PROJETOS FOCADOS EM SUSTENTABILIDADE UNEM CIÊNCIA, TERRITÓRIO E COMUNIDADE
Finalistas do 27º Prêmio Educador Nota 10 tratam de soluções para resíduos tóxicos gerados por casas de farinha, imersão sensorial de bebês no universo marinho e mapeamento de riscos urbanos e ambientais
29/09/2025
Os projetos finalistas do Prêmio Educador Nota 10 2025 destacam soluções para resíduos da mandioca em quilombo, experiências sensoriais de bebês no mar e maquetes topográficas para riscos ambientais locais. Foto: Getty Images
O Prêmio Educador Nota 10 celebra sua 27ª edição em 2025. Com o objetivo de incentivar, promover e reconhecer boas práticas educacionais realizadas por professores e gestores da Educação Básica de todo o país, vai premiar projetos em três categorias: Direitos Humanos; Inovação e Tecnologia; e Sustentabilidade. Todos alinhados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que integram a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visam combater a pobreza e a desigualdade, assegurar o respeito aos direitos humanos, promover a preservação do meio ambiente e conter as mudanças climáticas.
Os três primeiros colocados em cada categoria serão premiados com R$25 mil, R$20 mil e R$15 mil, respectivamente. Além da premiação em dinheiro, os vencedores ganharão bolsas integrais para cursos de pós-graduação no Instituto Singularidades e acesso à PROFS, plataforma de formação continuada da SOMOS Educação.
Os professores responsáveis pelos projetos que alcançarem o 1º lugar em cada eixo temático disputarão ainda o título de Educador do Ano. Já as escolas onde atuam terão acesso gratuito à Red1000, plataforma de correção de redações da SOMOS Educação. O grande vencedor, que será conhecido no dia 28 de outubro de 2025, receberá uma doação de R$ 25 mil para a instituição onde o projeto foi desenvolvido.
A seguir, conheça os três projetos finalistas da categoria Sustentabilidade. Um projeto que mapeia pontos de vulnerabilidade ambiental na região da escola, outro dedicado à sustentabilidade em um quilombo e uma iniciativa que explorou as descobertas sensoriais de bebês em contato com o universo marinho evidenciam que a construção de uma comunidade escolar consciente e engajada com a preservação ambiental pode começar em qualquer idade e se estender para além dos muros da escola.
Soluções sustentáveis para resíduos tóxicos
Estudantes da ETE Paulo Freire, em Carnaíba (PE), criaram soluções sustentáveis para resíduos tóxicos da mandioca em casas de farinha, unindo ciência, comunidade quilombola e preservação ambiental. Foto: Acervo pessoal/Divulgação.
Quando Gustavo Santos Bezerra, professor de Química do 2º ano do Ensino Médio Técnico da ETE Professor Paulo Freire, em Carnaíba (PE), se viu responsável pela aula de Produções e Invenções Sustentáveis, ficou preocupado. Percebeu que a ementa da disciplina era bastante livre e que não havia um material de suporte estruturado. “As novidades sempre desafiam muito os professores. Expliquei para os alunos que o objetivo era analisarmos no nosso cotidiano os problemas existentes para propormos soluções e criarmos protótipos. E os convidei para observar seu entorno e pensar no que havia de errado”, conta ele.
Os estudantes da unidade vêm, em sua maioria, de pequenos municípios vizinhos, comunidades rurais e quilombolas. Duas alunas do Quilombo do Caroá levaram uma foto da casa de farinha que há no local, mas sem notar o quão degradada estava sua lateral. O professor começou então a indagá-los sobre a imagem: “o que tem nessa casa de farinha que pode gerar problemas para o solo e para os animais? Qual subproduto pode causar a morte de um animal? O que acontece com o solo?”
A partir desses questionamentos, a turma, dividida em grupos, começou a investigar soluções para os resíduos tóxicos gerados pelas casas de farinha, como as cascas de mandioca e a manipueira – líquido amarelado extraído da mandioca quando prensada para a fabricação da farinha, que contém ácido cianídrico.
