Espaço
de Leitura Profa. Ana Lucia Santos de Jesus e a formação de grandes leitores
Luiza Nakayama (a)
Suely Amador Soares (b)
Claudete Prieto (c)
André Ribeiro de Santana (d)
Osmarina Maria dos Santos Dantas (e)
(a)
Doutora
(b) Bibliotecária da Paróquia Santo Antonio de Lisboa.
(c)
Mestre
(d) Mestre em Educação em Ciências e Matemáticas, professor da SEDUC, UFPA/NPADC-GPEEA/Sala Verde Pororoca
(e) Pedagoga Especialista
Autor para correspondência: Luiza Nakayama, lunaka@ufpa.br, fone: (91) 3201-7560. Universidade Federal do Pará, Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Científico, GPEEA/Sala Verde Pororoca. Av. Bernardo Sayão n. 1, Belém-PA/ 66000-000
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo narrar ações realizadas no Espaço de Leitura Profa. Ana Lucia Santos de Jesus, o qual funciona na Paróquia Santo Antonio de Lisboa, em Belém-PA, atendendo pessoas de todas as faixas etárias. As atividades ofertadas, de formas lúdicas e prazerosas, estimulam o gosto pela leitura: um passo para a “criação de grandes leitores”. Além disso, num contexto afetivo, trabalham a vivência em grupo, a criatividade, a capacidade de verbalização e a cognição.
Palavras-chave: Educação Ambiental, espaço de leitura, formação de leitores.
INTRODUÇÃO
Foi inaugurado em 27 de janeiro de 2005, em Belém – PA, o Espaço de Leitura Profa. Ana Lucia Santos de Jesus (homenagem a uma líder comunitária, morta precocemente), em um convênio entre a Paróquia Santo Antonio de Lisboa, Associação das Escolas Católicas (AEC) e o BNDES (Banco de Desenvolvimento), em Belém-PA, funcionando de segunda a sexta-feira, (das 16h às 20h30min) e aos sábados (das 8h às 11h) (Figura 1).
Inicialmente o acervo do Espaço de Leitura era de 120 títulos distribuídos em duas estantes de aço abertas. Atualmente, já são 680 obras distribuídas em sete estantes, catalogadas entre livros religiosos, didáticos, paradidáticos (literatura infantil, infanto-juvenil e juvenil) e enciclopédias, além de inúmeras revistas. O recinto também contém uma pequena Brinquedoteca.
O público alvo do Espaço são crianças e adolescentes da comunidade, do Projeto Cururu (financiado pelo Banco da Amazônia, no qual os participantes aprendem musicalização e canto coral), da catequese e de adultos que participam da Educação de Jovens e Adultos (EJA), portanto, a idade dos freqüentadores é bastante variável, sendo originárias, na sua grande maioria, de classes populares, que vivem abaixo da linha da pobreza.
Atualmente, através da Sala Verde Pororoca (convênio UFPA/Ministério do Meio Ambiente), coordenada pela primeira autora desse trabalho, a Sala de Leitura tem recebido doações de títulos relacionados à Educação Ambiental (EA), estando previstas outras atividades, como teatro de fantoches e palestras.
Sauvé (2004) em sua obra por uma educação relativa ao meio ambiente, reconhece o papel da EA como um componente essencial de uma autêntica formação fundamental e menciona que essa educação é reconhecida como uma dimensão integrante da educação contemporânea com características próprias estando longe de se limitar à transmissão de conhecimentos ecológicos ou a prescrição de competências cívicas responsáveis.
Para Vygotsky (2003, p. 238):
A estrutura comum da educação social está orientada para ampliar ao máximo os limites da experiência pessoal restrita, para organizar o contato da psique da criança com as esferas mais amplas possíveis da experiência social já acumulada, para inserir a criança na rede da vida com a maior amplitude possível. Esses objetivos gerais também determinam os caminhos da educação estética. A humanidade mantém, através da arte, uma experiência tão enorme e excepcional que, comparada com ela, toda experiência de criação doméstica e conquistas pessoais parece pobre e miserável. Por isso, quando se fala de educação estética dentro do sistema de formação geral, sempre se deve levar em conta, sobretudo, essa incorporação da criança à experiência estética da humanidade. A tarefa e o objetivo fundamentais são aproximar a criança da arte e, através dela, incorporar a psique da criança ao trabalho mundial que a humanidade realizou no decorrer de milênios, sublimando seu psiquismo na arte.
