AO SAIR DA SALA DE AULA, PROJETO EXPLICA HISTÓRIA DO BAIRRO E RACISMO AMBIENTAL A CRIANÇAS
Atividades e aulas compartilhadas em escola pública do bairro de Perus, em São Paulo, fortalecem a conexão da turma com a história do território e o meio ambiente
por Danilo Daniel dos Santos
Localizado entre áreas remanescentes da Mata Atlântica, o bairro de Perus, em São Paulo (SP), conta com aproximadamente 80 mil moradores. Para integrar os alunos do 4º ano do ensino fundamental da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Philó Gonçalves dos Santos ao contexto histórico e ambiental da região, marcada por um passado de impactos socioambientais, como aterros sanitários e pedreiras, criei o projeto “Pequenos guardiões”.
Desde
2021, a EMEF se associa à FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo) para ampliar seu
espaço educativo. Com
o apoio
da universidade,
um terreno abandonado de mais de 14 mil m² ao lado da escola foi
transformado no Eco-Parque
Escola Philó.
Professores,
gestores e a comunidade escolar agora zelam pelo espaço, e
nós, educadores, somos convidados a desenvolver projetos ali –
tanto que, para essa iniciativa, contei com o apoio do coordenador
Eder Daniel.
Uma parte essencial para o cuidado com o eco-parque foi a formação continuada dos professores, que participaram de oficinas sobre educação ambiental, metodologias ativas e “desemparedamento” da educação. Essas aulas garantem que as atividades ao ar livre estejam sempre alinhadas às práticas pedagógicas da escola e aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU (Organização das Nações Unidas).
As aulas acontecem no contraturno da escola
Primeiros passos
Sou
professor de história e atualmente trabalho no laboratório
de educação digital, mas sempre gostei muito de
atividades relacionadas à natureza e à conservação
ambiental. E assim nasceu o projeto “Pequenos guardiões:
explorando e preservando com a EMEF Philó Gonçalves dos
Santos”.
Nossas aulas acontecem no eco-parque,
permitindo que as crianças explorem o território e
cuidem da natureza, tornando-se monitores ambientais enquanto
aprendem sobre biodiversidade e sustentabilidade. Antes disso,
iniciamos pesquisas sobre o histórico ambiental e social da
região. As atividades interdisciplinares, realizadas no
contraturno, buscam ressignificar a conexão da turma com o
território e a natureza.
Contexto histórico
Perus
faz divisa com Caieiras, Cajamar e Osasco, além dos distritos
de Jaraguá e Anhanguera. As políticas públicas
do século passado escolhiam as áreas periféricas
para derrubar as matas e instalar lixões, fábricas
poluidoras e pedreiras. Por quê? Para que funcionassem longe do
grande centro, deixando marcas significativas ao bairro da periferia,
com sérios danos ao meio ambiente – sem contar a
degradação do solo e a poluição dos
rios.
Debati com os alunos a instalação
desses empreendimentos para apresentar a eles a temática do
racismo ambiental. O termo foi criado há aproximadamente 50
anos por Benjamin
Franklin Chavis Jr.,
líder dos direitos civis nos Estados Unidos, para destacar
como a crise climática afeta injustamente os moradores das
periferias. E quais são as consequências que enfrentamos
em Perus? Nosso bairro abrigou a primeira fábrica de cimento
do país, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus
(1926-1980), fechada por pressão popular. Os “Queixadas”,
trabalhadores da antiga fábrica, lideraram a maior greve da
história do Brasil.
O apelo popular também
abordava a degradação da natureza. Minha intenção
é que a turma, mesmo pequena, desenvolva conhecimento
histórico e reflita sobre como a distribuição
desigual desses danos ambientais está refletida nas injustiças
sociais.
Não daria para realizar uma pesquisa ambiental completa se eu não mostrasse o passado da região, marcado por violações de direitos humanos que também influenciam a degradação ambiental.
De maneira sensível, realizamos rodas de conversa. Além do eco-parque, a escola está ao lado do cemitério Dom Bosco. Perguntei se eles sabiam o motivo de o cemitério ter sido construído ali. Por que ocupava um espaço tão grande? A instalação do próprio cemitério, em 1971, em uma região periférica e extremamente pobre, teve pouca fiscalização e impactou a natureza ao redor.