Os alunos fizeram pesquisas para conhecer referências científicas do que já era feito com esses resíduos. A partir dessas inspirações, cada grupo fez seu pré-projeto, escrevendo qual seria o objetivo, a justificativa, os recursos necessários e a metodologia a ser empregada para a criação de um produto escolhido por eles. Antes de iniciar a etapa “mão na massa”, passaram por uma capacitação em técnicas laboratoriais para aprenderem a usar os materiais disponíveis. Segundo o professor, muitas tentativas de protótipos deram errado até que algum resultado satisfatório fosse alcançado.
“Pela primeira vez como professor, eu consegui desenvolver um projeto com toda a turma. Cada um dos seis grupos pensou em uma solução para os resíduos da casa de farinha. Verificamos diferentes possibilidades, como blocos de construção, madeira ecológica, plástico biodegradável, vinagre e biodigestores.”
Da feira de Ciências na escola, os protótipos criados pelos alunos partiram para eventos em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo e já conquistaram diversos prêmios, incluindo apoio financeiro para que as soluções encontradas sejam aplicadas na comunidade. Mas antes de partirem para outros locais, os moradores da comunidade quilombola foram os primeiros a receber a apresentação dos estudantes.
“Os alunos conheceram as histórias dos moradores e trabalhadores e apresentaram para eles as nossas descobertas de como as cascas de mandioca e a manipueira poderiam prejudicar o meio ambiente. Depois, falaram sobre as possíveis soluções que estavam investigando”, relata o professor. “A primeira coisa que ouvimos é que ninguém nunca tinha falado para eles o quanto aquilo podia ser prejudicial. E que, pela primeira vez, alguém estava olhando para os problemas deles. Nunca chegou até lá nenhuma organização para explicar os riscos: morte de animais, solo prejudicado, dor de cabeça e tontura em humanos.”
No segundo semestre de 2024, quando o projeto começou, até o momento, já foram realizadas três visitas à comunidade e outras estão no radar. As duas estudantes quilombolas fazem a interlocução entre escola e comunidade e representam ambas em todos os eventos. Atualmente, uma horta está sendo feita na comunidade, e o resíduo da manipueira, tratado nos filtros desenvolvidos no projeto, deverá ser utilizado como adubo. Segundo o professor, há a possibilidade de que, futuramente, a manipueira possa ser usada como substituta da água em alguns processos – como na primeira lavagem das raízes de mandioca e, parcialmente, na irrigação de hortas – já que a região é seca.
“Projetos de pesquisa restritos a poucos alunos sempre me angustiaram. Neste, a turma toda participou, e os alunos que começaram tímidos hoje apresentam seus protótipos com muita desenvoltura nas feiras. Participar desses eventos era um sonho que eu tinha quando criança, mas nunca tive a oportunidade [de realizá-lo]. Depois de muito trabalho, meus alunos conseguiram. Isso é muito recompensador para todos, e a realização de um sonho pessoal para mim”, diz Gustavo.
Projeto: “Dos resíduos aos recursos: proposta de reutilização dos subprodutos das casas de farinha do Quilombo do Caroá”
Educador: Gustavo Santos Bezerra
Escola: ETE Professor Paulo Freire
Cidade: Carnaíba (PE)
Por que é inovador? A partir de um importante aspecto da cultura de uma comunidade quilombola próxima à escola, a casa de farinha, o professor desenvolveu um projeto com os alunos. A iniciativa envolveu investigação e proposições de soluções diversas para os problemas ambientais gerados pela casa de farinha. Assim, foi possível mostrar que o tripé ensino, pesquisa e extensão pode ocorrer também na Educação Básica. Todos os estudantes da turma participaram e se envolveram na elaboração de soluções sustentáveis que não afetam diretamente a vida de todos eles, demonstrando empatia e preocupação com as questões ambientais.
Educação ambiental desde o berçário
Na Creche Maria Anunciada, em Paulista (PE), bebês exploram mar, areia e elementos naturais em experiências sensoriais que despertam vínculo afetivo e consciência ambiental desde cedo. Foto: Acervo pessoal/Divulgação.