Neste contexto, estamos tentando buscar alternativas educacionais que contribuam para se repensar os avanços e tropeços da tríade: Educação Familiar (incluindo a religiosa), Educação Social e EA, como sistemas de referência, para a formação de pessoas cidadãs membros de uma sociedade. Assim, o objetivo do presente trabalho foi descrever e avaliar algumas atividades de fomento à leitura e aprendizagem não-formal no Espaço de Leitura Profa. Ana Lucia Santos de Jesus.
METODOLOGIA
O Espaço de Leitura é um ambiente climatizado, bastante acolhedor, com móveis removíveis e disposição de esteiras e carteiras (Figura 2), organizadas na possibilidade de formação de Roda de Conversa e Hora do Conto, de exposições individuais e coletivas – de textos ou de expressões plásticas (como pintura, desenhos e montagem de maquete) –, de montagem de jogos educativos. No espaço também ocorrem exibições de filmes em videocassete, graças a doações de uma locadora do bairro, tudo de forma a refletir relações pedagógicas concretas possíveis de serem desenvolvidas nesse espaço. A bibliotecária voluntária e co-autora desse trabalho, Suely, é responsável pelo atendimento ao público.
A Roda da Conversa (Figura 3), realizada após o término de qualquer atividade, serve para que os participantes façam orações e agradeçam as atividades realizadas naquele dia, relatando dificuldades e progressos obtidos, socializando conhecimentos, ou seja: tudo o que tem significado e pode ser compartilhado com os outros, pois, de acordo com Freire (1986), a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta, não pode prescindir da continuidade da leitura daquela.
Devido às características do estudo, foi utilizada a pesquisa qualitativa, para analisar as falas dos freqüentadores da Sala de Leitura, definida por Minayo (2002, p. 21-22) como aquela que:
Trabalha
com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização
de variáveis. [ ]
enquanto cientistas sociais que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos
apenas a região visível, ecológica, morfológica e concreta, a abordagem
qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações
humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas.
Dentre as abordagens qualitativas, escolhemos a investigativa – narrativa. Quando alguém opta por esse método, opta também por algo mais complexo, uma vez que o investigador se transforma em parte do processo. As narrações do investigador e do participante/sujeito da investigação se convertem em partes indissociáveis, graças à natureza da investigação, de uma construção e re-construção narrativa compartilhada (ARAGÃO, 2000, p. 5-6).
Para Bolzan (2002), o importante neste tipo de estudo é podermos recontar a nossa investigação, portanto, o investigador e os participantes assumem a responsabilidade de relatar os fatos vividos. De acordo com a autora “o sujeito que narra pode compreender-se, compreendendo o mundo. E compreendendo-se, compreende o outro. A compreensão é um ato dialógico”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Verificamos que os livros despertam mais interesses dos freqüentadores do Espaço de Leitura do que as revistas (Istoé, da Família, Seleções Reader Digest, gibis).
Partimos do pressuposto de que para se escrever com coerência e coesão textual, para que se possa ler com entendimento e fluidez, é preciso falar e ler muito. Por isso, o Espaço vem buscando contemplar a produção e os saberes orais, e, principalmente, a competência lingüística que os educandos têm de sua língua materna que, conforme sinaliza Paulo Freire, são “leituras de mundos que precedem as leituras da escrita”.
Algumas pessoas da comunidade começaram a freqüentar o Espaço de Leitura em busca dos livros solicitados como leitura obrigatória para o vestibular, como Lucíola, de José de Alencar. Após tomarem contato com a coleção “Para gostar de ler”, tornaram-se freqüentadores assíduos do local, procurando ficar “num canto, curtindo a leitura individual”.