Expliquei
que, quando inaugurado, a intenção era enterrar
indigentes, mas os governantes passaram a utilizá-lo para
enterrar pessoas perseguidas. Muitos alunos conheciam o cemitério,
mas desconheciam a história da Vala Comum e do memorial
instalado ali para preservar a memória. Acho importante
apresentar temas difíceis aos pequenos, desde que tomados os
devidos cuidados, claro. À medida que os alunos crescem, podem
aprofundar-se ainda mais nesse assunto.
Para abordar tais
assuntos, busquei estratégias e exemplos práticos e
fáceis de entender. Um exemplo vem das comparações:
qual a diferença entre bairros que têm acesso a áreas
verdes e aqueles que não têm? No nosso caso, ainda somos
afetados por lixões e poluição. E o que acontece
em outras regiões?
Atividade no eco-parque
Visitas a campo
Levamos
o debate para fora da sala de aula, explorando os espaços
educativos do território: o eco-parque e a horta
agroecológica. Esses locais, conquistados por professores e
alunos, foram mapeados como áreas de aprendizagem ao ar
livre.
Realizamos visitas para avaliar a infraestrutura,
como trilhas guiadas e espaço para cultivo e interação
com a natureza. Aproveitamos a caminhada para fazer algum exercício
físico e recolher o lixo que encontramos por ali.
A
turma sempre trabalha em equipe, observando, tocando a terra,
identificando espécies de plantas e animais do eco-parque. Na
horta agroecológica, plantam e cuidam da colheita, trabalhando
em equipe e desenvolvendo senso de responsabilidade.
O projeto também enfatiza a interdisciplinaridade: em ciências, os alunos estudam a biodiversidade local, enquanto em geografia compreendem o impacto ambiental das atividades humanas. Também visitamos o Cemitério Dom Bosco, pois minha proposta sempre foi unir a consciência social à disciplina de história.
Os
materiais utilizados incluíram livros didáticos, mapas
da região, ferramentas de jardinagem, mudas de plantas,
material de limpeza e conservação das trilhas,
pranchetas para anotações, lupas e tablets para
registrar audiovisual das atividades.
A turma também
registra suas experiências, tanto em diários de campo
quanto por meio de fotos e vídeos. Esses materiais são
usados em atividades de reflexão e produção
textual, para expressar suas aprendizagens e sentimentos sobre o
processo.
Os
alunos se sentem orgulhosos ao reconhecer a importância de ser
um cuidador do parque e do território onde estudam e vivem. E
não só isso: ser um guardião também gera
empatia e maior conscientização sobre questões
sociais e ambientais.
O impacto mais evidente é ver
como eles entenderam o que significa ter o eco-parque e a horta como
ambiente de aprendizagem, e não só a sala de aula. O
nosso território não é só a escola, não
é só dentro dela que a gente aprende.
Horta agro ecológica
Desafios
A EMEF
(Escola Municipal de Ensino Fundamental) Philó Gonçalves
dos Santos se
destaca na rede municipal de São Paulo por promover uma
abordagem inovadora de educação, o que fortalece o
sentimento da comunidade. Mas há desafios a serem
superados.
Entre as principais dificuldades encontradas
durante a implementação do projeto, estão a
falta de recursos financeiros para a manutenção
contínua da horta e do eco-parque, e a necessidade de uma
maior integração com a comunidade externa à
escola. Em algumas ocasiões, enfrentamos resistência de
parte da comunidade escolar, que inicialmente não reconhecia o
valor pedagógico das atividades fora da sala de
aula.
Reforçar o aprendizado por meio da
experiência prática é uma abordagem baseada nos
princípios da educação integral de Paulo
Freire,
que ressalta a construção do conhecimento de forma
contextualizada e crítica.
Preservar o meio ambiente, lutar por um espaço de lazer e aprendizagem é lutar por justiça social. Está tudo conectado: faz o aluno refletir e relacionar o conceito de racismo ambiental com a realidade ao redor.
Danilo Daniel dos Santos
Licenciado em história, pedagogia e filosofia, possui 19 anos de experiência na educação, incluindo três anos como coordenador pedagógico e 15 anos como educador na rede estadual e municipal de São Paulo.
Fonte: https://porvir.org/projeto-explica-racismo-ambiental-para-criancas/