Muitos profissionais que trabalham na Educação Infantil, principalmente com bebês, já ouviram que os pequenos vão para a creche apenas para serem olhados e dormirem. No contato inicial com as famílias, a educadora Marta Maria da Silva, da Creche Maria Anunciada de Arruda-Irmã Linda, de Paulista (PE), deparou-se mais uma vez com esse pensamento.
Além disso, percebia que a instituição desenvolvia um trabalho mais tradicional e focado em datas comemorativas. “No dia 4 de setembro, aniversário da cidade, as outras turmas estavam pintando a bandeira e conhecendo o hino do município. Eu resolvi, então, trazer comparativos de como a cidade era antigamente e como é agora. Fiz um mural para os pais verem e comentarem quando levassem o filho à sala. Além das trocas com os adultos sobre a cidade, plastifiquei as imagens e as deixei lá para que as crianças as manipulassem. Também contei a história da igreja”, destaca a professora sobre o início do projeto.
Como a cidade de Paulista é litorânea, Marta também quis trabalhar esse aspecto da geografia local com a turma de oito bebês de cerca de um ano de idade. Ela recolheu areia da praia e conchas e providenciou tecidos azuis de diferentes texturas, baldinhos de praia, peneiras e panelas para montar um ambiente sensorial para as crianças. Primeiro, a experimentação aconteceu dentro de sala e, depois de algumas semanas, na área externa.
“Algumas famílias me contaram que nunca levaram as crianças à praia, mesmo morando perto. Isso me tocou, então quis melhorar cada vez mais o projeto”, diz a professora. “No início, era para ser só um dia, mas a atividade se prolongou. Também levei para o lado da pesquisa – a areia, por exemplo, é um material desafiador para os bebês porque ela não tem forma. Aos poucos, eles perceberam que eram eles e os objetos que podiam dar formas a ela. As crianças que não gostaram da textura da areia puderam explorar outros elementos da natureza, como folhas e gravetos. Passar a água de um recipiente para outro também foi interessante para eles”.
Quando a creche recebeu um projetor pela primeira vez, Marta resolveu projetar o fundo do mar, com tubarão e muitos peixes, para a turma ver. “Parecia que estávamos dentro do mar! Alguns se assustaram e choraram, mas depois se acostumaram. Os pais também ficaram muito surpresos”, lembra.
Ela também aproveitou o projeto para estimular os movimentos e o brincar livre dos bebês. A partir do ambiente sensorial, as crianças tiveram autonomia para brincar com areia, com água, com os tecidos ou com qualquer outro material ofertado. “O tempo todo quero mostrar que as crianças são potentes, se comunicam, se desenvolvem. Teve bebê que chegou sem andar e sem mal saber engatinhar, pois os pais o deixavam o final de semana todo em um cercadinho. Mas, logo depois dessas experiências, ele conseguiu dar os primeiros passos. As famílias começaram a levar conchas e puderam ver na prática a importância do contato com a natureza e da exploração livre.”
Para ela, o cuidado com o meio ambiente começa com a relação afetiva com a natureza. “Ao observar o desenvolvimento das plantas, ao explorar o mar, a água, a areia e os elementos naturais, os bebês criam vínculos de pertencimento e respeito. Antes de aprender conceitos, eles precisam sentir, tocar e se encantar pelo mundo", finaliza.
Projeto: “Mar de descoberta”
Educadora: Marta Maria da Silva
Escola: Creche Maria Anunciada de Arruda-Irmã Linda
Cidade: Paulista (PE)
Por que é inovador? A experiência realizada com os bebês mostra que não é preciso esperar que eles cresçam para trabalhar conceitos envolvendo o meio ambiente. As crianças aprenderam brincando e explorando os elementos naturais e materiais com o corpo e de forma lúdica. A professora manteve uma observação atenta para acompanhar suas reações e seu desenvolvimento ao longo dos encontros, além de manter contato constante com as famílias.
Maquetes topográficas que aproximam estudantes da ciência e da realidade local
Na E.E. Governador Milton Campos (MG), alunos criaram maquetes topográficas do bairro para estudar riscos ambientais, fortalecer identidade local e propor soluções de transformação comunitária. Foto: Acervo pessoal/Divulgação.