De acordo, com a bibliotecária: o sábado é o dia mais procurado, pois o espaço é também utilizado para a catequese e após essa atividade as crianças são liberadas, mas a maioria não quer ir embora. Esta vontade de ficar no local se deve não apenas ao acervo para leitura, mas também por outros motivos (Figura 4), como cita uma criança: Eu gosto é de ficar na Brinquedoteca e ficar montando quebra-cabeça.
Sabemos que uma comunidade é formada por pessoas, pessoas estas que entre outras coisas têm direito à informação, proveniente dos vários meios de comunicação. Somente um povo bem informado é capaz de reivindicar seus direitos, cumprir suas obrigações, se preparar para um futuro promissor, intervindo em seu meio, tornando-o um “cantinho” melhor.
Ao pensar em amor à literatura, reportamos ao filme “Nunca Te Vi, Sempre Te Amei” (dirigido por David Jones e produzido em 1986), o qual prova o quanto a sensibilidade é capaz de unir as pessoas, não importando a distância. Demonstra também, que nenhuma tecnologia poderá extinguir nos homens o gosto pelos livros, como libertadores de nossos sonhos e imaginação!
Neste contexto, acreditamos que, ao contar histórias estamos estimulando a criança à leitura como algo indispensável e natural em sua vida. A história infantil alimenta a imaginação, aprimora o pensamento e amplia na criança sua compreensão de mundo, auxiliando-a na resolução de conflitos internos, já que ela incorpora o texto literário como parte da própria vida.
E como lembra Cecília Meireles que “não se pode pensar numa infância a começar logo com gramática e retórica: narrativas orais cercam a criança da Antiguidade, como as de hoje”. Assim, “mitos, fábulas, lendas, teogonias, aventuras, poesia, teatro, festas populares, jogos, representações várias” ocuparam, “no passado, o lugar que hoje concedemos ao livro infantil”. E acrescenta: “quase se lamenta menos a criança de outrora, sem leituras especializadas, que as de hoje, sem os contadores de histórias” (MEIRELES, 1984, p 55).
A "Hora do Conto" foi dividida, didaticamente, em quatro momentos: 1) a escolha da história - normalmente os ouvintes optam por um livro do próprio Espaço de Leitura, porém, algumas vezes, a história é contada de memória; 2) a narração da história - normalmente feita pela bibliotecária, visando despertar o gosto e o prazer pela leitura nos ouvintes; algumas vezes é solicitado que os participantes desta atividade leiam um “trechinho” (um parágrafo); 3) a discussão da história - a partir da narração, a contadora estabeleceu uma relação com a história em si, o contexto (autor e ouvinte), as ideologias originadas pelo texto e as dimensões semânticas e pragmáticas do texto e 4) interpretação crítica - a contadora apresenta atividades artísticas para os participantes, que através de desenho, pintura, modelagem, colagem, construção com sucata e maquetes podem interpretar criticamente o que lhes foi contado.
Por exemplo, após a leitura de
um texto que tratava de EA, a contadora programou um passeio pelo entorno da Paróquia,
sugerindo a construção de maquetes sobre a realidade em que vivem (Figura
Ressaltamos que foram dados alguns conhecimentos básicos de EA sobre reciclagem, salientando a importância de utilizar a sucata para poupar os recursos naturais.
Os participantes gostaram muito da atividade relacionada às maquetes e disseram que aprenderam muito, embora tenha havido manifestações negativas, tais como:
O
que adianta a gente separar o lixo, se no caminhão mistura tudo o que a gente
separa...
O
pessoal joga mesmo tudo no canal, até sofá... eu não vou conseguir resolver
esse problema.
Os depoimentos e as próprias maquetes refletiram a experiência dos freqüentadores do Espaço de Leitura com EA, enfocando a associação entre aprendizagem e lazer. Carece ressaltar que os questionamentos levantados pelos freqüentadores ensejam discussões e debates, nos quais surgem novas proposições para lidar com os obstáculos referidos nas falas.
