocasiões em que o Parque sofria ameaças).

Trabalhar comunicação juntamente com educação ajuda na divulgação das informações desejadas de forma atraente e com linguagens adequadas a segmentos sociais diferentes.

Tem sido importante estar atento às mudanças que ocorrem ao longo do tempo, como a presença repentina de assentamentos rurais, uma epidemia como a de Covid 19 e eventos climáticos extremos que exigem abordagens distintas das que vinham sendo realizadas.

Envolver o público escolar traz capilaridade na divulgação de informações que ajudam às causas conservacionistas ou outras que podem ser benéficas para a região onde se está trabalhando, além de formar possíveis futuros amantes da natureza.

Educação ambiental muitas vezes se torna ponto sinérgico dentro de um programa e uma instituição, juntando Ciência a outras áreas, e adquire ainda mais credibilidade quando tratada como Ciência, obtendo apoio de diferentes segmentos.

O envolvimento do setor privado contribui com aspectos como eficácia, mensuração de resultados e, por vezes, apoio financeiro ou serviços diversos.

Toda educação acaba sendo um ato político por trazer conhecimentos e opções de escolhas que, muitas vezes, suscitam opiniões contraditórias. Foi importante evitar posições partidárias que afastariam os que pensam se forma contrária. Precisa-se levar em conta que a cada quatro anos os cenários mudam, mas as causas como conservação e melhorias socioambientais permanecem.

Educação ambiental pode influenciar políticas públicas, como foi o caso da criação de uma nova área protegida, a Estação Ecológica Mico-leão-preto, em 2002, ou a inserção desse tema no conteúdo programático das escolas públicas do Pontal do Paranapanema.

Ganhar prêmios pelo projeto ou pelo trabalho de algum dos membros da equipe envolvida resulta em “holofotes” nas mídias nacionais e internacionais, que podem ser benéficas às causas conservacionistas, que tanto se quer divulgar.

A continuidade dos programas iniciados ou mesmo a introdução de novas frentes depende do empoderamento das equipes de trabalho, prescindindo, assim, da liderança de quem fundou ou criou as primeiras iniciativas.

Manter apoiadores sempre ativos com informações interessantes tem sido chave para a continuidade de recursos e apoios diversos. Importante lembrar que apoiadores são pessoas, muitas vezes também interessadas nos temas trabalhados.

Para saber mais

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Sobre o autor / Suzana Padua

Doutora em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília e mestra em educação ambiental pela Universidade da Flórida (EUA). Atua em educação ambiental desde 1988, quando criou um programa no Pontal do Paranapanema (SP) ligado a áreas naturais, espécies ameaçadas e envolvimento das comunidades locais. Realiza pesquisas em educação ambiental e publicou inúmeros trabalhos no Brasil […]