A E.E Governador Milton Campos está localizada em um bairro periférico de São João del-Rei (MG). Assim como acontece na periferia de outras cidades, os moradores do bairro de Matosinhos sofrem com diversos problemas relacionados à infraestrutura, baixa renda, violência e estigmatização social. Por outro lado, o bairro também tem potencialidades, como vários comércios e áreas de lazer.
Foi percebendo a relação dos alunos do 1º ano do Ensino Médio com a região que o professor de Geografia Rafael César Costa Silva teve a ideia de desenvolver um projeto sobre o território. “Os alunos têm pouco pertencimento ao bairro, não entendem que fazem parte dele. E, por conta da estigmatização do local, eles têm vergonha de falar que moram no Matosinhos. Mas, se eles percebem as potencialidades, identificam-se e podem pensar em projetos para a transformação da realidade local”, explica o professor.
Segundo ele, quando a escola passou a ser de tempo integral, muitos alunos tiveram que sair para trabalhar e outros não conseguiram se adaptar à nova rotina escolar. Para manter o interesse dos estudantes, a escola tem trabalhado com projetos, e a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) é uma importante parceira para isso.
Na primeira etapa do projeto, o professor Rafael e a professora Carla Juscélia de Oliveira Souza, do curso de Geografia da UFSJ, levaram o mapa da cidade para que os alunos identificassem seu bairro e conversassem sobre o que eles mudariam no local e o que acham ou não perigoso em termos de estruturas geográficas. Depois, os professores fizeram uma exposição sobre o que é uma área de risco, suas causas e efeitos.
“O bairro possui muitas áreas de risco e vulnerabilidade, e eu quis mostrar como as mudanças climáticas o afetam. Expliquei que não podemos naturalizar essas situações nem nos sentir inferiores por conta disso. Pensamos na falta de políticas públicas e de planejamento urbano. Abordei muito a visão crítica deles: se eles moram ali, por que não pensar no histórico dos problemas e em mudanças?”, conta Rafael.
Depois, os professores levaram fotos do mapa do bairro e os alunos, divididos em grupos de aproximadamente nove estudantes, construíram maquetes topográficas de diferentes pontos do local. Recortaram as imagens, colocaram em faixas de papelão, uniram as partes uma sobre a outra e pintaram. Criaram assim uma curva de nível do bairro, recurso cartográfico para a identificação e a união de áreas que estão situadas na mesma cota altimétrica.
Por fim, o resultado foi socializado entre toda a turma. Ao olharem os relevos, os jovens foram convidados a pensar no que acontece ou pode vir a acontecer ali, como deslizamentos e enchentes, as pessoas que são atingidas e como o problema poderia ser evitado. Agora, as maquetes continuam na escola e podem ser usadas em aulas de diferentes turmas.
Rafael e Carla Juscélia fazem parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Educação e Riscos (Gepeger) e, em 2025, a parceria entre escola e universidade deve continuar no 4º bimestre. “Isso é muito importante, pois uma ajuda a outra. Se a universidade tem que aplicar pesquisa ou aula prática, tem a escola como laboratório. E se precisamos de arcabouço teórico, temos apoio da universidade”, afirma ele.
Projeto: “Riscos em perspectiva: o bairro Matosinhos em São João del-Rei (MG) em maquetes”
Educador: Rafael César Costa Silva
Escola: EE Governador Milton Campos
Cidade: São João del-Rei (MG)
Por que é inovador? Diante da urgência mundial em pautar as mudanças climáticas, os estudantes conseguiram olhar para sua realidade e ter no próprio bairro um laboratório de pesquisa. Para além do estudo da geografia física do espaço, o projeto abordou questões pessoais, como vivência, identidade e pertencimento à comunidade. Também é um exemplo de como a Educação básica e a universidade podem promover saberes ao estabelecerem parcerias.
Fonte: Projetos focados em sustentabilidade unem ciência, território e comunidade | Nova Escola