Em se tratando especificamente da leitura, os freqüentadores do Espaço demonstram entusiasmo com os momentos desfrutados no local, pois, nem sempre tiveram o contato com a literatura escrita em seu cotidiano e no contexto da sala de aula, ela tem caráter avaliativo e esta atrelada a imposições de entendimentos e memorizações que devem ser demonstrados nas avaliações bimestrais. Alguns depoimentos revelam prazeres e benefícios decorrentes da leitura:
Eu gosto da Hora do Conto,
pois eu aprendo, prestando atenção em você (referindo-se a narradora).
Eu gosto de ouvir história
porque é diferente e fico curiosa para saber o que vai acontecer.
Agora eu consigo ler mais rápido
e certinho, pois aqui a gente treina a leitura.
Vindo aqui eu melhorei as
notas da escola.
No começo eu só ouvia as
histórias, agora eu também gosto de ler sozinha.
O livro é bom porque a
gente pode ficar imaginando os personagens do jeito que a gente quer.
Aqui a gente tem liberdade
de falar, de contar o que a gente acha e pensa.
O
Espaço é muito bom, porque não tem um espaço na comunidade e nem na escola,
e aqui a gente se sente bem.
Eu
tinha dificuldade de leitura, mas através dos livros, eu me interessei pela
leitura e as pessoas também me ajudaram, e assim, consegui passar no Projeto
Cururu.
Os
livros são bem interessantes, com muitas figuras e isso deixa a leitura mais
legal.
Percebemos que os participantes da Hora do Conto, normalmente procuram ler o livro da história contada, como se quisessem internalizar conhecimentos adquiridos.
Baseando em Freire (1986), consideramos que a Hora do Conto foi uma das atividades consideradas mais importante, pois a leitura que as pessoas trazem como patrimônio de sua singularidade e como ser cultural, precisa ser aprimorada para gerar novos saberes e dizeres, capazes de promover um conjunto de discursos que, incorporados ao cotidiano das comunidades, organizam e elaboram os mitos, as lendas, as histórias, as brincadeiras, as crenças, os valores e os conceitos tradutores da identidade de um grupo social específico.
Acreditamos que é através da cultura que nos conhecemos, conhecemos o outro e formamos nossa identidade (pessoal e coletiva), criando assim nossas raízes. Por isso, celebramos o momento da Roda de Conversa e Hora do Conto com apresentações de novidades, criação/exposição de produções do grupo como desenhos, maquetes e pinturas. São momentos em que os participantes não somente ouvem, mas também são ouvidos.
Considerações
finais
Acreditamos que o Espaço da Leitura está cumprindo o papel motivador, representando alternativa para que seus freqüentadores exercitem o raciocínio, a imaginação, o senso de observação e o pensamento lógico.
As atividades realizadas no local possibilitaram efetivar ações em EA, trabalhar a afetividade, a vivência em grupo, a criatividade, a capacidade de verbalização e a cognição. Além disso, a forma lúdica e prazerosa de trabalhar, vinculado ao cotidiano das crianças e adolescentes, contribuiu para que as pessoas demonstrassem gosto pela leitura: um passo para a “criação de grandes leitores”.
Em vista do sucesso do nosso Espaço e da demanda crescente, já solicitamos novas doações às editoras (Ática, Melhoramentos, Agir, etc) e aos paroquianos, baseadas nas sugestões dos próprios freqüentadores.
AGRADECIMENTOS:
A Paróquia Santo Antonio de Lisboa, pela cessão do espaço físico e a todos os voluntários que viabilizam as atividades desenvolvidas no local.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAGÃO, Rosália Maria Ribeiro. Uma interação fundamental de ensino e aprendizagem: professor, aluno, conhecimento. In: Schnetzler, R. P. (org). Ensino de ciências: fundamentos e abordagens. Campinas: Vieira, 2002.
BOLZAN, Dóris Vargas. Formação de professores: compartilhando e reconstruindo conhecimento. Porto Alegre: Mediação, 2002.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1986.
MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
SAUVÉ,
Lucie. Pour une éducation relative à
l’environnement. Quebec: Guérin, 1994.
VYGOTSKI, Lev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.